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“De volta à cidade, sr. cidadão!” - reforma psiquiátrica e participação social: do isolamento institucional ao movimento antimanicomial

“De vuelta a la ciudad, el sr. ciudadano” - reforma psiquiátrica y participación social: del aislamiento institucional al movimiento antimanicomial

Resumo

O modelo manicomial produziu a exclusão da loucura da vida social, fundado no princípio do isolamento terapêutico, que gerou a institucionalização do louco e sua retirada da cidade e do direito à participação social, com a perda do direito à cidade e da condição de cidadania. Atualmente, a reforma psiquiátrica no Brasil é um dos mais importantes processos de crítica à psiquiatrização da loucura, promovendo uma desconstrução das formas de exclusão social da loucura e o debate na sociedade acerca dos direitos e da cidadania dos sujeitos em sofrimento mental e vulnerabilidade social. Diversas frentes inovadoras, de inclusão pelo trabalho, pela arte-cultura, pela militância política e de ocupação da cidade, têm configurado novas possibilidades de vida e expressão para os sujeitos, numa nova concepção sobre a loucura e a diferença, na qual os sujeitos da diversidade têm direito à cidade e à participação social.

Palavras-chave:
reforma psiquiátrica; participação social; loucura; modelo manicomial; saúde mental

Resumen

El modelo de asilo produjo la exclusión de la locura de la vida social, fundado en el principio de aislamiento terapéutico, lo que llevó a la institucionalización de los locos y su retirada de la ciudad y la participación social, la pérdida del derecho a la ciudad y la ciudadanía. Actualmente, la reforma psiquiátrica en Brasil es uno de los procesos críticos más importantes para psiquiatrización de la locura, la promoción de una deconstrucción de las formas de exclusión social de la locura y el debate en la sociedad sobre la ciudadanía de las personas en la angustia mental y la vulnerabilidad. Varios frentes innovadores, la integración a través del trabajo, el arte, la cultura, el activismo político y la ocupación de la ciudad, han creado nuevas posibilidades de vida y expresión al sujeto, una nueva concepción de la locura y la diferencia en el cual los sujetos de la diversidad tienen derecho a la ciudad y la participación social.

Palabras clave:
reforma psiquiátrica; participación social; locura; modelo de asilo; salud mental

Abstract

The asylum model produced the exclusion of madness from social life, adopting the principle of therapeutic isolation, which led to the institutionalization of the person with mental suffering and their removal from the city and the social participation, subtracting from them the right to the city and the condition of citizenship. Currently, psychiatric reform in Brazil is one of the most important processes of criticizing the psychiatrisation of madness, promoting a deconstruction of the forms of social exclusion and the debate in society about the citizenship of the subjects in mental suffering and social vulnerability. Several innovative fronts, including work, art, culture, political activism and occupation of the city, have set new possibilities for life and expression for the people, in a new conception of madness and difference, in which the diversity of individuals have the right to the city and social participation.

Keywords:
psychiatric reform; social participation; mental illness; asylum model; mental health.

1. INTRODUÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL, LOUCURA E CIDADE, DO ISOLAMENTO INSTITUCIONAL NO MANICÔMIO À PARTICIPAÇÃO SOCIAL E INTERVENÇÃO NA CULTURA

Nas últimas décadas, o processo de reforma psiquiátrica no Brasil tem sido uma das mais importantes políticas de saúde mental e inclusão da diferença do mundo. E pode ser considerado ainda um dos mais importantes movimentos de defesa dos direitos humanos no país, com transformações nos modos de tratamento e cuidado da loucura e nas formas de participação social e política dos sujeitos em sofrimento mental (Amarante, 2015aAMARANTE, Paulo D. C. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015a., 2015cAMARANTE, Paulo D. C. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015c., 2011AMARANTE, Paulo D. C. Diversidade, cultura e direitos humanos: bases para a reforma psiquiátrica. In: MELO, Walter; FERREIRA, Ademir Paceli (Org.). A sabedoria que a gente não sabe. Rio de Janeiro: Espaço Artaud; Universidade Federal de São João del-Rei, 2011. 1v., p. 25-34.; Lancetti, 2000LANCETTI, Antônio. Saúde-loucura no 7: saúde mental e saúde da família. São Paulo: Hucitec, 2000.; Lancetti e Amarante, 2012LANCETTI, Antônio; AMARANTE, Paulo D. C. Saúde mental e saúde coletiva. In: CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa et al. (Org.). Tratado de saúde coletiva. 2. ed.São Paulo: Hucitec, 2012. p. 616-636.; Pinheiro et al., 2007PINHEIRO, Roseni et al. (Org.). Desinstitucionalização da saúde mental: contribuições para estudos avaliativos. Rio de Janeiro: Cepesc; IMS/Uerj - Lappis; Abrasco, 2007.; Fontes e Fonte, 2010FONTES, Breno A. S. M.; FONTE, Eliane M. M. (Org.). Desinstitucionalização, redes sociais e saúde mental: análise das experiências da reforma psiquiátrica em Angola, Brasil e Portugal. Recife: Editora Universitária/UFPE, 2010. p. 113-136.; Campos e Henriques, 1997CAMPOS, Florianita C. B.; HENRIQUES, Cláudio M. (Org.). Contra a maré à beira-mar: a experiência do S.U.S. em Santos. São Paulo: Hucitec, 1997.; Bezerra Junior e Amarante, 1992BEZERRA JUNIOR, Benilton; AMARANTE, Paulo D. C. (Org.). Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.; Desviat, 2015DESVIAT, Manuel. A reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2015.; Amarante e Costa, 2012AMARANTE, Paulo et al. Da diversidade da loucura à identidade da cultura: o movimento social cultural no campo da reforma psiquiátrica. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 4, p. 125-132, 2012.).

Tal processo ocorre por meio de diversas estratégias e dispositivos de desmontagem do modelo manicomial, bem como por meio de variadas experiências e coletivos militantes que produziram novos discursos e práticas sobre a loucura e a diversidade, compondo um novo cenário em relação à histórica exclusão do louco na vida da cidade.

O modelo manicomial, fundado no final do século XVIII, teve no isolamento um dos fundamentos. Isso produziu um efeito de retirar o louco da cidade, do trabalho, do lazer, da família, da cultura, da vida social. O ato fundador de Pinel, inaugurando o primeiro asilo de alienados mentais em 1793, fez nascer um novo ramo da medicina: a medicina mental ou alienismo. O “isolamento terapêutico” foi um dos princípios da tecnologia pineliana (Castel, 1978CASTEL, Robert. A ordem psiquiátrica: a Idade de Ouro do alienismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978. (Biblioteca de filosofia e história das ciências, n. 4).), que buscava a cura da alienação mental. Daí decorre a ideia de que a loucura tem como lugar privilegiado o hospício, tendo a reclusão um papel de proteção ao indivíduo louco e à sociedade. Um duplo processo de isolamento toma corpo com o desenvolvimento dos saberes da medicina mental (que se desdobram na clínica psiquiátrica) e das instituições manicomiais: “isolar para conhecer” e “isolar para tratar”.

O princípio do isolamento, por meio da definição da medicina mental ou alienismo, se constitui por duas linhas de força: primeiro, a influência direta do método da botânica (como o próprio Pinel propõe), por meio da utilização de uma linguagem classificatória, nosográfica, de tipologias diagnósticas. Essa linguagem classificatória, presente tanto na medicina quanto na psiquiatria, e que “faz ver” a doença e a doença mental a partir de uma certa interpretação da experiência de sofrimento e adoecimento pelos discursos médico e psiquiátrico modernos, foi constituída e se desenvolveu através da noção de “clínica” (Foucault, 1987). A clínica médica e a clínica psiquiátrica dependem, em seu surgimento como discursos de verdade científica na modernidade, do isolamento da doença e sua observação no ambiente hospitalar. Em segundo lugar, o princípio do isolamento da loucura também se constituiu a partir da ideia de que é preciso isolar o objeto de conhecimento da ciência para proceder à experimentação e comprovação científicas. Portanto, uma herança do próprio modelo de racionalidade científica das ciências naturais - o modelo do laboratório, do controle experimental, da produção da prova através de previsibilidade e reprodutibilidade (Santos, 2000SANTOS, Boaventura de S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Edipro, 2000.).

