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Os papéis dos stakeholders na formulação do Pronatec

Los papeles de los stakeholders en la formulación del Pronatec

Resumo

Em todos os estágios do ciclo de políticas públicas pode se verificar a importância de diversos stakeholders, seja aprovando, influenciando, implementando, monitorando ou ajudando a modificar ações e decisões. Considerando que a análise dos stakeholders tem como objetivo determinar sua relevância em um projeto ou política, o objetivo deste artigo é mapear os stakeholders envolvidos no processo de formulação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e compreender a atuação e a influência deles no processo. Foi utilizado o método qualitativo de pesquisa, por meio da análise de conteúdo de documentos formais e entrevistas com gestores do programa. A partir do mapeamento dos stakeholders, eles foram classificados segundo o modelo de Savage e colaboradores (1991), cujo resultado revelou o potencial de cada stakeholder em ameaçar ou colaborar com o programa.

Palavras-chave:
stakeholders; políticas públicas; Pronatec

Resumen

En todas las etapas del ciclo de políticas públicas puede verificarse la importancia de diversos stakeholders, sea aprobando, influenciando, implementando, monitoreando o ayudando a modificar acciones y decisiones. Considerando que el análisis de los stakeholders tiene como objetivo determinar la relevancia de los stakeholders en un proyecto o política, el objetivo de este artículo es mapear a los stakeholders involucrados en el proceso de formulación del Programa Nacional de Acceso a la Enseñanza Técnica y Empleo (Pronatec) y comprender la actuación y su influencia en el proceso. Se utilizó el método cualitativo de investigación, a través del análisis de contenido de documentos formales y entrevistas con gestores del programa. A partir del mapeo de los stakeholders, los mismos fueron clasificados según el modelo de Savage y colaboradores (1991), cuyo resultado reveló potencial de cada stakeholder en amenazar o colaborar con el programa.

Palabras clave:
stakeholders; políticas públicas; Pronatec

Abstract

At all stages of the public policy cycle, the importance of various stakeholders can be verified, either by approving, influencing, implementing, monitoring or helping to modify actions and decisions. Considering that the stakeholder analysis aims at determining the relevance of the stakeholders in a project or policy, the objective of this article is to map the stakeholders involved in the formulation process of the National Program for Access to Technical Teaching and Employment (Pronatec) and to understand the performance and their influence on the process. The qualitative research method was used, through content analysis of formal documents and interviews with program managers. From the mapping of the stakeholders, they were classified according to the model of Savage and collaborators (1991), whose result revealed the potential of each stakeholder to threaten or collaborate with the program.

Keywords:
stakeholders; public policies; Pronatec.

1. INTRODUÇÃO

A partir de 2004, um crescimento do produto interno bruto (PIB) mais vigoroso e a inflação mais baixa aumentaram a geração de empregos assalariados, contribuíram para a formalização dos contratos de trabalho e elevaram o poder de compra, diminuindo as diferenças de renda entre os trabalhadores.

Com a retomada do crescimento econômico, novas demandas da parte do empresariado por investimentos na formação e capacitação profissional de pessoas começaram a surgir, o que gerava uma expectativa de preenchimento de novas vagas, em todas as regiões do país. A educação profissional e tecnológica começou a consolidar-se como um esforço estratégico do Ministério da Educação (MEC) visando às mudanças no mundo do trabalho e várias ações foram iniciadas associadas ao fortalecimento do papel do Estado como provedor de políticas sociais, sobretudo de mitigação da pobreza (Baltar, 2015BALTAR, Paulo. Crescimento da economia e mercado de trabalho no Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2015. (Texto para discussão, n. 2036).; Setec/MEC, 2004SETEC/MEC. Proposta em discussão: políticas públicas para a educação profissional e tecnológica. Brasília, DF: MEC, 2004.).

Todo esse contexto criou um “humor nacional” propício ao projeto político do governo federal. Os cursos de formação profissional foram vistos como uma alternativa viável e que atendia tanto aos anseios do empresariado quanto de sindicatos e da população em geral. Assim, no início de 2011, foi encaminhado ao Congresso Nacional, pela presidente Dilma Rousseff, o Projeto de Lei no 1.209, de 2011, que criaria o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, o Pronatec.

