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A consolidação do termo direito à cidade na cidade de São Paulo a partir das Jornadas de Junho: uma articulação hegemônica?

La consolidación del término derecho a la ciudad en la ciudad de São Paulo a partir de las marchas de Junio de 2013: una articulación hegemónica?

Resumo

Utilizando a teoria política do discurso (TPD), desenvolvida por Laclau e Mouffe, como lente teórica, este artigo tem o intuito de investigar se o direito à cidade pode ser considerado uma articulação hegemônica na cidade de São Paulo. Para isso, percorremos historicamente o surgimento do termo e salientamos a emergência de grupos que se relacionam com este tema a partir das Jornadas de Junho de 2013: um evento que desestabilizou o sentido atribuído à hegemonia prévia, a cidade do capital. A resposta do poder municipal às manifestações foi a implantação da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade, em uma tentativa de tornar o termo um ponto nodal. Ao analisar o discurso dos diferentes grupos, chegamos à conclusão de que o direito à cidade assume o papel de uma contra-hegemonia que se relaciona de forma antagônica com a hegemonia vigente. A principal contribuição do artigo está em identificar e analisar os diferentes significados adotados para o termo direito à cidade em São Paulo e como os atores mapeados interagem discursivamente no intuito de propor novas práticas de produção do espaço urbano.

Palavras-chave:
teoria política do discurso; direito à cidade; hegemonia; cidade do capital

Resumen

Utilizando la teoría política del discurso (TPD), desarrollada por Laclau y Mouffe, como lente teórica, este artículo pretende investigar si el derecho a la ciudad puede ser considerado como una articulación hegemónica en la ciudad de São Paulo. Para eso, indagamos históricamente el surgimiento del término y destacamos la emergencia de grupos que se relacionan con este tema a partir de las Marchas de Junio de 2013: un evento que desestabilizó el sentido atribuido a la hegemonía previa, la ciudad del capital. La respuesta del poder municipal a las manifestaciones fue la implantación de la Coordinación de Promoción del Derecho a la Ciudad que intentó establecer el termo como un punto nodal. Al analizar el discurso de los diferentes grupos, llegamos a la conclusión de que el derecho a la ciudad asume el papel de una contrahegemonía que se relaciona de forma antagónica con la hegemonía vigente. La principal contribución de la investigación está en identificar y analizar los diferentes significados adoptados para el término derecho a la ciudad en São Paulo y cómo los actores mapeados interactúan discursivamente con el propósito de proponer nuevas prácticas de producción del espacio urbano.

Palabras-clave:
teoría política del discurso; derecho a la ciudad; hegemonía; ciudad del capital

Abstract

This article aims to investigate whether the term “right to the city” can be considered as a hegemonic articulation in the city of São Paulo and the analysis is performed using the Political Theory of Discourse (PTD), developed by Laclau and Mouffe, as a theoretical lens. We traced through history the emergence of the term and the groups that relate to the notion it portrays, having June 2013 demonstrations in Brazil as a starting point: an event that destabilized the sense attributed to a previous hegemony, the city of capital. The local government’s response to those demonstrations was the implementation of the Coordinating Body for the Promotion of the Right to the City, with the intention of establishing the term as a nodal point. By analyzing the discourse of the different groups, we conclude that the right to the city is a counter-hegemony that has an antagonistic relationship with the current hegemony. The main contribution of this article is to identify and analyze the different meanings attributed to the term ‘right to the city’ in São Paulo and how the mapped actors discursively interact to propose new practices for production of urban space.

Keywords:
political theory of discourse; right to the city; hegemony; city of capital

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a temática do direito à cidade ganhou relevância na cidade de São Paulo, tanto pela atuação governamental quanto pela atuação da sociedade civil organizada, mobilizada por organizações institucionalizadas ou movimentos e coletivos urbanos. O exemplo máximo é a constituição de uma Coordenação de Promoção do Direito à Cidade (CPDC), em 2013, pela Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) após as manifestações que aconteceram no mesmo ano, conhecidas como Jornadas de Junho. Este artigo tem como objetivo compreender os diversos discursos que envolvem o uso do termo direito à cidade em São Paulo e verificar, em última instância, se ele se constitui como uma expressão hegemônica. Para tal, utiliza-se como base teórica a teoria política do discurso (TPD), desenvolvida por Laclau e Mouffe em 1985.

A partir do mapeamento dos principais atores que estão relacionados com o termo direito à cidade, sendo eles a academia, a PMSP e a CPDC, os movimentos sociais e coletivos urbanos, as organizações da sociedade civil, e posterior identificação do discurso principal de cada um destes grupos, foi possível estabelecer paralelos com a TPD.

Com isso, chegou-se à conclusão de que o direito à cidade, nas formas pelas quais o termo vem sendo utilizado em São Paulo, apresenta-se como um conceito aberto, contingente, e que tem em si uma cadeia de equivalência composta por diversos significados. Essa cadeia de equivalência, no entanto, não se consolida como uma representação universal com o poder de neutralizar seu antagônico, que é a cidade do capital. Mesmo assim, os resultados analíticos promovidos pela TPD são relevantes, pois permitem que os processos de resistência contra-hegemônica sejam mais bem compreendidos (Barcellos e Dellagnelo, 2014DELLAGNELO, Eloise H. L.; BOHM, Steffen; MENDONÇA, Patrícia M. E. de. Organizing resistance movements: contribution of the political discourse theory. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 141-153, 2014.) e que os atores no campo possam estruturar melhores estratégias na busca de consolidação de uma hegemonia.

Para chegar em tais resultados, o artigo foi estruturado da seguinte forma: primeiramente, discorre-se sobre o surgimento do termo direito à cidade. Depois, uma visão geral sobre TPD é apresentada, bem como as explicações necessárias para compreender as dinâmicas das relações entre hegemonia e contra-hegemonia. Em seguida, são apresentados os aspectos metodológicos do trabalho, que deram base para uma leitura de como o termo direito à cidade emerge em São Paulo a partir das manifestações de 2013 e dos discursos atrelados aos diversos atores que se utilizam dessa expressão. Por fim, são apresentadas as análises referentes à relação entre a emergência do termo direito à cidade e as formas pelas quais se estabelece uma relação de hegemonia.

2. O SURGIMENTO DO DIREITO À CIDADE

O crescente processo de urbanização mundial e latino-americana, que alcançou taxas de 54% e 80% nos últimos anos, respectivamente, vem acompanhado da continuidade das desigualdades vividas dentro das cidades, com cada vez mais problemas a serem discutidos - como assentamentos irregulares e precários, desafios na prestação de serviços urbanos, desastres naturais e novas imigrações (United Nations Human Settlements Programme, 2016). Nesse cenário, o conceito de direito à cidade tem ganhado força, sendo um dos termos mais comentados na área de estudos urbanos críticos, envolvendo políticas públicas, academia e ativistas (Purcell, 2014PURCELL, Mark. Possible worlds: Henri Lefebvre and the right to the city. Journal of Urban Affairs, v. 36, n. 1, p. 141-154, 2014.).

Em 2006, no Fórum Social Mundial Policêntrico, foi apresentada a Carta Mundial pelo Direito à Cidade servindo como “um instrumento dirigido ao fortalecimento dos processos, reivindicações e lutas urbanas” (Carta Mundial pelo Direito à Cidade, 2006CARTA CARTA mundial pelo direito à cidade. Fórum Social Mundial Policêntrico de 2006. 2006. Disponível em: <Disponível em: http://normativos.confea.org.br/downloads/anexo/1108-10.pdf >. Acesso em: 12 jun. 2016.
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:2-3). Mais recentemente, foi realizado o Encontro Internacional de Direito à Cidade (2014) que culminou na criação de uma Plataforma Global pelo Direito à Cidade, a qual pautou as discussões levadas à III Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat III). Ao final, o termo acabou sendo citado apenas uma vez na Nova Agenda Urbana.

Na academia, o termo direito à cidade emerge com uma perspectiva marxista, mais especificamente do urbanismo crítico, enfatizando os aspectos da luta de classes e da dominação pelo capital. Henri Lefebvre é o primeiro autor a discutir o tema, com sua obra seminal homônima de 1968, sendo o direito à cidade uma “forma superior dos direitos” (Lefebvre, 2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.:134). Peter Marcuse (2009MARCUSE, Peter. From critical urban theory to the right to the city. City, v. 13, n. 2-3: Cities for people, not for profit, p. 185-197, 2009.) deixa ainda mais claro que o direito à cidade é pautado pela questão de classe: o direito à cidade é voltado a aqueles a quem os privilégios das cidades foram negados historicamente. Harvey também se institui como referencial teórico sobre o tema, apontando que a lógica de mercado hegemônica não está sendo desafiada suficientemente pelo direito à cidade. Para ele, a cidade também é uma “incubadora de ideias, ideais e movimentos revolucionários” (Harvey, 2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.:21), tendo espaço para práticas contra-hegemônicas, as quais deveriam “adotar o direito à cidade, como slogan e como ideal político, precisamente porque ele levanta a questão de quem comanda a relação entre urbanização e o sistema econômico” (Harvey, 2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.:76).