Por outro lado, mais recentemente, as inovações da reforma psiquiátrica, por meio da inclusão social da loucura e da diferença, no campo do direito ao trabalho, do direito à cultura e do direito à cidade, têm sido marcantes e singulares, rompendo a segregação histórica do louco realizada através das instituições e saberes fundantes da psiquiatria e das práticas manicomiais.

Dito de outro modo, nas últimas décadas o processo de reforma psiquiátrica no Brasil tem realizado uma profunda crítica do paradigma psiquiátrico e engendrado diversos processos de desmontagem manicomial (com a substituição do manicômio por redes de serviços de saúde mental e dispositivos e estratégias de atenção psicossocial), bem como tem promovido a cidadania e a invenção de formas inovadoras de inclusão social dos sujeitos em sofrimento mental. Fundamentalmente, se destacam a inclusão pelo trabalho (por exemplo, através da economia solidária e do cooperativismo social, e nos projetos de geração de renda e empreendedorismo no campo da saúde mental); e a inclusão pela cultura e pela arte (nos projetos e grupos artístico-culturais da reforma psiquiátrica, em diversas linguagens artísticas, na música, no teatro, no cinema e vídeo, na pintura, nos blocos carnavalescos, entre outras).

Finalmente, grande importância deve ser dada à ocupação da cidade e intervenção no imaginário social, por meio de uma multiplicidade de eventos, atos públicos, passeatas, mobilizações, e do debate na sociedade acerca da violência nos hospitais psiquiátricos e sobre os direitos sociais e de cidadania das pessoas em sofrimento mental. E de forma ampla destaca-se a militância do movimento da luta antimanicomial nos últimos 30 anos, que tem representado uma mudança histórica dos discursos e práticas sobre a loucura, transformando a reforma psiquiátrica em um dos mais importantes movimentos de politização e reivindicação de direitos que têm lutado para a defesa do direito à cidade no contemporâneo.

2. O MODELO MANICOMIAL E O PRINCÍPIO DO ISOLAMENTO TERAPÊUTICO: ALIENISMO, PSIQUIATRIA E INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA - A LOUCURA É RETIRADA DA CIDADE E DA VIDA SOCIAL

Os conceitos de alienação mental e, mais tarde, de doença mental foram construídos a partir de uma experiência individual e coletiva sobre a loucura, oriunda do processo de constituição do hospício e da medicina mental, no qual a loucura é capturada pelo discurso médico. Na época clássica, a loucura era polimorfa e, em grande medida, livre no meio social; apenas a partir da modernidade o sistemático internamento médico-hospitalar se torna fundamento para lidar com o louco e o diferente (Foucault, 1978FOUCAULT, Michel. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978., 1975FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.). E, consequentemente, ocorre a retirada da loucura da cidade e do horizonte da convivência social. A loucura é excluída da possibilidade de participação no pacto social, nas relações sociais, selando uma espécie de morte social para os sujeitos considerados alienados ou doentes mentais.

Ou seja, é o asilo como nova instituição para os loucos, espécie de laboratório privilegiado de experimentação e verdadeira “estufa” de observação do novo objeto de conhecimento (a “alienação mental”), que permite o nascimento e desenvolvimento de uma ciência da loucura, inicialmente chamada de medicina mental e, mais tarde, de clínica psiquiátrica.

O confinamento da loucura no manicômio e seu submetimento como objeto de intervenção do alienismo produzem uma nova experiência da loucura, capturada pelo discurso médico, que de forma estratégica constrói a noção de loucura como erro e ausência de sentido, como desordem da razão e perda do juízo moral, e ausência de saúde psíquica. A alienação é entendida como um distúrbio das paixões humanas, que incapacita o sujeito de partilhar do pacto social. O alienado é o indivíduo que está fora de si, fora da realidade, é o que tem alterada a sua possibilidade de juízo; é incapaz do juízo, incapaz da verdade e por isso perigoso para si e para os outros. Daí a compreensão de que todo doente mental deve potencialmente ser “protegido” pela destituição dos seus direitos e da sua liberdade, como da autonomia sobre si e do direito de escolha e decisão sobre sua vida - todo esse processo é intermediado pelo conceito de alienação mental, que nasce a partir da constituição do binômio asilo-alienismo, isto é, a internação manicomial e a captura conceitual como fundamentos da exclusão da loucura.

O tratamento moral de Pinel, por sua vez, visa uma reeducação moral que corrija o distúrbio das paixões, o alienista se torna o “mestre da loucura” capaz de submeter o delírio e a vontade desarrazoada do louco à sua vontade reta para o retorno à razão (Foucault, 1997FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.). O hospício passa a ser o lugar do processo pedagógico-disciplinar que permite recobrar a razão e chegar à cura, e consequentemente permitiria ao alienado voltar a ser sujeito de direitos e cidadão, isto é, ser livre na medida em que é capaz de escolhas, de desejo e de decisão, atributos impossíveis para um alienado. A exclusão do alienado, nesta lógica, não é uma violência aos seus direitos, e sim medida terapêutica, e não significa perda de direitos, mas direito ao tratamento.

A institucionalização da loucura torna-se regra geral e um princípio universal, e o isolamento se torna precondição para a busca da cura da alienação mental. O conceito de “isolamento terapêutico” se constitui com base em dois pontos fundamentais: o primeiro, o princípio do hospital como lugar de exame, no sentido de “isolar para conhecer” - o isolamento é condição para a investigação e explicação das causas e tipos de alienação mental. Trata-se inclusive da busca pela classificação como fundamento para explicação dos fenômenos; a linguagem nosográfica e classificatória, tanto na botânica quanto no alienismo, seria um dos fundamentos do método. Em segundo lugar, é preciso “isolar para tratar”, na medida em que a instituição afasta as influências maléficas, morbígenas, que causam e agravam a alienação - portanto a instituição asilar é instrumento de cura.

No contexto imediatamente posterior à Revolução Francesa, em que Pinel dá início à transformação do hospital de Bicêtre, em 1793, ele fundamenta com as seguintes palavras esta necessidade imperiosa de institucionalização, em seu discurso de inauguração do primeiro asilo de alienados mentais da história moderna:

Em geral é tão agradável, para um doente, estar no seio da família e aí receber os cuidados e as consolações de uma amizade tenra e indulgente, que enuncio penosamente uma verdade triste, mas constatada pela experiência repetida, qual seja, a absoluta necessidade de confiar os alienados a mãos estrangeiras e de isolá-los de seus parentes. [Pinel apud Castel, 1978CASTEL, Robert. A ordem psiquiátrica: a Idade de Ouro do alienismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978. (Biblioteca de filosofia e história das ciências, n. 4).:86]

O isolamento, como princípio teórico e ato institucional, propicia um método, semelhante ao estado in vitro, afasta as influências maléficas e a contaminação. Esse método faz “ver” diferente a figura do louco (produz uma nova visibilidade sobre a loucura, que passa a ser vista como alienação mental), e produz formas de compreensão da loucura condizentes com a crença no tratamento como regramento da desordem, por meio da disciplina, e como um retorno à razão (“dobrar o alienado à razão”), uma espécie de ortopedia da alma a partir do modelo da instituição correcional.

O hospício, através do isolamento terapêutico, permite a possibilidade da cura e do conhecimento da loucura a um só tempo. O isolamento é ao mesmo tempo um ato terapêutico (tratamento moral e cura), epistemológico (ato de conhecimento) e social (louco perigoso, sujeito irracional). […] O conceito de “alienação mental” produz um lugar social para o louco, excluído do pacto social, o lugar do sujeito da desrazão ou da ausência de sujeito - ausência do sujeito racional e responsável cívica e legalmente - um sujeito delirante sem cidadania que deixa de ser um ator social para tornar-se objeto do alienismo. [Torre e Amarante, 2001TORRE, Eduardo H. G.; AMARANTE, Paulo D. C. Protagonismo e subjetividade: a construção coletiva no campo da saúde mental. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 6, n. 1, p. 73-85, 2001.:75]

O sujeito alienado é alheio, estrangeiro a si próprio, e o manicômio é o instrumento de reeducação do alienado, por meio do tratamento moral e de práticas que constituem o que Robert Castel (1978CASTEL, Robert. A ordem psiquiátrica: a Idade de Ouro do alienismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978. (Biblioteca de filosofia e história das ciências, n. 4).:85) denominou de “tecnologia pineliana”, em que o isolamento foi uma das estratégias centrais para a elaboração do conceito de alienação mental, que produz o louco como sujeito do erro. Esse processo histórico torna possível a construção do conceito de uma subjetividade alienada, desregrada, ao mesmo tempo que a instituição se torna o lugar de tratamento e a institucionalização, uma necessidade.

