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A influência do contexto na implantação de um projeto de cidade inteligente: o caso Cidade Inteligente Búzios

Resumo

O crescimento da população urbana é reconhecido como uma tendência que desafia a administração das cidades ao redor do mundo. Nesse contexto, vários avanços nas tecnologias de informação e comunicação (TICs) vêm sendo desenvolvidos para transformar gradualmente os centros urbanos em cidades inteligentes. Por meio deste artigo, procuramos contribuir para preencher uma lacuna de conhecimento na literatura atual sobre cidades inteligentes — a falta de dados empíricos em trabalhos sobre esse assunto — investigando um projeto que visa transformar o município de Búzios no Brasil em uma smart city, denominado Cidade Inteligente Búzios (CIB). Assim, o objetivo deste artigo é descrever e entender a controversa influência do contexto na implantação do projeto, já que o empreendimento foi considerado um sucesso por alguns atores, e, ao mesmo tempo, irrelevante por outros, o que desafia o próprio conceito de sucesso na implantação de cidades digitais.

Palavras-chave:
smart city; teoria ator-rede; Cidade Inteligente Búzios; sucesso em projeto; desenvolvimento urbano

Abstract

The growth of urban population is widely acknowledged to be a central trend that poses challenges for the administration of cities worldwide. In this context, several advances in information and communication technologies (ICTs) have been developed to gradually transform urban centers into smart cities. In this article, we seek to contribute to filling a knowledge gap in the literature on smart city - namely the lack of empirical data in works on this subject - by investigating a project aimed at turning the municipality of Búzios in Brazil into a smart city, named Cidade Inteligente Búzios (CIB). Our objective is, thus, to describe and understand the controversial influence of the context in the implementation of the project, which was considered a success for some actors and irrelevant for others, a situation that defies the very concept of success in the implementation of smart cities.

Keywords:
smart city; actor-network theory; cidade inteligente Búzios; project success; urban development

Resumen

El crecimiento de la población urbana es reconocido como una tendencia que desafía a la administración de las ciudades de todo el mundo. En este contexto, varios avances en las tecnologías de la información y la comunicación (TIC) se han desarrollado para transformar gradualmente centros urbanos en ciudades inteligentes. En este artículo, intentamos llenar a un vacío de conocimiento en la literatura actual sobre ciudades inteligentes, la ausencia de dados empíricos en trabajos sobre el tema, investigando el proyecto de transformación de la ciudad de Búzios en Brasil en una ciudad inteligente, denominado Cidade Inteligente Búzios (CIB). Así, tenemos el objetivo de plantear y entender la controvertida influencia del contexto en el desarrollo dese proyecto, puesto que el emprendimiento ha sido considerado un suceso por algunos actores, mientras como irrelevante por los otros, lo que desafía el propio concepto de suceso en la implantación de ciudades inteligentes.

Palabras clave:
smart city; teoría actor-red; Cidade Inteligente Búzios; suceso en proyecto; desarrollo urbano.

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a crescente concentração da população nas áreas urbanas nos países desenvolvidos e em desenvolvimento tornou-se uma tendência mundial. De fato, a partir de 2007, a população urbana global começou a exceder a população rural global, com um crescimento exponencial de pessoas vivendo em cidades no mundo todo (United Nations, 2015UNITED NATIONS. World urbanization prospects: the 2014 revision. Department of Economic and Social Affairs - Population Division. New York: United Nations, 2015.). Dessa forma, as Nações Unidas (United Nations, 2015UNITED NATIONS. World urbanization prospects: the 2014 revision. Department of Economic and Social Affairs - Population Division. New York: United Nations, 2015.) estimam que até 2050 quase 70% da população total estará vivendo em áreas urbanas. No entanto, o crescimento urbano acelerado e não planejado representa uma forte ameaça para o desenvolvimento sustentável das cidades (Chourabi et al., 2012CHOURABI, Hafedh et al. Understanding smart cities: an integrative framework. In: HAWAII INTERNATIONAL CONFERENCE ON SYSTEM SCIENCES, 45., 2012, Hawaii. Proceedings… Washington: IEEE, 2012. p. 2289-2297.). Neste contexto, vários avanços nas tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm sido propostos para aliviar tal tensão e transformar os centros urbanos em cidades inteligentes (Sarkar, 2015SARKAR, Alankrita N. Significance of smart cities in 21st century: an international business perspective. Focus: Journal of International Business, v. 2, n. 2, p. 54-82, 2015.).

Na literatura contemporânea, o termo cidade inteligente recebeu diversas definições (Ramaprasad et al., 2017). Resumidamente, podemos conceituar a cidade inteligente como um “ambiente urbano que, apoiado por sistemas espalhados de TIC, é capaz de oferecer serviços avançados e inovadores ao cidadão, a fim de melhorar a sua qualidade vida” (Piro et al., 2014PIRO, Giuseppe et al. Information centric services in smart cities. Journal of Systems and Software, v. 88, p. 169-188, 2014.:169). Idealmente, iniciativas de cidades inteligentes apresentarão soluções mais eficientes e econômicas para os problemas urbanos, que vão desde a mobilidade ao uso de energia, emissões de CO2 e eficiência de uso de recursos (March e Ribera-Fumaz, 2016MARCH, Hug; RIBERA-FUMAZ, Ramon. Smart contradictions: the politics of making Barcelona a self-sufficient city. European Urban and Regional Studies, v. 23, n. 4, 2016.).

Apesar da ideia de cidade inteligente ter sido majoritariamente celebrada pela bibliografia acadêmica especializada em políticas públicas e think-tanks (e.g., Caragliu et al., 2011CARAGLIU, Andrea; BO, Chiara D.; NIJKAMP, Peter. Smart cities in Europe. Journal of Urban Technology, v. 18, n. 2, p. 45-59, 2011.; Sarkar, 2015SARKAR, Alankrita N. Significance of smart cities in 21st century: an international business perspective. Focus: Journal of International Business, v. 2, n. 2, p. 54-82, 2015.), existe um corpo literário emergente que critica essa visão triunfalista dominante (e.g., Vanolo, 2013VANOLO, Aalbeto. Smartmentality: the smart city as disciplinary strategy. Urban Studies, v. 51, p. 883-898, 2013.; Thrift, 2014THRIFT, Nigel. The “sentient” city and what it may portend. Big Data & Society, v. 1, n. 1, p. 1-21, 2014.). Esse segundo grupo de autores argumenta que a cidade inteligente é uma ideia um tanto nebulosa, que vem sendo desenhada em um nível imaginário, com grandes visões utópicas de futuros urbanos incapazes de se materializar (March e Ribera-Fumaz, 2016MARCH, Hug; RIBERA-FUMAZ, Ramon. Smart contradictions: the politics of making Barcelona a self-sufficient city. European Urban and Regional Studies, v. 23, n. 4, 2016.). Além disso, alguns pesquisadores ainda observaram que os discursos das cidades inteligentes abraçam a retórica das visões “práticas” e o “senso comum” para aumentar o apelo da cidade inteligente junto às agendas políticas contemporâneas no cenário global (Gibbs et al., 2013GIBBS, David; KRUEGER, Rob; MACLEOD, Gordon. Grappling with smart city politics in an era of market triumphalism. Urban Studies, v. 50, n. 11, p. 2151-2157, 2013.).

Contudo, essa literatura crítica, vital para combater a visão simplista das cidades inteligentes, apresenta algumas deficiências que inibem a compreensão e a reformulação da agenda acadêmica sobre esse assunto (Kitchin, 201KITCHIN, Rob. Making sense of smart cities: addressing present shortcomings. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, v. 8, n. 1, p. 131-136, 2015.5). Por exemplo, devido às condições preexistentes, o processo de urbanização em lugares diferentes apresenta potencialidades e desafios distintos (Fleury et al., 2008FLEURY, Sonia; SUBIRATS, Joan; BLANCO, Ismael. Respuestas locales a inseguridades globales. Innovación y cambios en Brasil y España. Interrogar la actualidad Serie América Latina. Barcelona: Fundació Cidob, 2008.). No entanto, dada a ausência de estudos de casos empíricos de iniciativas inteligentes específicas, a literatura frequentemente apresenta exemplos canônicos e narrativas generalistas (o mesmo que serve para um, servirá para todos os casos) (Bulkeley et al., 2016BULKELEY, Harriet; MCGUIRK, Pauline M.; DOWLING, Robyn. Making a smart city for the smart grid? The urban material politics of actualising smart electricity networks. Environment and Planning, v. 48, n. 9, p. 1709-1726, 2016.). Nesse sentido, Glasmeier e Christopherson (2015)GLASMEIER, Amy; CHRISTOPHERSON, Susan. Thinking about smart cities. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, v. 8, n. 1, p. 3-12, 2015. argumentam que a contribuição da comunidade acadêmica para a evolução das discussões sobre a cidade do futuro dependerá da produção de estudos empíricos sólidos, detalhados e eficazes em retratar os diferentes processos de transformação urbana.

Assim, procuramos responder ao apelo supramencionado por estudos de caso empíricos sólidos de iniciativas específicas de cidades inteligentes, empregando a teoria ator-rede (TAR) para examinar um projeto de cidade inteligente chamado Cidade Inteligente Búzios (CIB). Em particular, procuramos descrever e investigar a influência desafiadora do contexto na implementação do projeto CIB e, por consequência, compreender por que o projeto de cidade inteligente analisado foi considerado um sucesso para alguns atores, enquanto irrelevante para outros, desafiando, assim, o próprio conceito de sucesso na implementação de cidades inteligentes.