Nos últimos tempos, a institucionalização do termo direito à cidade tem sido fonte de crítica da academia, devido à consequente despolitização e desradicalização em torno dessa temática (Belda-Miquel, Blanes e Frediani, 2016BELDA-MIQUEL, Sergio; BLANES, Jordi P.; FREDIANI, Alexandre. Institutionalization and depolitization of the right to the city: changing scenarios for radical social movements. International Journal of Urban and Regional Research, v. 40, n. 2, p. 321-339, 2016.). Ainda, para a academia, o direito à cidade somente pode ser alcançado por movimentos sociais, em um formato de autogestão, não sendo um direito a ser concedido por algum organismo superior, como uma elite ou o Estado (Dikeç, 2001DIKEÇ, Mustafa. Justice and the spatial imagination. Environment and Planning A, v. 33, n. 10, p. 1785-1805, 2001.). No Brasil, o termo tem passado por processos de institucionalização, mesmo que incipientes e conflituosos. No âmbito nacional, a criação do Estatuto da Cidade (2001) foi um desses processos, fruto da luta do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, movimento responsável por consolidar “a luta pelo direito à cidade na década de 1980” (PMSP, 2015PREFEITURA DE SÃO PAULO. Lei no 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e revoga a Lei no 13.430/2002 2002. Lex: Legislação Municipal. Disponível em: <Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/2014-07-31_-_lei_16050_-_plano_diretor_estratgico_1428507821.pdf >. Acesso em: 25 maio 2016.
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:17). Na cidade de São Paulo, o termo ganhou força com as Jornadas de Junho, “manifestações que irromperam em centenas de cidades brasileiras em junho de 2013” (Gondim, 2016GONDIM, Linda M. P. Movimentos sociais contemporâneos no Brasil: a face invisível das Jornadas de Junho de 2013. Polis: Revista Latinoamericana. Seguridad y democracia: ¿antinomia irreductible?, São Paulo, n. 44, p. 1-20, 2016.:1) e com a implantação da CPDC pela Prefeitura (Leblanc, 2017LEBLANC, Esther M. A Prefeitura Municipal de São Paulo e os coletivos urbanos: a construção de interfaces socioestatais. 2017. 89 p. Dissertação (mestrado em administração pública e governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo.).

Nesse sentido, o propósito deste trabalho é verificar qual a dimensão da força política do termo direito à cidade em São Paulo e o quanto ela possui de representatividade social. Para isso, recorre-se à TPD, no intento de analisar a relação do termo direito à cidade com articulações hegemônicas e contra-hegemônicas.

3. HEGEMONIAS E CONTRA-HEGEMONIAS NA TEORIA POLÍTICA DO DISCURSO

A partir de 1980, foram desenvolvidas diversas correntes de análise de políticas públicas que se distanciaram da racionalidade por trás da política e agregaram a ela aquilo que é simbólico, discursivo e de poder. A esse movimento deu-se o nome de virada argumentativa, uma abordagem analítica que compreende o estudo da linguagem e da argumentação como dimensões essenciais da teoria e análise de políticas públicas. A virada argumentativa parte do reconhecimento de que existem múltiplas perspectivas de interpretação de uma dada realidade social e política, as quais não podem ser compreendidas apenas pelas regras e lógicas da racionalidade tradicional (Fischer e Forester, 2002FISCHER, Frank; FORESTER, John. The argumentative turn in policy analysis and planning. Londres: Duke University Press, 2002.).

O presente artigo é adepto dessa abordagem e propõe que os paradigmas que regem a produção da cidade sejam investigados a partir de uma análise discursiva de lutas por hegemonia. Nesse sentido, a teoria política do discurso (TPD) coloca sua atenção nos processos de produção e construção de ideologias políticas, reconhecendo “as complexidades organizacionais envolvidas na formação de relações hegemônicas” (Dellagnelo, Böhm e Mendonça, 2014DELLAGNELO, Eloise H. L.; BOHM, Steffen; MENDONÇA, Patrícia M. E. de. Organizing resistance movements: contribution of the political discourse theory. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 141-153, 2014.:142).

Desenvolvida por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.) a partir da obra seminal Hegemonia e estratégia socialista, inicialmente publicada em 1985, a TPD assume uma posição pós-marxista na medida em que busca recuperar a pluralidade dos textos marxistas e tem como base os conceitos avançados por Gramsci, principalmente o conceito de hegemonia (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.). Os autores buscam reformular o projeto socialista para que ele incorpore outras lutas que não necessariamente de classes, afinal, houve uma “expansão da conflitividade social” que cria o potencial de sociedades mais igualitárias (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.:51).

Alguns trabalhos acadêmicos se utilizam da TPD como base teórica para análise de fenômenos sociopolíticos: Mendonça (2007MENDONÇA, Daniel. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 43, n. 3, p. 249-258, 2007.) utiliza o conceito de hegemonia para analisar a imagem construída de Tancredo Neves e a campanha Diretas Já; Rosol (2013ROSOL, Marit. Vancouver’s “EcoDensity” planning initiative: a struggle over hegemony?Urban Studies, special issue article, v. 50, n. 11, p. 2238-2255, ago. 2013.) utiliza a TPD para fazer uma análise do termo “eco-densidade” no planejamento urbano de Vancouver; Gaião, Leão e Mello (2014GAIÃO, Bruno F.; LEÃO, André L.; MELLO, Sérgio C. Teoria do discurso do carnaval multicultural do Recife: uma análise da festa carnavalesca de Recife à luz da teoria de Laclau e Mouffe. Revista de Administração da Mackenzie, São Paulo, v. 15, n. 6, ed. esp., p. 149-171, 2014.) utilizam a teoria para fazer uma análise do discurso sobre o Carnaval Multicultural do Recife; Barcelos e Dellagnelo (2014DELLAGNELO, Eloise H. L.; BOHM, Steffen; MENDONÇA, Patrícia M. E. de. Organizing resistance movements: contribution of the political discourse theory. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 141-153, 2014.) analisam a formação do coletivo Fora do Eixo por meio do conceito de hegemonia; e Valdivielso (2017)VALDIVIELSO, Joaquín. The outraged people. Laclau, Mouffe and the Podemos hypothesis. Constellations, v. 24, n. 3, p. 296-309, set. 2017. utiliza a teoria de Laclau e Mouffe para tecer hipóteses sobre o partido Podemos na Espanha. Para embasar tais artigos, os autores recorrem a alguns conceitos dentro da teoria, necessários para nortear a pesquisa. Aqui, também serão abordados alguns conceitos da TPD, especificamente aqueles que permitem delimitar como se dá o estabelecimento de uma articulação hegemônica, seguindo um percurso similar ao de Mendonça (2007)MENDONÇA, Daniel. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 43, n. 3, p. 249-258, 2007..

Para Gramsci, hegemonia é o fenômeno que leva à “organização do consentimento: os processos pelos quais se constroem formas subordinadas de consciência, sem recurso à violência ou à coerção” (Barrett, 1999BARRETT, Michèle. Ideologia, política e hegemonia: de Gramsci a Laclau e Mouffe. In: ZIZEK, Slavoj (Org.). Um mapa da ideologia. 1. reimp. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. p. 235-264.:238). Em outras palavras, é um tipo de relação política pela qual os sujeitos constroem os interesses que representam, unindo uma gama de demandas, visões e atitudes - mas que não é capaz de ser exercida englobando toda a sociedade (Torfing, 1999TORFING, Jacob. New theories of discourse: Laclau, Mouffe and Zizek. Oxford: Blackwell, 1999.; Alves, 2010ALVES, Ana R. C. O conceito de hegemonia: de Gramsci a Laclau e Mouffe. Lua Nova, São Paulo, n. 80, p. 71-96, 2010.; Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.). A diferença entre a concepção de hegemonia para tais construções é que enquanto Gramsci situa a hegemonia na totalidade do bloco histórico, para a TPD uma identidade (inclusive a de classes) nunca é fixada totalmente e o social é sempre aberto (Alves, 2010ALVES, Ana R. C. O conceito de hegemonia: de Gramsci a Laclau e Mouffe. Lua Nova, São Paulo, n. 80, p. 71-96, 2010.). A concepção de Laclau e Mouffe permite pensar nas lutas sociais contemporâneas de forma que vá além da luta de classes marxista, por isso acreditam que estão esboçando uma nova política para a esquerda, por meio de uma expansão democrática que abarca uma multiplicidade de antagonismos e demandas (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.). Tendo como princípio de que não existe um “espaço suturado que corresponde à ‘sociedade’” (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.:166), a TPD propõe uma operacionalização discursivo-analítica do termo hegemonia (Rosol, 2013ROSOL, Marit. Vancouver’s “EcoDensity” planning initiative: a struggle over hegemony?Urban Studies, special issue article, v. 50, n. 11, p. 2238-2255, ago. 2013.).

Em 2000, Laclau discorre sobre quatro dimensões da lógica hegemônica, que são: a) a constituição de uma desigualdade de poder entre os diferentes discursos; b) a supressão da dicotomia entre o discurso universal e o particular, sendo que um discurso particular precisa assumir tamanha cadeia de equivalência para se tornar universal; c) a amplitude dessa cadeia de equivalência gera um discurso universalizante que produz significantes vazios; e, por último, d) o discurso que articula outros discursos exerce uma função de representação. No intuito de tecer uma análise em relação ao termo direito à cidade em São Paulo e à possibilidade de ele se consolidar como uma articulação hegemônica, serão retomados os principais conceitos para compreender estas dimensões.

Em primeiro lugar, deve-se dizer que a relação política hegemônica acontece em um campo discursivo, no qual a hegemonia é um discurso predominante que aglutina diversas visões, demandas e atitudes (Torfing, 1999TORFING, Jacob. New theories of discourse: Laclau, Mouffe and Zizek. Oxford: Blackwell, 1999.). As estruturas discursivas são práticas articulatórias que constituem e organizam as relações sociais e que possuem um caráter material, visto que as práticas articulatórias não são puramente linguísticas, mas atravessam “a densidade material da multiplicidade de instituições, rituais e práticas através das quais uma formação discursiva é estruturada” (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.:183). A prática articulatória é um fenômeno que consiste na articulação de significantes flutuantes (elementos) nos chamados “momentos” que fixam parcialmente o significado daqueles, visto que o campo da sobredeterminação impede uma absoluta fixação e identidades. Como qualquer discurso sempre busca dominar o campo da discursividade e construir um centro, o campo discursivo é um campo de disputa. E, para que essas disputas aconteçam, é necessário que outros discursos contra-hegemônicos possam surgir, o que somente acontece em situações em que há desigualdade de poder. Um poder absoluto não permite o surgimento de discursos contra-hegemônicos.

