Acessibilidade / Reportar erro

Coalizões de advocacia e estratégias de negociação na revisão do Código Florestal

Coaliciones de causa y estrategias de negociación en la revisión del Código Forestal Brasileño

Resumo

Este artigo analisa as coalizões de advocacia (meio ambiente e agricultura) estabelecidas durante a revisão do Código Florestal brasileiro e as principais estratégias de negociação adotadas. Entrevistas, análise de documentos e notícias de jornais de grande circulação possibilitaram captar como os gestores do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lideraram tais coalizões. A teoria do Advocacy Coalition Framework (ACF) foi utilizada na análise das coalizões. Os resultados demonstram que esses ministérios recorreram à negociação como estratégia principal. A coalizão agricultura também investiu em informação científica, ao passo que a coalizão meio ambiente investiu em mobilização social.

Palavras-chave:
Código Florestal; stakeholders; coalizão de advocacia

Resumen

El trabajo tiene como objetivo analizar las coaliciones de causa (medio ambiente y agricultura) establecidas durante la revisión del Código Forestal Brasileño y las estrategias de negociación principales que se utilizan. Entrevistas, análisis de documentos y de los principales periódicos de noticias permiten captar como gestores de los ministerios de Medio Ambiente (MMA) y de Agricultura, Ganadería y Abastecimiento (Mapa) lideraron estas coaliciones. La teoría de advocacy coalition framework (ACF) se utiliza para el análisis de las coaliciones. Los resultados mostraron que ambos ministerios utilizan la negociación como estrategia principal. La coalición agricultura invirtió en información científica, mientras que la coalición medio ambiente invirtió en movilización social.

Palabras clave:
Código Forestal; partes interessadas; coaliciones de causa

Abstract

This study aims to analyze the advocacy coalitions (classified as ‘environment’ and ‘agriculture’) established during the revision of the Brazilian Forest Code and the main negotiation strategies used. Interviews, analysis of documents and newspaper’ reports allowed capturing how the managers of the Ministries of Environment (MMA) and Agriculture, Livestock and Supply (Mapa) led these coalitions. Coalition analysis used the Advocacy Coalition Framework (ACF). Results showed both ministries used negotiation as their main strategy. The agriculture coalition invested in scientific information, while environment coalition carried out social mobilization.

Keywords:
Forest Code; stakeholders; advocacy coalitions

1. INTRODUÇÃO

O primeiro Código Florestal brasileiro foi instituído pelo Decreto n. 23.793, de 23 de janeiro de 1934. Seu objetivo era tentar preservar parte da vegetação nativa dentro de propriedades privadas, pois o governo não tinha estrutura suficiente para fiscalizar todos os territórios públicos. Segundo o decreto, era competência do Ministério da Agricultura classificar as várias regiões e florestas protetoras e remanescentes, localizar os parques nacionais e organizar florestas modelo, de modo a reconhecer toda a área florestal do país. O grupo que influenciou o estabelecimento desse código, segundo Franco e Drummond (2012Franco, J. L. A., & Drummond, J. A. (2012). História das preocupações com o mundo natural no Brasil: da proteção à natureza à conservação da biodiversidade. In J. L. A. Franco, S. D. Silva, J. A. Drummond, & G. G. Tavares(Orgs.), História ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza (pp. 333-366). Rio de Janeiro, RJ: Garamond.), procurava relacionar a proteção da natureza com ideias de construção da nacionalidade e da identidade nacional brasileira.

Segundo Drummond e Barros-Platiau (2006Drummond, J. A., & Barros-Platiau, A. F. (2006). Brazilian environmental laws and policies, 1934-2002: a critical overview. Law & Policy, 28(1), 83-108.), o controle público sobre o uso das florestas provou-se muito mais fraco do que no caso de águas e minas, mais em função da deficiência gerencial do que do texto da lei. No ano anterior à revogação do Código Florestal de 1934, o governo militar publicou a Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, o chamado Estatuto da Terra. Ainda de acordo com Drummond e Barros-Platiau (2006), o Estatuto da Terra uniu temporariamente os temas conservação ambiental e reforma agrária, de modo a constituir uma lei consideravelmente progressiva. Ele estipulava, por exemplo, que a função social da terra só é desempenhada integralmente se combinada com distribuição equitativa, níveis satisfatórios de produtividade e conservação dos recursos naturais. Em outras palavras, as políticas de reforma agrária poderiam associar-se às políticas de proteção ambiental. Entretanto, os autores afirmam que nenhum grupo de políticas avançou durante as décadas de 1960 e 1970.

O Código Florestal de 1934 foi revogado pela Lei n. 4.771/1965, o chamado Código Florestal de 1965. De acordo com Drummond e Barros-Platiau (2006Drummond, J. A., & Barros-Platiau, A. F. (2006). Brazilian environmental laws and policies, 1934-2002: a critical overview. Law & Policy, 28(1), 83-108.), o Congresso Nacional iniciou a discussão dessa lei em 1948. Ou seja, decorreram 17 anos até sua aprovação e as alterações do Código Florestal vieram apenas durante a ditadura militar. Segundo Cureau e Leuzinger (2013Cureau, S., & Leuzinger, M. D. (2013). Direito ambiental. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.), os generais concebiam as florestas como garantia da integridade territorial, sendo essa a razão da previsão de diferentes espaços territoriais protegidos. Por outro lado, também previram espaços fornecedores de recursos essenciais ao desenvolvimento. Em seu art. 1º, o código determinava que as florestas e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do país. Dessa maneira, o exercício dos direitos de propriedade ocorre com as limitações estabelecidas pela legislação.

Em 1996, a Medida Provisória (MP) n. 1.511 alterou a área de reserva legal na Amazônia para 80%, em função do impacto negativo que o avanço do desflorestamento nessa região causou no exterior (Cureau & Leuzinger, 2013Cureau, S., & Leuzinger, M. D. (2013). Direito ambiental. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.). A MP n. 1.511 foi reeditada mês a mês, conforme a regra vigente na época - art. 62 da Constituição Federal de 1988, posteriormente alterado pela Emenda Constitucional (EC) n. 32/2001 -, havendo progressivamente novas alterações na lei florestal, discutidas com representantes dos diversos órgãos envolvidos, entre eles o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente. A edição da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a chamada Lei de Crimes Ambientais, trouxe alterações importantes à então denominada MP n. 1.605-30 (Cureau & Leuzinger, 2013).

O Código Florestal de 1965 também foi alterado por outras normas, além da MP n. 1.511/1996 e subsequentes; dentre elas, vale citar: Código de Processo Civil (art. 275, II); Lei n. 11.934/2009; Lei n. 7.511/1986; Lei n. 7.803/1989; Lei n. 7.875/1989; Lei n. 9.985/2000; Lei n. 11.284/2006; Lei n. 5.870/1973; e Lei n. 5.106/1966. A MP n. 2.166-67/2001, assim como o Código Florestal de 1965, foi revogada pelo Código Florestal de 2012.

Como ressaltado por Araújo (2010Araújo, S. M. V. G. (2010). Origem e principais elementos da legislação de proteção à biodiversidade no Brasil. In R. S. Ganem (Org.), Conservação da biodiversidade: legislação e políticas públicas (pp. 177-222). Brasília, DF: Ed. Câmara., p. 188), “o debate das alterações do Código Florestal e, de forma geral, das normas federais voltadas a regular o controle do desmatamento historicamente tem sido marcado pela polarização com ambientalistas de um lado e setor produtivo de outro”. Portanto, o propósito deste artigo é identificar os integrantes das coalizões lideradas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que tradicionalmente polarizam as discussões sobre o Código Florestal (Araújo, 2010Araújo, S. M. V. G. (2010). Origem e principais elementos da legislação de proteção à biodiversidade no Brasil. In R. S. Ganem (Org.), Conservação da biodiversidade: legislação e políticas públicas (pp. 177-222). Brasília, DF: Ed. Câmara.), e as estratégias adotadas pelas coalizões no processo para o alcance dos objetivos estabelecidos durante a revisão do Código Florestal de 1965.

