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Raízes da contabilidade orçamentária e patrimonial no Brasil

Resumo

Este artigo trata da influência italiana na contabilidade do setor público no Brasil do início do século XX. A análise aplica a metodologia de história estruturada e a vertente sociológica da teoria institucional. Narra-se o trabalho institucional desenvolvido pelo contador Carlos de Carvalho ao empregar uma nova metodologia contábil. Este estudo reposiciona a literatura sobre história da contabilidade no Brasil, pois propõe que a contabilidade dual (orçamentária e patrimonial) iniciou sua evidenciação conjunta em um município (São Carlos-SP), mas só alcançou sua integração no Estado de São Paulo sob a influência doutrinária e legal italiana. Seu uso foi difundido primeiro e transformado em lei depois. As raízes italianas da inovação contábil do início do século XX no Brasil continuam presentes no modelo atual, que vem sendo revisto pelo processo de convergência às normas internacionais de contabilidade do setor público (international public sector accounting standards [IPSAS]).

Palavras-chave:
história da contabilidade; influência italiana; contabilidade dual; contabilidade pública

Abstract

This article presents evidence of Italian influences on the Brazilian Public Sector Accounting in the early twentieth century, using the analytically structured history approach and the institutional theory. The study presents the institutional work developed by accountant Carlos de Carvalho in employing a new accounting methodology at the time. The article proposes a new perspective on the literature on the history of accounting in Brazil, suggesting that the emergence of budgetary and financial accounting was due to the innovation of local practices in a municipality of the state of São Paulo, and then expanded to the entire state, influenced by the Italian legal doctrine. Therefore, the use of dual accounting in Brazil during the early twentieth century was first disseminated in practice and transformed into legislation afterward. The Italian roots that influenced this movement are present in the current model, which is being reviewed by the current process of convergence to international IPSAS standards.

Keywords:
accounting history; Italian influences; dual accounting; public sector accounting

Resumen

El artículo presenta evidencias de la influencia italiana sobre la contabilidad del sector público en Brasil a principios del siglo XX. El análisis aplica la metodología de la historia estructurada y el aspecto sociológico de la teoría institucional. Se narra el trabajo institucional desarrollado por el contador Carlos de Carvalho al emplear una nueva metodología contable en ese momento. Este estudio reposiciona la literatura histórica sobre contabilidad en Brasil, puesto que propone que el surgimiento de la contabilidad presupuestaria y patrimonial se debió a la innovación de las prácticas locales en un municipio influenciado por los métodos empleados en la contabilidad dual italiana de la época, difundida y estandarizada en la ley. Las raíces italianas que influyeron en este movimiento permanecen presentes en el modelo actual, que está siendo revisado por el proceso actual de convergencia hacia las normas internacionales IPSAS.

Palabras clave:
historia de la contabilidad; influencia italiana; contabilidad dual; contabilidad pública

1. INTRODUÇÃO

A contabilidade do setor público no Brasil se encontra oficialmente em processo de convergência aos padrões internacionais desde 2008 (Gama, Duque, & Almeida, 2014Gama, J. R., Duque, C. G., & Almeida, J. E. F. (2014). Convergência brasileira aos padrões internacionais de contabilidade pública vis-à-vis as estratégias top-down e bottom-up. Revista de Administração Pública, 48(1), 183-206.), seguindo um movimento internacional de reformas (cf. Brusca & Martínez, 2016Brusca, I., & Martínez, J. C. (2016). Adopting international public sector accounting standards: a challenge for modernizing and harmonizing public sector accounting. International Review of Administrative Sciences, 82(4), 724-744.). Algumas práticas contábeis em uso há décadas vêm sendo alteradas e o foco do registro das transações contábeis mais voltados a registros orçamentários tem sido ampliado para o controle patrimonial (Aquino & Batley, 2016Aquino, A. C. B., & Batley, R. A. (2016). Accounting and fiscal reforms in Brazil. In 2016 EGPA Annual Conference. Utrecht, Netherlands.).

As práticas contábeis do registro das transações financeiras e econômicas, mesmo atualmente, baseiam-se em padrões estabelecidos no início do século XX. Dentre tais práticas se destaca a chamada contabilidade dual, na qual o registro contábil dos reflexos orçamentários e dos reflexos patrimoniais de um mesmo evento econômico se dá de modo concomitante e simultâneo, porém, segregado (são dois registros distintos). Com isso, dizemos que os registros da contabilidade orçamentária e patrimonial estão integrados na contabilidade dual.

A análise histórica da contabilidade do setor público brasileiro discutiu recentemente: a) seu desenvolvimento durante a Primeira República (Adde, 2012Adde, T. V. (2012). O fim do Império e o nascimento da República: o desenvolvimento da contabilidade brasileira durante a Primeira República (Master Thesis). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.); b) a adoção da técnica de partidas dobradas (que é o método utilizado para registro simultâneo dos débitos e créditos na contabilidade) pelo governo central (Adde, Iudícibus, Ricardino, & Martins, 2014Adde, T. V. (2012). O fim do Império e o nascimento da República: o desenvolvimento da contabilidade brasileira durante a Primeira República (Master Thesis). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.; M. Gonçalves, Lira, & Marques, 2013Gonçalves, M., Lira, M., & Marques, M. C. C. (2013). Finanças públicas e contabilidade por partidas dobradas: uma visita guiada pela literatura sobre as três figuras cimeiras do erário régio português. Revista Universo Contábil, 9(2), 142-173.); c) a comparação entre a previsão orçamentária e sua execução em municípios (Lopes & Hanley, 2014Lopes, L. S., & Hanley, A. G. (2014). Alice no País da Contabilidade: a aventura de duas historiadoras econômicas em registros contábeis do século XIX. Revista Contabilidade & Finanças, 25(Esp), 355-363.); e d) o desenvolvimento dos processos contábeis de Portugal no Brasil do período colonial (Rodrigues & Sangster, 2017Rodrigues, L. L; & Sangster, A. (2017). Accounting and the State: the Portuguese-Brazilian Empire. In M. Bigoni; & W. Funnell (Eds.), The Italian and Iberian influence in accounting history (pp. 259-283). New York, NY: Routledge.). Contudo, ainda há poucas pesquisas sobre a emergência e o desenvolvimento da contabilidade pública no Brasil (Rodrigues, Schmidt, Santos, & Fonseca, 2011Rodrigues, L. L; Schmidt, P; Santos, J. L; & Fonseca, P. C. D. (2011). A research note on accounting in Brazil in the context of political, economic and social transformations, 1860-1964. Accounting History, 16(1), 111-123.) e pouco se sabe sobre como ocorreu a construção e a disseminação das tecnologias contábeis em uso há décadas no país.

Este artigo apresenta a influência italiana sobre a contabilidade do setor público no início do século XX no Brasil, discutindo a introdução e a difusão da chamada contabilidade dual no setor público brasileiro, desde a transição do Império para a República em 1889 até 1922, quando foi publicado o Código de Contabilidade do governo central (Decreto n. 4.536, 1922Decreto n. 4.536, de 28 de janeiro de 1922. (1922). Organiza o Código de Contabilidade da União. Rio de Janeiro, RJ.). A análise sugere que a formulação, a organização e a difusão desse método de contabilização foram adaptadas de um modelo italiano à época. Apresentamos evidências de que a introdução da contabilidade dual foi um movimento bottom-up (Gama et al., 2014Gama, J. R., Duque, C. G., & Almeida, J. E. F. (2014). Convergência brasileira aos padrões internacionais de contabilidade pública vis-à-vis as estratégias top-down e bottom-up. Revista de Administração Pública, 48(1), 183-206.), que significa que o método foi estabelecido e difundido pelos próprios usuários, e depois formalizado na legislação. Assim, a inovação local inspirada no modelo italiano difundiu-se de maneira não compulsória até se tornar lei. Aquele processo foi diametralmente distinto das recentes mudanças propostas no processo de convergência às normas internacionais de contabilidade do setor público (International Public Sector Accounting Standards [IPSAS]), que são introduzidas primeiro por alteração legal compulsória, em um movimento de cima para baixo (top-down).

Adotamos a metodologia de história estruturada de modo analítico (Rowlinson, Hassard, & Decker, 2014Rowlinson, M; Hassard, J; & Decker, S. (2014). Research strategies for organizational history: a dialogue between historical theory and organization theory. Academy of Management Review, 39(3), 250-274.), e baseamo-nos em fontes secundárias e textos narrativos. Este estudo adota uma narrativa na qual o contador Carlos de Carvalho atuou como empreendedor institucional no processo de introdução e adequação do modelo italiano, trazendo ao Brasil o método da contabilidade dual no início do século XX. Tal método, adotado pelo Governo do Estado de São Paulo no início do século XX, tornou-se referência para outras jurisdições no Brasil e foi normatizado no Código de Contabilidade do governo central (Decreto n. 4.536, 1922Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia.). Esse movimento bottom-up, de raízes italianas, organizou o “caos” de então na prática da contabilidade pública da época e inaugurou o “período moderno da contabilidade” (Pinheiro & Pinheiro, 1998Pinheiro, J. C. P., & Pinheiro, A. V. (1998). Sebastião Ferreira Soares: um contador no Império. Revista Brasileira de Contabilidade, 112, 28-43.).