O isolamento como um princípio científico diz respeito a tirar os objetos de investigação de seus meios caóticos e tirar as interferências do ambiente natural, transportando-os ao ambiente asséptico do laboratório, o que coloca um problema epistêmico fundamental, qual seja: a concepção de estudar a doença mental isolando o louco, pelo esquadrinhamento do hospital. Esse princípio se funda na ideia de que para tratar é preciso conhecer, e para conhecer torna-se imprescindível retirar quaisquer influências externas. A observação in vitro tira as más influências, permite a separação em tipos para a constituição de um espaço de conhecimento.

Em relação ao campo da psiquiatria e da saúde mental, a reflexão a que se procede é de que a observação in vitro transforma a “natureza” da doença, e que a experiência da institucionalização altera a experiência da “alienação” ou do sofrimento mental. Os processos de dessubjetivação, des-historização e perda das redes de relações, decorrentes da institucionalização dos sujeitos que sofrem, configuram uma verdadeira máquina de desfiguração da subjetividade e das possibilidades expressivas e sensíveis, de modo que já não se originam comportamentos e sintomas que derivam da “doença mental” ou do quadro de crise psiquiátrica que leva à internação, mas sim são efeitos da institucionalização, por meio da “mortificação do eu” (Goffman, 1978GOFFMAN, Ervin. Manicômios, prisões, conventos. Rio de Janeiro: Graal, 1978.) e da destruição da subjetividade, gerando o que Franco Basaglia chamou de “duplo da doença mental” (Basaglia, 2005BASAGLIA, Franco. A destruição do hospital psiquiátrico como lugar de institucionalização: mortificação e liberdade do “espaço fechado”. In: BASAGLIA, Franco. Escritos selecionados em saúde mental e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Garamond, 2005a. p. 23-34.). O que coloca em questão o naturalismo do olhar médico e nos leva a uma profunda crítica do que a psiquiatria concebe como efeitos da “cronicidade” da natureza da doença mental, na medida em que são efeitos largamente produzidos pela institucionalização. Mas para o saber psiquiátrico a degeneração ou deterioração do sujeito é causada pela doença mental, sem nenhuma ligação com as formas de relação institucional que se estabelece com a loucura e o louco!

A doença mental concebida sob um ponto de vista naturalista é a noção que dá o suporte fundamental da prática, do poder e do saber psiquiátricos. A História da loucura demonstra a história do asilamento da loucura e de sua medicalização e patologização, e sua transformação em doença mental: Nossa sociedade não quer reconhecer-se no doente que persegue ou encerra (Foucault, 1975FOUCAULT, Michel. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.). É através desta operação que é possível uma psiquiatria da loucura. [Torre e Amarante, 2001TORRE, Eduardo H. G.; AMARANTE, Paulo D. C. Protagonismo e subjetividade: a construção coletiva no campo da saúde mental. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 6, n. 1, p. 73-85, 2001.:78]

Por sua vez, a medicalização transforma o lugar social do louco. Ela não se restringe apenas à sua captura pelo olhar e prática médicos sobre o louco.

A ‘medicalização’ não significa, de fato, a simples confiscação da loucura por um olhar médico. Ela implica na definição, através da instituição médica, de um novo status jurídico, social e civil do louco: o alienado, que a lei de 1838 fixará, por mais de um século, num completo estado de minoridade social. {Castel, 1978CASTEL, Robert. A ordem psiquiátrica: a Idade de Ouro do alienismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978. (Biblioteca de filosofia e história das ciências, n. 4).:55}

3. REFORMA PSIQUIÁTRICA COMO DESCONSTRUÇÃO DO MODELO MANICOMIAL: A CIDADE COMO LUGAR INFINITO DAS TROCAS SOCIAIS - DEVOLVER A LOUCURA À CIDADE

Se a retirada da loucura da vida na cidade e do horizonte da convivência social e a separação dos sujeitos considerados loucos, em instituições de tratamento fechado, provêm do princípio do “isolamento terapêutico” na versão pineliana, que é incorporada na visão da clínica psiquiátrica tradicional, então a desmontagem desse fundamento está no centro do trabalho de desinstitucionalização no campo da saúde mental e nos processos de reforma psiquiátrica. Daí a importância de forjar um novo conceito de sofrimento mental a partir do questionamento do conceito de doença ou transtorno mental que não se reduza à “terapêutica” médica, psiquiátrica, psicológica ou sanitária.

Em síntese, a desmontagem do manicômio começa com o fechamento das estruturas manicomiais, prossegue com a construção de novos conceitos, práticas, espaços de cuidado e novas formas de lidar com a loucura, e ganha sua maior abrangência com as lutas por uma nova cultura e uma nova forma de olhar e cuidar da loucura e a diferença na cidade. A cura se torna a ação de produzir subjetividade, sociabilidade - mudar a história dos sujeitos, o que passa a mudar a história da própria doença: “O processo de desinstitucionalização torna-se agora reconstrução da complexidade do objeto. A ênfase não é mais colocada no processo de ‘cura’ mas no projeto de ‘invenção de saúde’ e de ‘reprodução social do paciente’ […]” (Rotelli et al., 1990ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização: uma outra via. In: ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec, 1990. p. 17-59.:30).

O lugar da “cura” e da “reabilitação” não é mais a instituição de tratamento nem o serviço de saúde, ainda que a assistência pública em serviços abertos seja fundamental para a mudança nos modos de cuidado e fortalecimento dos dispositivos e estratégias da atenção psicossocial. O lugar da emancipação e da autonomia, entendidas como realidades dinâmicas a serem construídas, é a cidade, as relações sociais possíveis no espaço da cidade, nos espaços de convivência coletiva, nos espaços de participação social, nos grupos sociais diversos e na busca de cuidado integral e acesso a políticas públicas. Isto é, promover o direito ao lazer e ao trabalho, o direito à cultura, os espaços de militância, o direito à saúde, educação, moradia, alimentação, mobilidade social, e a uma cidade sustentável e com mais equidade para os sujeitos em sua diversidade.

O conceito de cura tradicional cede lugar a uma concepção complexa sobre os sujeitos, em que o diagnóstico psicopatológico não é suficiente para a construção de possibilidades concretas de vida. A “cura” passa a ser compreendida no sentido da emancipação, da autonomia e da cidadania ativa, transformando e ampliando a própria noção de “ato terapêutico”, antes presa ao reducionismo do olhar médico-psiquiátrico, agora centrada na desconstrução da relação de tutela e do lugar de objeto que captura a possibilidade de ser sujeito. A emancipação terapêutica se torna o objetivo substituto da “cura” (Rotelli et al., 1990ROTELLI, Franco. O inventário das subtrações. In: ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec , 1990. p. 61-64.:31).

O dispositivo psiquiátrico funciona em espaços os mais disseminados, mas tem por excelência o seu exercício no manicômio. No manicômio, a sociabilidade é reduzida a zero. Esse é um dos problemas centrais que se colocam no processo de crítica à instituição asilar e na desconstrução do paradigma psiquiátrico:

A governabilidade teve a psiquiatria entre os seus instrumentos de gestão da desordem e da miséria. O manicômio é: o lugar zero da troca. A tutela, a internação têm esta única finalidade: subtração das trocas, estabelecer relações de mera dependência pessoal. [Rotelli, 1990ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização: uma outra via. In: ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec, 1990. p. 17-59.:61]

[…] o problema não é cura (a vida produtiva) mas a produção de vida, de sentido, de sociabilidade, a utilização das formas (dos espaços coletivos) de convivência dispersa. [Rotelli et al., 1990ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização: uma outra via. In: ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec, 1990. p. 17-59.:30]

O conceito de autonomia passa a ser um conceito-chave para repensar os objetivos da reforma psiquiátrica e o próprio conceito de reforma psiquiátrica, na medida em que a construção da autonomia transcende o acesso a serviços sanitários e mesmo o acesso a políticas de saúde, se desdobrando em produção de vida em articulação com redes de suporte social formais e informais, espaços de convivência, trabalho, lazer, cultura e arte, bem como o acesso a políticas públicas e direitos de cidadania. Além disso, em segundo lugar, não é apenas pela oferta de proteção social ou políticas de assistência pelo Estado que se promove a cidadania e a autonomia dos sujeitos excluídos ou em desvantagem social - também é fundamental que os movimentos sociais participem de espaços de negociação e construção das agendas sociais. A autonomia não se produz somente por meio de canais oficiais, normativos ou institucionais, mas é promovida quando os atores sociais e os movimentos de militância alcançam um protagonismo capaz de assegurar uma apropriação dos dispositivos e estratégias na construção de direitos e participação política e social.