Nesse cenário de desigualdade de poder, um discurso precisa “deixar sua mera condição inicial particularizada para tornar-se o locus de efeitos universalizantes” (Mendonça, 2007MENDONÇA, Daniel. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 43, n. 3, p. 249-258, 2007.:252). Para atingir essa universalidade, o discurso não precisa abrir mão por completo de seus conteúdos particulares, mas ele precisa ampliá-los para que faça sentido a outros discursos, isto é, deve englobar outras identidades particulares. A universalidade é, portanto, um espaço vazio que engloba demandas equivalentes e acontece quando “um conteúdo particular assume, num certo contexto, a função de encarnar uma plenitude ausente” (Laclau, 2000LACLAU, Ernesto. Identity and hegemony: the role of universality in the constitution of political logics. In.: BUTLER, Judith; LACLAU, Ernesto; ZIZEK, Slavoj. Contingency, hegemony, universality: contemporary dialogues on the left. Londres: Verso , 2000.:122).

Essa expansão do limite de um discurso “envolve a ampliação da cadeia de equivalência” (Torfing, 1999TORFING, Jacob. New theories of discourse: Laclau, Mouffe and Zizek. Oxford: Blackwell, 1999.:174), pois permite a agregação de diferentes posições discursivas em prol de um objetivo comum e emerge em um confronto com práticas articulatórias antagônicas (Gaião, Leão e Mello, 2014GAIÃO, Bruno F.; LEÃO, André L.; MELLO, Sérgio C. Teoria do discurso do carnaval multicultural do Recife: uma análise da festa carnavalesca de Recife à luz da teoria de Laclau e Mouffe. Revista de Administração da Mackenzie, São Paulo, v. 15, n. 6, ed. esp., p. 149-171, 2014.; Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.). Na cadeia de equivalência, “as diferenças cancelam-se mutuamente na medida em que são usadas para expressar algo idêntico subjacente a todas elas” (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.:205), simplificando o social. Mendonça (2007MENDONÇA, Daniel. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 43, n. 3, p. 249-258, 2007.) exemplifica a noção de cadeia de equivalência no contexto do movimento das Diretas Já (1984), quando houve a formação de duas cadeias: de um lado, a representação do discurso autoritário hegemônico e, de outro, a cadeia de equivalência antagônica que aglutinava as diversas demandas democráticas. Para a TPD, o antagonismo não é uma relação de oposição, mas é uma relação de negação da identidade: o discurso autoritário do período militar não permite a consolidação do discurso democrático.

Para que o discurso antagônico tenha alguma possibilidade de emergir, no entanto, é preciso que algo desestabilize a ordem discursiva hegemônica, deslocando o sentido desta. Entende-se por deslocamento uma série de eventos ou momentos que não conseguem ser integrados pela articulação hegemônica, tornando visíveis a contingência e a precariedade da mesma (Torfing, 1999TORFING, Jacob. New theories of discourse: Laclau, Mouffe and Zizek. Oxford: Blackwell, 1999.; Dellagnelo, Böhm e Mendonça, 2014DELLAGNELO, Eloise H. L.; BOHM, Steffen; MENDONÇA, Patrícia M. E. de. Organizing resistance movements: contribution of the political discourse theory. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 141-153, 2014.). Os momentos de deslocamento são chave para demonstrar que “a realidade que está posta não é decorrência de uma característica essencial de um sistema social, pelo contrário, este é algo aberto, sujeito a modificações e interferências” (Barcellos e Dellagnelo, 2014BARCELLOS, Rebeca de M. R. de; DELLAGNELO, Eloise H. do L. A teoria política do discurso como abordagem para o estudo das organizações de resistência: reflexões sobre o caso do Circuito Fora do Eixo. Revista O&S, Salvador, v. 21, n. 70, p. 405-424, 2014.:413), e nas lacunas dessa formação hegemônica atuam as diversas identidades negadas por ela, permitindo que haja uma recomposição por parte das forças antagônicas, contra-hegemônicas. O estabelecimento de uma relação hegemônica, então, depende da articulação de “diferentes visões de mundo de forma tal que seu antagonismo potencial seja neutralizado, ou potencializado quando visa uma ruptura” (Motta e Serra, 2014MOTTA, Luiz Eduardo; SERRA, Carlos Henrique Aguiar. A ideologia em Althusser e Laclau: diálogos (im)pertinentes. Revista de Sociologia Política, v. 22, n. 50, p. 125-147, jun. 2014.:138).

Em uma cadeia de equivalência, o discurso privilegiado que consegue dirimir as diferenças dos elementos e dominar o campo da discursividade, fixando parcialmente o sentido dos elementos, é chamado de ponto nodal. O ponto nodal “reúne os interesses e demandas de diferentes elementos, articulando-os entre si” (Barcellos e Dellagnelo, 2014DELLAGNELO, Eloise H. L.; BOHM, Steffen; MENDONÇA, Patrícia M. E. de. Organizing resistance movements: contribution of the political discourse theory. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 141-153, 2014.:410) e por isso não é externo às demandas, ao contrário, ele se constitui no interior dessa intertextualidade, que lhe excede (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.). Conforme haja uma expansão dos elementos articulados na cadeia de equivalência em torno desse ponto nodal, ele pode se tornar um significante vazio, ou seja, um “significante do puro cancelamento de toda diferença” (Laclau, 1996LACLAU, Ernesto. Emancipación y diferencia. Buenos Aires: Ariel, 1996.:72). Para a TPD, o esvaziamento do significante é condição necessária para qualquer formação hegemônica (Laclau, 2000LACLAU, Ernesto. Identity and hegemony: the role of universality in the constitution of political logics. In.: BUTLER, Judith; LACLAU, Ernesto; ZIZEK, Slavoj. Contingency, hegemony, universality: contemporary dialogues on the left. Londres: Verso , 2000.). Esse esvaziamento acontece quando há a “confluência de múltiplos significados em um discurso, a ponto de tal discurso perder seu sentido específico justamente pelo excesso de significações” (Mendonça, 2007MENDONÇA, Daniel. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 43, n. 3, p. 249-258, 2007.:255). Quanto maior a expansão polissêmica dos conteúdos de uma cadeia de equivalência, maior a possibilidade de que seu discurso se torne um significante vazio e para isso é necessário que as diferenças sejam enfraquecidas (Gaião, Leão e Mello, 2014GAIÃO, Bruno F.; LEÃO, André L.; MELLO, Sérgio C. Teoria do discurso do carnaval multicultural do Recife: uma análise da festa carnavalesca de Recife à luz da teoria de Laclau e Mouffe. Revista de Administração da Mackenzie, São Paulo, v. 15, n. 6, ed. esp., p. 149-171, 2014.).

Esse significante vazio, o qual articula uma extensa cadeia de equivalência, para se consolidar como uma hegemonia deve exercer uma função de representação. Isto é, o significante vazio representa de forma hegemônica diversos discursos que compõem a ordem social: “esta relação, pela qual uma certa particularidade assume a representação de uma totalidade inteiramente incomensurável é o que, na teoria do discurso, é chamado de relação hegemônica” (Laclau, 2003LACLAU, Ernesto. Philosophical roots of discourse theory. Centre for Theoretical Studies in the Humanities and Social Sciences, 2003. Disponível em: <Disponível em: https://web.archive.org/web/20030829014257/http://www.essex.ac.uk:80/centres/TheoStud/Papers/Laclau%20-%20philosophical%20roots%20of%20discourse%20theory.pdf >. Acesso em: 15 nov. 2017.
https://web.archive.org/web/200308290142...
:6). A relação de representação nunca é total e essa hegemonia formada tampouco conseguirá abarcar todas as demandas da ordem social. Ainda, ao se tornar significante vazio e assumir papel de representação, essa formação hegemônica traz uma consequência que pode ser severa para atores contra-hegemônicos, que é sua incapacidade de que a luta permaneça fechada em sua demanda particular (Mendonça, 2007MENDONÇA, Daniel. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 43, n. 3, p. 249-258, 2007.). Ao mesmo tempo que uma vitória hegemônica representa que os objetivos de um grupo em particular são identificados com os objetivos da sociedade em conjunto, essa vitória é perigosa, pois a cadeia de equivalência que se unifica em torno desse objetivo tende a esvaziá-lo, desfocando o significado concreto a que estava originariamente associado e atenuando os vínculos existentes com os proponentes (Laclau, 1996LACLAU, Ernesto. Emancipación y diferencia. Buenos Aires: Ariel, 1996.). Tendo estes conceitos em vista, desenvolve-se a seguir um relato da emergência do termo de direito à cidade em São Paulo.

4. O DIREITO À CIDADE EM SÃO PAULO

As Jornadas de Junho de 2013 foram manifestações que eclodiram em mais de 100 cidades brasileiras e tiveram, como elemento disparador, o aumento da tarifa do transporte público urbano em São Paulo. A partir desse fato, o Movimento Passe Livre (MPL), que milita pela gratuidade do transporte desde 2005, se organizou para que a população tomasse as ruas, a qual enfrentou forte repressão policial. Em um curto espaço de tempo as manifestações extrapolaram as reivindicações do MPL, com o surgimento de novas bandeiras e o envolvimento de outros atores (Gondim, 2016GONDIM, Linda M. P. Movimentos sociais contemporâneos no Brasil: a face invisível das Jornadas de Junho de 2013. Polis: Revista Latinoamericana. Seguridad y democracia: ¿antinomia irreductible?, São Paulo, n. 44, p. 1-20, 2016.).