A contabilidade, como um fenômeno social, é influenciada e faz parte das estruturas sociais, portanto, é contextualizada (Ryan, Scapens, & Theobald, 2002Ryan, B; Scapens, R. W; & Theobald, M. (2002). Research method & methodology in finance & accounting (2a ed.). Andover, MA: South-Western.) e pode ser alterada ou reforçada pela atuação de grupos ou indivíduos (Neu & Graham, 2006Neu, D., & Graham, C. (2006). The birth of a nation: accounting and Canada’s first nations, 1860-1900. Accounting, Organizations and Society, 31(1), 47-76.). Nessa perspectiva, a análise histórica da contabilidade sob a ótica do empreendedor institucional tem sido amplamente utilizada em pesquisas na área contábil. Para exemplificar, Gomes, Carnegie, Rodrigues (2008Gomes, D., Carnegie, G. D., & Rodrigues, L. L. (2008). Accounting change in central government: the adoption of double entry bookkeeping at the Portuguese Royal Treasury (1761). Accounting, Auditing & Accountability Journal, 21(1761), 1144-1184.) analisaram o papel de empreendedor institucional do Marquês de Pombal na adoção de partidas dobradas em Portugal, em 1761. Baker e Rennie (2013Baker, R., & Rennie, M. D. (2013). An institutional perspective on the development of Canada’s first public accounts. Accounting History, 18(1), 31-50.) analisaram a atuação de empreendedores institucionais no processo de adoção do primeiro sistema contábil no Canadá. Além disso, Yamamoto e Noguchi (2013Yamamoto, K., & Noguchi, M. (2013). Different scenarios for accounting reform in non-Anglophone contexts: the case of Japanese local governments since the 1990s. Accounting History, 18(4), 529-549.) analisaram a transformação de sistemas de contabilidade baseados em regime de caixa para regime de competência entre os governos locais japoneses, desde a década de 1990.

Esta pesquisa contribui para a historiografia da contabilidade do setor público no Brasil de duas formas. Primeiro, trouxe evidências da influência italiana na introdução do relevante mecanismo contábil ainda utilizado, que permite contabilizar e evidenciar simultaneamente uma transação no orçamento e no patrimônio. Segundo, apresentou uma mudança criada e difundida no movimento bottom-up quando os meios de difusão eram escassos. Desse modo, o intenso processo prévio de teorização do método favoreceu sua incorporação e posterior manutenção nas leis. Tal aspecto se mostra relevante para a discussão do atual processo de mudanças contábeis, cuja teorização é baixa.

2. PERSPECTIVA TEÓRICA

A contabilidade pode ser entendida como um conjunto de práticas, conceitos e ritos justificados para aplicação, socialmente construída, em certo contexto e com determinado objetivo. Ao longo do tempo, tais práticas e conceitos podem tornar-se “institucionalizados”, ou seja, passam a ser amplamente aceitos e considerados apropriados e necessários para a organização (Tolbert & Zucker, 1996Tolbert, P. S., & Zucker, L. G. (1996). The institutionalization of institutional theory. In S. R. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 175-190). London, England: SAGE .). Alternativamente, como qualquer prática social, mesmo fracamente institucionalizadas, questionadas ou consideradas não apropriadas, são aplicadas por coerção legal.

Tais práticas, conceitos e ritos compartilhados e tidos como certos, “dados e não questionados”, são o que se convencionou denominar “instituições”. Tais instituições são estruturas sociais abstratas intrinsecamente duradouras. O modo como tais instituições surgem, persistem ou são alteradas constitui um tema de amplo estudo na literatura de sociologia e organizações (Greenwood, Oliver, Sahlin, & Suddaby, 2008Greenwood, R; Oliver, C; Sahlin, K; & Suddaby, R. (2008). Introduction. In Authors (Orgs.), The SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 1-46). London, England: SAGE.). Sabe-se que tais instituições são criadas, mantidas e alteradas por ações de grupos ou indivíduos (Hampel, Lawrence, & Tracey, 2017Hampel, C; Lawrence, T. B; & Tracey, P. (2017). Institutional work: taking stock and making it matter. In R. Greenwood; C. Oliver; T. B. Lawrence; & R. E. Meyer (Orgs.), The SAGE handbook of organizational institutionalism(pp. 558-590). London, England: SAGE .). A institucionalização pode ser estudada com foco nos processos (p. ex., Greenwood & Hinings, 1996; Tolbert & Zucker, 1996Tolbert, P. S., & Zucker, L. G. (1996). The institutionalization of institutional theory. In S. R. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 175-190). London, England: SAGE .), investigando o que ocorre com as práticas, como elas são transformadas, ou seja, a sequência de diversas formas e o conteúdo que elas assumem no tempo. Além disso, pode-se analisar o trabalho de grupos e indivíduos (daqui em diante, simplesmente atores) na tentativa de alterar ou moldar os processos, enquanto eles trabalham para criar, manter e romper as instituições. A última abordagem traz para o centro da questão a ação de tais atores, os chamados “empreendedores institucionais”, na criação, manutenção ou ruptura de instituições (Battilana, Leca, & Boxenbaum, 2009Battilana, J., Leca, B., & Boxenbaum, E. (2009). How actors change institutions: towards a theory of institutional entrepreneurship. The Academy of Management Annals, 3(1), 65-107.; Dimaggio, 1988; Hardy & Maguire, 2008Hardy, C; & Maguire, S. (2008). Institutional entrepreneurship. In R. Greenwood; C. Oliver; K. Sahlin; & R. Suddaby (Orgs.), The SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 198-216). London, England: SAGE .; Lawrence & Suddaby, 2006).

Os empreendedores institucionais podem ser indivíduos, grupos ou organizações. A ação de tais atores na criação, alteração e manutenção de instituições, segundo Lawrence e Suddaby (2006Lawrence, T. B., & Suddaby, R. (2006). Institutions and institutional work. In S. Wood, S. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Orgs.), The SAGE handbook of organization studies(pp. 215-254). London, England: SAGE .), alcança 10 formas distintas de trabalho institucional (não exaustivo), que podem ser agregadas em 3 grupos. No primeiro grupo, o empreendedor atua para reconstruir regras, direitos de propriedade e limites que definem o acesso a recursos materiais. No segundo grupo de trabalhos institucionais, o empreendedor atua na construção de identidades, na modificação de normas ou na construção de redes, o que enfatiza ações nas quais os sistemas de crença dos atores são reconfigurados. Por fim, o empreendedor pode atuar na mudança de significados, alterando categorizações abstratas que definem as fronteiras dos sistemas de significado.

Tais empreendedores institucionais são centrais para os processos institucionais (DiMaggio, 1988). Ressalta-se, porém, que o fato desses atores terem alguma reflexividade e desenvolverem as mencionadas formas de trabalho institucional não faz com que sejam atores heroicos (Hampel et al., 2017Hampel, C; Lawrence, T. B; & Tracey, P. (2017). Institutional work: taking stock and making it matter. In R. Greenwood; C. Oliver; T. B. Lawrence; & R. E. Meyer (Orgs.), The SAGE handbook of organizational institutionalism(pp. 558-590). London, England: SAGE .; Hardy & Maguire, 2017Hardy, C., & Maguire, S. (2017). Institutional entrepreneurship and change in fields. In R. Greenwood, C. Oliver, T. B. Lawrence, & R. E. Meyer (Orgs.), The SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 261-280). London, England: SAGE .). Tal condição é conhecida como “embedded agency” (Battilana et al., 2009Battilana, J., Leca, B., & Boxenbaum, E. (2009). How actors change institutions: towards a theory of institutional entrepreneurship. The Academy of Management Annals, 3(1), 65-107.; Thornton & Ocasio, 2008Thornton, P. H., & Ocasio, W. (2008). Institutional Logics. In R. Greenwood, C. Oliver, T. B. Lawrence, & R. E. Meyer (Orgs.), The SAGE handbook of organizational institutionalism(pp. 99-129). London, England: SAGE), em que tais indivíduos, mesmo quando reflexivos e buscando os meios e os fins de seus interesses, estão ao mesmo tempo sob influência das instituições que tentam mudar bem como de outras instituições das quais não têm consciência, ou cuja reflexividade é baixa, ou seja, tem sua capacidade de ação estruturada por instituições. Tais indivíduos, dentro de certos limites, conseguem visualizar contradições presentes em algumas instituições e propor mudanças nelas, convencendo, envolvendo, sensibilizando outros indivíduos ou organizações. Para isso, esse empreendedor deverá alavancar recursos, por exemplo, políticos, materiais, discursivos e relacionais, como a mobilização de alianças (Battilana et al., 2009).

Se a reflexividade pode ser maior ou menor, a literatura propõe alguns fatores que aumentam tal característica do empreendedor. Um deles é sua transição entre campos organizacionais diversos. Campos organizacionais são arenas de atuação em que um grupo específico de organizações e indivíduos compartilha um sistema de regras, crenças e significados comuns (DiMaggio & Powell, 1983). Ao circular por diversos campos, o empreendedor fica mais propenso a identificar as regras e os significados em cada campo, então, percebe as diferenças entre as instituições. Por exemplo, os atores que introduziram novas práticas de gestão na Dinamarca (denominada gestão da diversidade, uma estratégia de gerenciamento de recursos humanos sobre igualdade de emprego e ação afirmativa introduzida nos Estados Unidos da América [EUA] em 1964) já haviam sido expostos a essas práticas em tarefas profissionais anteriores na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e no Banco Mundial (Boxenbaum & Battilana, 2005Boxenbaum, E., & Battilana, J. (2005). Importation as innovation: transposing managerial practices across fields. Strategic Organization, 3(4), 355-383.).

Para propor mudanças em um campo, tais empreendedores poderiam, então, trazer ideias e/ou proposições de outro campo. Além de identificar a necessidade de mudar práticas, o empreendedor institucional conseguiria identificar novas práticas úteis que atenderiam às melhorias desejadas naquele contexto, como mencionado no caso da Dinamarca (Boxenbaum & Battilana, 2005Boxenbaum, E., & Battilana, J. (2005). Importation as innovation: transposing managerial practices across fields. Strategic Organization, 3(4), 355-383.). Essas ideias vêm sendo transladadas de um contexto para outro. Para que ocorra a mudança é necessário que o empreendedor desenvolva uma ou mais formas de trabalho institucional (Lawrence & Suddaby, 2006Lawrence, T. B., & Suddaby, R. (2006). Institutions and institutional work. In S. Wood, S. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Orgs.), The SAGE handbook of organization studies(pp. 215-254). London, England: SAGE .), como a “teorização”, buscando codificá-las de forma mais geral que permita sua posterior transmissão e decodificação por outros atores (Boxenbaum & Battilana, 2005; Strang & Meyer, 1993Strang, D; & Meyer, J. W. (1993). Institutional conditions for diffusion. Theory and Society, 22(4), 487-511.).