Estruturamos este artigo da seguinte forma: na seção 2, apresentamos a revisão da literatura sobre cidade inteligente e TAR. Em seguida, na seção 3, descrevemos o método de pesquisa. Na seção 4, explicamos o contexto no qual o projeto CIB foi desenvolvido e, na seção 5, examinamos a implementação desse projeto do ponto de vista da TAR. A seção 6, por sua vez, é dedicada a discutir os resultados obtidos no estudo de caso. Finalmente, na seção 7, apresentamos nossas considerações finais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Cidade Inteligente

O aumento acelerado da população urbana em todo o mundo tem levantado uma variedade de problemas técnicos, sociais, econômicos e organizacionais (gerenciamento de resíduos, escassez de recursos, congestionamento de tráfego, poluição e aumento da desigualdade social) que tendem a comprometer a sustentabilidade econômica e ambiental das cidades (Neirotti et al., 2014HRUSCHKA, Daniel et al. Reliability in coding open-ended data: lessons learned from HIV behavioral research. Field Methods, v. 16, n. 3, p. 307-331, 2004.). Nesse contexto, surgiu o conceito de cidade inteligente, no qual novas soluções baseadas em tecnologia, bem como novas abordagens para o planejamento e o estilo de vida urbano, pretendem assegurar a viabilidade futura e a prosperidade para as áreas metropolitanas (Chourabi et al., 2012CHOURABI, Hafedh et al. Understanding smart cities: an integrative framework. In: HAWAII INTERNATIONAL CONFERENCE ON SYSTEM SCIENCES, 45., 2012, Hawaii. Proceedings… Washington: IEEE, 2012. p. 2289-2297.).

No início dos anos 1990, quando o termo “cidade inteligente” foi usado pela primeira vez, pretendia-se destacar a importância das novas TIC para superar os desafios das cidades dentro de uma economia do conhecimento global (Chourabi et al., 2012CHOURABI, Hafedh et al. Understanding smart cities: an integrative framework. In: HAWAII INTERNATIONAL CONFERENCE ON SYSTEM SCIENCES, 45., 2012, Hawaii. Proceedings… Washington: IEEE, 2012. p. 2289-2297.). Mais recentemente, o conceito de cidade inteligente foi ampliado à medida que os acadêmicos reconheceram que fatores como capital humano/educação e questões ambientais também são os impulsionadores da melhoria de uma cidade. Desta forma, Neirotti e colaboradores (2014HRUSCHKA, Daniel et al. Reliability in coding open-ended data: lessons learned from HIV behavioral research. Field Methods, v. 16, n. 3, p. 307-331, 2004.) propõem que uma cidade inteligente é composta por dois domínios, a saber, “duro” e “suave”. Enquanto no domínio duro as TIC podem desempenhar um papel decisivo na melhoria dos sistemas urbanos (por exemplo, edifícios residenciais e de escritórios, gestão de energia e água, gestão de resíduos, transportes, mobilidade e logística), no domínio suave, as TIC têm papel mais limitado (por exemplo, educação, cultura, inovações políticas, inclusão social e governo).

De acordo com Nam e Pardo (2011)NAM, Taewoo; PARDO, Theresa A. Conceptualizing smart city with dimensions of technology, people, and institutions. In: ANNUAL INTERNATIONAL DIGITAL GOVERNMENT RESEARCH CONFERENCE ON DIGITAL GOVERNMENT INNOVATION IN CHALLENGING TIMES, 12., 2011, Nova York. Proceedings…New York: ACM Press, 2011. p. 282-291., uma cidade inteligente representa a inovação da cidade em gestão e política, bem como tecnologia. Assim, consideram a cidade inteligente um laboratório vivo para experimentos, que necessariamente envolvem riscos inevitáveis (gerados por novos ensaios não testados). Da mesma forma, Tironi e Sánchez-Criado (2015)TIRONI, Martin; SÁNCHEZ CRIADO, Tomas. Of sensors and sensitivities. Towards a cosmopolitics of “smart cities”? Tecnoscienza: Italian Journal of Science & Technology Studies, v. 6, n. 1, p. 89-108, 2015. argumentam que a principal estratégia de desenvolvimento de projetos de cidades inteligentes consiste em estudos- piloto, permitindo que grandes empresas testem protótipos tecnológicos e de serviços, realizando diferentes formas de “laboratórios urbanos” para testar e demonstrar a durabilidade e integração “social” de seus produtos e serviços.

Apesar do pesado investimento corporativo na promoção do conceito, modelos e aplicações de negócios de cidades inteligentes, os projetos de implementação geralmente revelam muito mais incertezas do que certezas, seus dispositivos tecnológicos são mais especulativos e exploratórios do que de caráter decisivo ou definitivo (Tironi e Sánchez-Criado, 2015TIRONI, Martin; SÁNCHEZ CRIADO, Tomas. Of sensors and sensitivities. Towards a cosmopolitics of “smart cities”? Tecnoscienza: Italian Journal of Science & Technology Studies, v. 6, n. 1, p. 89-108, 2015.). Ou seja, os benefícios reais das iniciativas de cidade inteligente até agora são inconclusivos, já que a maioria dos casos ainda não alcançou um nível bem definido de solidificação e estabilização como um sistema sociotécnico fechado (Thrift, 2014THRIFT, Nigel. The “sentient” city and what it may portend. Big Data & Society, v. 1, n. 1, p. 1-21, 2014.).

Curiosamente, com a notável exceção de alguns trabalhos (Greenfield, 2013GREENFIELD, Adam. Against the smart city. New York: Do projects, 2013.; Klauser e Albrechtslund, 2014KLAUSER, Francisco R.; ALBRECHTSLUND, Anders. From self-tracking to smart urban infrastructures: towards an interdisciplinary research agenda on big data. Surveillance & Society, v. 12, n. 2, p. 273, 2014.; Luque-Ayala e Marvin, 2015LUQUE-AYALA, Andres; MARVIN, Simon. Developing a critical understanding of smart urbanism? Urban Studies, v. 52, n. 12, p. 2105-2116, 2015.), a compreensão atual da cidade inteligente, que apresenta uma ênfase indevida nas soluções tecnológicas e que desconsidera o domínio político, carece de uma perspectiva crítica. Assim, para alguns autores, a cidade inteligente pode ser interpretada como mais uma vertente na consolidação dos circuitos dominantes do capital e uma governamentalidade neoliberal (Vanolo, 2013VANOLO, Aalbeto. Smartmentality: the smart city as disciplinary strategy. Urban Studies, v. 51, p. 883-898, 2013.) ou como uma nova forma governamental (Gabrys, 2014GABRYS, Jennifer. Programming environments: environmentality and citizen sensing in the smart city. Environment and Planning D: Society and Space, v. 32, n. 1, p. 30-48, 2014.).

Para Luque-Ayala e Marvin (2015)LUQUE-AYALA, Andres; MARVIN, Simon. Developing a critical understanding of smart urbanism? Urban Studies, v. 52, n. 12, p. 2105-2116, 2015., a pesquisa sobre cidade inteligente não discutiu as contradições que emergem do conceito “cidade inteligente” ou a diferença de interpretação desse conceito entre o Norte e o Sul globais; tampouco considerou o potencial que emerge desses contextos para desenvolver formas de conhecimento e de subjetividade opostas e contestadas.

No Brasil, percebemos que a maioria das pesquisas sobre cidades inteligentes segue uma abordagem dupla. Uma vertente aborda as questões tecnológicas relacionadas com as implementações de cidades inteligentes (Borja e Gama, 2014BORJA, Rafael; GAMA, Kiev. Middleware para cidades inteligentes baseado em um barramento de serviços. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, 10., 2014, Londrina. Anais… Londrina: SBSI, 2014. p. 584-590.), bem como propõe modelos de maturidade para avaliar tais iniciativas (Gama et al., 2012GAMA, Kiev; ALVARO, Alexandre; PEIXOTO, Eduardo. Em direção a um modelo de maturidade tecnológica para cidades inteligentes. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, 8., 2012, São Paulo. Anais... São Paulo: SBSI, 2012.). Por outro lado, a segunda vertente descreve e discute a implementação de empreendimentos de cidades inteligentes no Brasil (Weiss et al., 2015VANOLO, Aalbeto. Smartmentality: the smart city as disciplinary strategy. Urban Studies, v. 51, p. 883-898, 2013.; Weiss et al., 2017WALSHAM, Geoff. Are we making a better world with ICTs? Reflections on a future agenda for the IS field. Journal of Information Technology, v. 27, n. 2, p. 87-93, 2012.). No entanto, notamos que ambas as abordagens não têm uma visão crítica das cidades inteligentes, estando muito focadas na questão tecnológica de uma cidade inteligente. Há ainda poucos trabalhos recentes que abordam esse campo do conhecimento de uma perspectiva crítica (Weiss e Consoni, 2017WALSHAM, Geoff. Are we making a better world with ICTs? Reflections on a future agenda for the IS field. Journal of Information Technology, v. 27, n. 2, p. 87-93, 2012.) e mais holística, como o papel das cidades inteligentes em uma nova administração pública e modelo de governança (Madeira et al., 2017MADEIRA, Gilberto S.; GUIMARAES, Tor; MENDES, Leonardo S. Construindo governança eletrônica de cidades: um modelo de implementação de soluções para inovação e otimização da gestão pública. Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, v. 16, n. 2, p. 55-71, 2017.).

Portanto, em busca dessa perspectiva crítica, parece ser de suma importância analisar a influência do contexto nas implementações de cidades inteligentes no Brasil (Avgerou, 2001AVGEROU, Chrisanthi. The significance of context in information systems and organizational change. Information Systems Journal, v. 11, n. 1, p. 43-63, 2001., 2008), sendo isto o que pretendemos fazer abordando o projeto CIB neste trabalho.

2.2 Teoria ator-rede (TAR)

Conforme observado por Nam e Pardo (2011NAM, Taewoo; PARDO, Theresa A. Conceptualizing smart city with dimensions of technology, people, and institutions. In: ANNUAL INTERNATIONAL DIGITAL GOVERNMENT RESEARCH CONFERENCE ON DIGITAL GOVERNMENT INNOVATION IN CHALLENGING TIMES, 12., 2011, Nova York. Proceedings…New York: ACM Press, 2011. p. 282-291.), uma visão sociotécnica é necessária para alcançar uma compreensão profunda e completa dos projetos de cidades inteligentes. Nesse sentido, como a TAR possibilita enquadrar a análise da interação entre tecnologia e sociedade no meio termo em meio a duas abordagens conflitantes (determinismo tecnológico e determinismo social), ela é inteiramente adequada à pesquisa sociotécnica (Díaz Andrade e Urquhart, 2010DÍAZ ANDRADE, Antonio; URQUHART, Cathy. The affordances of actor network theory in ICT for development research. Information Technology & People, v. 23, n. 4, p. 352-374, 2010.)