Junto a tais agendas, junho trouxe à tona a seguinte problemática: apesar dos importantes avanços alcançados devido à participação social nas políticas públicas, tais instâncias não exaurem as possibilidades pelas quais os cidadãos gostariam de intervir na produção da cidade. Nesse sentido, em resposta às manifestações e tendo em vista a demanda da população por novas formas de participação, em setembro de 2013 a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) criou a Coordenação de Promoção do direito à cidade, objetivando dialogar com os grupos atuantes em São Paulo, os autointitulados “coletivos urbanos” (Leblanc, 2017LEBLANC, Esther M. A Prefeitura Municipal de São Paulo e os coletivos urbanos: a construção de interfaces socioestatais. 2017. 89 p. Dissertação (mestrado em administração pública e governo) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo.), conforme aponta a Prefeitura Municipal de São Paulo (2015PREFEITURA DE SÃO PAULO. Cadernos de formação: direito à cidade. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2015.:31):

A criação da Coordenação de Promoção do Direito à Cidade - que deve ser compreendida no contexto das grandes manifestações de junho de 2013 sobre a mobilidade urbana - representa uma resposta da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) às diversas formas de violação dos direitos humanos e de cerceamento da cidadania e da liberdade promovidas pelas últimas gestões, bem como adota uma política de incentivo à ocupação do espaço público.

A expressão “direito à cidade”, como acontece no cenário internacional (Purcell, 2013PURCELL, Mark. To inhabit well: counterhegemonic movements and the right to the city. Urban Geography, v. 34, n. 4, p. 560-574, 2013.), vem sendo incorporada nos discursos de múltiplos atores em São Paulo, como acadêmicos, coletivos urbanos, governo local e sociedade civil organizada. Maricato (2013MARICATO, Erminia. O direito à cidade depende da democratização do uso e a ocupação do solo: depoimento. {16/12/2013}. Entrevista concedida a Rede Mobilizadores Coep. Blog da Erminia Maricato, 4 abr. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://erminiamaricato.net/2014/04/08/o-direito-a-cidade-depende-da-democratizacao-do-uso-e-a-ocupacao-do-solo/ >. Acesso em:1o jun. 2016.
https://erminiamaricato.net/2014/04/08/o...
:1) indica que “existe uma resposta acadêmica e também uma resposta de luta social para essa questão”, destacando assim a diferença de significado atribuído ao termo a partir da posição de fala dos diferentes atores.

A partir dessa constatação, serão analisados os discursos dos diversos grupos que transitam em torno desta temática em São Paulo, buscando esclarecer quais significados atribuem, os conceitos-chave mobilizados, por fim, como o direito à cidade acaba por articular semanticamente todos eles, apesar de possuírem posições diversas.

5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa buscou formular um caminho metodológico que fizesse sentido para articular a teoria política do discurso com o tema sendo pesquisado, reconhecendo a existência de uma mútua dependência entre método e teoria (Langley, 1999LANGLEY, Ann. Strategies for theorizing from process data. Academy of Management Review, v. 24, n. 4, p. 691-710, 1999.). Para isso, a pesquisa assumiu a perspectiva do paradigma crítico (Guba e Lincoln, 1994GUBA, Egon G.; LINCOLN, Yvonna S. Competing paradigms in qualitative research. In.: DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. (Ed.). Handbook of qualitative research. Thousand Oaks: Sage Publications, 1994.) e foi estruturada em três etapas: identificação dos atores relacionados com o tema na cidade de São Paulo; levantamento de um corpus de textos publicados por esses atores em relação ao tema; e mapeamento dos significados atribuídos por esses atores ao significante direito à cidade e ao seu antagônico, tecendo uma análise desses resultados em relação à TPD que visa transcender a visão social do fenômeno.

Levando em consideração que a pesquisa tem como ponto de partida a criação da CPDC, utilizou-se como referência o website da própria Coordenação para identificar os atores com os quais ela interagia, consequentemente relacionados com o tema na cidade de São Paulo. Nessa busca inicial, foram encontrados quatro grupos de atores com os quais a Coordenação mantinha interação em relação a seus programas e projetos, bem como em seu quadro constitutivo: a academia, movimentos sociais e coletivos urbanos, integrantes da Plataforma Global pelo Direito à Cidade, e a própria PMSP.

A partir desses grandes grupos, no intuito de identificar os atores específicos, foram realizadas buscas em plataformas online, como Google e YouTube, tendo em vista a publicização da relação dos atores com o termo “direito à cidade”, a amplitude de resultados e a possibilidade de realizar buscas avançadas. Para tanto, foi inserida a seguinte estrutura no campo de busca por tópico: “direito à cidade” AND “são paulo” AND “academia” OR “coletivos” OR “movimentos sociais” OR “Prefeitura Municipal” OR “Organização”. Também foram identificados atores por meio de websites especializados, como o da Plataforma Global pelo Direito à Cidade. A partir dessa busca, foram identificados eventos (congressos, encontros, aulas, reportagens, entrevistas) relacionados com o termo direito à cidade em São Paulo, os quais nos relacionaram com os atores institucionais específicos, apresentados na figura 1, que interagem com o termo conforme a linha do tempo apresentada na figura 2.

Esta busca mais refinada permitiu a inclusão e a exclusão de atores específicos. Por exemplo, a Plataforma Global pelo Direito à Cidade é composta por outros atores da sociedade civil organizada de São Paulo. No entanto, não foram encontradas menções desses atores ao termo “direito à cidade”, logo, eles foram excluídos da análise. Por isso, o Instituto Pólis é a única organização da sociedade civil abordada nesta pesquisa por ter uma forte relação com o tema.

Figura 1
Atores relacionados com o termo direito à cidade em São Paulo

A partir da identificação desses eventos e atores, foi constituído um corpus composto por 20 textos, sendo eles o conteúdo de dois websites, um documentário, dois conteúdos programáticos de cursos, quatro conferências ou seminários, quatro entrevistas em texto ou em vídeo, duas colunas publicadas online, uma publicação, uma aula pública e três textos institucionais (plano, legislação e edital). Esses textos foram produzidos entre os anos de 2013 e 2016 e foram coletados nos meses de maio e junho de 2016. As autoras optaram por utilizar um corpus já constituído, em detrimento de realizar novas entrevistas com os atores identificados, visto que os discursos proferidos e disponibilizados em meios digitais representam o que está sendo publicamente expressado sobre o tema e, por isso, podem melhor representar uma articulação hegemônica tomando forma no espaço público. Para facilitar o processo de análise de dados, foi construída uma linha do tempo na qual foram organizados todos os textos e atores identificados (figura 2).

O terceiro passo realizado corresponde à análise dos dados coletados. A análise foi conduzida tendo como base a metodologia reflexiva proposta por Alvesson e Sköldberg, que apresenta uma proposta de método alinhada com a teoria crítica. A metodologia reflexiva consiste em analisar de forma mais profunda os fenômenos e processos sociais, compreendendo as relações e elementos envolvidos e interpretando seus diversos sentidos e significados (Alvesson e Sköldberg, 2000ALVESSON, Mat; SKÖLDBERG, Kaj. Reflexive methodology: new vistas for qualitative research. Londres: Sage, 2000.; Campos e Costa, 2007CAMPOS, Anna Maria de S. M.; COSTA, Isabel de S. A. da. Espaços e caminhos para a pesquisa em administração: estimulando a prática da reflexividade. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 41, n. esp., p. 37-48, 2007.; Scharf e Soriano-Sierra, 2008SCHARF, Edson R.; SORIANO-SIERRA, Eduardo J. A gestão do conhecimento e o valor percebido: estratégia competitiva sustentável para a era do conhecimento. Revista de Gestão da Tecnologia e Sistemas de Informação, v. 5, n. 1, p. 87-108, 2008.; Gasque, 2011GASQUE, Kelley C. G. D. Indicador de atividade reflexiva e teoria fundamentada: o pensamento reflexivo na busca e no uso da informação. Revista TransInformação, Campinas, v. 23, n. 1, p. 39-49, jan./abr.2011.). Conforme prevê a metodologia reflexiva, os achados do presente trabalho estão diretamente relacionados com as visões de mundo das autoras. Com efeito, é inerente à pesquisa social seu caráter político e ideológico, sendo assim impossível desvencilhar o conhecimento do conhecedor (Alvesson e Sköldberg, 2000ALVESSON, Mat; SKÖLDBERG, Kaj. Reflexive methodology: new vistas for qualitative research. Londres: Sage, 2000.). As trajetórias, experiências pessoais e profissionais de cada uma das autoras não permitem um distanciamento do tema para abordá-lo de forma neutra, ao contrário, negam a neutralidade desta pesquisa ou de qualquer outra existente. Com isso, abrem mão da tentativa de conceber uma verdade absoluta, mesmo porque isso seria uma contradição com a teoria utilizada para nortear a linha de pensamento.

No entanto, as pesquisadoras mantiveram um olhar crítico sobre si mesmas e seu trabalho, atentas à seletividade dos atores e dos textos. E a partir de um intenso processo de interpretação e reflexão, essenciais para compreensão do fenômeno estudado, foi possível alinhavar os eventos e discursos sobre direito à cidade que tomaram lugar em São Paulo entre 2013 e 2016 com a lente teórica utilizada.

A busca pelos sentidos que os discursos atribuem ao conceito de direito à cidade permitiu inicialmente identificar os diversos significantes flutuantes (elementos) que compõem a cadeia de equivalência desse ponto nodal. Inicialmente, foram criadas cadeias de equivalência para um dos grupos de atores e depois essas cadeias foram aglutinadas para representar o discurso geral. Lembrando que uma cadeia de equivalência agrega “diferentes posições discursivas em prol de um objetivo comum, formando uma cadeia de equivalência em oposição a um determinado discurso” (Gaião, Leão e Mello, 2014GAIÃO, Bruno F.; LEÃO, André L.; MELLO, Sérgio C. Teoria do discurso do carnaval multicultural do Recife: uma análise da festa carnavalesca de Recife à luz da teoria de Laclau e Mouffe. Revista de Administração da Mackenzie, São Paulo, v. 15, n. 6, ed. esp., p. 149-171, 2014.:157), também foram identificados os discursos que correspondiam ao antagônico do direito à cidade, isto é, em oposição ao que os atores falavam. Assim encontrou-se o ponto nodal da “cidade do capital” ou “cidade-mercado”, bem como os termos que compõem sua cadeia de equivalência (na perspectiva dos atores aqui pesquisados). A partir dessas cadeias de equivalência, foram desenvolvidas as interpretações que relacionam o direito à cidade em São Paulo com a teoria política do discurso, mobilizando conceitos como deslocamento, antagonismo, significante vazio, efeitos universalizantes etc.