O Código Florestal de 2012 vem sendo estudado desde sua promulgação, tendo em vista não só a importância da temática, mas também a grande mobilização social criada durante o processo de revisão do Código Florestal de 1965. Em um levantamento dos principais artigos sobre o tema, encontraram-se principalmente análises do impacto da aplicação do código ou de parte dele em determinada região ou bioma. Entretanto, foram encontrados, ainda, estudos que se relacionam aos impactos sob o ponto de vista ético e econômico, além de análise sociopolítica do processo de aprovação. Portanto, este artigo apresenta os bastidores desse processo, sob a perspectiva das coalizões agricultura e meio ambiente.

A próxima seção apresenta o Advocacy Coalition Framework (ACF). A terceira seção apresenta a metodologia do estudo. A quarta seção, de resultados e discussão, resume brevemente as discussões da revisão do Código Florestal de 1965 e apresenta os integrantes das coalizões agricultura e meio ambiente, identificados por meio de entrevistas e análise documental, além de apontar as estratégias adotadas pelas coalizões. Por fim, a conclusão discute os achados do estudo e indica pontos a aprofundar em futuras pesquisas.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O ACF é um modelo de processo político desenvolvido por Sabatier e Jenkins-Smith (1993Sabatier, P. A., & Jenkins-Smith, H. (1993). Policy change and learning: an advocacy coalition approach. Boulder, CO: Westview.) para lidar com problemas perversos, ou seja, aqueles que envolvem conflitos substanciais de objetivo, disputas técnicas importantes e múltiplos atores de vários níveis de governo. Com a ampliação do uso do modelo do ACF surgiu a necessidade de melhorias, como indicam Sabatier e Weible (2007). Os conceitos apresentados neste estudo consideram a versão ampliada do ACF.

Segundo Sabatier e Weible (2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.), o ACF assume que a formulação de políticas é muito complexa nas modernas sociedades, tanto substancialmente como legalmente, e que os participantes devem especializar-se se desejam ter alguma influência. Tal especialização ocorre dentro dos subsistemas políticos, compostos por participantes que regularmente procuram influenciar a política dentro do subsistema político. Um subsistema é caracterizado pelas dimensões funcional/substantiva, por exemplo, política de águas, e territorial (nível estadual, municipal etc.). Os participantes da política têm fortes crenças e procuram traduzi-las em políticas. Como as informações técnicas e científicas assumem importante papel nas mudanças de crença desses participantes, os pesquisadores, como analistas políticos e consultores, desempenham papel central no processo político. Entretanto, as crenças são estáveis ao longo de um período, o que dificulta alterações políticas.

A grande maioria das formulações de política ocorre dentro de subsistemas políticos e envolve negociações entre especialistas. O comportamento dos participantes políticos dentro dos subsistemas é, entretanto, afetado por dois conjuntos de fatores exógenos, um relativamente estável e outro bastante dinâmico (Sabatier, 1988Sabatier, P. A. (1988). An advocacy coalition framework of policy change and the role of policy-oriented learning therein. Policy Sciences, 21(2), 129-168.). Os parâmetros estáveis incluem atributos básicos do problema, distribuição de recursos naturais, estruturas e valores socioculturais fundamentais, além de estrutura constitucional básica. Esses fatores raramente se alteram no período mínimo de uma década, apesar de serem importantes no estabelecimento de recursos e restrições nos quais os atores devem operar. Os fatores dinâmicos externos incluem mudanças nas condições socioeconômicas, alterações nas coalizões de governo e decisões políticas de outros subsistemas. Eles também afetam o comportamento dos atores, mas sua capacidade de alteração os torna fatores críticos que afetam a maioria das mudanças das políticas. Uma das hipóteses do ACF, segundo Sabatier e Weible (2007), é que mudanças em um desses fatores dinâmicos se mostram uma condição necessária para mudanças políticas significativas. Outra forma de alteração das políticas é por meio do aprendizado (experiência ou novas informações) obtido na consecução ou revisão dos objetivos políticos. A forte pressão da coalizão agricultura, afetada pela implementação da Política Florestal, assim como o aprendizado na implementação do Código Florestal de 1965, apontou a necessidade de revisão da lei.

O ACF conceitua uma estrutura hierárquica de três níveis, segundo Sabatier e Weible (2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.). No nível mais amplo estão as crenças mais profundas, que alcançam a maioria dos subsistemas políticos. Como essas crenças são adquiridas na infância, há grande dificuldade de mudá-las. No nível seguinte estão as crenças políticas. Essas crenças alcançam um subsistema político inteiro. Como os participantes políticos são grandes conhecedores das relações dentro do subsistema político, eles desejam investir na aplicação de certas crenças profundas para o desenvolvimento de crenças políticas naquele subsistema. Entretanto, não há uma relação de um-para-um entre essas crenças. As crenças políticas também são difíceis de alterar, pois lidam como escolhas políticas fundamentais.

Sabatier e Weible (2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview., p. 195) utilizam a expressão “preferências políticas de políticas-chave”, ou seja, as crenças normativas que projetam uma imagem de como o subsistema político deveria ser, ajudando a unir aliados e dividir oponentes. Preferências políticas de políticas-chave podem ser o elemento que mantém coalizões unidas. O último nível consiste em crenças secundárias. Elas têm escopo mais estreito do que as crenças políticas, assim, suas alterações requerem menos evidências e acordos entre os atores dos subsistemas. Portanto, é mais fácil alterá-las.

O modelo ACF prevê que as crenças e os comportamentos das diversas partes interessadas estão incorporados em redes informais e que o processo de formulação de políticas é estruturado, em parte, pelas redes entre importantes participantes políticos (Sabatier & Jenkins-Smith, 1993Sabatier, P. A., & Jenkins-Smith, H. (1993). Policy change and learning: an advocacy coalition approach. Boulder, CO: Westview.). O modelo assume que esses participantes lutam para traduzir os componentes de seus sistemas de crença em política antes que seus oponentes o façam. A fim de ter alguma chance de sucesso, eles devem procurar aliados, compartilhar recursos e desenvolver estratégias complementares. A perspectiva de perda motiva os atores a se alinhar e cooperar com os aliados.

Os aliados são procurados entre pessoas que têm crenças políticas similares. Ao se engajar em um grau superior de coordenação, eles formam uma advocacy coalition (advocacia de coalizão), segundo Sabatier e Weible (2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.). A coordenação envolve algum grau de trabalho conjunto, visando a alcançar objetivos políticos comuns. Ainda segundo os autores, esse modelo provê a ferramenta mais útil para agregação do comportamento de centenas de organizações e indivíduos envolvidos em um subsistema político. Em cada subsistema se encontram entre 2 e 5 advocacy coalitions.

Portanto, o ACF contribuirá para a identificação dos principais valores (parâmetros relativamente estáveis) das duas advocacias de coalizão da política florestal estudadas - agricultura e meio ambiente - e como os eventos externos e os fatores de curto e longo prazo geraram estratégias durante a negociação do novo Código Florestal. Nesse sentido, a seguinte pergunta de pesquisa permeou a investigação:

Quais estratégias de negociação foram mais efetivas no processo de discussão do novo Código Florestal brasileiro?