Tipicamente, a TAR retrata a sociedade como uma rede sociotécnica (ator-rede) onde os objetos técnicos participam na construção constante de redes heterogêneas que reúnem atores de todos os tipos (Murdoch, 1997MURDOCH, Jonathan. Inhuman/nonhuman/human: actor-network theory and the prospects for a nondualistic and symmetrical perspective on nature and society. Environment and Planning D: Society and Space, v. 15, n. 6, p. 731-756, 1997.). Na perspectiva da TAR, atores humanos e não humanos são considerados sem distinção (Américo e Takahashi, 2014), de modo que qualquer pessoa ou dispositivo que seja capaz de impor sua linguagem a outros pode ser considerado ator em uma rede (Latour, 2005LATOUR, Bruno. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford: Oxford University Press, 2005.). Além disso, o número de conexões que um ator tem com diferentes atores e redes determina o que o ator é e o que ele ou ela pode fazer por meio de uma série de negociações (Latour, 2005LATOUR, Bruno. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford: Oxford University Press, 2005.).

O conceito de tradução, amplamente usado em estudos da TAR, “é o mecanismo pelo qual os mundos social e natural progressivamente tomam forma” (Callon, 1986CALLON, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fisherman of St Brieuc Bay. In: LAW, John (Ed.). Power action and belief a new sociology of knowledge. London: Routledge, 1986. p. 196-223.:206). Ou seja, o sucesso na implementação de algum projeto é alcançado pela tradução dos diversos atores envolvidos em tal projeto em um objetivo comum, chamado ponto de passagem obrigatória (PPO) (Fornazin e Joia, 2015FORNAZIN, Marcelo; JOIA, Luiz A. Remontando a rede de atores na implantação de um sistema de informação em saúde. Revista de Administração de Empresas, v. 55, n. 5, p. 527-538, 2015.). Segundo Callon (1986CALLON, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fisherman of St Brieuc Bay. In: LAW, John (Ed.). Power action and belief a new sociology of knowledge. London: Routledge, 1986. p. 196-223.), o processo de tradução compreende quatro momentos: problematização, “interessamento”, engajamento e mobilização, como mostra a figura 1.

Estabelecer a rede requer que as quatro etapas sejam realizadas integralmente; caso contrário, nunca se estabiliza (Díaz Andrade e Urquhart, 2010). O resultado desse processo é uma situação na qual certas entidades controlam as outras, que são persuadidas a agir de acordo com os requisitos da rede.

Figura 1
Processo de tradução

A TAR segue a perspectiva crítico-interpretativa (Walsham, 1997WALSHAM, Geoff. Are we making a better world with ICTs? Reflections on a future agenda for the IS field. Journal of Information Technology, v. 27, n. 2, p. 87-93, 2012.; Pozzebon, 2004POZZEBON, Marlei. Conducting and evaluating critical interpretative research: examining criteria as a key component in building a research tradition. In: KAPLAN, Bonnie et al. (Ed). Information systems research: relevant theory and informed practice. Boston: Springer, 2004. p. 275-292.; Mitev e Howcroft, 2011MITEV, Nathalie; HOWCROFT, Debra. Post-structuralism, social shaping of technology, and actor-network theory: what can they bring to IS research? In: GALLIERS, Robert D.; CURRIE, Wendy L. The Oxford handbook of management information systems: critical perspectives and new directions. Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 292-323.). Embora a TAR não tenha uma faceta crítica explícita quando usada para reconstruir uma rede sociotécnica e as ações de seus componentes sem se recusar a dar como certas as distinções a priori, ela lança uma luz crítica sobre o que é assumido e mundano, bem como sobre o status quo atual (Doolin e Lowe, 2002DOOLIN, Bill; LOWE, Alan. To reveal is to critique: actor-network theory and critical information systems research. Journal of Information Technology, v. 17, n. 2, p. 69-78, 2002.). Assim, as controvérsias surgem, por exemplo, das diferenças entre os interesses dos diversos interessados sobre a implementação de um projeto tecnológico. Dessa forma, trabalhos científicos utilizando a TAR têm como objetivo retratar uma realidade que pode levar os leitores a uma reflexão crítica (Klecún, 2004).

Nesse sentido, no Brasil, Ramos (2009RAMOS, Eduardo A. A. Remontando a política pública: a evolução da política nacional de informática analisada pela ótica da teoria do ator-rede. 2009. Thesis (Doctor Degree) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2009.) analisou a rede de atores associados à política nacional de informática entre 1960 e 2009. Além disso, Andrade (2013)ANDRADE, Andre S. C. G. Trajetórias de implantação do Projudi à luz da teoria ator-rede. 2013. Thesis (Doctor Degree) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro. investigou como o sistema de processos eletrônicos se disseminava entre os tribunais de justiça. Além disso, os modelos teóricos existentes também foram ajustados por meio de observações empíricas interpretadas pela abordagem da TAR (Teles e Joia, 2011TELES, Adonai; JOIA, Luiz A. Assessment of digital inclusion via the actor-network theory: the case of the Brazilian municipality of Piraí. Telematics and Informatics, v. 28, n. 3, p. 191-203, 2011.; Cavalheiro e Joia, 2014CAVALHEIRO, Gabriel M. C.; JOIA, Luiz A. Examining the implementation of a European patent management system in Brazil from an actor-network theory perspective. Information Technology for Development, v. 22, n. 2, p. 220-241, 2014.). Esses trabalhos, com forte caráter empírico, produziram contribuições relevantes e críticas para a compreensão da trajetória dos projetos tecnológicos no Brasil.

Em nosso ponto de vista, o principal mérito da TAR para este estudo é que, ao rastrear a história da tradução, ela nos permite observar os objetivos díspares dos atores, que acabaram levando ao fracasso em estabelecer uma rede de atores conforme planejado pelo patrocinador do projeto. Como as cidades inteligentes são laboratórios para experimentos, seus resultados não podem ser previstos em termos definidos. Assim, rastreando as interações entre humanos e não humanos via TAR, somos capazes de compreender o papel do contexto na implementação do projeto CIB e o processo de negociação — caracterizado pela resistência e comprometimento simultâneos — sobre sua implementação.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Essencialmente, este trabalho adotou o método de estudo de caso associado à teoria ator-rede. Em suma, um estudo de caso examina um fenômeno em seu ambiente natural, empregando múltiplos métodos de coleta de dados para recolher informações de uma ou mais entidades (Stake, 1995STAKE, Robert E. The art of case study research. Thousand Oaks: Sage Publications, 1995.).

Stake (2006) identifica três tipos de estudo de caso, ou seja, intrínseco, instrumental e múltiplo. O caso CIB pode ser considerado intrínseco e instrumental. Stake (1995STAKE, Robert E. The art of case study research. Thousand Oaks: Sage Publications, 1995.) usa o termo intrínseco quando os pesquisadores têm um interesse genuíno no próprio caso. Assim, o caso em análise não é escolhido principalmente porque representa outros casos ou revela um traço ou problema particular, mas porque temos interesse no próprio caso devido à sua particularidade e comunalidade (Gregor, 2006GREGOR, Shirley. The nature of theory in information systems. MIS Quarterly, v. 30, n. 3, p. 611-642, 2006.). No entanto, o caso CIB também pode ser considerado instrumental, porque um esforço é feito por nós, autores, para revelar conhecimento relevante e acionável que pode ser transferível para outros contextos semelhantes (Avgerou, 2008AVGEROU, Chrisanthi. The significance of context in information systems and organizational change. Information Systems Journal, v. 11, n. 1, p. 43-63, 2001.; Diniz et al., 2012DINIZ, Eduardo; BIROCHI, Rene; POZZEBON, Marlei. Triggers and barriers to financial inclusion: the use of ICT-based branchless banking in an Amazon county. Electronic Commerce Research and Applications, v. 11, n. 5, p. 484-494, 2012.).

Além disso, abraçamos neste artigo uma perspectiva qualitativa fundamentada em um paradigma crítico-interpretativo. Embora os estudos de caso crítico-interpretativos não compartilhem valores positivistas, eles também estão sujeitos a critérios para garantir sua qualidade (Pozzebon, 2004). Como tal, desenvolvemos este estudo considerando a lista de quatro critérios de Pozzebon (2004POZZEBON, Marlei. Conducting and evaluating critical interpretative research: examining criteria as a key component in building a research tradition. In: KAPLAN, Bonnie et al. (Ed). Information systems research: relevant theory and informed practice. Boston: Springer, 2004. p. 275-292.) para conduzir e avaliar uma pesquisa crítico-interpretativa, a saber: autenticidade, plausibilidade, criticidade e reflexividade (quadro 1).

Quadro 1
Indicadores de qualidade de pesquisa crítico-interpretativa

3.1 Coleta de dados

Latour (2005LATOUR, Bruno. Reassembling the social: an introduction to actor-network theory. Oxford: Oxford University Press, 2005.:68) define o funcionamento da TAR como “seguir os atores em sua tecelagem através de coisas que eles adicionaram às habilidades sociais, de modo a tornar mais duráveis as interações em constante mudança”.

Assim, reunimos um extenso material empírico sobre a implementação do projeto CIB, incluindo entrevistas semiestruturadas, observações, documentação interna da empresa (por exemplo, relatórios, registros de reuniões, pesquisas) e informações publicamente disponíveis sobre o projeto e sua implementação. De fato, desde o início de nossa pesquisa, a empresa (Ampla) foi muito aberta e receptiva, fornecendo informações.

No total, 21 entrevistas semiestruturadas foram realizadas para esta pesquisa, incluindo entrevistas com líderes políticos, pessoas diretamente envolvidas em projetos relacionados com o CIB, representantes da sociedade civil, pesquisadores e comerciantes. No texto, rotulamos os entrevistados como Ii, onde i = 1 a 21 e suas citações como Qj, onde j identifica a ordem da citação coletada.

Escolhemos os entrevistados via técnica de bola de neve. Inicialmente, contatamos o gerente de projeto de cidade inteligente, bem como alguns habitantes locais. Então eles indicaram outras pessoas para entrevistarmos. As entrevistas foram realizadas entre dezembro de 2015 e março de 2017, com duração de 40 a 90 minutos, sendo todas gravadas e transcritas na íntegra.