Por isso, pode-se compreender que as inovações em curso na reforma psiquiátrica no Brasil são de grande importância para repensar a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS), no sentido de crítica à sua burocratização ou redução a um modelo de governo. Isso procede na medida em que o fundamento da participação social e comunitária, como um dos fundamentos democráticos do sistema de saúde no país, é central para qualquer política de saúde universalista e inclusiva, que busca a luta contra a tecnificação e contra a verticalização de poder. Dito de outro modo, isso significa que as discussões sobre ocupação da cidade e participação social nas políticas de saúde mental, e as experiências inovadoras que têm sido desenvolvidas nos últimos anos nos processos de reforma psiquiátrica e inclusão social das pessoas em sofrimento mental, têm um enorme potencial para contribuir no fortalecimento do diálogo das políticas de saúde com os movimentos sociais. E também para que o campo da saúde busque as articulações intersetoriais que são decisivas para uma inclusão dos sujeitos da diversidade e a produção de equidade e cidadania, numa visão de saúde ampliada. Essas são contribuições importantes do movimento antimanicomial para a ação mais abrangente nas políticas de saúde coletiva, superando o mero assistencialismo e a visão biomédica individual e medicalizante.

Se o manicômio é o lugar zero das trocas sociais, a cidade é o lugar infinito das trocas sociais, e essa é uma das questões essenciais que estão em jogo nas diversas inovações da reforma psiquiátrica no Brasil, especialmente as formas inovadoras de inclusão social e cultural que vêm sendo construídas nos processos de transformação no campo da saúde mental nas últimas décadas.

4. REFORMA PSIQUIÁTRICA E OCUPAÇÃO DA CIDADE: PRODUÇÃO DE VIDA, AUTONOMIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

No campo da saúde mental, a reforma psiquiátrica tem utilizado referências que se aproximam desse novo enfoque da saúde e das políticas públicas, expresso na crítica do modelo curativo-hospitalocêntrico e na ideia da produção social da saúde e articulação com o território e a cultura (Biehl, 2011BIEHL, João. Antropologia no campo da saúde global. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, a. 17, n. 35, p. 257-296, jan./jun. 2011.; Yasui, 2010YASUI, Silvio. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz , 2010.; Amarante et al., 2012AMARANTE, Paulo et al. Da diversidade da loucura à identidade da cultura: o movimento social cultural no campo da reforma psiquiátrica. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 4, p. 125-132, 2012.; Melo e Ferreira, 2011MELO, Walter; FERREIRA, Ademir P. A sabedoria que a gente não sabe. Rio de Janeiro: Espaço Artaud; Universidade Federal de São João del-Rei, 2011. p. 14-24. (Arte e Sáude Mental, n. 1).; Pinho et al., 2014PINHO, Katia L. R. et al. (Org.). Relatos de experiências em inclusão social pelo trabalho na saúde. São Carlos: Compacta Gráfica e Editora, 2014.; Santiago e Yasui, 2015SANTIAGO, Eneida; YASUI, Silvio. Saúde mental e economia solidária: cartografias do seu discurso político. Psicologia & Sociedade, v. 27, n. 3, p. 700-711, 2015.; Lima et al., 2013LIMA, Iana B.; SILVA, José E.; CRUZ, Sérgio S. Políticas públicas de saúde mental e economia solidária: construção de uma nova concepção. Revista de Enfermagem UFPE, v. 7, p. 1008-1015, 2013.). Isso se expressa no caráter político da reforma psiquiátrica e na necessidade de substituir a cura da doença mental pela produção de saúde dos indivíduos de experiência psíquica diferente, que então identifica-se à “invenção de saúde” (Rotelli et al., 1990ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização: uma outra via. In: ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec, 1990. p. 17-59.) e à produção de vida, para além da remissão do sintoma ou reparação do dano e para além do foco sobre a doença (Amarante e Torre, 2017AMARANTE, Paulo D. C.; TORRE, Eduardo H. G. Direitos humanos, cultura e loucura no Brasil: um novo lugar social para a diferença e a diversidade. In: OLIVEIRA, Walter Ferreira de; PITTA, Ana Maria Fernandes; AMARANTE, Paulo (Org.). Direitos humanos e saúde mental. São Paulo: Hucitec, 2017. v. 39, p. 107-133.; Whitaker, 2017WHITAKER, Robert. Anatomia de uma epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2017.; Venturini, 2016VENTURINI, Ernesto. A linha curva: o espaço e o tempo da desinstitucionalização. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016.).

A produção de saúde não está centrada na instituição sanitária ou psiquiátrica, nem apenas nas equipes multidisciplinares, e depende de conhecer as forças vivas de uma região, as organizações e instituições do bairro, para além da divisão administrativa da cidade; superar a lógica do assistencialismo em direção a uma ação no território, de mobilização das forças comunitárias e dos recursos vivos da comunidade: “Recentrar a psiquiatria na cidade não significa implantar aí mais ou menos artificialmente equipamentos e equipes extra-hospitalares, mas reinventá-la ao mesmo tempo em que se desenvolvem outras práticas sociais com a ajuda direta das populações concernidas” (Guattari, 1992GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.:195).

A produção de saúde e a construção de projetos de vida centram-se sobre a reinscrição da loucura na cidade, isto é, a inserção do “usuário” dos serviços de saúde mental na vida da cidade e sua reprodução social. Superar o manicômio é o processo de construir estruturas e políticas que viabilizam a “invenção de saúde”, que nesse sentido fica claro que não é algo pronto nem estático, há uma incerteza implicada no “sair do manicômio”, pois abre-se um campo de possibilidades incerto e contraditório, difícil e novo.