3. METODOLOGIA

Este estudo de caso utilizou múltiplas fontes de evidência (entrevistas, análise de documentos e notícias de jornais de grande circulação), com vistas a identificar as coalizões de advocacia existentes e captar suas principais estratégias. As entrevistas seguiram um roteiro semiestruturado baseado em categorias relacionadas com o modelo do ACF (Sabatier & Weible, 2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.). Elas foram gravadas, transcritas e validadas para análise de conteúdo. O roteiro foi testado com o primeiro entrevistado e posteriormente aprimorado. Foram realizadas 12 entrevistas com participantes do processo de revisão do Código Florestal (Mapa; MMA; Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA; Casa Civil - órgão diretamente ligado ao chefe do Poder Executivo Federal; Câmara dos Deputados; setor produtivo; e organização não governamental - ONG - ambiental), no período de abril de 2013 a abril de 2014, totalizando 672 minutos de entrevistas (média de 56 minutos por entrevista). Houve um acordo de não identificação pessoal dos entrevistados, indicados neste artigo pela vinculação organizacional. Uma das entrevistas foi realizada em Florianópolis-SC e as demais em Brasília-DF, sempre nos locais de trabalho dos entrevistados. Apesar de muitas tentativas, não se conseguiu entrevistar nenhum representante do Senado Federal.

Os nomes foram levantados por meio da pesquisa em reportagens sobre o processo e confirmados em cada entrevista, utilizando a técnica bola de neve (Malhotra, 2006Malhotra, N. K. (2006). Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre, RS: Bookman.). O maior número de entrevistas foi realizado no Poder Executivo, tendo em vista o foco da pesquisa. O fim do ciclo de coleta de dados ocorreu quando se atingiu o estado de saturação.

A pesquisa documental tem como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, além de documentos impressos, utilizam-se jornais, fotos, filmes, gravações e documentos legais (Severino, 2007Severino, A. J. (2007). Metodologia do trabalho científico. São Paulo, SP: Cortez.). No caso desta pesquisa, foram utilizados principalmente documentos legais, reportagens e documentos digitalizados e impressos, como relatório e plano estratégico (Brasil, 2009Brasil. (2009). Plano estratégico. Brasília, DF: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.).

A análise de conteúdo das entrevistas e da pesquisa documental (documentos e reportagens) adotou a modalidade categorial (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Ed. 70.). Foram analisadas quatro categorias: Estratégias de influência; Eventos externos (sistema); Oportunidade de coalizões; e Restrições e recursos dos atores. A primeira categoria emergiu da análise de conteúdo das entrevistas e da pesquisa documental. As demais foram organizadas a partir do modelo ACF (Sabatier & Weible, 2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.). As categorias foram subdivididas em nós, como ilustra o Quadro 1.

Os documentos passaram por uma análise inicial e os mais relevantes, como a totalidade das entrevistas, foram incluídos no programa computacional NVivo 10. Apesar da frase ter sido selecionada inicialmente como unidade de codificação, muitas vezes foi necessário expandir o registro para melhor compreensão do sentido. Os elementos foram codificados em nós que representam as categorias do estudo, conforme o Quadro 1, e, em seguida, foram analisados novamente para a compreensão da dinâmica das duas coalizões estudadas. A nuvem de frequência de palavras foi uma das ferramentas utilizadas para analisar os principais consensos em cada coalizão.

Quadro 1
Categorias de análise

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo Araújo (2010Araújo, S. M. V. G. (2010). Origem e principais elementos da legislação de proteção à biodiversidade no Brasil. In R. S. Ganem (Org.), Conservação da biodiversidade: legislação e políticas públicas (pp. 177-222). Brasília, DF: Ed. Câmara.), em janeiro de 2010, havia 36 projetos em tramitação na Câmara dos Deputados almejando alguma forma de alteração do Código Florestal. A autora divide os projetos em dois blocos principais. O primeiro bloco de proposições estava agregado ao PL n. 6.424/2005 e apensos, um processo analisado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR). O foco era a realização de ajustes pontuais na Lei n. 4.771/1965. Esse PL foi arquivado em 18 de julho de 2013, em função da aprovação do Código Florestal de 2012 - Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012.

O segundo reunia as proposições analisadas pela comissão especial criada especificamente para a análise do PL n. 1.876/1999 e apensos, com conteúdo que almejava reestruturar de forma significativa a base normativa do tema, especialmente no que toca a ocupações consolidadas em desacordo com o Código Florestal de 1965. Esse foi o processo que aprovou o Código Florestal de 2012. A negociação pretendia adequar a realidade das propriedades rurais à legislação ambiental vigente. Entre os princípios aprovados no Código Florestal de 2012, a proteção do meio ambiente continua a ser obrigação do produtor rural por meio da implantação de áreas de preservação permanentes (APPs) e reservas legais.

Atualmente, o Programa de Regularização Ambiental e o Cadastro Ambiental Rural são instrumentos utilizados por ambas as coalizões para regularização ambiental de propriedades e posses rurais, implementando os dispositivos do Código Florestal de 2012. Inicialmente criados por meio do Decreto n. 7.830, de 17 de outubro de 2012, tiveram normas complementares gerais aprovadas por meio do Decreto n. 8.235, de 5 de maio de 2014. Até 30 de novembro de 2017, segundo informações do Sistema do Cadastro Ambiental Rural, mais de 3,5 milhões de propriedades já haviam sido incluídas no sistema, como ilustra o Gráfico 1.

Gráfico 1
Imóveis cadastrados no Sicar, por unidade da Federação, até 30 de novembro de 2017

A seguir são apresentados os resultados da identificação das duas principais coalizões envolvidas na negociação do Código Florestal, incluindo suas crenças e suas principais estratégias. Como relatado nas entrevistas, os membros das coalizões são principalmente aqueles envolvidos na implementação regular de suas respectivas políticas públicas (meio ambiente e agricultura). Portanto, segundo Sabatier e Weible (2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.), as coalizões são formadas com base na identidade de crenças de seus membros.

4.1 Identificação das coalizões

4.1.1 Coalizão ambiental

A coalizão meio ambiente identificada nas entrevistas e documentos, liderada pelo MMA, é ilustrada na Figura 1. Participavam do grupo de agricultura familiar entidades como a Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (Fetraf), o movimento Via Campesina e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag). Havia um grupo composto por membros da academia (Academia Brasileira de Ciências - ABC; e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC), Igreja Católica (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB) e membros do Ministério Público (MP) e do Poder Judiciário comprometidos com o tema meio ambiente. O MDA era considerado aliado pelo MMA. Entretanto, a análise de conteúdo das entrevistas apontou uma atitude de pêndulo entre as duas coalizões, dependendo do tema a ser tratado.

Em alguns temas nos aproximávamos mais do MMA e em outros, do Mapa. Ao mesmo tempo que a gente tem a proximidade com um sistema produtivo mais conservacionista, por outro lado, eles são agricultores e dependem da propriedade para sua produção de subsistência. Então, não tem como não pensar nos produtores que estão na beira de rio e o que eles têm de facilidade de acesso a um recurso natural que dê algum retorno, porque eles têm mais dificuldade de acesso ao crédito, à assistência técnica. Ele tem que, naturalmente, diversificar e é muito dependente (Entrevistado 1 - MDA).