Figura 2
Linha do tempo dos eventos e reportagens mapeados sobre direito à cidade em São Paulo

5.1 Discurso das organizações da sociedade civil

A partir da pesquisa realizada, o Instituto Pólis foi identificado como um dos principais representantes da sociedade civil organizada que discute o tema do direito à cidade. O Instituto Pólis foi fundado em 1987 com a missão de apoiar na “construção de cidades mais justas, sustentáveis e democráticas”.1 1 Disponível em: <http://polis.org.br>. Para isso, atua em três grandes áreas: reforma urbana; democracia e participação; e cidadania cultural. Na área de reforma urbana, existe um eixo de atuação intitulado Direito à Cidade, no qual a instituição realiza projetos e atividades relacionados com políticas de habitação, regularização fundiária de interesse social, direito humano à moradia adequada, desenvolvimento urbano com inclusão social e elaboração de planos diretores participativos.

Após as manifestações de junho de 2013, o Instituto Pólis lançou um vídeo intitulado A cidadeA CIDADE A CIDADE é para todos: as jornadas de junho e o direito à cidade. Direção: Amanda Kamanchek. Produção: Instituto Pólis. São Paulo, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ZrsOgQigGb8 >. Acesso em:1o maio 2016.
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é para todos: as Jornadas de Junho e o direito à cidade (2014). Nesse vídeo, são apontadas as motivações que levaram os cidadãos às ruas em junho de 2013, tendo como início a tarifa do transporte e o MPL, que cresceram após a repressão da Polícia Militar do Estado de São Paulo e que passaram a abarcar diversos pedidos de melhoria de serviços públicos. Em 2015, lançou um curso sobre “A cidade do capital e o direito à cidade” trazendo assuntos relacionados com a produção capitalista do espaço público, as lutas pelo direito à cidade e as políticas públicas de habitação, meio ambiente, reforma urbana, mobilidade e saúde. O corpo docente desse curso foi constituído por representantes do próprio instituto, professores universitários e membros de movimentos sociais, revelando a interação de atores com diferentes posições de fala.

Ainda, organizou o Encontro Internacional sobre o Direito à Cidade que contribuiu para a formação da Plataforma Global pelo Direito à Cidade. Para os organizadores, “o direito à cidade busca combater as desigualdades resultantes de um processo de urbanização acelerado e sem planejamento. […] e os cidadãos devem se apropriar do ambiente urbano, participar integralmente das suas decisões e usufruir de seus serviços”.2 2 Disponível em: <http://polis.org.br>. A Plataforma obteve um papel determinante na articulação da sociedade civil brasileira para participação na Habitat III, visando garantir o “desenvolvimento de cidades mais justas, inclusivas e democráticas”.3 3 Disponível em: <http://polis.org.br>.

5.2 Discurso da academia

A academia também se constitui como ator central para compreender como o conceito de direito à cidade tem sido mobilizado, pois se relaciona com outros atores, participando de seminários e eventos abertos e influenciando o poder público. Importante mencionar que foram somente utilizados os discursos desses atores para além da academia, pois representam canais de articulação mais ampla com a sociedade.

Os eventos pesquisados levaram ao nome de alguns acadêmicos: Ermínia Maricato e Raquel Rolnik (Conferência direito à cidade - David Harvey, Ermínia Maricato e Raquel Rolnik, 2016 CONFERÊNCIA CONFERÊNCIA direito à cidade - David Harvey, Erminia Maricato e Raquel Rolnik. Produção: Se a cidade fosse nossa. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=rR2HKnphyxg >. Acesso em: 15 maio 2016.
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); Karina Leitão (Curso livre de direito à cidade: aula 1 (íntegra), 2015); Matilde Maria Almeida Melo e Reginaldo Nasser (Direito à cidade - Tucarena - 14.5.2015, 2015 DIREITO DIREITO à cidade Tucarena - 14.5.2015. Produção: tvpuc. São Paulo, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=9sac5TGMzl0&feature=youtu.be >. Acesso em:15 maio 2016.
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); e João Sette Whitaker Ferreira e Ciro Pirondi (Seminário Fespsp: mesa-redonda “São Paulo e o direito à cidade”, 2015). Um aspecto relevante é o de que, entre esses acadêmicos, três deles já ocuparam posições no poder público municipal: Maricato atuou como secretária municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano de 1989 a 1992; Rolnik atuou como diretora de Planejamento de 1989 e 1992 e Whitaker foi secretário de Habitação de 2015 a 2016.

Melo (Direito à cidade - TUCARENA - 14.5.2015 DIREITO DIREITO à cidade Tucarena - 14.5.2015. Produção: tvpuc. São Paulo, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=9sac5TGMzl0&feature=youtu.be >. Acesso em:15 maio 2016.
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, 2015) afirma não haver uma só leitura ou perspectiva do direito à cidade: por um lado, se institui como paradigma de governança urbana sobre quem faz a gestão da cidade e sua função social e, por outro, como um ideal político, um caminho a ser perseguido, onde estão incluídos termos como cidades sustentáveis, cidades saudáveis etc. Ainda segundo a socióloga, a classe dominante utiliza o medo e o sentimento de insegurança como mecanismos para negar esse direito.

Em entrevista concedida para a Rede Mobilizadores, Maricato (2013MARICATO, Erminia. O direito à cidade depende da democratização do uso e a ocupação do solo: depoimento. {16/12/2013}. Entrevista concedida a Rede Mobilizadores Coep. Blog da Erminia Maricato, 4 abr. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://erminiamaricato.net/2014/04/08/o-direito-a-cidade-depende-da-democratizacao-do-uso-e-a-ocupacao-do-solo/ >. Acesso em:1o jun. 2016.
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:2) apresenta o direito à cidade como uma “[uma] festa urbana, ou seja, a cidade que expressa diversidade e que utiliza seus espaços mais valorizados para oferecer lazer, cultura e serviços à população”. Para a acadêmica, é o capital que vai determinar a produção do espaço, e não o planejamento, e por isso a luta de classes é constante. Essa determinação do capital acontece por uma alienação mantida e repetida pela falta de conhecimento da classe trabalhadora sobre a cidade; por isso, é necessário combater o analfabetismo urbanístico discutindo sua produção. Ainda, lutas devem ser feitas em prol de mudanças de condições de vida representadas no simbolismo das cidades. Leitão (Curso livre de direito à cidade: aula 1 (íntegra), 2015), também arquiteta e urbanista, analisa o direito à cidade pelo viés da luta e da disputa pelo território, pela promoção da função social da propriedade

Da mesma forma, Whitaker (Seminário Fespsp: mesa-redonda “São Paulo e o direito à cidade”, 2015SEMINÁRIO EMINÁRIO FESPSP: mesa-redonda “São Paulo e o direito à cidade”. Produção: FESPSP comunica. São Paulo, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HMBareGT3d8 >. Acesso em: 24 abr. 2017.
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) diz que é nas cidades que se explicita o conflito e, dentro dessa lógica, a luta pelo direito à cidade almeja oferecer, em todo território, a infraestrutura necessária para todos, e não para alguns. Ainda, discursa sobre as novas formas de apropriação da cidade surgidas a partir do engajamento da sociedade civil por mudanças. No debate com Whitaker, o diretor da Escola da Cidade, Ciro Pirondi, chama a atenção para a relação entre a cidade e sua natureza, que deve ser harmonizada, no sentido de ser entendida sob seus aspectos físicos e espaciais. Para ele “a cidade é o lugar que o homem inventou para a sedução”.

Rolnik (Conferência direito à cidade - David Harvey, Ermínia Maricato e Raquel Rolnik, 2016 CONFERÊNCIA CONFERÊNCIA direito à cidade - David Harvey, Erminia Maricato e Raquel Rolnik. Produção: Se a cidade fosse nossa. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=rR2HKnphyxg >. Acesso em: 15 maio 2016.
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), por sua vez, analisa o direito à cidade com viés no direito à moradia e, na mesma linha que Maricato, diz que o capital é quem se apropria da política urbana, visto sua hegemonia política, simbólica e comunicacional. A título de ilustração, ela traz à luz a relação existente entre as grandes empreiteiras e a realização de obras públicas afirmando que esse processo vai muito além da corrupção existente nos financiamentos de campanha e assume um papel decisivo na transformação da cidade. Ainda, assume o impacto que tiveram as jornadas de junho no debate sobre cidades: “esse movimento [junho], ou uma parte importante dele, é pelo direito à cidade” (Sprejer, 2013SPREJER, Pedro. Raquel Rolnik: a conquista do direito à cidade. O Globo, Rio de Janeiro, 22 jun.2013. Disponível em:<Disponível em:http://blogs.oglobo.globo.com/prosa/post/raquel-rolnik-conquista-do-direito-cidade-500794.html >. Acesso em: 26 nov. 2017.
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:2). Efetivamente, as cidades têm sido palco de movimentos globais de contestação nos últimos anos. Para Nasser (Direito à cidade - Tucarena - 14.5.2015, 2015), o espaço urbano se configura atualmente como palco para essas revoltas, que são revoltas urbanas.