Em uma pesquisa qualitativa, a qualidade dos dados é mais importante que o número de entrevistas (McCracken, 1988MCCRACKEN, Grand. The long interview. London: Sage, 1988.); portanto, paramos de entrevistar com base na estratégia de saturação, ou seja, quando novos entrevistados não poderiam nos fornecer novas informações (Bauer e Aarts, 2002BAUER Martin W; AARTS Bas. A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In: BAUER, M.; GASKELL, G. (Org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 39-63.).

No quadro 2, apresentamos informações das 21 entrevistas realizadas.

Quadro 2
Entrevistas realizadas1 1 Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <www.cieds.org.br/>.

3.2 Análise de dados

Antes de começar a explicar como conduzimos a análise dos dados, precisamos nos apresentar aos leitores para atender ao critério de reflexividade da pesquisa crítico-interpretativa (quadro 1).

Primeiro, conhecemos muito Armação dos Búzios (também conhecida como Búzios) por ser um destino turístico de um país subdesenvolvido. Em outras palavras, o contexto não é desconhecido para nós, pelo contrário. Além disso, temos trabalhado com a TAR por um longo tempo principalmente associado à pesquisa ICT4D (Informação e Comunicação para o Desenvolvimento). Assim, desenvolvemos uma visão muito crítica sobre a imitação, em países em desenvolvimento, de iniciativas bem-sucedidas de TIC realizadas em países desenvolvidos. Em resumo, acreditamos que o contexto é de suma importância nos esforços de implementação de TIC, uma crença que também é apoiada por Avgerou (2001AVGEROU, Chrisanthi. The significance of context in information systems and organizational change. Information Systems Journal, v. 11, n. 1, p. 43-63, 2001., 2008). Além disso, seguindo as ideias de Sen (2001SEN Amartya. Development as freedom. Oxford: Oxford Paperbacks, 2001.), também desafiamos o conceito de “desenvolvimento” e o papel das TIC nisso (Walsham, 2012WALSHAM, Geoff. Are we making a better world with ICTs? Reflections on a future agenda for the IS field. Journal of Information Technology, v. 27, n. 2, p. 87-93, 2012.). Em poucas palavras, acreditamos que o “desenvolvimento” é uma construção social imposta pelo Norte Global ao Sul Global, sendo as TIC um facilitador crítico desse desenvolvimento. Com base nisso, e sendo uma cidade inteligente um conceito tecnocêntrico desenvolvido pelo Norte Global (Greenfield, 2013GREENFIELD, Adam. Against the smart city. New York: Do projects, 2013.), estamos cientes de nosso possível e potencial viés ao interpretar os dados coletados e gerar nossas descobertas. A fim de contrabalançar isso, pedimos a colegas “tecno-evangelistas” para ler e criticar nosso manuscrito. No entanto, estamos conscientes de que nosso preconceito pode persistir. Com isso em mente, apresentamos a seguir como analisamos os dados coletados.

Como mencionado anteriormente, usamos o TAR como o dispositivo analítico para examinar a implementação do projeto de cidade inteligente. Para tanto, apuramos as quatro etapas que compõem o processo de tradução (figura 1), a fim de identificar os mecanismos que estabeleceram a rede sociotécnica dos diversos atores heterogêneos associados à implementação do projeto CIB. Para isso, desenvolvemos um esquema de codificação baseado em famílias de códigos que refletem diferentes aspectos dos quatro estágios do processo de tradução. Dessa forma, conseguimos vincular os dados coletados, ou seja, entrevistas semiestruturadas, nossas anotações baseadas em observações, documentação interna da empresa (por exemplo, relatórios, registros de reuniões, pesquisas) e informações publicamente disponíveis sobre o projeto para as fases do processo de tradução da TAR, como mostrado na figura 1.

A confiabilidade e concordância da avaliação devem ser parte do desenvolvimento de esquemas de codificação para dados qualitativos, a fim de garantir aos leitores de que os dados são sólidos (Hruschka et al., 2004HRUSCHKA, Daniel et al. Reliability in coding open-ended data: lessons learned from HIV behavioral research. Field Methods, v. 16, n. 3, p. 307-331, 2004.). Portanto, analisamos a capacidade discriminante do esquema de codificação. Isso envolve determinar o quão bem os trechos escolhidos poderiam prontamente e sem ambiguidade ser categorizados em um dos estágios da tradução da TAR (Kurasaki, 2000KURASAKI, Karen S. Intercoder reliability for validating conclusions drawn from open-ended interview data. Field Methods, v. 12, n. 3, p. 179-194, 2000.). Dessa forma, resolvemos então a questão da unitização (Krippendorff, 1995). Esse problema surge quando partes dos trechos requerem a interpretação subjetiva do codificador. Esse é um problema na medida em que codificadores diferentes podem unificar o mesmo texto de maneira diferente, pois podem discordar sobre quais segmentos do texto estão associados a um estágio particular do processo de tradução da TAR (Kurasaki, 2000KURASAKI, Karen S. Intercoder reliability for validating conclusions drawn from open-ended interview data. Field Methods, v. 12, n. 3, p. 179-194, 2000.). Particularmente em situações como a nossa, onde codificamos respostas livres para perguntas abertas, identificar a unidade apropriada de análise pode ser difícil. Assim, pedimos a terceiros que têm conhecimento sobre a TAR para reproduzir o que fizemos. Utilizamos o software Atlas.ti para nos ajudar nessa empreitada (Friese, 2014FRIESE, Susane. Qualitative data analysis with ATLAS. ti. London: Sage, 2014.).

Por fim, a fim de garantir a qualidade desta pesquisa crítico-interpretativa, adotamos várias técnicas, conforme revelado no quadro 3.

Quadro 3
Técnicas de análise de dados adotadas

Dito isso, podemos agora descrever o caso e discuti-lo vis-à-vis nossas descobertas.

4. O CASO: CIDADE INTELIGENTE BÚZIOS (CIB)

Situada no norte do estado do Rio de Janeiro, a cidade de Armação dos Búzios, conhecida localmente como apenas “Búzios”, situa-se na microrregião de Lagos, a cerca de 173 quilômetros de distância da capital do estado (IBGE, 2010IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro, 2010. Available at: <http://cidades.ibge.gov.br>. Accessed on: 1 Apr. 2016.
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). A cidade compreende uma área de 70.278 km2 e uma população de aproximadamente 27.560 habitantes (IBGE, 2010IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro, 2010. Available at: <http://cidades.ibge.gov.br>. Accessed on: 1 Apr. 2016.
http://cidades.ibge.gov.br...
). Búzios tornou-se reconhecida como uma cidade emancipada em 1995 — até então, era considerada um distrito do Município de Cabo Frio (Guimarães, 2015GUIMARÃES, Airton. Búzios/Brasil: inesquecível. Unforgetlable. Inolvidable. Belo Horizonte: Edição do Autor, 2015.).

A economia de Búzios gira em torno dos royalties do petróleo, da especulação imobiliária e do turismo, que é comumente apontado como a “vocação” da cidade (Freitas, 2014FREITAS, João Alcantara. Cidade Inteligente Búzios: entre paradigmas e percepções. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2014.). De fato, Búzios é reconhecido internacionalmente como um dos pontos turísticos mais cobiçados do Brasil devido às suas praias maravilhosas e ensolaradas, seu mar e sua natureza exuberante (Guimarães, 2015GUIMARÃES, Airton. Búzios/Brasil: inesquecível. Unforgetlable. Inolvidable. Belo Horizonte: Edição do Autor, 2015.). Todos os anos a cidade atrai um público variado de turistas nacionais e internacionais, que injetam receitas em Búzios, impulsionando sua economia. Por exemplo, a prefeitura de Búzios estimou que 150 mil turistas passaram a véspera de Ano-Novo de 2015 na cidade (Ascom, 2015ASCOM. Réveillon de Búzios terá queima de fogos e festa com DJs. Búzios: Prefeitura, 2015. Available at: <Available at: http://buzios.rj.gov.br/noticia/reveillon-de-buzios-tera-queima-de-fogos-e-festa-com-djs-2 >. Accessed on: 4 Apr. 2016.
http://buzios.rj.gov.br/noticia/reveillo...
), multiplicando várias vezes o número de pessoas no município em questão de apenas alguns dias.

Em 2011, um concessionário de distribuição de energia elétrica da holding Enel Brasil — Ampla Energia e Serviços S.A. — lançou um projeto (Cidade Inteligente Búzios — CIB) que visava transformar Armação dos Búzios na primeira cidade inteligente da América Latina (Fortes et al., 2015FORTES, Marcio Z. et al. Power quality analysis for dg in smart city búzios. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON ELECTRICITY DISTRIBUTION, 23., 2015, Lyon. Proceedings…Lyon: Cired, 2015.). Assim, essa empresa decidiu fazer do município um laboratório vivo de cidade inteligente, semelhante aos que existem em Málaga (Espanha) e Masdar (Abu Dhabi) (KPMG, 2012KPMG. Infrastructure 100: world cities edition. Amstelveen: KPMG, 2012.).

O projeto do CIB foi originalmente proposto como uma resposta às exigências regulatórias federais do mercado brasileiro de eletricidade. De fato, desde 2000, os concessionários de distribuição de energia elétrica que operam no Brasil, como a Ampla, são obrigados por lei a investir anualmente pelo menos 0,75% de sua receita operacional líquida em projetos de P&D (Aneel, 2012ANEEL. Manual do programa de pesquisa e desenvolvimento tecnológico do setor de energia elétrica. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica, 2012.). Esses recursos financeiros substanciais podem ser gastos no próprio setor de P&D da empresa ou para patrocinar estudos realizados em universidades e centros de pesquisa. Além disso, esses investimentos são regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), agência reguladora ligada ao Ministério de Minas e Energia. Para cumprir essa obrigação, as empresas devem enviar seus projetos à Aneel. Quando o projeto é fechado, a Aneel realiza uma avaliação cuidadosa dos resultados alcançados e das despesas incorridas para decidir se deve aprová-lo total ou parcialmente, reconhecendo (ou não) os investimentos realizados (Aneel, 2012ANEEL. Manual do programa de pesquisa e desenvolvimento tecnológico do setor de energia elétrica. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica, 2012.).