Figura 1
Stakeholders da coalizão meio ambiente

A análise de conteúdo das entrevistas apontou forte identificação entre o MMA e as ONGs, principalmente durante as gestões dos ministros Marina Silva e Carlos Minc. Essa posição se alterou na gestão da ministra Izabella Teixeira, que tinha um caráter mais técnico - analista ambiental, ela é servidora de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desde 1984 e assumiu posições independentes das ONGs. A relação com a agricultura familiar se iniciou após a saída da ministra Marina Silva. A coalizão conta, ainda, com outras instituições e pessoas ligadas ao tema meio ambiente, como MP e academia.

Não havia diferenças de posições muito grandes entre o Ministério e as ONGs. O próprio secretário executivo veio de uma ONG. Até a brincadeira é que era um Ministério-ONG. Nesse momento, não era um ator tão diferenciado, que valesse a pena. O movimento ambientalista incluía os deputados ambientalistas, o Ministério do Meio Ambiente e as entidades ambientalistas que se sentiam muito bem representadas pela ministra Marina (Entrevistado 3 - MMA).

O primeiro movimento foi rachar o movimento rural e no entendimento do então ministro Minc, os aliados eram os ambientalistas e a agricultura familiar. Então, foram criados aqui no Ministério grupos com representantes dos dois. E aí você tinha uma diferença lá dentro. Os que não querem mudar nada; os que aceitam mudar, desde que seja por meio de instrumentos infralegais, por meio de decreto, resoluções do Conama, instruções normativas e tudo que pudesse ser criado sem levar a discussão para o Congresso; e os que achavam, como a Contag, que no fim a discussão teria que ir para o Congresso, não tem como resolver, são demandas nossas e têm que ir para lá (Congresso) (Entrevistado 3 - MMA).

Porque, com o Minc, você tinha uma polarização como essas que comentei. Isso não tinha problema para ele. Com a Izabella, a tendência era sempre não polarizar, até porque havia essa recomendação na Casa Civil. O fato de não ser uma pessoa ligada à vida política, em geral, em momento algum, ela assumiu posições de frente (Entrevistado 4 - MMA).

Apesar de crenças políticas compartilhadas sobre a importância da preservação dos recursos naturais, as crenças secundárias da coalizão meio ambiente, ou seja, a forma de instrumentalização da política florestal, alteraram-se ao longo do tempo. Em um primeiro momento, com a influência mais forte das ONGs ambientalistas, o pacto era pela manutenção do Código Florestal como estava (Lei n. 4.771/1965 e MP n. 2.166-67). Com a ampliação da coalizão, o que significou maior diversidade de participantes com diferentes visões sobre como deveria ocorrer o processo, em função de suas crenças originais, outras opções de estratégia de condução do tema passaram a ser debatidas: 1) não alteração; 2) alteração por meio de instrumentos infralegais; e 3) publicação de nova lei. Enquanto os membros da agricultura familiar fazem parte originalmente da política (subsistema) agricultura familiar; ambientalistas e outros membros da coalizão, como MP, compartilham as crenças originais do subsistema ambiental. Desse modo, percebe-se que o nível de coordenação na coalizão meio ambiente é mais fraco do que o existente na coalizão agricultura, o que impactará o resultado final da negociação da nova lei.


Crençascoalizão ambiental

4.1.2 Coalizão agricultura

Os stakeholders da coalizão liderada pelo Mapa e identificados nas entrevistas e nos documentos analisados são apresentados na Figura 2. Foram exemplificadas no setor produtivo as organizações que mais participaram das negociações do Código Florestal, não sendo descartados outros participantes (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA; Organização das Cooperativas Brasileiras - OCB; e Sociedade Rural Brasileira - SRB). Havia apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso. O MDA pode ser considerado um membro flutuante das duas coalizões, pois apoiou as questões de seu interesse junto aos dois grupos.

Analisando as entrevistas e os documentos, percebem-se valores comuns entre os membros dessa coalizão. O primeiro deles se refere à importância atribuída ao agronegócio no contexto da economia nacional. Especificamente sobre o Código Florestal, há uma percepção geral de que o pequeno agricultor seria o maior prejudicado com a implantação do Código de 1965 e que a prioridade é unir produção e sustentabilidade. Essa percepção é a mesma da coalizão meio ambiente.

A legislação do Código é muito mais difícil de ser cumprida pelos pequenos do que pelos grandes produtores. Um cara que tem 5.000 hectares faz 20-30 hectares de APP. Um cara que tem 10 hectares não faz 1 hectare de APP. Um é 10% da propriedade, no outro é 0,0 alguma coisa. Então, expliquei que isso afetava o pequeno agricultor, que não conseguia cumprir a legislação do jeito que estava (Entrevistado 3 - Mapa).

A discussão que se tinha com a bancada ruralista é que estavam todos empenhados em defesa do pequeno produtor rural. O pequeno é que sofre, que não tem crédito. (Entrevistado 4 - MMA)

O MDA também entrou nessa discussão, porque se revelou que o Código Florestal é uma restrição ao uso de propriedade, do pequeno ao grande, mas que afeta mais o pequeno agricultor. Isso foi o que sensibilizou os tomadores de decisão. Essa foi a discussão que começou a quebrar os corações, antes se via com maus olhos mexer no Código Florestal (Entrevistado 2 - Casa Civil).

Figura 2
Stakeholderscoalizão agricultura

As entrevistas apontaram um alinhamento entre Mapa, setor produtivo e bancada ruralista, gerado por suas crenças e valores compartilhados. A relação estreita entre Mapa, bancada ruralista e setor produtivo se enfraqueceu, principalmente, com o último ministro da negociação, Jorge Alberto Mendes Ribeiro Filho. O ministro Mendes Ribeiro Filho não era ligado ao setor e foi indicado pela presidente Dilma em função de sua atuação como líder de governo na Câmara em 2011.

No grupo de trabalho inicial para discutir o Código Florestal, do lado da Agricultura, tinha a CNA e alguns deputados ruralistas bastante conhecidos, como o Marcos Montes, Homero Pereira, Heinz e Moreira Mendes (Entrevistado 3 - Mapa).

Mas o Ministro Stephanes sofreu muito com a bancada ruralista. Ouvi relatos de pessoas que trabalhavam com ele que diziam que quando ele queria ser menos radical, a bancada aqui pressionava ele e o deixavam em situação difícil (Entrevistado 2 - Câmara dos Deputados).

Na época do Mendes, a bancada até deixou de vir aqui, porque dizia que ele aceitaria dar tudo. Mas, para nossa sorte, as coisas já estavam mais organizadas no Congresso, na Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) (Entrevistado 2 - Mapa).

Quadro 3
Crençascoalizão agricultura

4.2 Estratégias

As análises realizadas apontaram que a negociação foi a principal estratégia adotada por ambas as coalizões. Informação científica também foi uma importante estratégia da coalizão agricultura. A seguir são apresentadas as estratégias de cada uma das coalizões durante as negociações do novo Código Florestal.

4.2.1 Coalizão agricultura

As principais crenças dessa coalizão estavam pautadas na importância da agricultura para o desenvolvimento do país, a prioridade a ser atribuída à agricultura familiar e a compatibilização de produção com sustentabilidade, conforme a análise das entrevistas e dos documentos.

Analisando a frequência de palavras dos membros da coalizão entrevistados, percebem-se algumas diferenças entre os resultados com e sem o MDA. Na coalizão agricultura sem MDA (Figura 4), o assunto ambiente teve maior destaque, inclusive a preocupação com APPs, e há maior influência da relação ministerial (ministro) com a Frente Parlamentar da Agropecuária (deputado, ruralistas e bancada). Na coalizão com MDA (Figura 3) a agricultura ganha maior destaque do que as questões de ambiente, provavelmente em função da relação de pêndulo que o ministério exerceu entre as duas coalizões.