Um ponto central passa a ser a diferenciação entre os conceitos de “desospitalização” e “desinstitucionalização”, relacionados com os processos de abertura manicomial e reforma psiquiátrica (Amarante, 1996AMARANTE, Paulo D. C. O homem e a serpente - outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1996.; Basaglia, 2005aBASAGLIA, Franco. A destruição do hospital psiquiátrico como lugar de institucionalização: mortificação e liberdade do “espaço fechado”. In: BASAGLIA, Franco. Escritos selecionados em saúde mental e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Garamond, 2005a. p. 23-34.; Rotelli, 1994ROTELLI, Franco. Superando o manicômio: o circuito psiquiátrico de Trieste. In: AMARANTE, Paulo. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994. p. 149-169.; Venturini, 2010VENTURINI, Ernesto. A desinstitucionalização: limites e possibilidades. Rev. Bras. Crescimento Desenvolv. Hum., v. 20, n. 1, p. 138-151, 2010.; Rotelli et al., 2001ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização, uma outra via. In: ROTELLI, Franco; DE LEONARDIS, Ota; MAURI, Diana. Desinstitucionalização. 2. ed.São Paulo: Hucitec, 2001. p. 17-59.; Goulart e Durães, 2010GOULART, Maria Stella B.; DURÃES, Flávio. A reforma e os hospitais psiquiátricos: histórias da desinstitucionalização. Psicologia & Sociedade, v. 22, n. 1, p. 112-120, 2010.; Guljor, 2013GULJOR, Ana Paula F. O fechamento do hospital psiquiátrico e o processo de desinstitucionalização no município de Paracambi: um estudo de caso. 2013. 356 f. Tese (doutorado em saúde pública) - Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.; Alverga e Dimenstein, 2006ALVERGA, Alex R.; DIMENSTEIN, Magda. A reforma psiquiátrica e os desafios da desinstitucionalização da loucura. Revista Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 10, n. 20, p. 299-316, jul./dez. 2006.; Amorim e Dimenstein, 2009aAMORIM, Ana K. A.; DIMENSTEIN, Magda. Desinstitucionalização em saúde mental e práticas de cuidado no contexto do serviço residencial terapêutico. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 1, p. 195-204, 2009a., 2009bAMORIM, Ana K. A.; DIMENSTEIN, Magda. Loucura e cidade: cenas biopolíticas e incursões (des)institucionalizantes. Fractal: Revista de Psicologia, v. 21, n. 2, p. 319-336, maio/ago. 2009b.; Bandeira, 1990BANDEIRA, Marina. Desinstitucionalização ou transinstitucionalização: lições de alguns países. Psicologia-Teoria e Pesquisa, v. 6, n. 2, p. 171-182, maio/ago. 1990.; Barros, 1990BARROS, Denise D. A desinstitucionalização é desospitalização ou desconstrução? Rev. Ter. Ocup ., v. 1, n. 2, p. 101-106, nov. 1990.; Liberato e Dimenstein, 2013LIBERATO, Mariana T. C.; DIMENSTEIN, Magda. Arte, loucura e cidade: a invenção de novos possíveis. Psicologia & Sociedade, v. 25, n. 2, p. 272-281, 2013.). “Desospitalização”, em um sentido abrangente, pode até se referir à retirada dos pacientes da moradia em ambiente hospitalar, sua reinserção em uma residência e nos espaços comunitários, porém com o conceito de “desinstitucionalização” é possível significar a desconstrução dos conceitos e saberes fundantes do paradigma psiquiátrico, buscando a transformação do lugar social da loucura e da diferença. Esse ponto-chave conceitual permite um olhar crítico às experiências de reforma psiquiátrica do pós-guerra, na medida em que algumas delas se restringiram à introdução de tecnologias sanitárias e assistenciais, mas não incidiram sobre os fundamentos da psiquiatria. Nesse ponto, diferenciam-se por exemplo, as experiências da psiquiatria de setor francesa e especialmente da psiquiatria preventiva norte-americana, de um lado, e as experiências da psiquiatria democrática italiana e da antipsiquiatria, de outro lado. Do mesmo modo, no campo da saúde coletiva, a crítica ao paradigma biomédico tradicional é fundamental para uma politização das intervenções no SUS e a criação de políticas de saúde realmente inclusivas. Daí a necessária diferenciação também entre o que é participação popular e controle social no SUS, por um lado, e a mera introdução de reordenações do modelo assistencial num sentido burocrático e tecnificante, sem promover a horizontalidade de poder e o fortalecimento comunitário, por outro lado.

Na medida em que não se toma a desinstitucionalização como desconstrução do dispositivo e do paradigma psiquiátricos, há grande possibilidade de produzir a gestão da loucura em serviços sanitários que não desenvolvem o trabalho cultural, isto é, acaba-se com as “instituições da violência” para criar “instituições de tolerância”. É a atualização ou metamorfose das práticas manicomiais, com aparência de novas tecnologias de “última geração”, que passam a ter lugar não mais nos manicômios e macroinstituições asilares tradicionais, mas nos serviços “abertos” e “territoriais”.

Há um constante risco de reduzir a reforma psiquiátrica a uma reorganização de serviços sanitários, e portanto de sair do manicômio e continuar reproduzindo os mecanismos do dispositivo psiquiátrico, operação que Castel (1978CASTEL, Robert. A ordem psiquiátrica: a Idade de Ouro do alienismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978. (Biblioteca de filosofia e história das ciências, n. 4).) chamou de aggiornamento, a reedição de velhos modelos maquiados como “novos”, mantendo os mesmos lugares de saber e poder e regras de funcionamento burocráticas e com pouca ou nenhuma participação dos sujeitos: “[…] Podem-se criar equipamentos psiquiátricos ágeis no seio do tecido urbano sem por isso trabalhar no campo social. Simplesmente miniaturizaram as antigas estruturas segregativas e, apesar disso, interiorizaram-nas” (Guattari, 1992GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.:195).

A simples abertura do hospital psiquiátrico não é suficiente para “abater a espessura dos muros”, é preciso inventar novas estratégias, reencontrando a cidade como espaço de habilitação social ou reabilitação, que deixa de ser um serviço ou técnica mais avançada. Para Basaglia, os melhores lugares ou formas para a reabilitação são os espaços da cidade (Amarante, 1996AMARANTE, Paulo D. C. O homem e a serpente - outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1996.:102). Controlar o circuito psiquiátrico de internação e tecer relações dos indivíduos antes institucionalizados com a vida da cidade e suas atividades tornam-se o propósito da desinstitucionalização. A história desse processo pode então chegar a ser contada não tanto pelas leis, normas, atos jurídicos, institucionais, técnicos, mas a história de muitas vidas que se transformam, “doentes” que se transformam em pessoas. Recentrar o lugar da saúde na cidade é o caminho que leva do manicômio “lugar zero” de troca e intercâmbios sociais à multiplicidade externa das relações sociais. No lugar das estruturas manicomiais, devem surgir espaços de atividade produtiva cultural e econômica, que participe da vida ativa da cidade. O exemplo da cidade italiana de Trieste é representativo desse processo, com a abertura do complexo manicomial à vida da cidade, se transformando em um parque público que também abriga cooperativas de trabalho, ateliês, bar e restaurante, alojamento de voluntários e estudantes, e centro de pesquisas em saúde mental (Dias Barros, 1994DIAS BARROS, Denise. Jardins de Abel: desconstrução do manicômio de Trieste. São Paulo: Edusp; Lemos, 1994.; Rotelli, 2000ROTELLI, Franco. Empresa social: construindo sujeitos e direitos. In: AMARANTE, Paulo. Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. p. 301-306. (Loucura & Civilização).; Rotelli e Amarante, 1992ROTELLI, Franco; AMARANTE, Paulo D. C. Reformas psiquiátricas na Itália e no Brasil: aspectos históricos e metodológicos. In: BEZERRA JUNIOR, Benilton; AMARANTE, Paulo (Org.). Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992. p. 41-55.; Amarante, 1996AMARANTE, Paulo D. C. O homem e a serpente - outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1996.; Dell’Acqua, 2014DELL’ACQUA, Peppe. Non ho l’arma che uccide il leone: la vera storia del cambiamento nella Trieste di Basaglia e nel manicômio di San Giovanni. Merano: Alpha Beta Verlag, 2014.).

5. “DE VOLTA À CIDADE, SR. CIDADÃO!”: O MOVIMENTO CULTURAL ANTIMANICOMIAL COMO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DO LUGAR SOCIAL DA LOUCURA - A LOUCURA OCUPA A CIDADE

A desconstrução da exclusão social da loucura e dos “desejos de manicômios” (Pelbart, 1986PELBART, Peter P. Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e desrazão. São Paulo: Iluminuras, 1986.) é um processo social complexo, de desmontagem do dispositivo psiquiátrico, que não pretende constituir um modelo ideal. E, por isso, não tem fim e deve ser reinventado incessantemente, na busca de produção de vida e formas de reprodução social para os sujeitos que foram privados do direito à cidade e à liberdade, o que leva à reconstrução de vida e à retomada da condição de cidadãos e sujeitos de direitos. Portanto, também leva a uma redefinição do lugar do sujeito da diferença na sociedade, para além do diagnóstico psiquiátrico, com enorme potencial na redefinição do que é a cidade e para repensar a relação da cidade com as políticas públicas.

A construção coletiva do protagonismo requer a saída da condição de “usuário-objeto” e a criação de formas concretas que produzam um “usuário-ator”, sujeito político. Isso vem ocorrendo por meio de diversas iniciativas de reinvenção da cidadania, como: associações de usuários e familiares, cooperativas sociais e grupos de economia solidária, projetos de arte e cultura, encontros e eventos do movimento da luta antimanicomial, participação em fóruns de formulação de políticas e conselhos de saúde, e muitos outros modos de promoção dos direitos humanos e da diversidade cultural, no processo de transformação do lugar social da loucura, que vai além da desconstrução das práticas de institucionalização do louco.

Uma nova visão da cidade a partir do movimento cultural da reforma psiquiátrica vai se configurando, por meio dos atos públicos e passeatas, intervenções culturais e disseminação dos debates e polêmicas pela sociedade. Como dizia o poeta Paulo Mendes Campos, “De volta à cidade, Sr. Cidadão!”.