O Pronatec criou novas iniciativas e readequou um conjunto de ações anteriores que vinham sendo desenvolvidas para a expansão da oferta de cursos de educação profissional no Brasil. Entre as novas iniciativas estava a Bolsa-Formação, que consistia na oferta, em larga escala, gratuita de cursos técnicos e cursos de formação inicial e continuada, presenciais, custeados com recursos repassados pelo MEC a instituições de ensino das diversas redes de educação profissional do país.

Como regra, a política pública ganha identidade a partir de um conjunto de decisões que definem e instituem normas e regras gerais abstratas (leis, decretos, acordos, convênios, tratados etc.) que irão pautar comportamentos e ações de indivíduos e grupos para geração de resultados concretos destinados a solucionar problemas que deram origem à necessidade da própria configuração da política (Calmon e Costa, 2013CALMON, Paulo; COSTA, Arthur T. M. Redes e governança das políticas públicas. Revista de Pesquisa em Políticas Públicas, n. 1, p. 1-29, 2013.; Souza, 2003SOUZA, Celina. “Estado do campo” da pesquisa em políticas públicas no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 51, p. 15-20, 2003.).

Stakeholders, conforme denominado por Freeman (1984FREEMAN, Edward R. Stakeholder theory - the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.), são qualquer indivíduo ou grupo que pode afetar ou ser afetado no processo de alcançar os objetivos de uma dada organização. Variam em seu significado e no impacto sobre o processo de gestão estratégica, sendo esta empregada como um fundo teórico para investigar as relações entre uma dada organização (pública ou privada) e seu ambiente (Gomes e Gomes, 2007GOMES, Ricardo C.; GOMES, Luciana de O. M. Proposing a theoretical framework to investigate the relationships between an organization and its environment. Revista de Administração Contemporânea, v. 11, n. 1, p. 75-96, 2007.; Mitchell, Agle e Wood, 1997MITCHELL, Ronald K.; AGLE, Bradley R.; WOOD, Donna J. Toward a theory of stakeholder identification and salience: defining the principle of who and what really. The Academy of Management Review, v. 22, n. 4, p. 853-886, 1997.; Savage et al., 1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.).

Considerando que as políticas públicas são guiadas por interesse dos stakeholders (seja aprovando, influenciando, implementando, monitorando ou ajudando a modificar ações e decisões) e ainda por interesses organizacionais, o objetivo deste artigo é mapear os stakeholders envolvidos no processo de formulação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico em Emprego (Pronatec) e compreender a atuação e a influência deles nesse processo.

Para atingir esse objetivo, o artigo está estruturado da seguinte forma: a próxima seção trata da fundamentação teórica da pesquisa, seguida pela descrição dos procedimentos de coleta e análise dos dados. A seção seguinte aborda a análise e a discussão dos resultados. Nas conclusões finais, são apresentadas as contribuições teóricas e a recomendação de novos estudos a partir da observação dos resultados aqui produzidos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Formulação de políticas públicas

Uma política é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público, um plano de ação deliberado para guiar decisões e alcançar resultados racionais, cujo termo pode ser aplicado para governos, organizações do setor privado e indivíduos. São ferramentas utilizadas pelo Estado para exercer suas funções públicas no atendimento de demandas sociais e solução de problemas que afetam a coletividade. Diz respeito à alocação de recursos e esforços para tentar solucionar um determinado problema coletivo (Dye, 2002DYE, Thomas R. Understanding public policy. 10. ed. Nova Jersey: Prentice Hall, 2002.; Howlett, Ramesh e Perl, 2013HOWLETT, Michael; RAMESH, M.; PERL, Anthony. Política pública: seus ciclos e subciclos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.; Kingdon, 2011KINGDON, John W. Agendas, alternatives and public policies. Boston: Longman, 2011.; Secchi, 2013SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análises, casos práticos. 2. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013.; Souza, 2006SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, a. 8, v. 16, p. 20-45, 2006.).

As políticas públicas são guiadas por interesse das partes interessadas (stakeholders) e ainda por interesses organizacionais. A interação entre as partes interessadas reflete em resultados sociais e políticos, decorrentes de três fatores principais: a distribuição dos interesses, as restrições impostas pelas regras ou normas e a distribuição dos recursos de poder. Esses fatores irão retratar três elementos importantes para a ação: interesses, recursos de poder e oportunidades de ações, que irão moldar e estimular a ação dos stakeholders no sistema político (March e Olsen, 2008MARCH, James G.; OLSEN, Johan P. Neo-institucionalismo: fatores organizacionais na vida política. Revista de Sociologia e Política, v. 16, n. 31, p. 121-142, 2008.)