Além disso, de tempos em tempos, a Aneel abre uma chamada para um tipo específico de projeto de P&D, denominado projeto estratégico. Tais projetos estratégicos compreendem estudos e desenvolvimentos que coordenam e integram a geração de novos conhecimentos tecnológicos em um subtema de grande relevância para o setor elétrico brasileiro (Aneel, 2012). Em suma, essas chamadas dizem respeito a projetos de P&D mais complexos e dispendiosos, apoiados por I8 no depoimento seguinte: “Projetos estratégicos são projetos enormes... Às vezes, a concessionária precisa gastar mais dinheiro... ‘Ah, eu preciso gastar 50 milhões ...’, então eles desenvolvem um projeto estratégico” (Q1).

Reconhecendo uma tendência mundial no setor elétrico para a implementação de smart grids (SG), a Aneel promoveu em 2010 uma chamada pública para a implementação de um Programa Estratégico de P&D chamado “Programa Brasileiro de Redes Inteligentes” (Aneel, 2010ANEEL. Chamada no 011/2010 - Projeto estratégico: Programa Brasileiro de Rede Elétrica Inteligente. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica, 2010.). Tal programa visava a migração tecnológica do setor elétrico brasileiro do estágio atual para a adoção integral do conceito do SG em todo o país.

Assim, a Ampla registrou o CIB na Aneel em 31/10/2011 como um projeto estratégico. O CIB foi realizado entre novembro de 2011 e outubro de 2016 e custou mais de 20 milhões de dólares. Mais da metade desse valor foi patrocinado pelos recursos financeiros que a Ampla precisava investir por lei em P&D.

5. IMPLEMENTAÇÃO DO CIB VIA TAR

Para examinar o caso da CIB, adotamos os quatro momentos inter-relacionados da tradução, a saber: problematização, “interessamento”, engajamento e mobilização (Callon, 1986).

5.1 Problematização

Alinhado ao conceito de problematização (Callon, 1986CALLON, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fisherman of St Brieuc Bay. In: LAW, John (Ed.). Power action and belief a new sociology of knowledge. London: Routledge, 1986. p. 196-223.), a Ampla formulou a hipótese de implantar o projeto cidade inteligente em Búzios, baseado em reuniões iniciais do projeto e nas informações apresentadas na chamada pública da Aneel para projetos estratégicos de P&D em redes inteligentes.

Em agosto de 2011, a Ampla submeteu uma proposta de projeto denominada Projeto Cidade Inteligente Búzios para a avaliação inicial da Aneel. Essa proposta previa a obtenção de conhecimentos valiosos sobre os custos de implantação da SG, operação, infraestrutura, impactos econômicos e socioambientais, adaptabilidade de equipamentos e identificação de novas linhas de desenvolvimento tecnológico. Além disso, a Ampla argumentou que as SGs representam o principal elemento para o desenvolvimento de cidades inteligentes. Como tal, esse projeto enquadra-se no conceito internacional de cidade inteligente como sustentável, racional e eficiente (Ampla, 2014AMPLA. Cidade Inteligente Búzios. 2014. Available at: <Available at: http://www.cidadeinteligentebuzios.com.br/institucional/ >. Accessed on:31 Mar. 2016.
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). O projeto-piloto teve um amplo escopo, com investimentos relevantes e a participação de quase 40 profissionais. Assim, em outubro de 2011, a Aneel emitiu um parecer favorável e em seguida a Ampla começou a implementar o CIB.

No site institucional, o projeto CIB é definido da seguinte forma:

A construção do futuro começa hoje. Com inovação, tecnologia e sustentabilidade, a Ampla se prepara para superar desafios e construir um mundo melhor. Búzios é um destino turístico internacionalmente reconhecido e foi escolhido para abrigar um novo modelo de gestão de energia. Está sendo instalada uma rede inteligente que integrará as tecnologias tradicionais com soluções digitais modernas para melhorar a flexibilidade do sistema elétrico e o gerenciamento de informações. Nessa cidade inteligente, o cidadão está no centro da transformação. {Ampla, 2014AMPLA. Cidade Inteligente Búzios. 2014. Available at: <Available at: http://www.cidadeinteligentebuzios.com.br/institucional/ >. Accessed on:31 Mar. 2016.
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}

Além de cumprir os regulamentos da Aneel que definem níveis mínimos de investimento em P&D, os objetivos da Ampla com o projeto CIB também incluíam aproveitar os benefícios potenciais do projeto (técnico, financeiro e operacional), melhorar a capacidade tecnológica da empresa e adquirir experiências, que poderiam ser replicadas em outras áreas de concessão da Ampla no Brasil, fortalecendo assim seu relacionamento com seus clientes.

Segundo Callon (1986)CALLON, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fisherman of St Brieuc Bay. In: LAW, John (Ed.). Power action and belief a new sociology of knowledge. London: Routledge, 1986. p. 196-223., ao longo da problematização, o iniciador define os interesses e os papéis dos outros atores; os interesses definidos devem ser consistentes com os do iniciador. No caso do projeto CIB, a Ampla (a iniciadora) procurou definir os interesses e os papéis do prefeito de Búzios, instituições externas (universidades e centros de pesquisa) e os habitantes da cidade, que também eram clientes da Amplas.

Desde o início, a Ampla assumiu que seu projeto tornaria Búzios um laboratório vivo para experimentos e testes de novas tecnologias e serviços (KPMG, 2012KPMG. Infrastructure 100: world cities edition. Amstelveen: KPMG, 2012.). Assim, a Ampla pretendia atrair instituições externas de pesquisa (universidade ou centro de pesquisa) ávidas por gerar conhecimento científico e técnico e capazes de desenvolver as novas tecnologias propostas pelo projeto (Ampla, 2014AMPLA. Cidade Inteligente Búzios. 2014. Available at: <Available at: http://www.cidadeinteligentebuzios.com.br/institucional/ >. Accessed on:31 Mar. 2016.
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).

Além disso, para implementar o projeto em Búzios, a Ampla precisaria de aprovações e engajamento do prefeito da cidade. Enquanto isso, a Ampla formulou a hipótese de que, como líder político, o prefeito gostaria de estar associado ao projeto da cidade inteligente, bem como aos benefícios que sua implementação poderia trazer aos seus eleitores.

Por fim, na definição dos projetos de cidade inteligente, os cidadãos (os clientes da Ampla) devem estar no centro da transformação da cidade. Portanto, a Ampla também mapeou a população de Búzios como ator. É importante observar que, neste momento, a população era mais uma entidade abstrata interessada na melhoria da qualidade de vida em Búzios por meio da implementação do projeto CIB.

Em resumo, durante a fase de problematização, a Ampla estava interessada em participar da chamada pública da Aneel para projetos de P&D em SG, melhorando a capacidade tecnológica da empresa. Assim, eles introduziram o CIB como uma ferramenta indispensável para atingir esse objetivo e construíram uma equipe multidisciplinar com o objetivo de monitorar sistematicamente o projeto. Além disso, na implementação do projeto, foram definidas as identidades dos outros atores: instituições externas de pesquisa, o prefeito e a população. Dessa forma, como mostra a figura 2, a Ampla definiu o CIB como um Ponto Obrigatório de Passagem (PPO), para o qual os demais atores devem se movimentar para atingir seus objetivos e, consequentemente, a implementação bem-sucedida do projeto CIB. A declaração a seguir apresentada pelo I1 da Ampla suporta o que foi dito:

O projeto CIB deve estar no centro de nossa operação aqui em Búzios. Precisamos envolver todas as partes interessadas nesse esforço, criando resultados que lhes interessem. Espero que num futuro próximo toda comunidade sinta o projeto CIB indispensável para suas vidas. {Q2}

Assim, no quadro 4 apresentamos os depoimentos (Qi) revelados pelos entrevistados (Ii), descrevendo como eles suportam o desenvolvimento da figura 2.

Figura 2
Problematização do Projeto CIB

Quadro 4
Depoimentos — fase da problematização do projeto CIB

5.2 “Interessamento”

Após formular hipóteses sobre as identidades dos atores e seus objetivos, a Ampla desenvolveu uma série de “dispositivos de interessamento”2 2 Dispositivos de “intereressamento ” também são chamados de “inscrições” no vocabulário da TAR (Alcadipane e Tureta, 2009). ---- ALVES, Maria E. Projeto Cidade Inteligente implantado em Búzios é destaque em ranking internacional. O Globo, Rio de Janeiro, 7 ago. 2012. --- CAVALCANTE, V. Sebrae premia prefeitos mais empreendedores do Estado do Rio. Imprensa RJ, Rio de Janeiro, 25 abr. 2012. --- COMUNICA Búzios. Sebrae RJ elege Mirinho Braga o segundo maior prefeito empreendedor do Estado. Comunicabuzios, Rio de Janeiro, 26 abr. 2012. Disponível em: <https://comunicabuzios.wordpress.com/2012/04/26/sebrae?rj?elege?mirinho?braga?o?segndo?maior?prefeito?empreendedor?do?estado>. Acesso em: 24 abr. 2016. ou inscrições, para convencer os demais atores de que os interesses definidos pela empresa estavam de fato alinhados aos seus próprios interesses.

Desde julho de 2011, o setor de relações públicas da Ampla se dedicou a anunciar a intenção da empresa de transformar Búzios na primeira cidade inteligente da América Latina. O projeto foi lançado em um evento pomposo no Palácio Guanabara (sede do governo do estado do Rio de Janeiro), com a participação do governador, do vice-governador, do então prefeito de Búzios e do presidente da Ampla. Nesse evento, foi assinado um acordo entre a Ampla, a prefeitura de Búzios e o governo do estado (Sicsu, 2011SICSU, L. Programa “cidade inteligente - búzios” é lançado no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Subsecretaria de Comunicação Social - Imprensa RJ, 2011.).