Figura 3
Frequênciade palavras da coalizão agricultura com mda

Figura 4
Frequência de palavras da coalizão agricultura sem mda

Negociação foi a principal estratégia utilizada tanto pelo Mapa como pelo MMA para influenciar o resultado do processo. A atuação do Mapa se concentrou em articulações intragovernamentais e com os demais membros da coalizão agricultura, mas, principalmente, com a bancada ruralista. O perfil dos ministros influenciou o comportamento de negociação nos diferentes momentos. Enquanto o ministro Reinhold Stephanes participava ativamente das negociações, o ministro Wagner Rossi deixava a negociação acontecer no Congresso, com o apoio da equipe técnica do Mapa. O ministro Jorge Alberto Mendes Ribeiro Filho, já no final das negociações, adotou uma postura de busca de posição de governo, em consenso com MMA e Presidência da República.

O ministro Rossi não teve influência alguma na aprovação do Código. Ele não firmou posições. Quando o Stephanes era ministro, puxou para si a discussão, ele se incumbiu de ser o interlocutor do setor dentro do governo. Ele buscou essa interlocução direta, além dos outros parlamentares. Ele comprou essa briga. O ministro Rossi deixou rodar solto, apesar dos assessores que já vinham trabalhando com essa questão também continuarem na discussão. Porém, no ambiente institucional interno do governo, fala mais alto quem tem o aval do chefe. O Wagner Rossi nunca se preocupou diretamente em partir para cima dos opositores das pretensões do setor agrícola, ao contrário do Stephanes (Entrevistado 1 - Setor Produtivo).

O Rossi fugia desse assunto (Código Florestal), pois era pressionável pela Bancada Ruralista. Diferentemente do Mendes Ribeiro, que não estava nem aí. Foi um alívio quando o Rossi foi embora, mas chegou num ponto que comecei a ter saudades do Rossi, porque a posição de “eu não estou nem aí” do Mendes foi um desastre para nós (Entrevistado 2 - Mapa).

Outra estratégia utilizada pelo Mapa, segundo um dos entrevistados, foi a retirada de pessoas radicais do processo. Isso contribuiu para a redução dos conflitos durante as negociações intragovernamentais. Além disso, a coalizão também buscou informações científicas que pudessem fortalecer os argumentos favoráveis às modificações no Código Florestal.

Geralmente, quando vem da Embrapa, é bem visto pela sociedade. E o Evaristo tinha, e ainda tem, um bom conceito, e veio dizer que já tinha muita área preservada, com as terras indígenas, quilombolas, APPs, Unidades de Conservação. Era um trabalho revolucionário, na época, e jogou informação nova nesta questão, causando desconforto para as organizações ambientais (Entrevistado 2 - Casa Civil).

Finalmente, os membros da Frente Parlamentar da Agropecuária começaram a entender mais as questões ambientais e passaram a atuar na Frente Parlamentar Ambientalista. Analisando a lista de deputados da Frente Parlamentar Agropecuária e da Frente Parlamentar Ambientalista da época, percebia-se uma coincidência de 72 nomes nas duas frentes. A Frente Parlamentar Agropecuária contava com 164 deputados federais e 11 senadores. A Frente Parlamentar Ambientalista possuía 178 deputados federais e 11 senadores. O dado confirma a estratégia de ocupação de espaços da bancada ruralista, apontada por diversos entrevistados.

Podem achar o que quiser da senadora Kátia Abreu, mas desde que ela apareceu como liderança ruralista, ela busca informações mais detalhadas, um preparo muito grande. A gente saiu de um patamar de discussão, não digo ideológico, mas uma visão diluída, sem muita consistência de um lado e de outro, para um preparo muito maior, números mais qualificados (Entrevistado 1 - Casa Civil).

As mudanças no Código ocorreram sempre por medida provisória, ouvindo exclusivamente os ambientalistas. E durante esse período de duas décadas, a bancada ruralista se profissionalizou, e começou a perceber que precisava ser mais ativa no processo, ocupar espaço político na Câmara. A própria Comissão de Meio Ambiente, liderada por ambientalistas históricos, passou a ter uma participação maior de deputados da bancada ruralista (Entrevistado 2 - MMA).

4.2.2 Coalizão meio ambiente

A coalizão meio ambiente era mais ampla do que a coalizão agricultura. Entretanto, sua atuação não foi uniforme ao longo do tempo. Assim como ocorreu no Mapa, o perfil dos ministros do MMA influenciou a forma de negociação. Na época da ministra Marina Silva, não havia diferença de posição entre o MMA e as ONGs ambientais e socioambientais. Durante a administração do ministro Minc, outras organizações também começaram a ser incluídas na coalizão, como o MDA e os movimentos da agricultura familiar, como visto na seção de identificação dos membros da coalizão ambiental. Porém, com a mudança de postura do MMA na gestão da ministra Izabella Teixeira, que assumiu posições coordenadas de governo, as ONGs e os movimentos da agricultura familiar se uniram no chamado Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável e passaram a atuar de modo independente. O comitê foi criado em 7 de junho de 2011, para mobilizar a população contra as alterações do Código Florestal que estavam sendo discutidas no Congresso.

As principais estratégias utilizadas inicialmente pela coalizão meio ambiente e, posteriormente, pelas ONGs parceiras para maior incidência no processo, segundo o entrevistado do setor ambiental, foram:

  1. Denúncia. Não participa inicialmente.

  2. Negociação quando houve percepção de que o processo avançaria.

  3. Atração da academia, pois as ONGs sozinhas têm menos credibilidade.

  4. Parceria com parte do setor empresarial que apoiasse a mudança não tão radical (Associação Brasileira de Celulose e Papel - Bracelpa).

  5. Tentativa de uniformizar entendimentos e buscar movimentos da agricultura familiar (Via Campesina e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST) e CNBB.

  6. Negociação corpo a corpo com governo e parlamentares.

  7. Mobilização de comunicação - mídia. Cobertura crítica - proporcionalmente mais voz para ambientalistas. O resultado foi uma mudança na mídia, após discussão no Senado.

  8. Mobilização na campanha eleitoral dos candidatos. ONGs pressionaram para comprometer com promessa de campanha.

Segundo os entrevistados, começou a haver unanimidade na importância de mudança do Código Florestal. Isso influenciou a mudança de postura do ministério nas negociações e contribuiu para o distanciamento da posição dos demais membros não governamentais da coalizão meio ambiente, que não queriam alteração no código. Apesar da concentração de ações em estratégias de negociação, lideradas pelo MMA, a coalizão meio ambiente também investiu em mobilização social e outras formas de influência, como a campanha “Veta, Dilma”, conforme a análise de inúmeras notícias.

E no governo federal, durante o primeiro governo Lula, a ministra Marina teve uma postura do tipo “melhor não deixar mexer”. Uma postura um pouco autista, ou não, às vezes ela tinha consciência que se deixasse mexer iria perder tanto que era melhor não deixar mexer. Ela se apoiou no presidente Lula para não deixar mexer (Entrevistado 2 - MMA).

O Ministério do Meio Ambiente parou de pressionar, porque chegou uma hora que não tinham mais como sustentar a pressão por dois motivos: o público do MDA, com quem sempre estiveram pari passu, precisavam dessas mudanças. E o próprio público do MDA, como te falei, fez com que apresentassem uma proposta de medida provisória. Então parou um pouco aquela discussão em público entre Stephanes e Minc. Quando foi para o Congresso, esfriou dentro do governo e deixou brigar no Congresso (Entrevistado 3 - Mapa).