5.3 Discurso dos movimentos sociais e coletivos

Ao fazer a busca sobre movimentos sociais e coletivos urbanos relacionados com o direito à cidade em São Paulo, foram identificados atores que fazem uso do termo em aulas públicas, entrevistas e artigos jornalísticos, sendo eles: Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Movimento Passe Livre (MPL), Coletivo Arrua e Baixo Centro.

O MTST aparece pela primeira vez no III Encontro Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) em 1995, visando expandir a luta da reforma agrária para o meio urbano (Caetano, 2017CAETANO, Karina. Tempo de uma nova vida e espaço da resistência: uma experiência entre gestantes e puérperas do preventório com a frente de saúde popular do MTST. Revista de Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Comunicação, v. 9, n. 2, p. 139-155, jul./dez. 2017.). E Guilherme Boulos, coordenador nacional do movimento, ministrou uma aula pública para o Coletivo Arrua sobre o tema e compôs o corpo docente do curso no Instituto Pólis. Em suas falas, relaciona o direito à cidade com o direito à moradia, perpassando dois assuntos em particular: o que é a moradia na cidade do capital e a história da luta: “temos que falar de moradia digna, de estrutura, de lazer, de urbanismo” (Gould, 2015GOULD, Larissa. MTST conquista vitória com pressão na prefeitura de SP. Jornalistas Livres, 17 set. 2015. Disponível em: <Disponível em: https://jornalistaslivres.org/2015/09/mtst-conquista-vitoria-com-pressao-na-prefeitura-de-sp/ >. Acesso em: 25 nov. 2017.
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:4).

Outro movimento relevante é o MPL; surgido em Porto Alegre (2005), se apresenta em seu website como um “movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente”, e teve um papel fundamental nas Jornadas de Junho por ter organizado o primeiro ato em São Paulo, que tinha como pauta a revogação do aumento das passagens dos transportes públicos. O movimento constrói sua narrativa sobre direito à cidade com base na mobilidade urbana, visto que “[é] efetivando o direito ao transporte, [que] você efetiva o direito à cidade, você efetiva o direito à saúde, o direito à educação” (Movimento Passe Livre, 2013MOVIMENTO MOVIMENTO passe livre - 17/6/2013. Produção: Roda Viva. São Paulo, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=8FacFeGixxY >. Acesso em: 3 jun. 2016.
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).

A partir das jornadas, nota-se a emergência da quantidade de coletivos urbanos atuantes em São Paulo (Cymbalista, 2015CYMBALISTA, Renato; NOGUEIRA, João Pedro. Guia de microurbanismos em SP. s.l.: s.n., 2015-2016.-2016) que buscam resgatar o sentimento de pertencimento que se perdeu na lógica privatista. O coletivo Arrua, surgido em 2012, se posiciona em seu website como um coletivo que “luta para reinventar a cidade como espaço democrático e atuar nas redes de forma distribuída e colaborativa”, e promoveu um curso livre de direito à cidade. Segundo Rafael Pereira Borges, integrante do Arrua, o termo direito à cidade “vem sendo vocalizado [como] um termo mágico […], uma coisa que se usa de uma forma meio vaga, ninguém sabe muito bem o que que é, você vê no jornal usa de um jeito, na manifestação vê de outro jeito” (Curso livre de direito à cidade: aula 1 (íntegra), 2015). O corpo docente do curso foi composto por acadêmicos da FAU-USP, bem como por integrantes de movimentos sociais, como o MTST.

O Baixo Centro é outro exemplo de coletivo urbano que milita pelo tema. Ao buscar captar recursos em um website de financiamento coletivo, o coletivo se apresenta como “uma rede, um movimento, uma rede em movimento, com objetivos claros: tomar a rua e resgatá-la como espaço comum, de encontro, de interação, local público de arte e manifestações das mais diversas”. Thiago Carrapatoso, integrante do coletivo, assume postura crítica em relação às estratégias de direito à cidade utilizadas pela PMSP, afirmando que “o prefeito utiliza a bandeira do ‘direito à cidade’ para criar cada vez mais espaços para os jovens da elite branca de São Paulo” (Carrapatoso, 2016CARRAPATOSO, Thiago. Eleger concreto como parque é lindo aos olhos, mas horrível para a cidadania. The Huffington Post, São Paulo, 26 mar. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.huffpostbrasil.com/thiago-carrapatoso/parque-de-concreto-jamais_b_9430008.htm >. Acesso em:10 jun. 2016.
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:2), responsabilizando-o por gerar ainda mais exclusão. Ele também questiona a não inclusão da CPDC nas discussões com o prefeito sobre questões urbanas relevantes, reforçando que a ausência da mesma nas reuniões é um indicador de que não há preocupação da Prefeitura em realizar “medidas mitigadoras para evitar a expulsão da população de baixa renda que vive naquela região” (Carrapatoso, 2016CARRAPATOSO, Thiago. Eleger concreto como parque é lindo aos olhos, mas horrível para a cidadania. The Huffington Post, São Paulo, 26 mar. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.huffpostbrasil.com/thiago-carrapatoso/parque-de-concreto-jamais_b_9430008.htm >. Acesso em:10 jun. 2016.
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:2).

Ao fim e ao cabo, pode se perceber, a partir das diferentes falas e discursos dos movimentos sociais e coletivos urbanos, que a expressão “direito à cidade” tem sido utilizada para fazer referências a diferentes tipos de objetivos: seja para assegurar a tarifa zero dando acesso à mobilidade urbana a toda a população; seja para assegurar o direito à moradia ou mesmo para reocupar a cidade, criando espaços de convivência e resgatando o sentimento de pertencimento.

5.4 Discurso da Prefeitura Municipal de São Paulo

Sobre a PMSP, são analisados a fala do prefeito Fernando Haddad (2013-2016) em um evento sobre o tema e os documentos municipais que ele menciona. Haddad (Direito à cidade - Tucarena - 14.5.2015 DIREITO DIREITO à cidade Tucarena - 14.5.2015. Produção: tvpuc. São Paulo, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=9sac5TGMzl0&feature=youtu.be >. Acesso em:15 maio 2016.
http://www.youtube.com/watch?v=9sac5TGMz...
) cita como maior exemplo de direito à cidade a elaboração participativa do Plano Diretor Estratégico (PDE) que conseguiu promover avanços significativos para a consolidação de uma cidade mais justa, como a aprovação do coeficiente básico de construção de 1%, aumento de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), e investiu recurso na aquisição de terrenos para moradia social. Ainda em sua fala, o prefeito ressalta a relevância da participação e da pressão efetuada por movimentos sociais, principalmente voltados à moradia, para a aprovação do plano.

No PDE, o direito à cidade consta como um dos sete princípios norteadores e “compreende o processo de universalização do acesso aos benefícios e às comodidades da vida urbana por parte de todos os cidadãos, seja pela oferta e uso dos serviços, equipamentos e infraestruturas públicas” (PMSP, 2014bPREFEITURA DE SÃO PAULO. Plano de ocupação do espaço público pela cidadania. São Paulo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/Apresentacao_Comunicacao.pdf >. Acesso em:12 jun. 2016.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
:3). O termo foi citado outras duas vezes no instrumento, sendo elas: “promover ações de melhoria da paisagem urbana nos espaços públicos, […] que garantam o direito à cidade” (PMSP, 2014bPREFEITURA DE SÃO PAULO. Plano de ocupação do espaço público pela cidadania. São Paulo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/Apresentacao_Comunicacao.pdf >. Acesso em:12 jun. 2016.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
:62) e “[…] ampliar a abrangência do princípio do direito à cidade, garantindo a cidadania cultural, a tolerância e o respeito à diversidade cultural, social, étnica e sexual por meio do acesso à cultura, à educação e à arte” (PMSP, 2014bPREFEITURA DE SÃO PAULO. Plano de ocupação do espaço público pela cidadania. São Paulo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/Apresentacao_Comunicacao.pdf >. Acesso em:12 jun. 2016.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
:191).

Demonstrando a interação entre os atores aqui apresentados, a Secretaria de Relações Internacionais e Federativa e a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da PMSP participaram como organizadoras do Encontro Internacional sobre Direito à Cidade, compondo a Plataforma Global pelo Direito à Cidade. Ainda, sob a ótica da institucionalidade, foi criada a CPDC, como resposta às manifestações de junho do mesmo ano.

5.5 Coordenação de Promoção do Direito à Cidade

Como mencionado, em setembro de 2013 foi criada a Coordenação de Promoção do Direito à Cidade (CPDC),4 4 Importante mencionar a extinção da CPDC por parte da gestão 2017-2020 (Leblanc, 2017:80). parte da SMDHC, com o objetivo de “organizar um conjunto de ações [para] conectar o dispositivo humano no projeto de desenvolvimento urbano da cidade a partir de diversas iniciativas” (Entrevista FPA com William Nozaki, 2014 ENTREVISTA ENTREVISTA FPA com William Nozaki. Produção: Fundação Perseu Abramo. São Paulo, 2014. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=D4-550AGekQ>. Acesso em: 24 jun. 2016.
http://www.youtube.com/watch?v=D4-550AGe...
). O discurso da CPDC foi tratado de forma diferenciada do discurso da PMSP, pois, apesar de pertencer à Prefeitura, cada uma lida com o conceito de forma diferente. Além disso, foi atribuído um caráter especial ao discurso da Coordenação, pois ela representa a institucionalização do termo, ipsis litteris.