Logo após seu lançamento, o projeto CIB e seus resultados potenciais foram destacados na cobertura da mídia nacional. Além disso, em 2012, a KPMG classificou o CIB como um dos 10 projetos de infraestrutura urbana mais inovadores do mundo (KPMG, 2012KPMG. Infrastructure 100: world cities edition. Amstelveen: KPMG, 2012.). Dada essa visibilidade positiva do projeto, não foi surpresa a intenção do prefeito de estar associado ao CIB, como já destacado no Q7 do quadro 4. Um fato que merece atenção foi a desinformação sobre a autoria do projeto. Reunimos vários jornais e revistas de 2011 e 2012, sugerindo que o projeto era liderado pelo prefeito de Búzios na época.3 3 CRISTIANE, Renata. Inauguração posto Consciência EcoAmpla em Búzios. RC24H, Rio de Janeiro, 19 abr. 2012. Disponível em: <http://rc24h.com.br/noticias/ver/2250/inauguracao-posto-consciencia-ecoampla-em-buzios>. Acesso em: 24 abr. 2016.

Para executar o projeto, a Ampla definiu nove blocos de pesquisa (conforme apresentado no quadro 5) e criou equipes internas responsáveis por cada um desses blocos. Além disso, instituições externas (universidades ou centros de pesquisa) foram convidadas/contratadas para desenvolver pesquisas nesses nove blocos.

Quadro 5
Blocos de pesquisa abordados no Projeto CIB

No entanto, de acordo com um funcionário da Ampla no setor de P&D e Inovação (I10), apesar da definição dos blocos técnicos anteriormente mencionados, a empresa queria que o projeto CIB fosse considerado e gerenciado como um único projeto: “A Ampla queria ser o centro do projeto. Queríamos estar no comando de todas as atividades do projeto e queríamos que a população enxergasse o CIB como uma iniciativa única” (Q10).

Portanto, eles desenvolveram uma estrutura de integração dos blocos de pesquisa, como mostrado na figura 3.

Figura 3
Estrutura e integração dos blocos de pesquisa do projeto

Conforme retratado na figura 3, os blocos de pesquisa foram ligados, tornando-se dependentes de outros blocos, exigindo assim a cooperação entre as instituições externas. Para promover essa cooperação, além de patrocinar a pesquisa, a Ampla adotou uma política de dados abertos, permitindo que os dados do projeto fossem utilizados para gerar publicações científicas e técnicas, como pode ser observado no depoimento estabelecido por I1: “Em relação ao projeto CIB, decidimos na Ampla adotar uma política de dados abertos para todas as partes interessadas, a fim de que eles possam usar nossos dados para produzir pesquisas, bem como desenvolver um ambiente colaborativo” (Q11).

Com o objetivo de melhor definir o papel da população local no projeto CIB, o bloco de desenvolvimento social organizou um seminário em março de 2012 para amadurecer o conceito de cidade inteligente do projeto. Eles definiram que a cidade inteligente de Búzios deveria ir além dos investimentos em inovação tecnológica, promovendo melhor qualidade de vida, maior participação popular, gestão pública mais transparente e maior proteção ambiental. De acordo com os registros desse seminário, eles (bloco de desenvolvimento social) passaram a considerar o seguinte conceito de cidade inteligente:

Uma cidade inteligente é o resultado da cidadania participativa de pessoas orgulhosas de serem protagonistas do processo de integração tecnológica que favorece o desenvolvimento sustentável. A cidade se reinventa de uma nova consciência social, ambiental e econômica, promove o bem-estar e é feliz.4 4 Relatório intitulado “Motivação do Bloco Integração e Desenvolvimento Social” (Ampla, 2015).

Conforme explicado pelo diretor brasileiro de Desenvolvimento Socioeconômico e Sustentabilidade da Enel (I2): “Quando você faz uma mudança, traz a tecnologia para uma área urbana, certamente está afetando o estilo de vida das pessoas, a economia local... você afeta várias coisas. E se essas pessoas — a comunidade — não estiverem envolvidas, podem rejeitá-lo ” (Q12).

Em seguida, com o papel da população mais bem definido, a Ampla contratou uma das instituições externas mencionadas anteriormente, o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds), para desenvolver um “dispositivo de interessamento”, chamado rede sustentável de relacionamentos, capaz de engajar a população da região no projeto de cidade inteligente. Tal rede funcionaria como um canal de comunicação e articulação contínua em torno das questões relativas ao desenvolvimento de Búzios como cidade inteligente. Uma atenção especial foi dada para a melhoria de alguns aspectos da cidade, são eles: o capital social, a sustentabilidade e a inovação. Vários atores locais foram envolvidos nessa rede, como associações e ONGs. Conforme explicado por I3: “Então, a ideia era fomentar uma rede de compartilhamento de informações sobre o processo que estava acontecendo, para que pudessem usufruir e opinar” (Q13).

5.3 Engajamento

“O ‘interessamento’ alcança o engajamento se for bem-sucedido” (Callon, 1986:206). Após introduzir os dispositivos de “interessamento” ou inscrições, a Ampla passou a testar suas hipóteses formuladas na fase de problematização do projeto a respeito dos atores.

A suposição da Ampla de que o prefeito desejaria estar envolvido no projeto do CIB estava inicialmente certa. De fato, de acordo com nossas observações, o prefeito estava sempre disponível para conhecer e discutir o projeto com a empresa. Na verdade, ele fez questão de receber os gerentes da Ampla e acompanhá-los em todas as visitas técnicas que fizeram a Búzios. Por outro lado, a empresa começou a melhorar a infraestrutura da cidade, alterando parte da iluminação pública para luminárias de tecnologia LED, instalando os medidores inteligentes e promovendo práticas de reciclagem.

Uma das primeiras iniciativas que deram visibilidade ao projeto smart city dentro da cidade foi a cerimônia de inauguração da estação Consciência EcoAmpla, com a presença dos gerentes da Ampla, do prefeito de Búzios e da secretária de Meio Ambiente de Búzios. A ideia da Consciência EcoAmpla era promover a prática de reciclagem na cidade. A Ampla trocaria lixo reciclável por bônus nas contas de energia elétrica. Assim, em abril de 2012, foi inaugurada uma estação de coleta de resíduos no Horto Municipal de Búzios, onde não apenas os moradores, mas também o comércio e os hotéis poderiam entregar o lixo reciclável, obtendo descontos em suas contas de luz.

Também em 2012, a Ampla construiu em Búzios um centro de monitoramento e pesquisa (sede do projeto), que funcionou como laboratório, além de um centro de visitação e exposição de serviços e dispositivos desenvolvidos pelo projeto CIB. O evento de abertura desse centro contou com a presença do presidente da Ampla, do presidente da Aneel e do prefeito de Búzios. Ademais, jornalistas, empresários e investidores também foram convidados para essa cerimônia, para que pudessem conhecer o projeto que transformaria Búzios “na primeira cidade inteligente da América Latina”.

Até a cerimônia de abertura do centro de monitorização e pesquisa, 222 medidores inteligentes de energia (de um total de 10 mil) e 60 luminárias LED para iluminação pública (de um total de 150) já haviam sido instalados. Além disso, alguns pontos para a geração de energias renováveis (solar e eólica) já estavam em pleno funcionamento. Já o centro de monitoramento contava com uma estação de recarga elétrica, um carro e duas bicicletas elétricas para os testes iniciais. Ao passo que na rua das Pedras, ponto mais badalado da cidade, visitantes e residentes podiam desfrutar de um acesso gratuito à internet wi-fi.

No entanto, a Ampla não foi capaz de prever que o então prefeito de Búzios não seria reeleito como prefeito nas eleições de 2012, comprometendo o engajamento da prefeitura alcançado até o momento. Como explicado por I1: “O projeto começou no governo do prefeito anterior e o prefeito que venceu as eleições de 2012 era do partido de oposição. Então, para ser sincero, para ele seria até bom se o projeto não desse certo” (Q14).

Assim, em 2013, a Ampla não só perdeu o engajamento da prefeitura, como também teve que enfrentar a resistência do novo prefeito. Por exemplo, assim que o novo governo tomou posse, eles tentaram sabotar a estação Consciência EcoAmpla. Como dito por I4:

A equipe da Secretaria de Meio Ambiente da cidade que trabalhava na estação mantinha em um caderno o registro da quantidade de lixo que cada pessoa entregava. Esta informação era então entregue à Ampla para que eles pudessem dar o bônus nas contas de luz correspondentes. Logo após a posse do novo prefeito, as pessoas perceberam que não estavam recebendo os descontos esperados em suas contas. As pessoas começaram a reclamar muito, e o programa de reciclagem da Ampla perdeu a credibilidade. Mas o que realmente aconteceu foi que o caderno com o registro do lixo entregue pelas pessoas desapareceu e a Ampla foi mal informada pelo secretariado sobre o desconto que deveria dar em cada conta. {Q15}

Portanto, a associação com o ex-prefeito, definida em problematização, acabou produzindo efeitos negativos. O novo prefeito recusou-se a desempenhar o papel atribuído a ele. Ele definiu sua identidade e objetivo de outra maneira, exigindo assim que a Ampla reiniciasse uma nova série de negociações. Como mencionado por I2:

A gente tinha feito, claro, uma parceria com o primeiro governo. E quando houve a troca, houve problema. Porque o prefeito atual, ele simplesmente rejeitou inicialmente o projeto da cidade inteligente, porque ele achou que a gente estava apoiando politicamente o antigo prefeito, quando na verdade não era nada disso. Então, até mostrar para ele que não, que nosso trabalho era técnico, levou um tempinho. {Q16}

Enquanto a Ampla estava se esforçando para trazer a Prefeitura de volta ao projeto, o bloco de Integração e Desenvolvimento Social do projeto do CIB estava trabalhando duro para envolver os cidadãos de Búzios no projeto. Conforme observado por I2: “No início, as pessoas mostravam resistência porque a qualidade do nosso fornecimento era muito ruim. Então, as pessoas começaram a perguntar o que a Ampla queria com o projeto. Uma relação de desconfiança. O que a Ampla está tentando ganhar aqui?” (Q17).

Em abril de 2013, o Cieds promoveu um evento para o lançamento da rede sustentável de relacionamento mencionada anteriormente. Representantes de 32 organizações locais (das 40 convidadas) enviaram presentes para a reunião, que também contou com a presença da equipe da Ampla e da mídia local, totalizando cerca de 100 pessoas. Como I3 lembra: “A princípio notei uma desconfiança entre as pessoas... Mas depois de algum tempo e do desenvolvimento da rede, elas começam a enxergar as oportunidades” (Q18).