Um primeiro aspecto da questão da relação entre cidadania e cultura é que, a partir das ciências sociais e humanas, especialmente alguns autores críticos que discutem o problema dos direitos culturais e contribuem para uma reflexão sobre a cidadania cultural (Souza, 2012SOUZA, Allan R. Direitos culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012.; Yúdice, 2004YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG, 2004.; Chauí, 1995CHAUÍ, Marilena. Cultura política e política cultural. Estudos Avançados, São Paulo, v. 9, n. 23, p. 71-84, 1995.; Santos e Chauí, 2013SANTOS, Boaventura de S.; CHAUÍ, Marilena. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013.), o sentimento de pertencimento a uma cultura ou a uma comunidade é uma condição essencial para a existência de sujeitos ativos e capazes de participar de canais de expressão e de partilhar mecanismos de reprodução social (Souza, 2012SOUZA, Allan R. Direitos culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012.:185).

Uma outra questão é relativa à colonização cultural, por meio da imposição de modelos culturais hegemônicos a culturas diferentes e a grupos sociais da diversidade cultural, considerados minoritários. Nesse sentido, a cultura se torna instrumento de resistência quando os sujeitos e grupos sociais questionam os grandes canais de informação da mídia de massa e lutam pela expressão de suas formas de pensamento e visões de mundo, bem como reivindicam a memória e a preservação de valores e patrimônios culturais, como em comunidades tradicionais e grupos étnicos.

Daí a compreensão de que é fundamental a disseminação de instrumentos e recursos que visam a defesa da diversidade cultural e o reconhecimento das diferenças. Pois sem o direito à diversidade cultural não há viabilidade concreta para o exercício da cidadania cultural, que então se torna capturada pelos mecanismos de mercado da “indústria cultural” ou pelos mecanismos de imposição cultural e modos de funcionamento de paradigmas colonizatórios. Um dos exemplos de legitimação do direito à diversidade cultural, no caso do Brasil, foi a ratificação da “Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais” (Unesco, 2006UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais. Paris: Unesco, 2006.).

Uma das políticas culturais mais importantes dos últimos anos foi concretizada por meio dos Programas “Cultura Viva” e “Pontos de Cultura”, do Ministério da Cultura (MinC), em que se valorizaram a produção e as tradições dos sujeitos da diversidade, numa visão da cultura como patrimônio público coletivo, para além do mercado do entretenimento ou dos grandes canais oficiais de expressão cultural (do meio das “celebridades” e da mídia mainstream). Os sujeitos da diversidade puderam então ter sua cultura reconhecida e valorizada, e centenas de grupos e expressões culturais se tornaram Pontos de Cultura na imensa diversidade cultural presente em nosso país. Um dos grupos da diversidade que passou a receber reconhecimento das políticas culturais foi o das pessoas em sofrimento mental.

Através do Projeto “Loucos pela Diversidade” (Amarante et al., 2008AMARANTE, Paulo D. C. et al. Loucos pela diversidade: da diversidade da loucura à identidade da cultura. Relatório final. Rio de Janeiro: Laps, 2008.), nascido de convênio entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Cultura (MinC), por meio da atuação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foi realizada em 2007 a “Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para pessoas em sofrimento mental e risco psicossocial”, uma construção de agenda participativa, com artistas, pesquisadores e militantes do movimento antimanicomial de todo o país, que representou uma grande inovação para o campo da saúde mental. Pela primeira vez, os atores da reforma psiquiátrica, pesquisadores, e fundadores e protagonistas de projetos artístico-culturais e experiências de inclusão pela cultura, são incluídos num processo de formulação de propostas e de uma agenda para orientar a elaboração de políticas culturais para as pessoas em sofrimento mental. Também o Concurso Prêmio Cultural Loucos pela Diversidade - edição “Austregésilo Carrano”, realizado em 2009, contou com mais de 400 inscritos de todas as regiões do Brasil, e premiou importantes grupos culturais e artistas, com prêmios em diferentes categorias.

Desse modo, a arte-cultura tem sido um instrumento potente para repensar o lugar social da loucura e da diferença, e sua inserção na cidade e na democracia. Por isso, a importância das experiências artístico-culturais, e dos atos públicos e intervenções culturais como formas de ocupação da cidade, de devolver à cidade os sujeitos considerados “diferentes” e que foram excluídos por não se adequarem ao padrão de normalidade socialmente aceito. O retorno à cidade tem se tornado possível graças a inúmeros eventos e produções, que têm permitido às pessoas em sofrimento mental espaços de expressão, espaços de convivência e circulação social, que em última instância têm possibilitado esse processo inédito, da loucura ocupando a cidade, com marcante protagonismo e criatividade.

Um universo de produção cultural igualmente instigante e rico tem ganhado visibilidade em diversas linguagens artísticas e expressivas, na música, no teatro, na pintura, na literatura, em rádio e TV e linguagens audiovisuais, no artesanato e moda, nos blocos carnavalescos, entre os principais. Destacam-se as seguintes experiências artístico-culturais da reforma psiquiátrica brasileira, apenas para ilustrar a multiplicidade da produção sociocultural do movimento cultural antimanicomial como importante e inovador campo de práticas e saberes para a mudança na relação social da loucura com a sociedade: na música, surgiram projetos como Harmonia Enlouquece, Grupo de Ações Poéticas Sistema Nervoso Alterado, Devotos de São Doidão, Trem Tan Tan com o artista Babilak Bah, Coral Cênico Cidadãos Cantantes, Mágicos do Som, Cancioneiros do Ipub, Grupo de Hip Hop Black Confusion, Zé do Poço e Sarieiro, Heterogênese Urbana. No teatro, destacam-se os grupos: Companhia Teatral Ueinzz, Trupe Maluko Beleza, Grupo do Teatro do Oprimido Pirei na Cenna, Companhia de Teatro Os Nômades, Companhia Teatral Nau da Liberdade; e esses são apenas alguns exemplos. Na área de rádio e TV, surgiram os pioneiros Rádio Tam Tam e TV Tam Tam e a TV Pinel, e também a TV Sã, a Rede Parabolinoica, Rádio Cala a Boca Já Morreu, Rádio Antena Virada, Rádio Web Delírio Coletivo, Rádio Maluco Beleza, e muito mais. Finalmente, os criativos blocos carnavalescos: Bloco Loucura Suburbana; Bloco Tá Pirando, Pirado, Pirou; Bloco Maluco Sonhador; Bloco Tremendo nos Nervos; Bloco Conspirados; Cordão BiBiTanTã; Ala Loucos pela X; e Loko Motiva.

Essas são experiências com grande potência de inclusão social e também de reflexão crítica para a sociedade civil, e que permitem um novo cenário no sentido de reconquistar o direito à cidade e à participação social (Siqueira-Silva et al., 2012SIQUEIRA-SILVA, Raquel et al. Reforma psiquiátrica brasileira e estética musical inclusiva. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 4, n. 8, p. 105-114, 2012.; Amarante et al., 2012AMARANTE, Paulo et al. Da diversidade da loucura à identidade da cultura: o movimento social cultural no campo da reforma psiquiátrica. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 4, p. 125-132, 2012.; Amarante e Costa, 2012AMARANTE, Paulo et al. Da diversidade da loucura à identidade da cultura: o movimento social cultural no campo da reforma psiquiátrica. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 4, p. 125-132, 2012.; Amarante e Nocam, 2012AMARANTE, Paulo D. C.; NOCAM, Fernanda (Org.). Saúde mental e arte: práticas, saberes e debates. São Paulo: Zagodoni, 2012.; Melo e Ferreira, 2011MELO, Walter; FERREIRA, Ademir P. A sabedoria que a gente não sabe. Rio de Janeiro: Espaço Artaud; Universidade Federal de São João del-Rei, 2011. p. 14-24. (Arte e Sáude Mental, n. 1).; Thomazoni e Fonseca, 2011THOMAZONI, Andresa R.; FONSECA, Tania M. G. Encontros possíveis entre arte, loucura e criação. Revista Mental, Barbacena, a. 9, n. 17, p. 605-620, jul./dez.2011.; Pelbart, 1998PELBART, Peter P. Teatro nômade. Revista de Terapia Ocupacional da USP, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 62-69, maio/ago. 1998.; Lima, 2009LIMA, Elizabeth M. F. A. Arte, clínica e loucura: território em mutação. São Paulo: Summus; Fapesp, 2009.; Lima e Pelbart, 2007LIMA, Elizabeth M. F. A.; PELBART, Peter P. Arte, clínica e loucura: um território em mutação. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. 14, n. 3, p. 709-735, 2007.; Amarante, 2015bAMARANTE, Paulo D. C. Salud mental y atención psicossocial. Madri: Grupo 5, 2015b.).