Na visão da CPDC, o direito à cidade é um direito humano que:

[…] lança o desafio de construir cidades igualitárias, inclusivas e participativas. Do mesmo modo, a gestão democrática da cidade implica em assumir a função social da propriedade atrelada a um paradigma de mobilidade que priorize o transporte coletivo e o pedestre e valorize os espaços públicos como locais de encontro e convivência, […] na construção de uma cidade mais democrática, mais colorida, com menos medo e mais solidariedade. Uma cidade do encontro, das redes, dos direitos humanos e da cidadania. [PMSP, 2014a:14]

A relação entre o direito à cidade e a hegemonia do capital também surge no discurso da Coordenação. Nozaki, ex-coordenador da pasta, enfatiza o processo de privatização que marcou a cidade de São Paulo e o consequente esvaziamento dos espaços públicos, privilegiando os interesses individuais e econômicos que não abrem lugar para o diferente e para o conflito (Entrevista FPA com William Nozaki, 2014COLETIVO ARRUA. Curso livre de direito à cidade. São Paulo, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://coletivoarrua.org/curso-livre-de-direito-a-cidade/ >. Acesso em: 24 abr. 2017.
https://coletivoarrua.org/curso-livre-de...
).

As ações da CPDC são guiadas pelo Plano de Ocupação do Espaço Público pela Cidadania (PMSP, 2014PREFEITURA DE SÃO PAULO. Lei no 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e revoga a Lei no 13.430/2002 2002. Lex: Legislação Municipal. Disponível em: <Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/2014-07-31_-_lei_16050_-_plano_diretor_estratgico_1428507821.pdf >. Acesso em: 25 maio 2016.
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
c:5), o qual tem como diretrizes a promoção e ressignificação do espaço público, a promoção da transversalidade na gestão municipal e a territorialização da política de direitos humanos e cidadania, e o fortalecimento de novas formas de participação e diálogo social. Essas diretrizes são colocadas em prática por meio de três eixos de atuação: 1) Cultura de Direitos Humanos; 2) Ocupação do Espaço Público; e 3) Participação Social. Para colocar em prática esses três eixos, a CPDC desenvolve ações como: intervenções urbanas em espaços públicos; chamamento público de fomento a iniciativas de ocupação do espaço público por parte de atores sociais; realização de cartografia simbólica de direitos humanos e cidadania; articulação de núcleos de direitos humanos, promovendo a descentralização da política e consolidando uma rede temática; criação de uma plataforma colaborativa para dinamizar a relação entre poder público e sociedade civil; e realização de diálogos para buscar soluções para a cidade e reflexão.

A CPDC também possui uma atuação em âmbito internacional. Tendo em vista a articulação de governos locais para Habitat III, foi convidada a participar de eventos para apresentar as políticas públicas que promovem o direito à cidade bem como o uso do espaço público, promovidos pelo Instituto Pólis.

Outra fonte encontrada foi o Caderno de formação: direito à cidade, lançado pela SMDHC junto à CPDC, no qual se estabelece uma relação direta entre o direito à cidade e o direito à dignidade (PMSP, 2015PREFEITURA DE SÃO PAULO. Cadernos de formação: direito à cidade. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2015.). A CPDC “como estímulo ao exercício da cidadania, à cultura, ao lazer, ao esporte e à economia, [propôs] uma ressignificação do espaço público por meio de iniciativas da gestão pública articuladas às intervenções da sociedade civil” (PMSP, 2015PREFEITURA DE SÃO PAULO. Cadernos de formação: direito à cidade. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2015.:34). Com isso exposto, será estabelecida uma relação entre a emergência do termo do direito à cidade e a formação de uma articulação hegemônica, seguindo os parâmetros da TPD.

6. O DIREITO À CIDADE NA CIDADE DE SÃO PAULO À LUZ DA TEORIA POLÍTICA DO DISCURSO

O objetivo desta seção é retomar o direito à cidade em São Paulo, à luz da TPD, no intuito de averiguar se a emergência do termo resultou em uma articulação hegemônica. O direito à cidade em São Paulo busca se efetivar por meio de práticas articulatórias existentes entre diversos atores, anteriormente citados. Conforme estabelece o princípio da materialidade do discurso (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.), essas práticas articulatórias não consistem somente em fenômenos linguísticos - elas de fato se estruturam naquilo que é material, suas instituições, seus rituais e práticas: nas leis de planejamento urbano, nas manifestações públicas, nas intervenções realizadas na cidade etc.

Inicialmente, a partir dos discursos de cada um dos atores, é possível perceber que o sentido do termo direito à cidade possui conotações diferenciadas. Alguns deles mencionam que o termo pode ser utilizado de diversas perspectivas, como um termo “mágico”, que conforme a situação e o espaço em que está sendo utilizado, por exemplo, nas lutas, jornais ou academia, poderá representar significados diferentes. Para Laclau e Mouffe (2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.), essa abertura está relacionada com o fato de que o sentido de um termo nunca pode ser suturado, sempre há espaço para sobredeterminação. Isso acontece devido ao papel da contingência, a qual “nega o essencialismo do social, permitindo observá-lo como algo aberto, sujeito a modificações e interferências” (Barcellos e Dellagnelo, 2014DELLAGNELO, Eloise H. L.; BOHM, Steffen; MENDONÇA, Patrícia M. E. de. Organizing resistance movements: contribution of the political discourse theory. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 141-153, 2014.:408).

6.1 A formação das cadeias de equivalência em torno do ponto nodal

Conforme o discurso de alguns atores, como a professora Raquel Rolnik e a própria PMSP, as Jornadas de Junho de 2013 tiveram papel primordial nesta discussão sobre o espaço urbano. A PMSP (2015)PREFEITURA DE SÃO PAULO. Cadernos de formação: direito à cidade. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2015. afirma que a criação da Coordenação deve ser considerada no contexto dessas grandes manifestações. Assim, é possível considerar que as Jornadas foram eventos que deslocaram o sentido da hegemonia existente até então, demonstrando sua precariedade em relação a atender demandas inicialmente relacionadas com transporte nas grandes cidades. Nesses eventos, o movimento contra-hegemônico ganhou força e representatividade, deixando de ser neutralizado pela força antagônica, mas não alcançou estabelecer um ponto nodal com uma cadeia de equivalências que abarcasse as diferentes demandas que surgiram durante as manifestações.

Logo após as manifestações (em setembro de 2013), a PMSP instaura a Coordenação de Promoção de Direito à Cidade. Conforme a TPD, é possível analisar que essa criação foi a tentativa de estabelecer o ponto nodal do direito à cidade: “uma tentativa de dominar o campo da discursividade, de deter o fluxo das diferenças, de construir um centro” (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.:187). A PMSP concede o lugar privilegiado ao termo “direito à cidade” como resposta para múltiplas demandas, como as “diversas formas de violação dos direitos humanos e de cerceamento da cidadania e da liberdade promovidas pelas últimas gestões, bem como adota uma política de incentivo à ocupação do espaço público” (PMSP, 2015PREFEITURA DE SÃO PAULO. Cadernos de formação: direito à cidade. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2015.:31). Ao analisar o website da Coordenação, seus principais documentos de trabalho (como o Plano de Ocupação do Espaço Público pela Cidadania e o Edital Redes e Ruas) e entrevista concedida por sua liderança, foi possível extrair os principais elementos que integram a cadeia de equivalência do ponto nodal direito à cidade, apresentados na figura 3.

A atuação da PMSP não poderia levar o termo direito à cidade a se constituir como uma articulação hegemônica, visto que esta não pode ser referida à lógica específica de uma força social isolada (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.). No entanto, outros atores atuantes na cidade de São Paulo no período agregam novas demandas ao direito à cidade, como direito à moradia, transporte coletivo, lazer e acesso a serviços. Essas novas demandas, extraídas dos discursos de todos os pesquisados, abarcam termos que não fazem parte da cadeia de equivalência do direito à cidade estabelecida pela Coordenação. Isto é, há uma expansão no número de elementos que compõem a cadeia de equivalência do ponto nodal direito à cidade. Tais termos são representados na figura 4.

Figura 3
Cadeia de equivalência formada pela CPDC

Interessante notar que ao longo do período pesquisado não houve uma tentativa da CPDC em ampliar sua cadeia de equivalência, o que a impediu de se tornar um ator central na discussão do direito à cidade em São Paulo. Esse fato é criticado por outros atores, ainda que de forma incipiente no período, ao revelarem a não inclusão da CPDC em discussões relevantes para a cidade no que se refere à infraestrutura urbana, por exemplo.

Conforme previsto por Laclau e Mouffe (2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.), uma cadeia de equivalência está sempre articulada a campos opostos, que introduzem o antagonismo no campo do social. No discurso dos grupos que interagem com a temática do direito à cidade em São Paulo, muitos dos diferentes sentidos atribuídos ao ponto nodal surgem ou são enfatizados em relação àquilo que lhes é considerado antagônico e que pode ser considerado a articulação hegemônica vigente, evocado como a cidade do capital. A cidade do capital é trazida como aquilo que impede o direito à cidade de ser ele mesmo, de se constituir, transformando-o em uma força contra-hegemônica que permanece no embate. O discurso do medo e insegurança promovido pela cidade do capital é um exemplo de como, a partir dele, o direito à cidade fica impossibilitado de se constituir. São os vários sentidos atribuídos à cidade do capital que formam sua cadeia de equivalência, representada na figura 5, com os elementos extraídos dos discursos de cada ator pesquisado.

Figura 4
Cadeia de equivalência do direito à cidade

Antes das Jornadas de Junho, a cidade do capital pode ser considerada como o modelo hegemônico que rege a organização e os processos de transformação nas cidades. No entanto, nenhuma formação hegemônica consegue fixar o sentido da realidade, tampouco consegue atender às diversas demandas sociais (Barcellos e Dellagnelo, 2014DELLAGNELO, Eloise H. L.; BOHM, Steffen; MENDONÇA, Patrícia M. E. de. Organizing resistance movements: contribution of the political discourse theory. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 141-153, 2014.). A formação antagônica existe, pois ela consegue articular diferentes visões de mundo e neutralizar o antagonismo (Motta e Serra, 2014MOTTA, Luiz Eduardo; SERRA, Carlos Henrique Aguiar. A ideologia em Althusser e Laclau: diálogos (im)pertinentes. Revista de Sociologia Política, v. 22, n. 50, p. 125-147, jun. 2014.). Nesse caso, o antagonismo contra-hegemônico é o direito à cidade.