Alguns fatores podem favorecer a atuação do empreendedor institucional para a condução da mudança. A existência de problemas já identificados no campo organizacional, que podem gerar tensões e expor contradições, abre oportunidade para o surgimento de novas ideias, sobretudo em campos organizacionais emergentes, que não estão plenamente estabelecidos (Hardy & Maguire, 2008Hardy, C; & Maguire, S. (2008). Institutional entrepreneurship. In R. Greenwood; C. Oliver; K. Sahlin; & R. Suddaby (Orgs.), The SAGE handbook of organizational institutionalism (pp. 198-216). London, England: SAGE .). Para que essas ideias circulem, elas devem fazer sentido para indivíduos e grupos que as recebem e precisam ser vistas como tendo algum valor positivo, do contrário não receberão apoio ou recursos para ser implantadas (Meyer & Rowan, 1977Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutionalized organizations: formal structure as myth and ceremony. American Journal of Sociology, 83(2), 340-363.; Tolbert & Zucker, 1996Tolbert, P. S., & Zucker, L. G. (1996). The institutionalization of institutional theory. In S. R. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 175-190). London, England: SAGE .). As novas práticas são adotadas na extensão pela qual pareçam mais efetivas ou eficientes do que suas alternativas (Strang & Meyer, 1993Strang, D; & Meyer, J. W. (1993). Institutional conditions for diffusion. Theory and Society, 22(4), 487-511.).

A partir da ação de empreendedores pelo trabalho institucional realizado na teorização da nova prática, esta pode então ser adotada por outras organizações, por meio de um processo de difusão (Tolbert & Zucker, 1996Tolbert, P. S., & Zucker, L. G. (1996). The institutionalization of institutional theory. In S. R. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 175-190). London, England: SAGE .).

3. METODOLOGIA

Para analisar o surgimento e a difusão da contabilidade dual no Brasil, este estudo examinou os vestígios do processo de mudança das práticas de contabilidade no setor público entre 1889 e 1922. Adotamos a metodologia de história estruturada de modo analítico (Rowlinson et al., 2014Rowlinson, M; Hassard, J; & Decker, S. (2014). Research strategies for organizational history: a dialogue between historical theory and organization theory. Academy of Management Review, 39(3), 250-274.), baseada em fontes primárias (balanços, diários) e textos narrativos da época (fontes secundárias). Essa metodologia busca fundamentar-se em múltiplos documentos e textos com localizações verificáveis, para reconstruir uma narrativa em primeira instância a partir de documentos sociais primários, como as atas das reuniões e seus arquivos anexos, o que é menos suscetível de incorporar uma narrativa do passado como se fosse uma narrativa histórica original (Rowlinson et al., 2014). A validade das análises apresentadas (verossimilhança) é obtida por meio da lógica de verificação, na qual a localização exata das fontes deve ser fornecida para que estas possam ser consultadas a fim de verificar se suportam a colocação do historiador.

Na construção da narrativa história, utilizaram-se os conceitos da teoria institucional sociológica, sobretudo da literatura que trata da atuação do empreendedor institucional e do trabalho institucional, para compreender e relacionar as ações do contador Carlos de Carvalho no processo do surgimento das novas práticas à época e como elas foram difundidas para outros governos de então.

Para a coleta de evidências, realizou-se leitura e interpretação de documentos primários, alguns com testemunhos dos indivíduos da época, como os relatórios dos governos estaduais, em conjunto com objetos que retratem o fenômeno (como balanços e registros contábeis), além de fontes secundárias. A combinação dessas fontes compõe o conjunto de evidências de uma análise histórica (Carneiro & Barros, 2017Carneiro, A., & Barros, A. (2017). Uso de documentos para narrar a história de organizações: reflexões e experiências. Revista de Contabilidade e Organizações, 30, 14-23.). Os dados têm naturezas diversas. Primeiro, os autores acessaram arquivos históricos disponíveis em meio digital no(a): a) Hemeroteca da Biblioteca Nacional; b) Biblioteca Nacional; c) Memória Estatística do Brasil; d) Acervo Histórico da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo; e e) Biblioteca do Conselho Federal de Contabilidade - as buscas englobaram jornais, livros, revistas e registros contábeis do período em questão. Adicionalmente, a pesquisa analisou a legislação e os relatórios do Governo Federal e de governos subnacionais. No caso de São Carlos-SP, os dados primários foram colhidos in loco, na Fundação Pró-Memória do município.

Os dados coletados foram organizados em ordem cronológica, para viabilizar a reconstrução das etapas do surgimento e da disseminação das práticas contábeis analisadas. A pesquisa partiu da premissa de que não existe documento histórico objetivo, inócuo ou primário, cabendo ao pesquisador investigar criticamente as fontes materiais e contextualizá-las, minimizando os riscos de reproduzir a opinião dos envolvidos na documentação utilizada na análise (Carneiro & Barros, 2017Carneiro, A., & Barros, A. (2017). Uso de documentos para narrar a história de organizações: reflexões e experiências. Revista de Contabilidade e Organizações, 30, 14-23.). Sobretudo os dados de livros foram triangulados com outras fontes e documentos da época, a fim de reconstruir a trajetória narrativa. Contudo, reconhecemos que persiste uma limitação no referido método, pois as narrativas que constituem a reconstrução histórica estão permanentemente sujeitas ao pensamento que realiza a análise (Gaffikin, 2011Gaffikin, M. (2011). What is (accounting) history? Accounting History, 16(3), 235-251.).

Considerando que a narrativa histórica documental exige um conhecimento prévio sobre o contexto que permeia esses documentos (Carneiro & Barros, 2017Carneiro, A., & Barros, A. (2017). Uso de documentos para narrar a história de organizações: reflexões e experiências. Revista de Contabilidade e Organizações, 30, 14-23.), alguns eventos do período de análise são apresentados para melhor contextualização.

4. A CONTABILIDADE ORÇAMENTÁRIA E PATRIMONIAL INTEGRADAS - O MODELO “DUAL”

Anualmente, os governos elaboram, aprovam e divulgam seu orçamento para o exercício seguinte, fornecendo informação financeira à sociedade quanto: a) ao planejamento da entidade; b) às necessidades de capital; e, mais recentemente, c) ao nível de serviços (Conselho Federal de Contabilidade [CFC], 2016b Conselho Federal de Contabilidade. (2016b). Estrutura conceitual para elaboração e divulgação de informação contábil de propósito geral pelas entidades do setor público. [s.l.]: [s.n.].). Há registros contábeis tanto do orçamento inicial como de sua execução, sendo os recursos recebidos e os gastos realizados “contabilizados” de modo a permitir o acompanhamento da posição financeira das entidades públicas. Simultaneamente, há necessidade de registro contábil dos ativos e passivos dos governos e de suas movimentações, ou seja, das informações de “natureza patrimonial”. Esses dois tipos de informações “coexistem” e operam de modo integrado, possibilitando, então, a existência de duas visões, uma de controle patrimonial e outra de controle orçamentário, que denominamos contabilidade dual - chamado de dual reporting por Poljašević, Vašiček e Jovanović (2019Poljašević, J., Vašiček, V., & Jovanović, T. (2019). Comparative review of dual reporting in public sector in three south-east European countries. Journal of Public Budgeting, Accounting and Financial Management, 31(3), 325-344.).

A necessidade do tratamento das informações orçamentárias torna a contabilidade governamental mais complexa do que a do setor privado (Poljašević et al., 2019Poljašević, J., Vašiček, V., & Jovanović, T. (2019). Comparative review of dual reporting in public sector in three south-east European countries. Journal of Public Budgeting, Accounting and Financial Management, 31(3), 325-344.). Brusca e Condor (2002Brusca, I., & Condor, V. (2002). Towards the Harmonisation of Local Accounting Systems in the International Context. Financial Accountability & Management, 18(2), 129-162.) descrevem 3 modelos para o tratamento das informações orçamentárias e patrimoniais: (i) um sistema contábil limitado ao registro de operações orçamentárias; (ii) um sistema orçamentário e um sistema patrimonial integrados; e (iii) sistemas de contabilidade orçamentária e patrimonial independentes. O segundo modelo é o que chamamos de contabilidade dual.

O controle orçamentário “registra, processa e evidencia os atos e os fatos relacionados ao planejamento e à execução orçamentária”, enquanto o controle patrimonial “registra, processa e evidencia os fatos financeiros e não financeiros relacionados com as variações qualitativas e quantitativas do patrimônio público” (Secretaria do Tesouro Nacional [STN], 2018Secretaria do Tesouro Nacional. (2018). Manual de contabilidade aplicada ao setor público (MCASP) (8a ed.). Brasília, DF: Author ., p. 383). Algumas transações são registradas apenas na visão orçamentária (p. ex., empenho de uma despesa), enquanto outras apenas na patrimonial (p. ex., reconhecimento de um passivo) e, ainda, podem ser registradas simultaneamente em ambas (p. ex., recebimento de dívida ativa).