A frequência de palavras da coalizão meio ambiente (Figura 5) demonstra, além do foco na questão ambiental, como era de esperar, também as palavras governo, ministra e Izabella, receberam grande destaque. Agricultura aparece mais vezes do que o termo “ambientalistas”, o que pode ser explicado pelo distanciamento entre a postura do Ministério e das ONGs ao longo da negociação e, ainda, pelo foco na agricultura familiar, que foi convidada a se unir à coalizão meio ambiente. O MMA se abriu para a negociação em termos de alteração do Código Florestal a partir da gestão Izabella Teixeira.

Figura 5
Frequência de palavras da coalizão meio ambiente

4.3 Policy broker

Na teoria do ACF, os subsistemas de políticas públicas contam, além de coalizões, com os chamados policy brokers. Eles são figuras mediadoras cuja principal preocupação, segundo Sabatier (1988Sabatier, P. A. (1988). An advocacy coalition framework of policy change and the role of policy-oriented learning therein. Policy Sciences, 21(2), 129-168.), é manter o conflito político dentro de limites aceitáveis, alcançando alguma solução razoável para o problema. O resultado dessa mediação é, frequentemente, alguma espécie de ação governamental, como um programa.

Entretanto, segundo Bratt (2013Bratt, D. (2013, June). Clarifying the policy broker in the advocacy coalition framework. In Proceedings of the International Conference on Public Policy, Grenoble, France.), muitos brokers podem ter tendência política, enquanto membros de coalizões podem preocupar-se com a manutenção do sistema. Portanto, policy brokers não são atores desinteressados. Seu interesse pode ser tanto material como institucional, o que os leva a agir estrategicamente na mediação. Essa característica, apontada por Bratt (2013)Bratt, D. (2013, June). Clarifying the policy broker in the advocacy coalition framework. In Proceedings of the International Conference on Public Policy, Grenoble, France., será confirmada durante a análise da negociação realizada para a alteração do Código Florestal.

No caso do Código Florestal, um importante policy broker no governo federal é a figura do Presidente da República. Durante o período de negociação, que vai de 2008 a 2012, principal foco deste estudo, os presidentes Lula e Dilma tiveram papel relevante na mediação das coalizões, mas com posturas diferentes.

O governo federal editou o Decreto n. 6.514, de 22 de julho de 2008, que regulamenta as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelecendo o processo administrativo para a apuração de tais infrações. Esse decreto causou grande repercussão entre os ruralistas, segundo vários entrevistados, e foi considerado por todos o principal marco que acelerou as discussões para a alteração do Código Florestal.

O Ministro Minc, na época, fez um decreto regulamentando a lei de crimes ambientais, e esse decreto impôs multas estrondosas para quem não tinha reserva legal averbada e aí houve uma reação do Ministro da Agricultura e também aqui dos deputados, de uma forma bem forte (Entrevistado 2 - Câmara dos Deputados).

A reação da coalizão agricultura levou a uma tentativa de conciliação entre os dois principais ministérios. Foi relatada por alguns entrevistados a realização de uma reunião com representantes do MMA, Mapa, MDA, de ONGs ambientalistas e da bancada ruralista para discutir o Decreto n. 6.514/2008. Como os interesses eram conflitantes, o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, disse aos membros da bancada ruralista que a melhor arena para a discussão seria o próprio Congresso, tendo em vista as resistências do MMA.

Saiu daquela reunião mais ampliada por uma questão muito simples: o ministro Stephanes percebeu que o decreto estava na rua e o ministro Minc não iria assumir uma posição muito diferente do que estava lá, e mais ainda do Executivo propor uma mudança do Código Florestal, as eleições estavam se aproximando e havia todo um contexto. E aí, na mesa com os parlamentares, o Stephanes disse a eles que não sabia por que estavam trazendo este assunto para o Executivo, pois este tema não seria decidido pelo Executivo, e sim pelo Legislativo. Ele disse para a bancada que eles tinham a força para pautar esse tema no Congresso. Na mesa estavam o Mapa, o MDA, o MMA e a bancada. O Stephanes disse: “se eu estivesse no lugar de vocês, faria uma proposição”. E foi isso que aconteceu, de fato (Entrevistado 1 - MDA).

Mesmo com a ruptura ocorrida no grupo inicial, o governo continuou buscando uma solução interna para a questão. Seguindo orientação do presidente Lula, o grupo foi restrito aos próprios ministérios, intermediados pela Casa Civil. O presidente também determinou aos ministros Reinhold Stephanes (Mapa) e Carlos Minc (MMA) que não levassem as discussões para os jornais.

A unificação do discurso do governo só ocorreria a partir da administração da presidente Dilma, quando a matéria já estava em adiantada fase de discussão no Congresso. Nesse período, o MMA, por meio da ministra Izabella Teixeira, foi o negociador oficial por parte do governo federal.

E no governo Lula cada Ministério era um país à parte, podia fazer o que queria, não havia harmonização de posição de governo. Isso só aconteceu depois, no governo Dilma, quando ela viu que o problema precisava de uma solução, fosse ela qual fosse, independente de juízo de valor, era o caso do governo ter uma posição só. Foi o momento da ministra Izabella sentar-se à mesa e fazer a interlocução com os radicais de lá, pois o MMA sempre tenta puxar a sardinha para a questão ambiental, assim como o Mapa para a agricultura. A ministra tem esse papel muito importante nessa ponderação dos interesses, de ver até onde seria capaz de levar essa discussão (Entrevistado 1 - setor produtivo).

Segundo os entrevistados, as discussões internas no governo seguiam três níveis. O primeiro era de discussão dos técnicos, mediada por gestores da Casa Civil. O segundo nível era de decisão entre ministros, com intermediação da ministra da Casa Civil. O último nível era a decisão pela própria presidente Dilma. Segundo os relatos, ela participou ativamente no fechamento das posições de governo, o que algumas vezes dificultava a finalização técnica de pontos polêmicos.

Por vezes a própria presidente era obrigada a fazer reuniões, onde ocorriam grandes avanços com a participação da presidente Dilma, como, por exemplo, a “escadinha” para produtores com rios de diferentes larguras e tamanho de propriedade - todo mundo deveria ter APPs [áreas de proteção permanente], mas com diferentes dimensões (Entrevistado 1 - Mapa).

Na fase final de tramitação, era a própria presidente quem se reunia com os ministros, ela se envolveu pessoalmente. Até dificultava alguns arredondamentos, porque quando quem está no topo de comando diz que quer alguma coisa, quem tem coragem de contrariar, mesmo estando errado? (Entrevistado 2 - Casa Civil).

A presidente Dilma também recorreu ao seu poder de veto para interferir no resultado final do novo Código Florestal. Não só ela vetou em 10 pontos a Lei n. 12.651/2012, como também editou a MP n. 571 para tratar dos pontos vetados anteriormente. A MP se transformou na Lei n. 12.727/2012, que também foi vetada em 9 pontos pela presidente.

Desse modo, percebe-se a diferença na posição dos dois principais policy brokers da negociação, por parte do governo federal, e o papel desempenhado pela presidente Dilma para a definição de alguns pontos importantes da nova Lei Florestal. Enquanto o presidente Lula procurava conciliação interna, mas não se envolvia no tema, a presidente Dilma atuou diretamente nos momentos finais da negociação. Alguns dos entrevistados ressaltaram a inovação da participação de um presidente de forma tão ativa em uma negociação ambiental.