Figura 5
Cadeia de equivalência da cidade do capital

A partir de 2013, o termo direito à cidade ganha força e passa a ser um discurso proeminente em São Paulo. São diversos os atores envolvidos e os espaços criados para possibilitar articulações envolvendo o termo e seus significados. Os atores mencionados interagem e muitas vezes representam simultaneamente múltiplos discursos, apontando para uma fluidez dos interlocutores em relação ao “de onde se fala”, desde que se mantenha o “sobre o que se fala”. No entanto, faz-se necessária uma análise mais profunda destes resultados em relação às quatro dimensões de uma articulação hegemônica, trazidos por Laclau (2000LACLAU, Ernesto. Identity and hegemony: the role of universality in the constitution of political logics. In.: BUTLER, Judith; LACLAU, Ernesto; ZIZEK, Slavoj. Contingency, hegemony, universality: contemporary dialogues on the left. Londres: Verso , 2000.).

6.2 O direito à cidade e as quatro dimensões de uma articulação hegemônica

Apesar do crescimento das práticas articulatórias sobre o termo, o direito à cidade em São Paulo consiste em uma tentativa de tornar-se uma hegemonia (Gaião, Leão e Mello, 2014GAIÃO, Bruno F.; LEÃO, André L.; MELLO, Sérgio C. Teoria do discurso do carnaval multicultural do Recife: uma análise da festa carnavalesca de Recife à luz da teoria de Laclau e Mouffe. Revista de Administração da Mackenzie, São Paulo, v. 15, n. 6, ed. esp., p. 149-171, 2014.) e, mesmo que encontre respaldo em instituições relevantes e que assuma caráter central em discursos das pessoas ligadas à área, ainda não tem força suficiente para neutralizar seu discurso antagônico. Essa conclusão tem como base as quatro dimensões de uma articulação hegemônica apresentadas (Laclau, 2000LACLAU, Ernesto. Identity and hegemony: the role of universality in the constitution of political logics. In.: BUTLER, Judith; LACLAU, Ernesto; ZIZEK, Slavoj. Contingency, hegemony, universality: contemporary dialogues on the left. Londres: Verso , 2000.; Mendonça, 2007MENDONÇA, Daniel. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 43, n. 3, p. 249-258, 2007.), que ainda estão em estágio de desenvolvimento no que se refere ao termo em questão.

Dentro do cenário de poder desigual estabelecido (primeira dimensão da relação hegemônica), o direito à cidade se apresenta, neste período histórico, como uma busca por tornar visíveis as lacunas deixadas pela articulação hegemônica da cidade do capital ou cidade-mercado. A sequência de eventos ocorridos em junho de 2013, que deslocaram o sentido hegemônico, demonstrou a contingência e a precariedade de tal formação que, como qualquer outra hegemonia, não consegue atender a totalidade das demandas (Laclau e Mouffe, 2015LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonia e estratégia socialista: por uma política democrática radical. São Paulo: intermeios; Brasília: CNPq, 2015.). Apesar da desigualdade de poder, o discurso da cidade do capital, principalmente representado por meio de suas práticas materiais, possui caráter soberano no processo de produção da cidade. Assim, a possibilidade de que o direito à cidade se torne uma nova hegemonia dependerá da habilidade dos atores “de apresentar seus objetivos particulares como sendo compatíveis com o funcionamento real da comunidade” (Laclau, 2000LACLAU, Ernesto. Identity and hegemony: the role of universality in the constitution of political logics. In.: BUTLER, Judith; LACLAU, Ernesto; ZIZEK, Slavoj. Contingency, hegemony, universality: contemporary dialogues on the left. Londres: Verso , 2000.:54), superando a dicotomia existente entre universal e particular (segunda dimensão da relação hegemônica), esvaziando o sentido do termo para que ele abarque essas outras demandas (significante vazio como terceira dimensão) e estabelecendo uma relação de representatividade (quarta dimensão).

Três aspectos são centrais para considerar que as dimensões de uma formação hegemônica não foram alcançadas em sua plenitude pelo direito à cidade. Em primeiro lugar, a tentativa da CPDC de estabelecer o ponto nodal em 2013, no qual alguns sentidos do termo são privilegiados em detrimento de diversos outros, acaba por excluir outros discursos do processo. Isto é, de início, sua atuação particular não é alavancada como algo compatível para toda a comunidade. E, ao longo do tempo, a cadeia de equivalência da CPDC também não se expande, demonstrando que esse ator privilegiado na discussão do termo na cidade e detentor de poder institucional limitou sua atuação a demandas bastante específicas.

Depois, com o envolvimento de outros atores, acontece uma expansão da cadeia de equivalência do direito à cidade. Nesse processo, o termo é levado a novos espaços, por exemplo: aulas públicas, o Encontro Internacional do Direito à Cidade e debates que aconteceram sobre o tema. Por isso, o ponto nodal estabelecido como o direito à cidade passa a abarcar novas demandas e poderia ser considerado um significante vazio.

No entanto, o grupo de atores envolvido com o tema do direito à cidade e fazendo oposição à cidade do capital é bastante reduzido, como professores da área de arquitetura e urbanismo, coletivos urbanos que têm atuação volátil na cidade, e poucas organizações da sociedade civil. Isso conduz à análise de que a dicotomia entre particular e universal, mesmo com a expansão da cadeia de equivalência, não foi suplantada. Isto é, as demandas presentes na cadeia de equivalência do direito à cidade pertencem a grupos individualizados com forte inter-relação entre si, mas que não avançam para se tornarem universais. A título de ilustração, considerando as diferentes escalas, não aconteceu com o direito à cidade o mesmo que aconteceu com o termo Diretas Já:

Se antes a oposição ao regime autoritário partia de movimentos identitários isolados, como movimentos de trabalhadores, feministas, sem-terra, de estudantes, com a campanha das diretas já, as demandas por democracia substantiva - ou seja, direitos sociais que em muito extrapolavam o mero direito de votar para presidente - ecoaram de milhões de brasileiros, que, organizados em movimentos identitários ou não, queriam definitivamente dar um basta a um regime político absolutamente rejeitado pelo povo. [Mendonça, 2007MENDONÇA, Daniel. A teoria da hegemonia de Ernesto Laclau e a análise política brasileira. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 43, n. 3, p. 249-258, 2007.:255]

Assim, a articulação do direito à cidade não assume a forma de uma representação de uma totalidade impossível, a qual seria chamada de relação hegemônica. Para Laclau (2000LACLAU, Ernesto. Identity and hegemony: the role of universality in the constitution of political logics. In.: BUTLER, Judith; LACLAU, Ernesto; ZIZEK, Slavoj. Contingency, hegemony, universality: contemporary dialogues on the left. Londres: Verso , 2000.:57), “o terreno no qual a hegemonia se expande é aquele da generalização das relações de representação como condição de constituição de uma ordem social” (quarta dimensão da hegemonia). Visto a não apropriação do termo por outros grupos representativos e a conexão com grupos particulares, considera-se que o direito à cidade tanto não alcançou seu esvaziamento, isto é, não apresenta a ambiguidade imanente de um significante vazio, quanto não se constitui em uma totalidade impossível - deixando de representar outros discursos.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA HEGEMONIA EM CONSTRUÇÃO

Com este artigo buscou-se analisar se os eventos que aconteceram em São Paulo a partir das Jornadas de Junho de 2013 poderiam ter alcançado a formação de uma nova articulação hegemônica: o direito à cidade. Tendo como lente teórica a teoria política do discurso, foi realizada uma análise reflexiva englobando 20 textos produzidos por diferentes atores sobre o direito à cidade entre junho de 2013 e março de 2016. Por meio dessa análise, chegou-se à conclusão de que o direito à cidade se apresenta como uma articulação contra-hegemônica em relação ao seu antagônico hegemônico, que é expressado pelos atores como a cidade do capital. Dentro das dimensões da hegemonia analisadas, o direito à cidade poderia caminhar para a representação de uma totalidade impossível, assumindo a representação de outros discursos e demandas, mas, para isso, precisaria deixar de expressar meramente sua particularidade.

Nesse sentido, a conclusão do presente trabalho segue o mesmo prumo apontado por Harvey (2014HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.:76), de que o direito à cidade ainda não desafia suficientemente a lógica de mercado, e que o caminho para alcançar a universalidade da representação, “para unificação dessas lutas, é adotar o direito à cidade, como slogan e como ideal político”. Mas, para isso, ele precisa ir além dos grupos isolados que se apropriam do termo direito à cidade em São Paulo e, com isso, abarcar as demandas que poderiam representar uma universalidade. Assim, o termo se tornaria um significante vazio, condicionante da hegemonia. No entanto, é importante estar atento ao custo de tornar o termo uma articulação hegemônica, pois uma vitória hegemônica é também uma vitória perigosa (Laclau, 1996LACLAU, Ernesto. Emancipación y diferencia. Buenos Aires: Ariel, 1996.): ao mesmo tempo que generaliza a representação e transforma os objetivos antes particulares em objetivos gerais, a hegemonia também atenua os vínculos existentes com os grupos proponentes, diminuindo a conexão com os sentidos concretos.

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    Disponível em: <http://polis.org.br>.
  • 4
    Importante mencionar a extinção da CPDC por parte da gestão 2017-2020 (Leblanc, 2017:80).
  • Agradecemos ao professor Mário Aquino Alves e aos colegas da linha de pesquisa Governo e Sociedade Civil em Contexto Subnacional da pós-graduação em administração pública e governo da FGV EAESP pelas reflexões em torno da teoria política do discurso e também aos revisores anônimos pelas recomendações que foram fundamentais para o aprimoramento do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2017
  • Aceito
    03 Abr 2018
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