Portanto, a contabilidade dual efetua o registro contábil de fatos administrativos que apresentam reflexos orçamentários e patrimoniais, de modo concomitante, em partidas dobradas. Tal prática foi introduzida na legislação do governo central da Itália por meio do Regulamento do Código de Contabilidade da Itália (Regio Decreto n. 3.074, 1885Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia.) e discutida em livros (D’Alvise, 1912D’Alvise, P. (1912). Nozioni teorico-pratiche di contabilità di Stato. Firenze, Italia: Barbèra.; Gitti, 1921Gitti, V. (1921). Ragioneria (Manuali Hoepli). Milano, Italia: Hoepli.; Massa, 1912Massa, G. (1912). Trattato completo di ragioneria (Vol. 6). Milano, Italia: Amministrazione del “Monitore dei Ragionieri”.). Na contabilidade dual italiana, o registro dos fluxos orçamentários coexistia de modo integrado e simultâneo ao registro de ativos e passivos (Pigatto, 2004Pigatto, J. A. M. (2004). Estudo comparativo dos regimes contábeis governamentais (Master Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.). A Itália era o único país a utilizar esse modelo, considerado até então o mais inovador da Europa (Couder, 1888Couder, C. (1888). La comptabilité publique en France. Paris, France: Berger-Levrault.). O § 1º do art. 161 do Regulamento do Código de Contabilidade (Regio Decreto n. 3.074, 1885Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia.) determinava uma demonstração de consistência entre a contabilidade orçamentária e a contabilidade patrimonial com a reconciliação entre ambas, como explica Massa (1912)Massa, G. (1912). Trattato completo di ragioneria (Vol. 6). Milano, Italia: Amministrazione del “Monitore dei Ragionieri”..

O elemento essencial da contabilidade no Regulamento do Código de Contabilidade da Itália (Regio Decreto n. 3.074, 1885Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia.) era a distinção entre transações orçamentárias efetivas e de movimento de capitais (arts. 136 a 138), na qual somente as primeiras alteravam o patrimônio líquido (Couder, 1888Couder, C. (1888). La comptabilité publique en France. Paris, France: Berger-Levrault.).

A adoção dessa contabilidade dual possibilita uma classificação dos ativos e passivos em 2 grupos: a) os financeiros; e b) os permanentes. O caixa e resíduos orçamentários a receber além dos resíduos orçamentários a pagar compõem o patrimônio financeiro e os demais ativos e passivos, o patrimônio permanente (Massa, 1912Massa, G. (1912). Trattato completo di ragioneria (Vol. 6). Milano, Italia: Amministrazione del “Monitore dei Ragionieri”.). Essa classificação seria incorporada no Brasil mais à frente, tanto no Código de Contabilidade do governo central (Decreto n. 4.536, 1922Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia., arts. 21-23) quanto na lei que o sucedeu, ainda em vigor (Lei n. 4.320, 1964Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. (1964). Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Brasília, DF., art. 105).

5. O SURGIMENTO DA CONTABILIDADE ORÇAMENTÁRIA E DA CONTABILIDADE PATRIMONIAL INTEGRADAS NO BRASIL

Após o advento da República, em 1889, os estados (até então províncias, no período do Império) passaram a ter acesso ao mercado de crédito. O controle dos passivos se tornou necessário e, assim, houve maior necessidade de relatórios contábeis, como condição colocada pelos credores internacionais para a concessão de empréstimos (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.). Os estados começaram a buscar um novo padrão contábil, como observado por Lins (1905Lins, M. J. (1905). Relatório Apresentado ao Dr. Jorge Tibiriçá - Presidente do Estado. São Paulo, SP: Typographia do Diario Oficial.), Figueiredo (1907Figueiredo, E. A. L. (1907). Código de Contabilidade de Pernambuco. Recife, PE: [s.n.].), Carvalho (1914aCarvalho, C. (1914a). A contabilidade do Thesouro de S. Paulo. Revista Brasileira de Contabilidade, 7, 127-130., 1914bCarvalho, C. (1914b). A contabilidade do Thesouro de S. Paulo. Revista Brasileira de Contabilidade, 8, 141-147., 1914cCarvalho, C. (1914c). A contabilidade do Thesouro de S. Paulo. Revista Brasileira de Contabilidade, 11, 201-208.) e, em Pernambuco, nas obras de Gonçalves (1908Gonçalves, S. A. (1908). Factos e cifras: o Governo de Pernambuco. Recife, PE: Typographia do Jornal do Recife.). As condições no campo organizacional eram favoráveis, portanto, para o surgimento de novas ideias e proposição de novas práticas.

A partir de 1892, surgiu na Câmara Municipal da Cidade de São Carlos, no interior de São Paulo, um novo processo de contabilização, apontado como o início da modernização da contabilidade do setor público (Adde et al., 2014Adde, T. V., Iudícibus, S., Ricardino, A. A F Filho., , & Martins, E. (2014). A Comissão das Partidas Dobradas de 1914 e a contabilidade pública brasileira. Revista Contabilidade & Finanças, 25(Esp.), 321-333.; D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.; Mancini, 1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.; Peleias & Bacci, 2004Peleias, I. R., & Bacci, J. (2004). Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade. Revista Administração On Line - FECAP, 5(3), 39-54.; Pigatto, 2004Pigatto, J. A. M. (2004). Estudo comparativo dos regimes contábeis governamentais (Master Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.). Um polonês imigrante, o Sr. Estanislau Kruszynski teria ensinado contabilidade ao então coletor de rendas, o sr. Carlos de Carvalho, que teria desenvolvido um método de contabilização para a Câmara Municipal (Mancini, 1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.; Pigatto, 2004Pigatto, J. A. M. (2004). Estudo comparativo dos regimes contábeis governamentais (Master Thesis). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.). Para Mancini (1978)Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas., esse método seria o embrião da contabilidade dual, ou seja, dos reflexos contábeis orçamentários e patrimoniais de modo integrado. Porém, a discussão sobre a autoria desse novo método de contabilidade pública é controversa:

[...] não foi propriamente Carlos de Carvalho, que tanto fez pelo Brasil em São Carlos, quem introduziu no País o moderno método de escrituração mercantil, mas Estanislau Kruszinski. [...] No entanto, é inegável que ao nome do grande contabilista de nossa Prefeitura se deve no trabalho de divulgação, pois foi ele quem, mais tarde, em missão especial, esteve na capital do Estado e no Rio de Janeiro, para inaugurar a escrituração pública pelo método Kruszinski (Mancini, 1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas., p. 5).

Carlos de Carvalho atuou como guarda-livros em Rio Claro-SP (Gouveia, 2015Gouveia, S. C., Neto. (2015). A matemática contábil: das lides comerciais para os cursos secundários técnicos e sua transformação em saber acadêmico no Brasil (1808-1970)(Doctoral Dissertation). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP.) antes de mudar-se para São Carlos, onde trabalhou como contador do Banco União, da Santa Casa e na Câmara Municipal, entre 1896 e 1903 (Penteado, 1977Penteado, O. de A. (1977). Vultos da História Rioclarense (Resumos Bibliográficos). São Carlos.), o que indica que ele já tinha conhecimentos contábeis antes de ingressar na Câmara Municipal. Aqui, não se discute qual é a relação exata entre Estanislau Kruszinski e Carlos de Carvalho, pois não temos detalhes sobre o treinamento oferecido por Kruszinski a Carvalho ou acerca do nível da influência desse treinamento nas ideias posteriores de Carvalho, apesar de Mancini (1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.) defender alguma influência em relação ao treinamento recebido por Carvalho.

5.1 Carlos de Carvalho em São Carlos, antes da inovação

A análise documental dos livros contábeis da Câmara Municipal indica que se praticava uma contabilidade pelo regime de caixa modificado porque eram registrados valores a receber e dívidas passivas. O método era similar a uma contabilidade comercial, sem registros orçamentários de previsão de receitas ou de despesas. A escrituração era manuscrita e mantida em 3 livros grandes e pesados, com capa de madeira: a) Livro Diário; b) Livro Razão; e c) Livro Analítico de Receitas e Despesas.

Figura 1
Capas dos livros contábeis “Razão” e “Diário” de 1897 da Câmara Municipal de São Carlos do Pinhal (atual São Carlos-SP)

As receitas e despesas de 1896 eram lançadas detalhadamente no Livro Analítico das Receitas e Despesas por meio de partidas dobradas. As transações eram registradas por seus totais diários em regime de caixa no Livro Diário e no Livro Razão. O Livro Razão era organizado de modo que cada página contivesse apenas os débitos e créditos contra uma única conta contábil.

As páginas eram numeradas sequencialmente e os registros eram manuscritos com zelo e cuidado, com elevada qualidade caligráfica. Foram encontradas folhas soltas com cálculos manuais no meio dos livros, o que indica que eram realizados rascunhos antes do registro final nos livros contábeis. Esses livros continham termos de abertura e encerramento assinados pelo intendente, o Major Julio de Salles, primo do governador e futuro presidente da República, Campos Salles.

A análise da contabilização praticada à época levou em consideração 3 aspectos: a) indícios da contabilização da contabilidade dual; b) análise de regime de caixa e regime de competência; e c) partidas simples e partidas dobradas.

Figura 2
Diário de 1896 da Câmara Municipal de São Carlos do Pinhal (atual São Carlos-SP)

Contabilidade orçamentária e patrimonial: a contabilidade dual

O modelo adotado em São Carlos até 1904 não era a contabilidade dual, mas já era referência naquele tempo, porque as notícias sobre o desenvolvimento de uma nova e moderna contabilidade local circulavam regionalmente (Mancini, 1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.).

O Livro Analítico das Receitas e Despesas registrava as transações de receitas e despesas por regime de caixa. A partir dos totais diários desse livro era feito um registro por partidas dobradas no Livro Razão. Por exemplo, Receitas de Café e Açúcar em contrapartida ao caixa. A mesma transação era registrada no Livro Diário, em partidas dobradas. Não foram encontradas evidências de registros contábeis do orçamento inicial em São Carlos, mas apenas da arrecadação da receita. Isso indica que a contabilização ainda não havia incorporado as transações do orçamento inicial, para confrontar com sua execução.