2.2. Participação e envolvimento dos stakeholders

Conforme apresentado na parte introdutória, stakeholders são, na definição de Freeman (1984FREEMAN, Edward R. Stakeholder theory - the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.), qualquer indivíduo ou grupo que pode afetar ou ser afetado no processo de alcançar os objetivos de uma dada organização. Vários autores propuseram modelos para análise e classificação dos stakeholders.

No modelo de Mitchell, Agle e Wood (1997MITCHELL, Ronald K.; AGLE, Bradley R.; WOOD, Donna J. Toward a theory of stakeholder identification and salience: defining the principle of who and what really. The Academy of Management Review, v. 22, n. 4, p. 853-886, 1997.), os stakeholders devem ser identificados a partir de três atributos: o poder da parte interessada de influenciar a organização; a legitimidade da relação da parte interessada com a organização; e a urgência das demandas dos stakeholders à organização. Esse critério de diferenciação dos grupos de stakeholders permite estabelecer prioridades e definir quais os interesses que serão atendidos. Por meio do modelo criado, os autores propõem um tratamento diferente para poder e legitimidade, insistindo na diferença entre eles e no fato de que, na realidade, pode haver partes interessadas que são percebidas como possuindo poder, mas sem legitimidade, e partes interessadas com legitimidade, mas sem poder.

Todavia, nem sempre os stakeholders estão interessados em favorecer as organizações com as quais compartilham o ambiente social, econômico ou político. O potencial de ameaça ou cooperação dos stakeholders em relação as organizações e a outros stakeholders é objeto de estudo apresentado por Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.). Segundo os autores, para cada decisão estratégica, as organizações geralmente enfrentam um conjunto diversificado de stakeholders com interesses e objetivos variados e, muitas vezes, conflitantes. Esses autores criaram uma matriz classificando os stakeholders em quatro grupos, onde é possível identificar o grau de influência de cada um dentro da organização e qual a melhor estratégia a se tomar diante de cada um.

De acordo com os autores, são classificados como tipo 1 os stakeholders dispostos a apoiar, ou seja, aqueles que possuem baixo potencial de ameaça e alto potencial de cooperação. Como tipo 2, os stakeholders marginais, que são considerados não altamente ameaçadores nem especialmente cooperativos. Embora eles potencialmente tenham uma participação na organização e em suas decisões, eles geralmente não estão preocupados com a maioria dos problemas.

Os stakeholders indispostos a cooperar são classificados como tipo 3. Possuem alto potencial de ameaça, mas baixo potencial em cooperação. O tipo 4 são os stakeholders ambíguos, que possuem elevado potencial de ameaça ou de cooperação. Tal classificação é apresentada na figura 1, a seguir.

Figura 1
Diagnóstico dos stakeholders baseado no modelo de Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.)

Segundo Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.), o potencial de cooperação entre os stakeholders é muitas vezes ignorado porque as análises geralmente enfatizam os tipos e a magnitude das ameaças dos interessados. A cooperação entre os stakeholders é particularmente relevante porque pode levar as organizações a unirem forças, resultando em melhor gerenciamento das atividades. Quanto mais dependente for o stakeholder da organização, maior a vontade de cooperar.

Gomes, Liddle e Oliveira (2010GOMES, Ricardo C.; LIDDLE, Joyce; OLIVEIRA, Luciana. A five-sided model of stakeholder influence. Public Management Review, v. 12, n. 5, p. 701-724, 2010.) também propuseram um modelo a partir de comparações realizadas entre os governos do Brasil e da Inglaterra. De acordo com esse modelo, o governo local toma decisões regulamentadas, colaboradas, orientadas, legitimadas e inspecionadas por alguns stakeholders influentes que precisam ser levadas em consideração na formulação de estratégia e gerenciamento de desempenho, se desejar ser bem-sucedido. A partir de cinco fontes de influências (clusters) que exigem atenção dos decisores e formuladores de políticas públicas, observaram-se as conexões entre as áreas de influência e a célula de decisão, identificando padrões de dependência de recursos, restrições institucionais e formação de rede.