Acho que a grande diferença foi essa: a presidente se envolveu pessoalmente. Das questões de meio ambiente, foi a que eu mais vi um Presidente da República se dedicar. A presidente sentou várias vezes, durante o pico da negociação. Num período de duas semanas, ela dedicava meio período para chamar os ministros. E ela encaminhou as diretrizes (Entrevistado 1 - Casa Civil).

É importante ressaltar que, em junho de 2012, em plena discussão do Código Florestal no Congresso, o Brasil foi sede da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a chamada Rio+20. A presidente Dilma foi muito pressionada a manter os compromissos ambientais assumidos durante a campanha eleitoral, o que pode ter contribuído para seu envolvimento nos fechamentos de posição de governo.

Do ponto de vista do Poder Legislativo, tem-se como policy broker a figura do deputado Aldo Rebelo (PCdoB de São Paulo), escolhido como relator da comissão especial criada para analisar a proposta de alteração do Código Florestal de 1965. Foi consensual entre os entrevistados a importância da escolha do deputado Aldo Rebelo para o processo. Por ser de um partido comunista, o deputado inspirava neutralidade entre ambientalistas e ruralistas. No entanto, o que se viu posteriormente em seu relatório foi uma clara adesão às questões rurais. De modo não usual, o deputado Aldo Rebelo (2010, p. 2) dedicou seu relatório “aos agricultores brasileiros”. Segundo um dos entrevistados, o deputado Aldo tem forte tendência nacionalista e rejeitava as ONGs internacionais.

O deputado Aldo tem horror a nome de ONG em inglês e não esconde isso. Por isso os ambientalistas não eram, assim, bem tratados (Entrevistado 1 - Câmara dos Deputados).

O presidente é eleito e o relator é nomeado. O deputado Micheletto foi eleito, tentou indicar um que não foi aceito, e aí se chegou ao nome do deputado Aldo Rebelo, que era tido como uma pessoa neutra. Ele era da base do governo, o partido dele era o PCdoB, tinha essa história da esquerda, então, os ambientalistas achavam que seria uma pessoa confiável, do ponto de vista deles, mas os deputados da agricultura também, inclusive com o fato anterior que houve a lei de biossegurança, em 2005, que tratava dos transgênicos, e dividia o meio ambiente e a agricultura. Na época, a ministra era a Marina e a agricultura queria que liberasse os transgênicos. O Aldo atuou naquela época em prol dos agricultores, ou desagradou mais os ambientalistas do que a bancada ruralista, embora ele não tenha ficado até o fim, como agora, que acabou sendo nomeado ministro (Entrevistado 2 - Câmara dos Deputados).

Essa Comissão, depois de muita briga, foi entregue ao Aldo Rebelo, porque era considerado um cara acima dos interesses mundanos, tanto de um lado quanto de outro. Considerou-se que o interesse dele era o bem do Brasil, para nossa sorte (Entrevistado 3 - Mapa).

O deputado Aldo Rebelo promoveu inúmeras audiências públicas, inclusive atendendo requerimentos apresentados por outros deputados. Nessas audiências foram ouvidos representantes dos diversos interessados no tema, e não apenas ruralistas e ambientalistas. A lista de participantes nas audiências também inclui pessoas das áreas de transporte, indústria, minas e energia.

Entretanto, Santos (2012Santos, Z. (2012). A revisão do Código Florestal: como se deu o debate político durante a discussão sobre a alteração da Lei 4771, de 1965, Código Florestal Brasileiro, na Câmara dos Deputados, como Casa iniciadora - 1o ciclo de discussão e votação. Recuperado de http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/9829/revisao_codigo_santos.pdf?sequence=2
http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/han...
) aponta que a participação de ruralistas (83,5%) foi muito maior do que a de ambientalistas (16,5%) em 26 audiências analisadas. Os trabalhos da comissão especial tiveram de ser prorrogados, em função dessas audiências. O parecer do relator foi apresentado à comissão especial em 8 de junho de 2010. No relatório, o deputado Aldo ressalta as dificuldades de aplicação do Código de 1965, devido às inúmeras alterações legais, e afirma que foi o próprio Estado o primeiro a negar a aplicação da lei, fomentando seu descumprimento, e que, combinados, os dispositivos legais existentes podem transformar em crime ambiental “o próprio ato de viver” (Rebelo, 2010Rebelo, A. (2010, 8 de junho). Parecer do relator deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ao Projeto de Lei n. 1876/99 e apensados. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Recuperado de http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=777725&filename=Tramitacao-PL+1876/1999
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/...
, p. 4).

Os dados levantados nas entrevistas apontaram a participação direta do Mapa nas discussões para elaboração do parecer do relator Aldo Rebelo. Isso demonstra uma clara estratégia de ação para mudanças de regras (Freeman, 1984Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach. Boston, MA: Pitman.). Ao mesmo tempo, havia a discussão interna no governo, mediada pela Casa Civil. O MMA, inicialmente contra as alterações no Código Florestal, acabou tendo de ceder em função dos membros da agricultura familiar de sua coalizão.

5. CONCLUSÃO

O objetivo deste estudo foi analisar as coalizões agricultura e meio ambiente durante o processo de revisão do Código Florestal de 1965, identificando seus componentes e as principais estratégias utilizadas para o alcance dos objetivos estabelecidos.

O Código Florestal de 2012 (Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012) vem sendo estudado desde sua promulgação, tendo em vista não só a importância da temática, mas a grande mobilização social criada durante o processo de revisão do Código Florestal de 1965.

Em um levantamento dos principais artigos sobre o tema, encontraram-se análises do impacto da aplicação do código ou de parte dele em determinada região ou bioma. Entretanto, também foram encontrados estudos que se relacionam aos impactos do ponto de vista ético e econômico, além de análise sociopolítica do processo de aprovação. Portanto, o estudo apresenta os bastidores desse processo, sob o ponto de vista das coalizões agricultura e meio ambiente.

O ACF foi o modelo teórico adotado neste estudo. Segundo Sabatier e Weible (2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.), o ACF assume que a formulação de políticas é muito complexa nas modernas sociedades, tanto substancialmente como legalmente, e que os participantes devem se especializar, se desejam ter alguma influência. Tal especialização ocorre dentro dos subsistemas políticos, compostos por participantes que regularmente procuram influenciar a política dentro do subsistema político. Os participantes da política têm fortes crenças e procuram traduzi-las em políticas. Entretanto, as crenças se mostram estáveis ao longo de um período, o que dificulta alterações políticas.

A grande maioria das formulações de política ocorre dentro de subsistemas políticos e envolve negociações entre os especialistas. Contudo, o comportamento dos participantes políticos dentro dos subsistemas é afetado por dois conjuntos de fatores exógenos, um relativamente estável e outro bastante dinâmico (Sabatier, 1988Sabatier, P. A. (1988). An advocacy coalition framework of policy change and the role of policy-oriented learning therein. Policy Sciences, 21(2), 129-168.). Os parâmetros estáveis incluem atributos básicos do problema, distribuição de recursos naturais, estruturas e valores socioculturais fundamentais, além de estrutura constitucional básica. Os fatores dinâmicos externos incluem mudanças nas condições socioeconômicas, alterações nas coalizões de governo e decisões políticas de outros subsistemas. Eles também afetam o comportamento dos atores, mas sua capacidade de alteração os torna fatores críticos que afetam a maioria das mudanças das políticas. As alterações nas coalizões de governo tiveram importante papel durante o processo de alteração do Código Florestal de 1965.

Este estudo de caso utilizou múltiplas fontes de evidência (entrevistas, análise de documentos e notícias de jornais de grande circulação). As entrevistas seguiram roteiro semiestruturado baseado em categorias relacionadas com o modelo do ACF (Sabatier & Weible, 2007Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.). Elas foram gravadas, transcritas e validadas para análise de conteúdo. Na pesquisa documental foram utilizados, principalmente, documentos legais, reportagens e documentos digitalizados e impressos, como relatórios.