Contudo, se por um lado não foi encontrada evidência de contabilização orçamentária a partir de 1896, o demonstrativo do orçamento da receita e despesa e sua execução já eram apresentados desde, pelo menos, 1893, como mostram as figuras 3 e 4 (Augusto, 2007Augusto, J. (2007). Almanach. São Paulo, SP: Ed. UFSCar.). Isso indica que havia acompanhamento da execução orçamentária, realizado de modo externo aos registros contábeis. A confrontação dessas fontes de dados revela que se praticavam controles orçamentários e patrimoniais posicionando São Carlos como embrião da contabilidade dual no Brasil. Ao mesmo tempo, fica evidente que o modus operandi da integração entre ambos ainda não havia sido praticado.

Figura 3
Demonstrativo da receita da Câmara Municipal de São Carlos do Pinhal (atual São Carlos-SP) de 1893

Figura 4
Demonstrativo da despesa da Câmara Municipal de São Carlos do Pinhal (atual São Carlos-SP) de 1893

Regime de caixa e competência

Inicialmente, os fluxos contábeis de receitas e despesas eram registrados pelo regime de caixa. Os livros contábeis seguiam essa sistemática. Por exemplo, o registro das receitas de multas, do uso do cemitério e de impostos era pela arrecadação. Por sua vez, o lançamento das despesas de empregados, obras e impressos era efetuado pelo pagamento.

No entanto, o regime de caixa era modificado pelo registro de alguns ativos e passivos. Logo, havia registros de contas a receber e de operações de crédito. A dívida ativa era incorporada ao final do exercício, em contrapartida a uma conta “municipalidade”, que recebia a diferença entre os ativos e passivos, dada a falta de patrimônio líquido.

Apesar da limitação das informações, já era possível obter uma visão da situação patrimonial da Câmara Municipal, como demonstra o balanço de 1896 (Tabela 1): uma diferença deficitária entre saldos ativos e passivos em uma conta na coluna de ativos. Utilizavam-se controles de responsabilidades com entradas compensatórias no ativo e no passivo e os créditos eram registrados sob o título de “exercício findo”, no ativo.

Tabela 1
Balanço de 1896 da Câmara Municipal de São Carlos

Partida simples e dobrada

No final do século XIX, as contas contábeis se dividiam entre integrais (ativos e passivos) e diferenciais (patrimônio líquido, receitas e despesas). Naquele contexto, os registros contábeis eram efetuados por partida simples ou por partida dobrada. A partida simples é um controle contábil trivial que apresenta duas variantes. A primeira forma consiste na apresentação em separado do saldo inicial de cada uma das contas integrais, seguida pelos registros de suas alterações, um a um, ao longo do tempo. A segunda forma, ainda mais sintética, consiste apenas na conta do patrimônio líquido (saldo diferencial) inicial seguido das modificações uma a uma, até chegar ao saldo final (Gitti, 1921Gitti, V. (1921). Ragioneria (Manuali Hoepli). Milano, Italia: Hoepli.). Por sua vez, o método de registro por partida dobrada é mais complexo. Ele permite a memorização e evidenciação dos fatos administrativos que causam alterações nas contas integrais e nas diferenciais. O uso simultâneo de contas integrais e diferenciais é realizado por meio do mecanismo de débitos e créditos, que permite o monitoramento da alteração dos saldos das várias contas de modo concomitante, a qualquer momento (Gitti, 1921Gitti, V. (1921). Ragioneria (Manuali Hoepli). Milano, Italia: Hoepli.).

A literatura recente tem discutido o início da adoção de partidas dobradas no Brasil (Adde et al., 2014Adde, T. V., Iudícibus, S., Ricardino, A. A F Filho., , & Martins, E. (2014). A Comissão das Partidas Dobradas de 1914 e a contabilidade pública brasileira. Revista Contabilidade & Finanças, 25(Esp.), 321-333.; Gonçalves et al., 2013Gonçalves, M., Lira, M., & Marques, M. C. C. (2013). Finanças públicas e contabilidade por partidas dobradas: uma visita guiada pela literatura sobre as três figuras cimeiras do erário régio português. Revista Universo Contábil, 9(2), 142-173.), mas o uso desse método na municipalidade de São Carlos antecedeu e pode ter influenciado a adoção pelo Governo Federal, ocorrida em 1914, como discutido por Adde et al. (2014). Foram encontradas evidências do uso de contabilização das transações por partidas dobradas na contabilidade da Câmara de São Carlos, registradas de modo consistente para todas as transações. O impresso utilizado nos livros contábeis era próprio para escrituração contábil e nele constavam as colunas “Deve” e “Haver” em alguns livros e “Débito” e “Crédito” em outros. Esses impressos eram adquiridos em São Paulo - SP, como indicam os selos fixados na primeira página (Figura 5). A existência de uma produção em escala dos livros contábeis com partidas dobradas à época pode indicar o uso dessa técnica por outros tipos de organizações, tais como as comerciais.

Figura 5
Papelarias que comercializavam impressos para livros contábeis em São Paulo - SP (1896)

Ainda que a Câmara de São Carlos possuísse as informações necessárias para o surgimento da contabilidade dual, não foram encontrados registros que demonstrem a execução de registros concomitantes por partidas dobradas entre as transações orçamentárias e patrimoniais, o que caracterizaria a contabilidade dual. Não havia registro de estimativas orçamentárias, tampouco foram identificadas autorizações para o uso de créditos orçamentários (empenhos). O balanço patrimonial apresentava, além das disponibilidades, valores a receber e alguns passivos. As variações nessas contas eram registradas em contrapartida a uma conta denominada “municipalidade”, que funcionava como patrimônio líquido.

Mesmo não tendo sido identificados registros que demonstrassem o uso da contabilidade dual, as características dos serviços de contabilidade realizados na Câmara de São Carlos no período entre 1896 e 1903 apresentam relevância histórica como indutores dessa nova prática, de modo que conduziram Carlos de Carvalho para a “Contabilidade do Thesouro” do Governo do Estado de São Paulo (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.; Penteado, 1977Penteado, O. de A. (1977). Vultos da História Rioclarense (Resumos Bibliográficos). São Carlos.).

5.2 Carlos de Carvalho no Governo do Estado: atuando na inovação

Em fevereiro de 1906, o Estado de São Paulo publicou seu primeiro balanço patrimonial, como discutido por Lins (1905Lins, M. J. (1905). Relatório Apresentado ao Dr. Jorge Tibiriçá - Presidente do Estado. São Paulo, SP: Typographia do Diario Oficial.) e Mancini (1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.):

Pela primeira vez o Thesouro do Estado de S. Paulo apresenta o seu “balanço do activo e passivo” - completo e organizado de accordo com as normas modernamente aconselhadas pelos mestres da contabilidade publica” (Lins, 1905Lins, M. J. (1905). Relatório Apresentado ao Dr. Jorge Tibiriçá - Presidente do Estado. São Paulo, SP: Typographia do Diario Oficial., p. 171).

As partidas dobradas, o ótimo método de escrituração universalmente seguido introduziu-se nos livros de escrituração do Tesouro do Estado de São Paulo. O novo sistema de contas modificou-se: além da escrituração puramente financeira, de receita e despesa, surgiu a escrituração patrimonial, do ativo e passivo, por onde se poderiam saber quais os bens que a fazenda estadual possuía e quais as suas dívidas (Mancini, 1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas., p. 9).

No intervalo de 10 anos (1896 a 1905) se verificam três avanços da contabilidade do Governo do Estado de São Paulo em relação àquela executada em São Carlos. O primeiro aspecto foi a implantação da contabilidade orçamentária com o registro em partidas dobradas da previsão de receitas e despesas e da sua execução. A segunda evolução foi a incorporação de itens de longo prazo no balanço patrimonial. No lado do ativo foram registrados imobilizados, em uma conta sintética denominada “próprios do Estado”, e no lado do passivo havia as dívidas fundadas interna e externa. Finalmente, evidenciou-se a integração da contabilidade orçamentária com a patrimonial, por meio de um demonstrativo que fazia a reconciliação entre as variações das duas contabilidades. Esse conjunto de demonstrações foi assinado por “Carlos de Carvalho - Guarda Livros”.

O conjunto de demonstrativos que compunha a prestação de contas do governo do Estado em 1905 continha o balanço da receita e da despesa (Apêndices - figuras 6 e 7) e a demonstração do patrimônio do Estado (Apêndices - Figura 7). Esta última se desdobrava em dois demonstrativos, ou seja, os balanços finais do exercício anterior e do exercício corrente e a demonstração das variações ocorridas durante o período contábil (Apêndices - Figura 7).

A prestação de contas de 1905 do Estado de São Paulo é a primeira evidência concreta da influência italiana sobre a contabilidade pública do Brasil, ou seja, o registro e a evidenciação concomitante de eventos orçamentários e financeiros com os ativos e passivos e suas variações em um relatório financeiro oficial, aqui denominado contabilidade dual. Nota-se que o déficit financeiro (de 44.514.043$433) no balanço (recalculado no Tabela 2) é apresentado no Balanço de Receita e Despesa (Apêndices - Figura 7). O resultado patrimonial é um superávit (de 7.763.653$981), obtido por meio da exclusão das saídas efetivas das entradas efetivas (Tabela 2).

Portanto, o maior avanço na contabilidade à época não se restringiu apenas à chegada das partidas dobradas, como proposto por Mancini (1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.), mas também, e no nosso entendimento principalmente, pela introdução de uma contabilidade dual.

O modelo de contabilidade dual permitiu avaliar o resultado imediato sobre a solvência e a liquidez do governo, além das alterações em sua posição de longo prazo ou em sua riqueza patrimonial, consideradas as limitações de captura de ativos e passivos à época.