3. METODOLOGIA

Em concordância com o objeto estudado, seguiu-se uma abordagem qualitativa para coleta e análise de dados. A presente pesquisa utilizou quatro fontes de dados, a saber: 1) artigos científicos (dados secundários); 2) documentos oficiais (dados secundários); 3) documentos jornalísticos (dados secundários); 4) documentos derivados das transcrições das entrevistas (dados primários).

Em relação aos artigos científicos, foram pesquisados aqueles em que pelo menos estivesse incluído no rol de palavras-chave ou nos resumos termos como “stakeholder(s)”, “Pronatec”, “educação profissional” e “política pública”.

A pesquisa por documentos oficiais baseou-se em leis, resoluções, portarias e notas informativas, assim como o levantamento de relatórios institucionais obtidos no site Monitoramento e Avaliação de Programas (MAP, Setec/MEC).1 1 Disponível em: <https://map.mec.gov.br/>.

Também foram analisados os Relatórios de Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) e os Relatórios de Gestão da Controladoria-Geral da União (CGU), de forma a confrontar os dados desses relatórios com os dados obtidos nas entrevistas e verificar as similaridades e as contradições. Os documentos jornalísticos se referem às matérias publicadas no Portal do Senado à época dos debates sobre as proposições legislativas em estudo.

As entrevistas ocorreram no período de maio a agosto de 2017 e foram realizadas com especialistas que estiveram diretamente envolvidos no processo de formulação do Pronatec. Assim, foram alvo de entrevistas representantes da Setec/MEC, assim como parceiros ofertantes e demandantes dos cursos do Pronatec, tais como representantes do Sistema S (Sesc, Senat, Sesi, Sebrae e Senar) e dos Institutos Federais de Ciência e Tecnologia (Brasília, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Espírito Santo). O fim das entrevistas se deu ao se atingir o estado de saturação, quando a inclusão de novos estratos não agregaria nada de novo.

Ao todo foram realizadas 20 entrevistas, com média de duração de 31 minutos cada, para aquelas feitas em caráter presencial. Os entrevistados foram agrupados em três grupos de atores: (1) secretários e diretores, (2) coordenadores e (3) técnicos e assessores.

Após a conclusão da transcrição de cada entrevista, os relatos foram revisados, comparados com o áudio e, eventualmente, corrigidos, com a finalidade de recuperação de aspectos captados no momento da entrevista, mas que não foram captados durante a transcrição. Cada relato foi salvo em arquivo Word, com a nomenclatura associada a cada entrevistado. Após salvos, os arquivos foram transferidos para o software Nvivo@ 11.

Para a operacionalização do processo de codificação no software, foram criados “nós” que correspondiam a cada stakeholder identificado (categoria de análise). O procedimento de análise envolveu, dessa forma, a codificação dos dados de acordo com a categoria de análise, sendo aplicado igualmente às quatro fontes de dados. A confrontação dos dados e o exame profundo do material coletado permitiram desenvolver a análise e interpretação dos dados.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A proposta do projeto de lei do Pronatec foi encaminhada à Presidência da República por uma comissão formada pelos seguintes ministros: Fernando Haddad (ministro da Educação), Carlos Roberto Lupi (ministro do Trabalho e Emprego), Guido Mantega (ministro da Fazenda), Miriam Belchior (ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão) e Tereza Campello (ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome). Em 28 de abril de 2011, a presidente da República encaminhou a proposta à Câmara dos Deputados.

No dia seguinte, foi feita sua leitura pela Mesa Diretora, dando início a sua tramitação em caráter de urgência. Recebendo o número 1.209/2011, três dias depois, foi encaminhada às Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; Educação e Cultura; Finanças e Tributação; Constituição e Justiça; e de Cidadania.

A proposta passou pelas Comissões recebendo, oficialmente, 37 emendas. Nas comissões, foi recomendada a rejeição de 19 emendas e a realização de audiências públicas, as quais aconteceram em seis capitais (Salvador, Brasília, Belém, Natal, Goiânia e Recife). Seu substituto, que resultou do trabalho das comissões permanentes citadas, por ter ultrapassado o prazo de 45 dias, recebeu uma ofensiva do presidente da Câmara no sentido de retirar sua urgência.