Em relação ao engajamento de instituições externas para desenvolver pesquisas tecnológicas, a Ampla assumiu certo de que estariam interessadas em desenvolver e publicar estudos sobre o projeto CIB. O Cieds conseguiu envolver 238 colaboradores e pesquisadores que acabaram publicando 52 artigos em periódicos acadêmicos e anais de congressos. Por outro lado, a Ampla teve alguma dificuldade em integrar toda essa pesquisa técnica com o bloco Integração e Desenvolvimento Social. Como mencionado por I9:

Para ser honesto, no começo eu sentia um pouco raiva dos projetos sociais. Nós, os engenheiros, somos condicionados a pensar apenas no lado tecnológico. Passei umas duas semanas em Búzios escolhendo os telhados mais bem posicionados para a instalação de painéis fotovoltaicos. E depois de todo esse esforço, vieram as pessoas do Cieds e disseram que não deveria ser assim... que também precisávamos pensar sobre o legado do projeto para a comunidade local... Que devíamos procurar por edifícios como escolas públicas para favorecê-los com nossa tecnologia, mesmo que estes não fossem os telhados mais bem posicionados. Enfim, tivemos que fazer algumas mudanças em nossos projetos, mas no final eu já pensava diferente. Eu acho que foi muito bom entrar em contato com a comunidade local e reconhecer que uma cidade inteligente não é apenas sobre capitalismo e tecnologia. {Q19}

Portanto, devido ao contexto local, a cooperação entre os blocos envolveu algumas negociações. A Ampla desenvolveu workshops de acompanhamento regulares sobre o projeto, nos quais os representantes de cada bloco de pesquisa deviam compartilhar suas conquistas e os problemas que enfrentavam. Essas reuniões acabaram sendo inscrições poderosas para construir um espírito de equipe CIB, além de reforçar o papel das instituições de pesquisa na rede.

6. MOBILIZAÇÃO

Quem fala em nome de quem? Quem representa quem? Segundo Callon (1986)CALLON, Michel. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fisherman of St Brieuc Bay. In: LAW, John (Ed.). Power action and belief a new sociology of knowledge. London: Routledge, 1986. p. 196-223., essas questões cruciais deveriam ser respondidas para que o projeto liderado pela Ampla fosse bem-sucedido. Como mencionado anteriormente, a Ampla primeiro estabeleceu um relacionamento com o então prefeito de Búzios. Depois que ele não foi reeleito no final de 2012, ele não podia mais falar em nome da prefeitura de Búzios. De fato, a associação da Ampla com o prefeito anterior prejudicou o desenvolvimento do projeto. Consequentemente, a Ampla teve que trabalhar ainda mais, não apenas para estabelecer um novo relacionamento com o novo prefeito, mas também para apagar os vestígios deixados pela associação com o antigo. Dessa forma, os gerentes de projeto passaram a definir o projeto da cidade inteligente como apolítico, visando apenas o benefício da população de Búzios, como podemos perceber pelo depoimento Q16 mencionado.

No final, a Ampla conseguiu ter alguma aceitação da Prefeitura, mas não um engajamento total como fora inicialmente. Por exemplo, percebemos que o novo prefeito de Búzios permitiu que a Ampla instalasse painéis fotovoltaicos em três escolas municipais, o que, por sua vez, reduziria as contas de eletricidade das escolas. Enquanto isso, a Ampla ministrou uma série de palestras sobre eficiência energética e o projeto do CIB para professores e alunos das escolas. Em abril de 2014, o prefeito participou de um evento promovido pela Ampla, onde a empresa doou seis bicicletas elétricas do projeto CIB para serem utilizadas pelas iniciativas de combate contra a dengue (uma doença tropical infecciosa).

Por outro lado, percebemos que o atual prefeito de Búzios nunca incentivou sua secretaria a participar das reuniões da rede sustentável, nem deu qualquer crédito ao trabalho desenvolvido nessas reuniões. De acordo com o I15, representante de uma organização na rede, a principal questão da Prefeitura foi que as autoridades públicas de Búzios começaram a percebê-las (as pessoas dentro da rede) como concorrentes.

Quando as reuniões da rede começaram a levantar muitas ideias novas, como o desenvolvimento de um novo plano ambiental para a cidade, eles {autoridades públicas} não ficaram muito felizes. Eram sugestões valiosas para o desenvolvimento da cidade, mas não levaram o crédito por isso. Muitos planos desenvolvidos pela rede nunca foram colocados em prática. {Q20}

Em relação à população, ela deveria ser representada pela rede sustentável de relacionamentos desenvolvida pelo Cieds. Embora a rede alegasse representar os cidadãos de Búzios, percebemos que ela não foi capaz de difundir a ideia de cidade inteligente e seus benefícios para toda a população. Mais de uma vez, perguntamos às pessoas em Búzios sobre o projeto do CIB e elas não conseguiram nos explicar do que se tratava. Por exemplo, I11, um residente local, respondeu da seguinte forma: “Eu não sei o que é ou como funciona. Eles falam sobre isso (cidade inteligente), mas eles não explicam o que é. Parece uma coisa que interessa apenas às pessoas mais instruídas e ricas” (Q21).

Por fim, os representantes das instituições externas no projeto do CIB asseguraram com sucesso o engajamento de seus colaboradores. Todos os blocos conseguem desenvolver sua parte da pesquisa e na cerimônia de encerramento do projeto as seguintes conquistas tangíveis foram apresentadas pela Ampla:

  • A automação da rede contribuiu para melhorar os indicadores de qualidade, com impacto na redução da energia não distribuída;

  • A geração local de energia perto do local em que é consumida reduziu as perdas técnicas na distribuição;

  • O atendimento à demanda de clientes por meio de fontes renováveis reduziu os investimentos em expansão da rede;

  • A medição remota e o faturamento reduziram o custo da leitura local dos medidores.

  • A possibilidade de cortes de energia elétrica e reconexão remota reduziu as despesas com equipes de campo;

  • Maior conscientização sobre o consumo de energia promoveu a eficiência energética com impacto no custo da expansão da rede.

Vale ressaltar ainda que, embora a Aneel ainda não tenha emitido o veredito final sobre o projeto do CIB, a Ampla e os pesquisadores envolvidos no projeto estavam certos de que a agência aceitaria os investimentos realizados, como podemos ver no depoimento de I9 e I10, respectivamente: “A Ampla está certa de que a Aneel aceitará nossos investimentos, pois o projeto trouxe vários benefícios para a população da cidade” (Q22); “Desenvolvemos pesquisas de ponta neste projeto. Tenho certeza que a Aneel emitirá uma opinião positiva sobre o projeto” (Q23).

7. DISCUSSÃO

Usando um estudo de caso detalhado do projeto CIB, procuramos fornecer uma descrição detalhada sobre a trajetória de um projeto de cidade inteligente em um país em desenvolvimento. Conforme observado na seção anterior, o projeto CIB seguiu o que Tironi e Sánchez Criado (2015) apontaram como a estratégia de desenvolvimento mais adotada em cidades inteligentes. De fato, o projeto CIB, considerado um projeto-piloto, permitiu que uma grande empresa (Ampla) testasse protótipos tecnológicos e de serviços. Além disso, foi implementado como um laboratório urbano para testar e demonstrar a durabilidade e integração social de seus produtos e serviços.

Por sua vez, a estratégia de laboratório urbano envolve riscos inevitáveis, decorrentes e tentativas inéditas, nunca testadas (Nam e Pardo, 2011). Consequentemente, durante a implementação do CIB, percebemos o surgimento de várias controvérsias e situações não previstas no estágio de planejamento do projeto. Além disso, também observamos que, enquanto um ator (instituições externas de pesquisa) manteve intactos sua relação e papel, conforme planejado pela Ampla, os demais atores não seguiam a liderança da empresa durante toda a implementação do CIB. Podemos, assim, analisar essas associações e conexões por meio do processo de tradução, como mostra a figura 4.

Durante a implementação do projeto, observamos que para os atores desempenharem seus papéis assumidos na etapa de problematização, a Ampla buscou desenvolver dispositivos de interesse (chamados de inscrições). Os objetivos da empresa de enriquecer sua capacidade tecnológica e ter seus investimentos em P&D reconhecidos pela Aneel foram atingidos. No entanto, a intenção da Ampla de melhorar sua relação com a população (os clientes da Ampla) parece ter fracassado, como podemos perceber a partir do depoimento a seguir feito pelo I11, um residente local: “Para mim, este projeto é apenas marketing. Nossa comunidade nunca teve um bom relacionamento com a Ampla. No fundo, o que eles querem é ganhar dinheiro com a gente” (Q25).

Figura 4
Representação gráfica do processo de tradução

Portanto, apesar do pesado investimento corporativo na promoção do projeto CIB e das inúmeras descobertas de pesquisa, resta para nós a questão de saber se Búzios foi realmente transformada em uma cidade inteligente. Essa é realmente uma questão complexa no que diz respeito aos diferentes pontos de vista. A Ampla diria que sim, já que a empresa afirma em documentos oficiais que o projeto trouxe muitos benefícios para a cidade, melhorando a qualidade de vida dos cidadãos de Búzios, como podemos ver no depoimento seguinte revelado por I1: “É verdade que tivemos que superar vários problemas neste projeto, mas é inegável que ele trouxe muitos benefícios para a população buziana” (Q26).

Por outro lado, no final do projeto, as autoridades públicas de Búzios não reconhecem verdadeiramente o sucesso do projeto. Elas identificam alguns feitos da Ampla que favoreceram a cidade, mas não chamam Búzios de cidade inteligente. O depoimento seguinte exposto por I12 aborda esse problema: “A Ampla nos prometeu diversas inovações tecnológicas a serem implementadas em nossa cidade. No entanto, no final, poucas inovações foram percebidas pela comunidade local e até mesmo por nós do governo municipal ” (Q27).