Tabela 2
Variaçõesno patrimônio do Governo de São Paulo - 1905

Nesse ponto, questiona-se: de onde Carlos de Carvalho teria importado tal modelo de contabilização? Poderia ser fruto do acaso, como sugerido em D’Auria (1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8., p. 4), caso em que Carvalho teria tido acesso a um livro italiano de contabilidade adquirido em uma livraria de Campinas-SP:

Vicenzo Gitti, em um manualzinho Hoepli, expôz, muito ligeiramente, essa contabilidade. O nosso mestre Carlos contava-nos que, estando em Campinas, teve occasião de pararem frente à vitrine de um livreiro e vêr, dentre outros, o modesto livrinho de Gitti. Adquiriu-o, immediatamente, como foi sempre seu hábito, quando via livros de contabilidade, e foi deparar com as fórmulas da dupla contabilidade italiana. Agradou-lhe immensamente aquella simplicidade e belleza das fórmulas e dahi sempre pensou em sua adição na nossa contabilidade pública. Foi essa a fagulha que havia de dar a bella chamma que todos nós hoje admiramos!

[...]

Iniciou, então, Carlos de Carvalho, corajosamente, a escripturação do Thesouro [do Governo do Estado de São Paulo] pelo methodo de partidas dobradas. É notável esse facto, por ter sido comprehendida a contabilidade financeira e patrimonial coisa que, até então, só se praticava na Itália.

Contudo, outras duas proposições são feitas na literatura sobre o assunto. Primeiro, Kruszynski teria desenvolvido o método e Carvalho apenas executado, em seguida, em São Paulo (Augusto, 2007Augusto, J. (2007). Almanach. São Paulo, SP: Ed. UFSCar.; Mancini, 1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.). Segundo, o próprio Carvalho teria desenvolvido o método da contabilidade dual em São Paulo, também inspirado pelo livro italiano. Não encontramos evidências da atuação de Kruszynski na Câmara de São Carlos, apesar das discussões de Mancini (1978)Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas. e Augusto (2007)Augusto, J. (2007). Almanach. São Paulo, SP: Ed. UFSCar., assim como não ficou claro se a interação com Carvalho no treinamento já envolveu ideias novas associadas ao modelo dual, que vieram a interagir com o livro italiano, ou se a inovação veio do livro achado ao acaso. Provavelmente ambas as fontes de influência, somadas às experiências em São Carlos e as demandas colocadas pela nova função no Estado, tenham concorrido para a criação e o empreendedorismo de Carvalho.

Na introdução do novo modelo contábil no Brasil, Carvalho realizou uma adaptação do modelo que foi inspirado no livro italiano adquirido em Campinas. Esse livro não trazia todos os detalhes da contabilidade dual tal qual era praticada na Itália. Alguns problemas, como a falta de controle de créditos, ficaram fora das mudanças na contabilidade estadual. A suposição é que Carvalho tivera acesso a outras obras de contabilidade italiana, como ele mesmo menciona mais tarde (Carvalho, 1914a), e que ele conhecesse, por exemplo, o empenho como limitador de gastos, mas que não o tenha utilizado nem em São Carlos tampouco no Governo do Estado. A última coluna da Figura 4 demonstra a existência de excesso da despesa, sobretudo no Poder Legislativo. Destaca-se que, à época, o instrumento de “empenhos” na mecânica orçamentária ainda não era empregado no país, deixando espaço para discricionariedade do gestor público na execução de gastos.

Argumenta-se, assim, que a modernização da contabilidade do setor público do Brasil ocorreu não pela simples adoção das partidas dobradas, como discutido por Adde et al. (2014Adde, T. V., Iudícibus, S., Ricardino, A. A F Filho., , & Martins, E. (2014). A Comissão das Partidas Dobradas de 1914 e a contabilidade pública brasileira. Revista Contabilidade & Finanças, 25(Esp.), 321-333.), mas, principalmente, pela adoção da contabilidade dual, como explicou Francisco D’Auria (1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8., p. 3):

Como se sabe, a contabilidade pública abrange um duplo systema: a contabilidade do orçamento - financeira; a contabilidade do activo e passivo - patrimonial. Ora, as nações em sua grande maioria, só se occupam da contabilidade financeira, relegando as ortigas a patrimonial. Por esse facto, porém, acontece que nenhuma nação sabe qual é o seu activo, não estabelecendo aquella bellíssima peça de contabilidade que é o balanço de activo e passivo. Na Itália, porém, encarou-se a questão com outros entendimentos. Cuidou-se da contabilidade patrimonial e numa só contabilidade abrangeram os dois systemas, o que, para muitos profissionaes, era uma utopia.

6. A DIFUSÃO DA CONTABILIDADE DUAL NO BRASIL

Até a proclamação da República em 1889, o desenvolvimento da contabilidade foi insignificante no Brasil (Pinheiro & Pinheiro, 1998Pinheiro, J. C. P., & Pinheiro, A. V. (1998). Sebastião Ferreira Soares: um contador no Império. Revista Brasileira de Contabilidade, 112, 28-43.). Em 1889, os estados substituíram as províncias, ocupando o mesmo espaço territorial. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (Constituição de 1891, 1891) adotou o federalismo, dando autonomia a esses estados, porém, estes praticamente não sabiam como agir. As antigas províncias do Império tinham pouca experiência administrativa, o que causou um período de certo caos administrativo (Adde, 2012Adde, T. V. (2012). O fim do Império e o nascimento da República: o desenvolvimento da contabilidade brasileira durante a Primeira República (Master Thesis). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.; Andrade, 1991Andrade, M. C. (1991). Secretaria da Fazenda: um século de história. Recife, PE: Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco.).

Além das dificuldades organizacionais no início da República, a situação se agravou pela situação financeira dos governos (antigas províncias). De um lado, buscava-se o controle dos gastos, sobretudo pela ocorrência de gastos extraordinários para combater instabilidades internas (Luna & Klein, 2014Luna, F. V., & Klein, H. S. (2014). The economic and social history of Brazil since 1889. New York, NY: Cambridge University Press., p. 40), queda na cotação da taxa de câmbio e contratação de empréstimos externos pelos estados e algumas municipalidades, os quais não eram permitidos durante o Império (Prado, 2012Prado, C., Júnior. (2012). História econômica do Brasil(43a ed.). São Paulo, SP: Brasiliense.).

No início da República, o endividamento aumentou, por exemplo, devido à construção de infraestrutura (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.) e com eventos específicos como a manipulação no preço de commodities (café) no mercado externo (Ribeiro, 1999Ribeiro, F. (1999). A política econômica e o Convênio de Taubaté na economia cafeeira (1889-1906). Locus: Revista de História, 5(1), 75-93.). Tal condição levou ao refinanciamento da dívida externa (funding loan) (Luna & Klein, 2014Luna, F. V., & Klein, H. S. (2014). The economic and social history of Brazil since 1889. New York, NY: Cambridge University Press.).

O aumento do endividamento levou a uma maior exigência de informações contábeis pelos credores. Contudo, a contabilidade então adotada no setor público empregava registros por partidas simples e os balancetes de receita e de gastos estavam frequentemente desatualizados, em decorrência de dificuldades operacionais para consolidar as informações das coletorias (Andrade, 1991Andrade, M. C. (1991). Secretaria da Fazenda: um século de história. Recife, PE: Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco.). O contexto no início da República, marcado por pressões em busca de maior controle fiscal e consequente melhoria da informação contábil por parte dos credores externos, pode ter sido benéfico ao surgimento de inovações contábeis, por exemplo, devido ao aumento da reflexividade dos contadores e dos governos em relação às demandas e à real capacidade dos modelos vigentes.

A pressão por melhor controle fiscal estaria presente, apesar de em diferentes intensidades, em diversas capitais estaduais e nos maiores centros urbanos de então. Apesar das dificuldades de comunicação no início do século XX e da dimensão do país, o campo organizacional da contabilidade pública já dava sinais de alguma estrutura mínima que favoreceria a difusão de conceitos e ideias.

Primeiro, as escolas de comércio começaram a surgir a partir do final do século XIX, nas quais as práticas de contabilidade eram ensinadas, como o Lyceu Commercial no Rio de Janeiro (1851), o Instituto Comercial do Distrito Federal, a Escola Politécnica em São Paulo (1894), e a Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (1902Lei n. 953, de 29 de dezembro de 1902. (1902). Orça a receita geral da Republica dos Estados Unidos do Brazil para o exercício de 1903, e dá outras providencias. Rio de Janeiro, RJ.) (Martins, Silva, & Ricardino, 2006Martins, E., Silva, A. F., & Ricardino, A. (2006). Escola Politécnica: possivelmente o primeiro curso formal de contabilidade do Estado de São Paulo. Revista Contabilidade & Finanças, 17(42), 113-122.). Mancini (1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.) relata a intensa procura por cursos de contabilidade em São Carlos no final do século XIX.

Segundo, a classe contábil já se organizava em associações, tais como a Associação dos Guarda-Livros da Corte, de 1869, que realizava reuniões regulares (Adde et al., 2014Adde, T. V., Iudícibus, S., Ricardino, A. A F Filho., , & Martins, E. (2014). A Comissão das Partidas Dobradas de 1914 e a contabilidade pública brasileira. Revista Contabilidade & Finanças, 25(Esp.), 321-333.; Conselho Federal de Contabilidade, 2016aConselho Federal de Contabilidade. (2016a). Resgate da memória contábil nos estados. Brasília, DF: Author.). Mais tarde, surgiram diversas outras associações, como em São Paulo, em 1915, e no Rio de Janeiro, em 1916 (Adde, 2012Adde, T. V. (2012). O fim do Império e o nascimento da República: o desenvolvimento da contabilidade brasileira durante a Primeira República (Master Thesis). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.; Conselho Federal de Contabilidade, 2016aConselho Federal de Contabilidade. (2016a). Resgate da memória contábil nos estados. Brasília, DF: Author.).