Trancando a pauta e com um atraso de 67 dias, a proposta do Projeto de Lei no 1.209/2011 seguiu em urgência e finalmente foi a plenário, na sessão deliberativa de 31 de agosto de 2011 onde foi apresentado seu substitutivo consolidado pela Comissão de Educação e Cultura, com as contribuições das demais comissões, sendo, nesta sessão, aprovada a redação final, assinada pelo deputado Jorginho Mello, do partido PSDB-SC (Cassiolato e Garcia, 2014CASSIOLATO, Maria Martha M. C.; GARCIA, Ronaldo C. Pronatec: múltiplos arranjos e ações para ampliar o acesso à educação profissional. Brasília, DF: Ipea, 2014. (Texto para discussão, n. 1919).).

Assim, em 6 de setembro de 2011, a Mesa Diretora remeteu o projeto de lei aprovado ao Senado Federal que, já aprovado na Câmara, foi lido no plenário do Senado em 8 de setembro de 2011, onde foi informado que ele teria também tramitação em regime de urgência. Apreciado pelas Comissões nas quais passou, três dias após a aprovação, a Mesa do Senado Federal remeteu ofício à Câmara dos Deputados comunicando a aprovação, sem alterações e revisão, do projeto de lei, encaminhando-o à sanção presidencial.

Decorreram, assim, seis meses desde o dia em que a mensagem saiu do Palácio do Planalto, apresentando o projeto de lei do Pronatec, até a publicação da lei no Diário Oficial.

O projeto encaminhado pelo Poder Executivo foi alvo de grandes discussões, tanto no ambiente da Casa como em audiências públicas externas. Diversos atores, representando as perspectivas governamentais de todas as esferas de ação, secretários de Estado de Educação e a sociedade civil organizada relacionada com o tema, foram consultados e ouvidos. Procurou-se, nas Comissões por onde passou, acatar as solicitações, assim como as reivindicações dos Deputados e Deputadas elaborando-se um texto final que fosse ao encontro dos interesses dos envolvidos.

4.1 Mapeamento e classificação dos stakeholders

Por meio das análises e interpretação dos dados consultados foi possível identificar os principais stakeholders envolvidos na dinâmica da formulação do programa. Além de identificá-los, procurou-se também apresentar suas implicações nesse processo.

Para a classificação dos stakeholders identificados no processo de formulação do Pronatec, foi adotado o modelo apresentado por Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.), uma vez que tal modelo considera que, para cada decisão estratégica, as organizações geralmente enfrentam um conjunto diversificado de stakeholders com interesses e objetivos variados e, muitas vezes, conflitantes.

Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.) consideram que o potencial de cooperação das partes interessadas é frequentemente ignorado porque as análises geralmente enfatizam os tipos e magnitude das ameaças das partes interessadas. Segundo os autores, a cooperação deve ser igualmente enfatizada, pois permite que o gerenciamento das partes interessadas vá além de estratégias meramente defensivas ou ofensivas.

O Ministério da Educação (MEC), além de ser um dos responsáveis pela formulação do Pronatec, era o ministério responsável por sua execução e pela centralização da questão dos recursos. Para cumprir suas finalidades e objetivos, o Pronatec passou a ser implantado em regime de cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.

De acordo com Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.), o potencial para a cooperação das partes interessadas é particularmente relevante porque pode levar as organizações a unirem forças com outras partes interessadas, resultando em uma melhor gestão. Frequentemente, quanto mais dependente for o stakeholder da organização, maior sua disposição de cooperar. Naturalmente, essa disposição também é influenciada pelo ambiente. Ou seja, a organização e o stakeholder podem perceber uma oportunidade para aumentar a interdependência por causa de uma ameaça do meio ambiente.

A seguir, os stakeholders foram analisados com relação aos fatores que afetam seu potencial em ameaçar ou cooperar com o programa em análise, segundo o modelo de Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.). O quadro 1 mostra o resultado da análise.

Quadro 1
Classificação dos stakeholders do Pronatec segundo modelo de Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.)Fonte: Adaptado de Savage e colaboradores (1991:65) aos resultados da pesquisa

Com base na classificação dos stakeholders do Pronatec, segundo o modelo de Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.), na figura 2, a seguir, é apresentado o diagnóstico dos mesmos, segundo seu potencial em cooperar e/ou ameaçar o programa.