Além de todas as experiências artísticas e grupos culturais, existe uma outra dimensão nesse processo que talvez seja uma das mais especialmente transformadoras, de grande envergadura e representatividade social e política, que compreende os atos públicos, eventos científicos e culturais, reuniões de militância e outros espaços de intervenção na cidade e fóruns de debate e organização de movimentos sociais.

Um dos marcos dessa dimensão de militância e intervenção cultural foi o “II Fórum Internacional de Saúde Coletiva, Saúde Mental e Direitos Humanos”, realizado em 2008 no Rio de Janeiro. O evento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) foi intenso e movimentado, com inúmeros debates, conferências e importantes nomes do campo científico, acadêmico, técnico, mas também participação de usuários, familiares e artistas, e diversas apresentações culturais. O ponto culminante se deu no domingo de manhã, no encerramento do evento em uma passeata aberta na Praia de Copacabana, com presença de centenas de profissionais, familiares, usuários dos serviços de saúde mental, artistas e pessoas da comunidade. Foi uma grande passeata num dia de sol em uma das orlas mais famosas do Brasil, num lindo dia em que muitas pessoas caminhavam no calçadão e aproveitavam a praia. E no trio elétrico músicos tocavam as músicas autorais de composição do movimento antimanicomial (e outros sambas), com o reforço musical da bateria da Escola de Samba Caprichosos de Pilares, com porta-bandeira e mestre-sala, e passistas com figurino do samba. Por todos os lados, participantes antimanicomiais com todo tipo de fantasias, adereços, blusas com imagens e palavras de ordem, e uma multidão ganhando as ruas com visibilidade no espaço urbano. Foi uma intervenção marcante, chamada de “Teatro-Procissão”, proposta pelo Centro do Teatro do Oprimido (CTO-RJ), e que sintetiza, de forma emblemática, atos públicos e passeatas que ocorrem em todo o país há muitos anos, com grande visibilidade social e importância política, que têm ocorrido em diferentes ocasiões. Como nas comemorações do Dia Nacional da Luta Antimanicomial, o dia 18 de Maio, com eventos e desfiles em todas as regiões do país e intensa participação tomando as ruas das cidades, e promovendo o debate público e a divulgação do movimento antimanicomial, o que ocorre todos os anos há três décadas.

Outra dimensão essencial de militância, que é uma marca do processo de reforma psiquiátrica e do movimento antimanicomial no Brasil, é a da participação política, em que se destacam inúmeros acontecimentos, com ampla participação dos sujeitos em sofrimento mental e dos atores da reforma psiquiátrica, entre os quais os principais foram: as quatro Conferências Nacionais de Saúde Mental (1987, 1992, 2001, 2010); e 14 Encontros Nacionais da Luta Antimanicomial (entre 1993 e 2014). Nesse período, muitas Associações de Usuários e Familiares e Cooperativas de Trabalho foram fundadas e existem atualmente, promovendo espaços de trabalho, convivência, ressignificação de vida e inclusão social, quebrando preconceitos e estigmas. Destaca-se ainda, de forma especial, o movimento “Fora Valencius”, de repúdio à nomeação de um conhecido defensor do modelo manicomial como coordenador nacional de saúde mental. Um movimento que em 2015-2016 representou uma enorme capacidade de luta e resistência, na ocupação da sede da Coordenação Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, em Brasília, por mais de um mês, com caravanas de ônibus de militantes antimanicomiais de várias partes do Brasil.

Também são fundamentais os inúmeros cartazes, blusas, banners, faixas, imagens e todo tipo de material iconográfico, produzido e divulgado em quase 40 anos de militância, em fóruns, seminários, encontros, congressos, feiras solidárias, atos públicos, reuniões, sessões legislativas, conferências nacionais de saúde e saúde mental, e outros espaços, em que os atores do movimento têm tido uma militância singular. E que conferem características únicas ao processo brasileiro em comparação com outros processos de reforma psiquiátrica no mundo, demonstrando marcante participação política e posição crítica, com palavras de ordem como: “De Perto Ninguém é Normal”; “Trancar não é Tratar”; “Saúde não se vende, Loucura não se prende”; “Gente é pra Brilhar”; “Liberdade ainda que Tam Tam”; “De Militonto a Militante”; “Manicômio Nunca Mais”. E um dos mais importantes é o lema “Por uma Sociedade sem Manicômios”, que marca o início de uma fase de ampliação da abrangência do movimento, que em 1987 deixa de ser Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) para se tornar Movimento da Luta Antimanicomial. Toda essa produção iconográfica e militante é certamente fundamental para ampliar a visibilidade do processo de reforma psiquiátrica nas últimas décadas, e deve integrar o acervo de documentos da história do campo da saúde mental.

Não menos importantes são as exposições de arte, lançamentos de livros, saraus poéticos e musicais, e eventos múltiplos, tais como as edições do Festival da Loucura em Barbacena (que foi uma das maiores cidades manicomiais da história da psiquiatria no Brasil); as apresentações itinerantes do projeto “Loucos por Música” (com grandes artistas brasileiros e shows de abertura de artistas ou grupos do movimento antimanicomial); e shows históricos como no Projeto “Canta Loucura” na Estação das Barcas da Cantareira em Niterói (RJ). Também se destacam o Festival da Diversidade do Ipub (RJ); e ainda a Mostra “Loucura e Cultura”, evento realizado em 2005 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro, uma das mais importantes instituições culturais do país, com seminário e exposição. E finalmente o “Festival da Independência da Cultura”, ocorrido em 7 de setembro de 2010, com grupos da diversidade cultural de todo o país, como indígenas, quilombolas, grupos tradicionais e artistas da luta antimanicomial, com um grande show musical e apresentação de danças e ritmos, nos Arcos da Lapa no Rio de Janeiro.

Outros eventos dignos de registro foram os congressos e fóruns da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), fundada em 2007, com um total de cinco Congressos Brasileiros de Saúde Mental (2008, 2010, 2012, 2014, 2016) - tendo o 3o Congresso Brasileiro de Saúde Mental, de 2012, em Fortaleza, contado com mais de 7 mil participantes; e o 1o, 2o e 3o Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, em 2013 em São Paulo (SP), em 2015 em João Pessoa (PB) (com mais de três mil participantes), e em 2017 em Florianópolis (SC), quando se completaram 10 anos de fundação da Associação. Todos os oito eventos representaram momentos de grande mobilização política, com organização dos movimentos militantes, encontros, reuniões, debates, atividades e apresentações culturais de todos os tipos.

Uma das características mais marcantes dos eventos da Abrasme tem sido as apresentações e atrações culturais, com shows, performances, apresentações teatrais, exposições fotográficas e lançamentos de livros. E também especialmente a Feira de Economia Solidária, com dezenas de expositores, artesãos, empreendedores e produtores culturais, vendendo e divulgando os trabalhos mais variados de diversos tipos de cooperativas e grupos, com artesanato, comidas de inúmeros tipos, roupas, bordados, mosaicos, pinturas, acessórios, reciclagem de materiais, souvenirs, livros, blusas, produtos artesanais, entre outros.

O movimento cultural da reforma psiquiátrica compreende os grupos e projetos artístico-culturais em atividade, em diferentes linguagens artísticas (e que funcionam como espaços de inclusão, trabalho, convivência e produção cultural); mas também inclui as intervenções culturais urbanas, no espaço público, a ocupação da cidade, os atos públicos e passeatas, as comemorações do 18 de maio em todo o Brasil todos os anos, e a produção sociocultural (filmes, livros, peças, composições, shows, espetáculos, exposições, performances, feiras solidárias etc.). Esse movimento cultural da reforma psiquiátrica demonstra uma força e uma contundência na crítica à exclusão da loucura que ultrapassam a mera política assistencialista aos “desvalidos”, se mostrando como um pujante movimento de transformação política e como clara experiência de geração de tecnologias de inovação social para as políticas públicas, no sentido de repensar o direito à cidade.