Terceiro, periódicos especializados em contabilidade começaram a circular. Em 1874 surgiu a Revista da Associação dos Guarda-Livros (Gouveia, 2015Gouveia, S. C., Neto. (2015). A matemática contábil: das lides comerciais para os cursos secundários técnicos e sua transformação em saber acadêmico no Brasil (1808-1970)(Doctoral Dissertation). Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP.), em 1876 foi criada a Revista Mercantil, da mesma associação (Silva & Martins, 2009Silva, A. C. R; & Martins, W. T. S. (2009). História do pensamento contábil. Curitiba, PR: Juruá.), seguida pela Revista do Grêmio dos Guarda-Livros, em 1896. A Revista Brasileira de Contabilidade teve início em 1912 (Conselho Federal de Contabilidade, 2016aConselho Federal de Contabilidade. (2016a). Resgate da memória contábil nos estados. Brasília, DF: Author.). Ademais, as publicações especializadas em contabilidade dos governos estaduais eram comuns na época (Figueiredo, 1907Figueiredo, E. A. L. (1907). Código de Contabilidade de Pernambuco. Recife, PE: [s.n.].; Gonçalves, 1908Gonçalves, S. A. (1908). Factos e cifras: o Governo de Pernambuco. Recife, PE: Typographia do Jornal do Recife.; Lins, 1905Lins, M. J. (1905). Relatório Apresentado ao Dr. Jorge Tibiriçá - Presidente do Estado. São Paulo, SP: Typographia do Diario Oficial.; Rios, 1908Rios, T. C. (1908). Thesouro Nacional: resumo histórico. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional.), além de existirem espaços em jornais e revistas para discussão da contabilidade, como o Diário da Capital, e na Revista do Brasil (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.).

Quarto, naturalmente as relações profissionais também estavam associadas às funções e responsabilidades que guarda-livros de Estado assumiam diante de legisladores e gestores e de seus pares em municipalidades. Apesar da rede de relações entre esferas de governo ser muito mais embrionária à época, comparada aos dias atuais, esperam-se mínimas relações entre profissionais atuando dentro do próprio Estado.

Na presença de canais e relações dadas pelas associações e responsabilidades de guarda-livros, Carlos de Carvalho teria realizado um trabalho institucional a favor da difusão das novas práticas que estavam sendo implantadas na capital do Estado de São Paulo. E, por isso, teria sido à época o que a literatura institucional sociológica denomina “empreendedor institucional” (Battilana et al., 2009Battilana, J., Leca, B., & Boxenbaum, E. (2009). How actors change institutions: towards a theory of institutional entrepreneurship. The Academy of Management Annals, 3(1), 65-107.); para tal, teria mobilizado e empregado recursos materiais e relacionais em prol da difusão.

Carvalho foi editor da Revista Brasileira de Contabilidade, um importante veículo de difusão à época. Já em sua primeira edição, essa revista publicou o modelo de contabilidade então adotado no Governo do Estado de São Paulo. Várias edições sequenciais trataram da nova metodologia, explicando o método de contabilização (p. ex., os números 7 a 11, apenas no ano de 1914). A posição de editor lhe dava a vantagem necessária para divulgar o novo modelo e responder às críticas que eram colocadas pelos leitores, avançando em termos de acreditação social, como sugerido por Tolbert e Zucker (1996Tolbert, P. S., & Zucker, L. G. (1996). The institutionalization of institutional theory. In S. R. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Eds.), Handbook of organization studies (pp. 175-190). London, England: SAGE .).

O método de contabilização proposto passou a ser publicado em diversas edições da revista, que deixou de ser um caso aplicado em São Paulo para ser visto cada vez mais como um modelo geral, o que ampliava sua possibilidade de circulação e adoção. Além de usar sua posição de editor, Carvalho também trabalhava na significação e buscava constantemente atuar na “encapsulação” da nova metodologia em um modelo geral. A proposição via modelos gerais facilita a comunicação de significados e aumenta a influência daqueles que teorizam o novo conceito e dos possíveis adotantes (Strang & Meyer, 1993Strang, D; & Meyer, J. W. (1993). Institutional conditions for diffusion. Theory and Society, 22(4), 487-511.). A seguinte passagem traz uma das falas de Carvalho (1914cCarvalho, C. (1914c). A contabilidade do Thesouro de S. Paulo. Revista Brasileira de Contabilidade, 11, 201-208., p. 208):

É necessário que para o orçamento se abra uma série de contas inteiramente independente das contas patrimoniaes (do activo e passivo). Analysemos isto. Por meio de duas series de contas, perfeitamente distinctas, a partida dobrada resolve optimamente o problema da escripturação patrimonial (do activo e passivo), correndo ao lado da escripturação financeira (do orçamento).

Da mesma forma o balanço do activo e passivo é levantado sem nenhuma difficuldade. Basta sommar as diversas contas devedoras e credoras do [Livro] razão.

Ao mesmo tempo que a contabilidade dual era difundida, Carlos de Carvalho teorizava a favor das partidas dobradas, que eram imprescindíveis para que a contabilidade dual fosse operacionalizada:

A partida dobrada, ao contrário do que tem sido algumas vezes afirmado, pode muito bem ser applicada a esta escipturação desde que - seja isto bem entendido - se abram duas séries de contas especiaes, que não tenham relação alguma com as diversas contas da escripturação patrimonial. Nem se comprehende porque não será possível essa applicação - e até fácil (Carvalho, 1914aCarvalho, C. (1914a). A contabilidade do Thesouro de S. Paulo. Revista Brasileira de Contabilidade, 7, 127-130., p. 129).

Outros canais utilizados por Carvalho foram as publicações dos balanços do Governo do Estado de São Paulo, como um extenso relatório de 508 páginas apresentando uma “exposição de todos os negócios que correram pela Secretaria da Fazenda” no ano de 1905 (Lins, 1905Lins, M. J. (1905). Relatório Apresentado ao Dr. Jorge Tibiriçá - Presidente do Estado. São Paulo, SP: Typographia do Diario Oficial., p. 171). Por exemplo, o balanço de 1905 trouxe, junto com as demonstrações por ele assinadas, considerações sobre porque se deve utilizar as partidas dobradas convencionais e não outros métodos contábeis que vinham sendo discutidos à época. Outras formas de publicação de textos em jornais e revistas também foram usadas para a difusão do modelo (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.).

O reconhecimento do prestígio de Carvalho no campo organizacional era elevado na época (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.). Em 1915, Carvalho passou a dar nome à Escola de Contabilidade “Carlos de Carvalho”, em São Paulo, cuja inauguração contou com autoridades políticas como Rodrigues Alves, “Presidente do Estado” de São Paulo (então chefe do Poder Executivo estadual), que passou a servir como mais uma fonte de difusão de suas técnicas. Nessa ocasião, houve homenagens “ao emérito publicista e reformador da escripturação pública no Brasil, pelos inestimáveis serviços por ele prestados” (Correio Paulistano, 1915Correio Paulistano. (1915). Edição 18823. São Paulo, SP: Author., p. 6).

Ao criar modelos (estruturas), Carvalho procurava fornecer aos outros contadores e guarda-livros de então um modelo para a ação. Esse era um trabalho de educação, necessário para o desenvolvimento das habilidades e dos conhecimentos necessários para apoiar a nova instituição criada (Lawrence & Suddaby, 2006Lawrence, T. B., & Suddaby, R. (2006). Institutions and institutional work. In S. Wood, S. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Orgs.), The SAGE handbook of organization studies(pp. 215-254). London, England: SAGE .). Essa atividade foi intensamente desenvolvida tanto nos periódicos quanto por meio da edição de diversos livros da autoria de Carvalho, que continuaram a ser reeditados após seu falecimento, em 1920 (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.).

As evidências apresentadas sugerem que as novas práticas contábeis foram difundidas no campo organizacional, mesmo antes da existência de uma norma geral de contabilidade para o setor público que as tornasse obrigatória.

D’Auria (1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8., p. 4) relatava que, “escusado é dizer que os resultados da nossa contabilidade na administração de São Paulo foram os mais satisfatórios. Dali pra cá os negócios públicos foram registrados com observância das mais puras regras da mais pura contabilidade”. A difusão ocorreu de forma relativamente rápida no campo organizacional, favorecida pela pressão de controle fiscal. Diversos governos estaduais e até municipais começaram a enviar equipes técnicas para conhecer a contabilidade em execução no Governo de São Paulo:

O Estado de Minas Gerais enviou a São Paulo dois funccionarios do seu Thesouro para estudarem a nova organização de Contabilidade do Estado. [...] Sabem qual foi o resultado? Elles imitaram perfeitamente a nossa escripta e Minas pode, hoje, ufanar-se de ter uma escripturação modelar em seu Thesouro (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8., p. 4).

O mesmo roteiro foi seguido pelos governos estaduais do Rio de Janeiro e do Paraná e das prefeituras de São Paulo e do Distrito Federal, que prontamente passaram a adotar o modelo dual após enviarem funcionários para conhecer a nova contabilidade em São Paulo (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.). Com isso, a difusão da inovação ocorria entre os governos estaduais e foi seguida por grandes prefeituras, como a de São Paulo, favorecida pela inexistência de normas gerais de contabilidade que discorressem sobre o tema. Assim, a difusão entre os técnicos se deu, sobretudo, de modo horizontal, diretamente entre os governos, por influência da difusão e do trabalho institucional de Carlos de Carvalho, seguido por certo tipo de isomorfismo mimético (Dimaggio & Powell, 1983Dimaggio, P. J., & Powell, W. W. (1983). The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 147-160.).

Não tardou para a notícia dessa nova tecnologia que estava sendo adotada com sucesso pelos governos estaduais e algumas câmaras municipais chegar ao Governo Federal. Ressalta-se que, à época, o Governo Federal também buscava melhorias na informação contábil, com vistas à obtenção de um empréstimo internacional. Como questiona D’Auria (1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8., p. 5), “mas como fornecer tal demonstração, se a escripturação do Thesouro era dificientíssima e chaótica?”.