A análise de conteúdo das entrevistas e da pesquisa documental (documentos e reportagens) foi feita a partir de uma análise categorial (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Ed. 70.). Foram analisadas quatro categorias: estratégias de influência; eventos externos (sistema); oportunidade de coalizões; e restrições e recursos dos atores.

As estratégias adotadas pela coalizão agricultura levaram ao alcance de dois objetivos almejados: mudança no Código Florestal de 1965 e diminuição de regulamentações ambientais sem discussão com outras coalizões. O Mapa mapeou as demandas de seu principal público de interesse - o setor produtivo - e organizou-se para enfrentar o desafio de conciliar produção e sustentabilidade. A articulação necessária com os demais integrantes da coalizão foi feita ao longo do processo, só enfraquecendo nos últimos momentos, após intervenção direta da Presidência da República. Outra articulação fundamental foi aquela realizada com o relator da Comissão Especial na Câmara dos Deputados, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB de São Paulo). Grande parte das alterações no Código Florestal de 1965 que atendiam às demandas da coalizão agricultura foi realizada a partir de seu trabalho. As estratégias da coalizão agricultura (articulação, utilização de informações científicas e retirada de pessoas radicais do processo) demonstraram maior efetividade para o alcance dos resultados inicialmente planejados.

A coalizão meio ambiente, por outro lado, adotou uma postura inicialmente defensiva para que não houvesse alterações na Lei de 1965. A ampliação dos membros da coalizão, a partir da entrada de organizações da agricultura familiar, enfraqueceu a união inicial dos ambientalistas e obrigou a busca por novas estratégias. O fato da presidente Dilma, como policy broker por parte do governo federal, mostrar-se favorável à coalizão meio ambiente minimizou suas perdas iniciais. Isso compensou, de certa forma, a falta de visão das demandas de outros stakeholders que não foram captadas pelo MMA.

Atualmente, o Programa de Regularização Ambiental e o Cadastro Ambiental Rural são instrumentos utilizados por ambas as coalizões para regularização ambiental de propriedades e posses rurais, implementando os dispositivos do Código Florestal de 2012. Inicialmente criados por meio do Decreto n. 7.830, de 17 de outubro de 2012, tiveram normas complementares gerais aprovadas por meio do Decreto n. 8.235, de 5 de maio de 2014. Até 30 de novembro de 2017, segundo informações do Sistema do Cadastro Ambiental Rural, mais de 3,5 milhões de propriedades já haviam sido incluídas no sistema.

A análise de estratégias de influência, em conjunto com os demais elementos do modelo do ACF, mostrou-se pertinente no estudo de alterações de política pública e pode ser replicada em outros estudos de caso. Uma limitação do estudo foi a não realização de entrevistas com personagens principais da negociação - ministros e relatores (Câmara e Senado) - em função de suas agendas. No entanto, foram realizadas entrevistas com assessores e técnicos que participaram diretamente das negociações. Também se analisaram entrevistas concedidas principalmente aos veículos oficiais (Agência Brasil, Agência Câmara e Agência Senado). Esses dados corroboraram as informações prestadas por assessores. As entrevistas e os documentos analisados não apontaram a participação sistemática de Conselhos na negociação, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o Conselho Nacional de Florestas (Conaflor). Entretanto, com a recente instituição da Política Nacional de Participação Social (Decreto n. 8.243, de 23 de maio de 2014), estudos futuros poderão analisar a integração desses stakeholders no processo de formulação e implementação de políticas públicas.

Um dado interessante que surgiu durante as entrevistas se refere ao papel dos partidos políticos como stakeholders da negociação. Na visão dos entrevistados da Câmara, o PMDB foi o partido que fez a diferença nas votações do Código Florestal, enquanto deputados do PT, pela primeira vez em sua história, não seguiram a orientação de sua liderança. Como a pesquisa estava centrada no papel de órgãos do Poder Executivo, não foi possível aprofundar o estudo nas divergências partidárias no Poder Legislativo. Esse é outro tema a ser analisado em futuras pesquisas, sobretudo com adoção de teorias da ciência política.

Por fim, tendo em vista a alta rotatividade de ocupantes dos cargos de alta direção nos órgãos públicos, uma questão a investigar em futuras pesquisas é o impacto dos valores desses dirigentes na estratégia da organização. Este estudo apontou as alterações ocorridas nas coalizões em função do perfil dos ministros tanto no Mapa como no MMA - esse pode ser um tema a aprofundar.

REFERÊNCIAS

  • Araújo, S. M. V. G. (2010). Origem e principais elementos da legislação de proteção à biodiversidade no Brasil. In R. S. Ganem (Org.), Conservação da biodiversidade: legislação e políticas públicas (pp. 177-222). Brasília, DF: Ed. Câmara.
  • Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo São Paulo, SP: Ed. 70.
  • Brasil. (2009). Plano estratégico Brasília, DF: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
  • Bratt, D. (2013, June). Clarifying the policy broker in the advocacy coalition framework. In Proceedings of the International Conference on Public Policy, Grenoble, France.
  • Cureau, S., & Leuzinger, M. D. (2013). Direito ambiental Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.
  • Drummond, J. A., & Barros-Platiau, A. F. (2006). Brazilian environmental laws and policies, 1934-2002: a critical overview. Law & Policy, 28(1), 83-108.
  • Franco, J. L. A., & Drummond, J. A. (2012). História das preocupações com o mundo natural no Brasil: da proteção à natureza à conservação da biodiversidade. In J. L. A. Franco, S. D. Silva, J. A. Drummond, & G. G. Tavares(Orgs.), História ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza (pp. 333-366). Rio de Janeiro, RJ: Garamond.
  • Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach Boston, MA: Pitman.
  • Malhotra, N. K. (2006). Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada Porto Alegre, RS: Bookman.
  • Rebelo, A. (2010, 8 de junho). Parecer do relator deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ao Projeto de Lei n. 1876/99 e apensados Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Recuperado de http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=777725&filename=Tramitacao-PL+1876/1999
    » http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=777725&filename=Tramitacao-PL+1876/1999
  • Sabatier, P. A. (1988). An advocacy coalition framework of policy change and the role of policy-oriented learning therein. Policy Sciences, 21(2), 129-168.
  • Sabatier, P. A., & Jenkins-Smith, H. (1993). Policy change and learning: an advocacy coalition approach Boulder, CO: Westview.
  • Sabatier, P. A., & Weible, C. M. (2007). The advocacy coalition framework: innovations and clarifications. In P. A. Sabatier (Ed.), Theories of the policy process (pp. 189-220). Cambridge, MA: Westview.
  • Santos, Z. (2012). A revisão do Código Florestal: como se deu o debate político durante a discussão sobre a alteração da Lei 4771, de 1965, Código Florestal Brasileiro, na Câmara dos Deputados, como Casa iniciadora - 1o ciclo de discussão e votação. Recuperado de http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/9829/revisao_codigo_santos.pdf?sequence=2
    » http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/9829/revisao_codigo_santos.pdf?sequence=2
  • Severino, A. J. (2007). Metodologia do trabalho científico São Paulo, SP: Cortez.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2016
  • Aceito
    21 Maio 2018
Fundação Getulio Vargas Fundaçãoo Getulio Vargas, Rua Jornalista Orlando Dantas, 30, CEP: 22231-010 / Rio de Janeiro-RJ Brasil, Tel.: +55 (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rap@fgv.br