Para a reforma psiquiátrica, nesse sentido abrangente e militante, é preciso ocupar a cidade, ocupar os espaços culturais, não mais dentro do hospício, nem em espaços sanitários ou psicopedagógicos. É preciso retornar ao espaço público, permitir a voz à loucura que foi silenciada pelo manicômio e pela repressão psiquiátrica. E desse modo a loucura ocupa a cidade e rompe com a hegemonia do padrão de normalidade compulsória e com a apatia política do indivíduo pós-moderno, recuperando o sentido fundamental do que significa a cidade como espaço democrático.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: DO MANICÔMIO AO TERRITÓRIO: AUTONOMIA E LIBERDADE NA INCLUSÃO SOCIAL DA DIFERENÇA E DA DIVERSIDADE

Com o nascimento da psiquiatria e do manicômio na modernidade, por meio do princípio do “isolamento terapêutico” e do modelo das instituições asilares, produziu-se um processo de institucionalização do louco e de constituição da noção de “doença mental” como verdade sobre a loucura. E, consequentemente, foi produzida uma concepção e uma visão social da loucura como erro, incapacidade, inferioridade e periculosidade, o que retirou a loucura da cidade e o louco do horizonte do convívio social, excluindo as pessoas em sofrimento mental do direito ao trabalho, ao lazer, à cultura, e aos espaços de representação social e política, portanto, da participação no pacto social.

Com as experiências internacionais de reforma psiquiátrica do pós-guerra, no século XX, muitas críticas e inovações nas formas de lidar com a loucura inauguram a possibilidade de superação do modelo psiquiátrico manicomial. Esse movimento se dá por meio da defesa da liberdade, da convivência, do direito à expressão, visando a saída dos manicômios para a vida na cidade, buscando o questionamento sobre as hierarquias e relações de poder e submissão, e o questionamento sobre o conceito de doença mental, entre outros pontos fundamentais. A reforma psiquiátrica no Brasil, por se iniciar mais tardiamente no quadro internacional, se instrumentalizou com o conhecimento acumulado, se beneficiando dos erros e acertos de outras experiências. Além disso, foi construída por diferentes atores numa trajetória singular, como um processo social inovador que é mais amplo do que a reorientação das políticas públicas do campo da saúde mental; isto é, constituindo-se como um processo de transformação da relação social com a loucura e a diferença. Desse modo, destacam-se dois aspectos: a crítica do ponto de vista epistemológico, isto é, crítica à noção de doença mental como incapacidade e crítica ao conceito de “transtorno mental”; e a crítica do ponto de vista das políticas de saúde mental e serviços de atenção psicossocial, por meio de uma recusa dos serviços de saúde mental que sejam de controle, vigilância, repressão ou sequestro, que, quando em funcionamento, configuram uma permanência do modelo manicomial.

Portanto, podemos afirmar que no Brasil, a reforma psiquiátrica se constituiu, desde as suas raízes, como um movimento social de construção de um novo discurso e uma nova prática no lidar com a loucura e o sofrimento mental, fora do discurso psicopatológico e contra a exclusão social dos sujeitos em crise ou vulnerabilidade psicossocial, e a favor de uma sociedade sem manicômios. Os marcos históricos e a vasta produção iconográfica, artística, militante, do movimento antimanicomial no Brasil demonstram que a reforma psiquiátrica nasce das bases políticas de crítica ao autoritarismo e pela liberdade, e se consolida como movimento social de reivindicação de direitos de cidadania, de inclusão das pessoas “diferentes” e sob o signo dos direitos humanos.

Em quatro décadas de mudanças o cenário se alterou profundamente, com o fechamento de mais de 70 mil leitos manicomiais, dos 100 mil leitos no início da década de 1980, restando menos de 30 mil. E nesse processo de mudança, a construção de uma rede de dispositivos e serviços de saúde mental e atenção psicossocial, estratégias de residencialidade, de trabalho e geração de renda, de participação social e militância, espaços de convivência, solidariedade e exercício da liberdade, acesso à cultura, ao lazer, e a redes de suporte social diversas. Todas essas inovações podem ser entendidas como modos de refletir de uma forma ampla sobre a garantia do direito à cidade para as pessoas em sofrimento mental, e uma concepção abrangente de políticas públicas que inclui os movimentos sociais e a participação política como essenciais à inclusão da diferença e aos processos democráticos. A Rede de Atenção Psicossocial (Raps) teve uma expansão notável no país, com a constituição de mais de 2.200 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), em todas as regiões, e também de Residências Terapêuticas, Cooperativas de Trabalho e Economia Solidária, Centros de Convivência e Cultura, apoio matricial na Atenção Básica, Unidades de Acolhimento, equipes de Consultório na Rua, entre os principais dispositivos substitutivos (Brasil, 2015BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Mental em Dados 12., Brasília, a. 10, n. 12, 2015. Informativo eletrônico Disponível em: <Disponível em: http://www.mhinnovation.net/sites/default/files/downloads/innovation/reports/Report_12-edicao-do-Saude-Mental-em-Dados.pdf >. Acesso em: 10 abr. 2018.
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).

No entanto, certamente existem no cenário atual profundos desafios e paradoxos para os processos de reforma psiquiátrica, que incluem o subinvestimento na rede pública, especialmente em tempos de “crise” política e social e governo conservador; e uma clara tendência de imposição de interesses remanicomializantes e institucionalizantes, ligados à mercantilização da saúde. E ainda as limitações em avançar em pontos fundamentais como a formação e condições de trabalho para a articulação da Rede de Atenção Psicossocial com os serviços de Atenção Básica, que por sua vez continuam pressionados por um forte viés medicalizante, e muitas vezes com uma grande rejeição ao acolhimento dos casos de saúde mental. O que aponta para a necessidade de investimento em Apoio Matricial, na articulação da Saúde Mental com a Atenção Básica. Este ponto se destaca como uma fronteira problemática no avanço dos processos de mudança, se apresentando como um dos principais desafios para uma reorientação do modelo assistencial em curso, que tem a Atenção Básica como ordenadora do cuidado em saúde.

Outro ponto importante é que as experiências inovadoras da reforma psiquiátrica, na desinstitucionalização, e no campo do trabalho, da cultura e da inclusão social, podem ser consideradas modelos para refletir sobre a formulação de políticas públicas que promovam o fortalecimento da participação comunitária nas decisões sobre as políticas de saúde. Mas tem havido uma tendência a uma limitação atual, com uma dominância do retorno ao modelo biomédico, que constitui o risco de pouca interferência dos usuários de serviços de saúde e saúde mental nas decisões sobre os tratamentos de saúde.

E, por fim, tem havido uma recorrente permanência dos sujeitos em sofrimento mental no interior das instituições ditas “abertas”, produzindo uma nova institucionalização nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). E que muitas vezes correm o risco de se tornar espaços “protegidos”, com forte tendência ao fechamento e à priorização dos protocolos tradicionais como medicação psicofarmacológica, consultas psiquiátricas e restrição às atividades internas à instituição. Além disso, também há o risco de se relegar a um segundo plano a participação e o acolhimento dos familiares, e a intervenção comunitária para transformar o estigma relacionado com a loucura psiquiatrizada.

Nesse contexto, o papel dos Caps passa a ser o de buscar sempre a tendência à abertura, à construção de possibilidades no território, no bairro, na vizinhança, e de diálogo com os movimentos sociais e grupos da diversidade cultural. E também de buscar a intersetorialidade e espaços transversais da cidade em alternativa à repetição de respostas técnico-sanitárias, e portanto de desconstruir a saída óbvia ou fácil dos protocolos tradicionais. E, especialmente, a tarefa de acolher e fomentar os coletivos militantes, de politizar os processos de transformação. Nessa direção é possível encontrar o legado do movimento antimanicomial para o campo da saúde coletiva.

Todos esses elementos podem ser relacionados com as dificuldades em ocupar a cidade e promover políticas de articulação com a vida urbana e o tecido social e comunitário. Nesse sentido, as inovações da reforma psiquiátrica no Brasil trazem grandes contribuições para repensarmos o SUS e seus fundamentos democráticos, por meio da compreensão das implicações das formas de participação social que foram discutidas, para o fortalecimento da diretriz e princípio da participação da comunidade na construção e consolidação do SUS, fundado na promoção dos direitos humanos e na luta por inclusão social e o direito à diversidade cultural.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2017
  • Aceito
    03 Abr 2018
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