No Governo Federal, as deficiências na contabilidade utilizada no início da República ficaram evidentes diante das exigências de acesso ao mercado de crédito internacional (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.). Em 1898, o Presidente da República, Prudente de Moraes, enviou uma mensagem ao seu sucessor, Campos Salles, exprimindo a necessidade de um código de contabilidade pública (Jornal do Recife, 1898). Desse modo, em 1903, o Ministro da Fazenda, Leopoldo Bulhões, enviou um oficio ao presidente do Tribunal de Contas para que se cumprisse uma determinação da Lei n. 953 (1902) - orçamento de 1903 - para a elaboração de um código de contabilidade pública (A Federação, 1903A Federação. (1903). Edição de 11 de setembro de 1903. Porto Alegre, RS: Author.). No entanto, o projeto inicial do código fora preparado com certa antecedência pelo próprio presidente do Tribunal de Contas e apresentado ao Congresso Nacional em 1903.

Apesar do esforço do Poder Executivo e do Tribunal de Contas, o Poder Legislativo não demonstrou interesse em alterar sua flexibilidade para emendar o orçamento e a cultura dos excessos de gastos diante dos créditos orçamentários, talvez por isso não tenha ocorrido a tramitação legislativa.

Considerando que os elementos contábeis trazidos por Carlos de Carvalho estavam sendo prontamente assimilados pelos demais estados, dada sua ampla difusão e aceitabilidade nos estados, e considerando que sua equipe estava à frente da reorganização da contabilidade do Tesouro Nacional desde 1914 (Adde et al., 2014Adde, T. V., Iudícibus, S., Ricardino, A. A F Filho., , & Martins, E. (2014). A Comissão das Partidas Dobradas de 1914 e a contabilidade pública brasileira. Revista Contabilidade & Finanças, 25(Esp.), 321-333.; D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.), presume-se que sua influência tenha sido considerável nesse processo, o que explicaria a introdução dos elementos por ele teorizados e difundidos no texto do Código de Contabilidade do governo central (Decreto n. 4.536, 1922Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia.).

Então, a contabilidade dual integrada entre orçamento e patrimônio foi introduzida no Código de Contabilidade de 1922 (Decreto n. 4.536, 1922Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia.). O art. 21 desse código traz que “as contas do exercicio financeiro comprehenderão: I. A conta do orçamento. II. O balanço do patrimônio”. Posteriormente, essa metodologia de contabilização foi mantida na Lei Federal de Contabilidade Pública (Lei n. 4.320, 1964Dimaggio, P. J. (1988). Interest and agency in institutional theory. In L. G. Zucker (Org.), Institutional patterns and organizations: culture and environment (pp. 3-22). Cambridge, MA: Ballinger.), ainda vigente.

A análise observou o período de 1904-1922, desde o início, em São Paulo, até a normatização das práticas em decreto federal. O movimento que levou a inovação surgida em São Paulo até a influência na normativa federal foi bottom-up, partindo naturalmente do trabalho institucional de Carvalho e sendo seguido por outros atores que se juntaram ao movimento (que não constituíram objeto de pesquisa). Tal movimento bottom-up, com influência mais horizontal, via redes de relacionamento e sem influência da coerção legal, caracteriza o surgimento dessa inovação no início da República no Brasil.

Alguns estudos têm mostrado que, apesar da tecnologia ter sido assimilada pela normativa federal tanto no Código de Contabilidade de 1922 (Decreto n. 4.536, 1922Decreto n. 4.536, de 28 de janeiro de 1922. (1922). Organiza o Código de Contabilidade da União. Rio de Janeiro, RJ.) quanto na Lei n. 4.320 (1964Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia.), com o passar dos anos, a perspectiva patrimonial do sistema dual foi sendo deixada de lado e o foco dos governos acabou permanecendo na contabilidade orçamentária, em detrimento do desenvolvimento da contabilidade patrimonial, que agora vem passando por mudanças via projeto de convergência internacional às IPSAS que o Brasil tem implantado desde 2013 (Aquino & Batley, 2016Aquino, A. C. B., & Batley, R. A. (2016). Accounting and fiscal reforms in Brazil. In 2016 EGPA Annual Conference. Utrecht, Netherlands.; Aquino, Lino, Cardoso, & Grossi, 2019Aquino, A. C. B., Lino, A. F., Cardoso, R. L., & Grossi, G. (2019). Legitimating the standard-setter of public sector accounting reforms (Working Paper). [s.l.]: [s.n.].; Azevedo, Lino, Martins, & Aquino, 2019Augusto, J. (2007). Almanach. São Paulo, SP: Ed. UFSCar.). Os resultados dessas pesquisas vêm indicando que, atualmente, as mudanças contábeis no Brasil têm sido conduzidas de forma oposta ao modelo discutido neste artigo, por meio de um modelo com movimento top-down, em que os governos estão recebendo as mudanças importadas de um modelo internacional.

7. CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES

As práticas de contabilidade do setor público brasileiro no início da República foram influenciadas por um modelo italiano que combinava o registro e a evidenciação de transações no orçamento e no patrimônio concomitantemente. O modelo de contabilidade dual, regulado nacionalmente pela Lei n. 4.320 (1964Regio Decreto n. 3.074, 4 maggio 1885 (1885). Approva il Regolamento per l’applicazione del testo unico della legge sul’amministrazione e sulla contabilità generale dello Stato. Roma, Italia.), tem raízes do modelo italiano. A influência dessa nova prática de contabilização no Brasil teria sido disseminada a partir da contabilidade executada no Governo do Estado de São Paulo, com início em 1905.

Os resultados proporcionam uma interpretação alternativa à origem apontada pela literatura, de que a contabilidade dual teve início na municipalidade de São Carlos (Mancini, 1978Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas.; Peleias & Bacci, 2004Peleias, I. R., & Bacci, J. (2004). Pequena cronologia do desenvolvimento contábil no Brasil: os primeiros pensadores, a padronização contábil e os congressos brasileiros de contabilidade. Revista Administração On Line - FECAP, 5(3), 39-54.), associando sua origem ao Governo do Estado de São Paulo. Além disso, propõe-se um reposicionamento do papel de Carlos de Carvalho na introdução e condução da mudança, em contraponto ao papel central que teria sido exercido por Estanislau Kruszynski na “modernização” da contabilidade nacional no início do século XX, como apontado por Mancini (1978)Mancini, J. (1978). Estanislau Kruszynski: em comemoração ao dia do contabilista. São Carlos, SP: Associação dos Contabilistas..

Este artigo propõe que o papel de empreendedor institucional no processo de inovação e difusão seria exercido pelo contador Carlos de Carvalho, então guarda-livros do Governo do Estado de São Paulo e editor da Revista Brasileira de Contabilidade. Apesar das evidências do relevante papel exercido por Carvalho, ele não é reconhecido como uma figura heroica que tenha conduzido sozinha o processo as mudanças. Estas se tornaram possíveis porque Carvalho tinha capacidade de mobilização de recursos e de formação de alianças e seguidores (D’Auria, 1920D’Auria, F. (1920). Carlos de Carvalho. Revista Brasileira de Contabilidade, 1, 2-8.).

Apesar do atual processo de convergência contábil aproximar sua terminologia e sua classificação àquelas do setor privado com as IPSAS, a lógica de segregação dos itens financeiros dos demais, introduzida em 1905 pela contabilidade dual, ainda permanece em uso, possibilitando a integração dos ativos e passivos à contabilidade orçamentária.

A literatura sobre narrativa histórica tem discutido que a introdução das partidas dobradas na contabilidade governamental ocorreu no Brasil durante a transição do Império para a República (Adde et al., 2014Adde, T. V., Iudícibus, S., Ricardino, A. A F Filho., , & Martins, E. (2014). A Comissão das Partidas Dobradas de 1914 e a contabilidade pública brasileira. Revista Contabilidade & Finanças, 25(Esp.), 321-333.; M. Gonçalves et al., 2013Gonçalves, M., Lira, M., & Marques, M. C. C. (2013). Finanças públicas e contabilidade por partidas dobradas: uma visita guiada pela literatura sobre as três figuras cimeiras do erário régio português. Revista Universo Contábil, 9(2), 142-173.). Contudo, nossa análise indica que as partidas dobradas já tinham sido adotadas, ao menos de modo episódico, e que a contabilidade de ativos e passivos integrada ao orçamento foi a principal inovação. A “comissão de partidas dobradas”, criada em 1914 pelo Governo Federal para a organização de sua contabilidade, foi influenciada pela difusão dos conceitos trazidos por Carlos de Carvalho.

A análise do surgimento dessa inovação no Brasil viabiliza certa reflexão sobre o atual momento da convergência a padrões internacionais de contabilidade, que adota o movimento top-down. Enquanto no movimento bottom-up, ocorrido entre 1904-1922, a participação voluntária de técnicos de estados e municípios constituiu a origem do processo, no atual movimento top-down os contadores dos governos em geral se encontram distantes do processo de inovação, que é centralizado. Em ambos houve influência estrangeira nos conceitos, no primeiro italiana, na concepção do modelo, e de credores, na demanda informacional. No segundo e atual, a influência foi congregada na concepção do International Public Sector Accounting Standards Board (IPSASB) (Aquino et al., 2019Aquino, A. C. B., Lino, A. F., Cardoso, R. L., & Grossi, G. (2019). Legitimating the standard-setter of public sector accounting reforms (Working Paper). [s.l.]: [s.n.].). Tal modelo recente pouco tem considerado a necessidade de amplo trabalho institucional no processo de difusão para tornar o modelo IPSAS largamente aceito entre os governos adotantes. A falta de trabalho institucional pode levar a maiores dificuldades no processo de difusão e, portanto, suscitar resistências ao novo modelo (Strang & Meyer, 1993Strang, D; & Meyer, J. W. (1993). Institutional conditions for diffusion. Theory and Society, 22(4), 487-511.).

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  • [Versão traduzida]

APÊNDICES

Figura 6
Balanço de receita e despesa do Governo de São Paulo (Balanço de 1905)

Figura 7
Demonstração do patrimônio do Governo de São Paulo (Balanço de 1905)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2018
  • Aceito
    09 Nov 2019
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