Por fim, percebemos que os cidadãos, que, de acordo com a Ampla, deveriam estar no centro da transformação, pareciam não ter percebido a implementação do projeto. Mesmo seus representantes que estavam na rede sustentável de relacionamentos aparentemente se desinteressaram pelo projeto. Desde que o Cieds deixou o gerenciamento de rede, a maioria dos membros se dispersou, enquanto alguns poucos se esforçaram para manter a rede viva.

De fato, notamos que o potencial de impacto positivo da rede sustentável de relacionamentos de Búzios se dissipou com a resistência dos líderes políticos da cidade, à medida que a administração política mudou no decorrer do projeto CIB. Os novos líderes políticos viram as parcerias e a interdependência dos atores locais como uma ameaça aos modos hierárquicos do Estado burocrático e à dependência dos formuladores de políticas públicas para definir o futuro da cidade (ver os depoimentos mencionados Q14, Q15 e Q16). Como a maioria das iniciativas da rede precisava do governo para permitir seu desenvolvimento, elas nunca foram implementadas. Assim, o governo local e a comunidade demonstraram não ter mais interesse no projeto CIB e por consequência se desengajaram dessa iniciativa, o que levou à desmobilização da rede sociotécnica apresentada na figura 2.

Assim, conforme demostrado neste estudo de caso, para as iniciativas de cidades inteligentes se tornarem sustentáveis, é necessário incluir ambos os domínios “duro” e “suave”, ressaltados por Neirotti e colaboradores (2014)MARIOTTO, Fabio L.; ZANNI, Pedro P.; DE MORAES, Gustavo H. S. M. Para que serve um estudo de caso único na pesquisa de gestão? RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 4, p. 358-369, 2014.. Enquanto é possível observar alguns benefícios tecnológicos e sociais deixados pela Ampla para a cidade de Búzios, percebemos que as associações da rede não foram fortes o suficiente para fazer do projeto Cidade Inteligente Búzios uma rede sociotécnica fechada e sustentável.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo foi desenvolvido para entender o papel do contexto na implantação de iniciativas de cidades inteligentes. Dessa forma, utilizando a teoria ator-rede (TAR), apresentamos as diferentes etapas de um projeto de cidade inteligente desenvolvido na cidade de Búzios. Em outras palavras, contamos uma história sobre construtores ativos de ator-redes e também sobre como o ator-rede cresce, muda e se estabiliza (ou não) ao longo do tempo. Por outro lado, concluímos que a trajetória da rede depende do contexto, que variou muito em relação à implementação do projeto do CIB. Os interesses políticos mudaram com a eleição de um governo municipal novo e de oposição, que começou a comprometer o projeto da cidade inteligente. Essa nova administração não viu o projeto CIB como um PPO e, consequentemente, começou a se desvincular do projeto. Como tal, o contexto político não deve ser desconsiderado nas implementações de cidades inteligentes. Essa é uma questão muito importante em um país como o Brasil, onde a descontinuidade das políticas públicas (Frey, 1999FREY, Klaus. Análise de políticas públicas: algumas reflexões conceituais e suas implicações para a situação brasileira. Cadernos de Pesquisa, n. 18,p. 211-259, 1999.) e a fragmentação política (Palermo, 2000PALERMO, Vicente. Como se governa o Brasil? O debate sobre instituições políticas e gestão de governo. Dados, v. 43, n. 3, p. 521-557, 2000.) são mais uma regra do que uma exceção.

Além disso, concluímos que a comunidade local, apesar de mostrar interesse inicial pelo projeto, também se desligou dele, já que os gerentes de projeto e o dispositivo de “interessamento” não conseguiram envolvê-los. Assim, percebemos que, para a maioria da comunidade local, o projeto do CIB era simplesmente irrelevante. Esses fatos desmobilizaram a rede sociotécnica desenvolvida em torno do projeto CIB e desvelaram novamente a importância do contexto local na implementação de empreendimentos de cidades inteligentes, sendo esta uma contribuição deste artigo para políticas públicas de implantação de cidades inteligentes. Podemos ver um resultado semelhante no projeto da cidade inteligente de Barcelona, que foi baseado principalmente em questões ambientais. De acordo com March e Ribera-Fumaz (2016)MARCH, Hug; RIBERA-FUMAZ, Ramon. Smart contradictions: the politics of making Barcelona a self-sufficient city. European Urban and Regional Studies, v. 23, n. 4, 2016., a administração municipal de Barcelona percebeu, após algum tempo, a própria necessidade de repolitizar o propósito nesse projeto de cidade inteligente, com o objetivo de colocar os cidadãos de volta ao centro do debate urbano. Por outro lado, no Brasil, Curitiba é um exemplo de continuidade política associada às iniciativas de cidades inteligentes, que levaram a cidade a desenvolver um empreendimento sustentável de cidade inteligente baseado principalmente em transporte inteligente (Weiss et al., 2017WEISS, Marcos; CONSONI, Flávia. A internetilização das cidades brasileiras e a utopia das cidades inteligentes: uma análise do distanciamento entre o mundo real e o mundo virtual em terra brasilis. International Journal of Knowledge Engineering and Management, v. 6, n. 15, p. 23-50, 2017.). O mesmo pode ser dito em Cingapura, onde a absoluta estabilidade política levou o país a uma das empresas de cidade inteligente de maior sucesso (Mahizhnan, 1999MAHIZHNAN, Arun. Smart cities: the Singapore case. Cities, v. 16, n. 1, p. 13-18, 1999.). Em suma, podemos concluir que, além dos investimentos em melhorias tecnológicas, o poder público e os representantes da população precisam ser atores ativos nesse tipo de transformação urbana, a fim de construir um ambiente sustentável de cidade inteligente, como também sustentado por Madeira e colaboradores (2017MADEIRA, Gilberto S.; GUIMARAES, Tor; MENDES, Leonardo S. Construindo governança eletrônica de cidades: um modelo de implementação de soluções para inovação e otimização da gestão pública. Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, v. 16, n. 2, p. 55-71, 2017.).

Este artigo também apresentou algumas contribuições acadêmicas para a área de conhecimento sobre cidade inteligente. Em primeiro lugar, tentamos atender à demanda por mais estudos empíricos sobre cidades inteligentes, como afirmam Glasmeier e Christopherson (2015)GLASMEIER, Amy; CHRISTOPHERSON, Susan. Thinking about smart cities. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, v. 8, n. 1, p. 3-12, 2015.. Em segundo lugar, apresentamos uma análise crítica sobre a “tecnocentricidade” de empresas de cidades inteligentes e estabelecemos que o contexto deveria ser levado em consideração, como também apoiado por Avgerou (2001)AVGEROU, Chrisanthi. The significance of context in information systems and organizational change. Information Systems Journal, v. 11, n. 1, p. 43-63, 2001.. Terceiro, as cidades inteligentes têm sido consideradas a solução inovadora para resolver os problemas das cidades contemporâneas levantados pela crescente população urbana. No entanto, neste presente estudo, mostramos que os benefícios reais das iniciativas de cidade inteligente não são claros, como também apoiado por Greenfield (2013)GREENFIELD, Adam. Against the smart city. New York: Do projects, 2013. e Luque-Ayala e Marvin (2015)LUQUE-AYALA, Andres; MARVIN, Simon. Developing a critical understanding of smart urbanism? Urban Studies, v. 52, n. 12, p. 2105-2116, 2015.. Em outras palavras, percebemos que o próprio conceito de sucesso nas implementações de smart city deve ser mais bem definido, para responder: “sucesso para quem?”. Isso está de acordo com as conclusões de Melon (2016)MELON, Marcela, The social representation of success in IT projects in Brazil from the IT professionals’ perspective. 2016. Thesis (Master Degree) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2016., que afirma que o sucesso dos projetos está principalmente ligado à satisfação do cliente (ou cidadão) e não ao escopo, tempo, custo e qualidade.

Uma limitação desta pesquisa envolve o desafio metodológico que tivemos de enfrentar gerado pela escolha da teoria ator-rede como nossa perspectiva de pesquisa. Isso se deve às limitações de tempo e falta de fundos necessários para o ator-rede ser estudado e seguido, bem como para identificar as associações dentro do mesmo durante o processo de construção da rede. Além disso, outra limitação adicional está relacionada com a própria natureza da TAR, uma vez que, de acordo com Heeks e Stanforth (2015)HEEKS, Richard; STANFORTH, Carolyne. Technological change in developing countries: opening the black box of process using actor-network theory. Development Studies Research, v. 2, n. 1, p. 33-50, 2015., a TAR é considerada por alguns autores uma teoria descritiva baseada meramente na narrativa. No entanto, embora tenha um grande caráter descritivo, buscamos desvendar o papel crítico do contexto sobre o processo de tradução associado ao projeto de implementação da cidade inteligente em análise.

Da mesma forma, a teoria ator-rede segue o paradigma crítico-interpretativo (Pozzebon, 2004POZZEBON, Marlei. Conducting and evaluating critical interpretative research: examining criteria as a key component in building a research tradition. In: KAPLAN, Bonnie et al. (Ed). Information systems research: relevant theory and informed practice. Boston: Springer, 2004. p. 275-292.; Alcapadini e Tureta, 2009ALCADIPANI, Rafael; TURETA, César. Teoria ator-rede e estudos críticos em administração: possibilidades de um diálogo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 406-418, 2009.). Devido a isso, a neutralidade ideológica não é possível em estudos com uso da TAR, sendo assim necessário revelar as motivações ideológicas das partes interessadas do projeto, bem como de nós mesmos — os pesquisadores. Embora tentativas conscientes fossem feitas para alcançarmos a neutralidade ao longo do desenvolvimento do nosso trabalho, é possível que algum viés tenha permanecido em nosso artigo.

Por fim, para entender melhor o projeto CIB, sugerimos um estudo de acompanhamento a ser desenvolvido daqui a alguns anos, a fim de descobrir os vestígios mais relevantes deixados pelo projeto, avaliando se e como tais vestígios realmente afetaram a cidade.

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  • 1
    Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <www.cieds.org.br/>.
  • 2
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  • 4
    Relatório intitulado “Motivação do Bloco Integração e Desenvolvimento Social” (Ampla, 2015).
  • 14
    {Versão traduzida}

Anexo I


Lista dos documentos consultados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2017
  • Aceito
    11 Jun 2018
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