Integrando o grupo dos stakeholders dispostos estão o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e o Ministério da Fazenda. Como apoiam os objetivos e ações do Pronatec e apresentam pouca ameaça potencial, mas alto potencial de cooperação, a melhor estratégia, segundo o modelo, seria envolver esses stakeholders em questões relevantes, estimulando ao máximo seu potencial de cooperação. Cabia aos gestores do programa estarem atentos às sugestões que esses stakeholders fizeram e tentar atendê-los ao máximo, pois seria interessante para o programa que eles continuassem nessa posição no gráfico.

Já o grupo dos marginais configura os sindicatos, o empresariado e as associações. Não foram considerados altamente ameaçadores nem especialmente cooperativos. Embora os sindicatos e as associações não tenham sido mencionados pelos entrevistados, foram assim classificados, uma vez que estiveram presentes na articulação dos parceiros demandantes com a rede ofertante. Cabia aos gestores do programa monitorar esse grupo, antes de tentar envolvê-los nos propósitos do programa, devido ao seu baixo potencial em cooperar.

No grupo dos indispostos ficaram a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), em decorrência de serem órgãos fiscalizadores, que não têm interesse em se coligar com o programa ou apoiá-lo de outra forma. Era necessário adotar uma estratégia de defesa, de forma a tentar reduzir a dependência que formava a base para o interesse.

Figura 2
Diagnóstico dos stakeholders do Pronatec segundo o potencial de cooperar e ameaçar baseado no Modelo de Savage e colaboradores (1991SAVAGE, Grant T. et al. Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, v. 5, n. 2, p. 61-75, 1991.)

No grupo dos ambíguos ficaram os parceiros demandantes, a Setec, o Congresso Nacional, os Conselhos, os Fóruns, o Sistema S e a Rede Federal. Considerando que a alta demanda por mão de obra qualificada e a ausência de programas de grande porte voltados para qualificação profissional em massa foram motivadores da elaboração do programa, a atitude do governo foi fator-chave para a rápida aprovação e implementação do programa ao solicitar o trâmite do projeto em caráter de urgência. O perigo desse grupo estava no fato do seu alto potencial em ameaçar o programa, o que poderia atrapalhar sua gestão. Cabia buscar uma aproximação com os mesmos indicando quais são as vantagens de cooperar com o Pronatec de forma a evitar que fossem contra o programa.

5. CONCLUSÃO

Considerando-se o aumento da ênfase nas questões de eficiência, eficácia e efetividade das ações governamentais, pesquisas sobre o processo de formulação e implementação de políticas e programas governamentais no Brasil, analisando aspectos relacionados com a atuação dos stakeholders, por exemplo, possuem algumas peculiaridades que conferem atualidade e relevância ao estudo.

O mapeamento dos principais stakeholders envolvidos no processo de formulação do Pronatec possibilitou identificar seus poderes de discussão e tipos de interesse durante o processo de formulação do programa. Os resultados encontrados inovam os achados da literatura pelo amplo olhar sobre o processo, que possibilitou a observação de aspectos relacionados com a análise dos stakeholders envolvidos. Tais resultados confirmaram que a dinâmica do ambiente social onde se situa a política pública é constituída de relações contraditórias e estruturalmente articuladas. Nesse sentido, a formulação do Pronatec pode ser entendida como um processo onde os vários sujeitos envolvidos discutem e negociam seus interesses. Esse conhecimento pode então ser usado para desenvolver estratégias para gestão dos stakeholders, para facilitar a implementação de decisões específicas ou objetivos organizacionais, ou para entender o contexto político e avaliar a viabilidade de futuras orientações políticas.

Por se tratar de um estudo referente à formulação do Pronatec, especificamente, alguns aspectos observados relacionados com a classificação dos stakeholders podem não se reproduzir no processo de formulação de outras políticas. Sugere-se a exploração do tema aplicado a outros programas, seja na área educacional, seja em outras áreas.

REFERÊNCIAS

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  • SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, a. 8, v. 16, p. 20-45, 2006.
  • 1
    Disponível em: <https://map.mec.gov.br/>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2018
  • Aceito
    25 Set 2018
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