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Ação afirmativa em programas de pós-graduação no Brasil: padrões de mudança institucional

Resumo

Desde 2002, programas de pós-graduação de universidades públicas brasileiras começaram a adotar ações afirmativas para seus processos de admissão. Este artigo tem como objetivo explicar como a criação de ações afirmativas resultou na mudança nos processos seletivos de candidatos. Este artigo utilizará (a) uma análise dos editais de seleção de programas de pós-graduação acadêmicos de universidades públicas publicados até janeiro de 2018, (b) documentos disponibilizados pelos programas e (c) entrevistas semiestruturadas com os coordenadores dos programas. Na maioria dos programas, a criação de ação afirmativa não resultou em alteração no processo seletivo. Alguns programas consideraram os obstáculos enfrentados pelos grupos vulneráveis no acesso à pós-graduação e alteraram seus procedimentos. Com base na tipologia de mudança institucional de Mahoney e Thelen (2010), a análise aponta que mudanças mais profundas se devem a processos endógenos e incrementais. O principal fator que contribuiu para a modificação dos critérios de admissão é a área do conhecimento dos programas.

Palavras-chave:
ação afirmativa; pós-graduação; universidade pública; admissão na pós-graduação; mudança instituciona

Abstract

Since 2002, some Brazilian public universities have started adopting affirmative action for admission in graduate programs. This article explains how affirmative action changed admission processes in graduate processes based on (a) an analysis of the selection notices of graduate programs offered in public universities published until January 2018, (b) documents from the programs, and (c) semi-structured interviews with coordinators of graduate programs. The results show that, in most programs, admission processes did not change based on affirmative action. Some programs recognized the obstacles faced by vulnerable groups in accessing graduate programs and altered their procedures. Based on the institutional change typology of Mahoney and Thelen (2010), the analysis points out that more profound change is due to endogenous and incremental processes. The main factor contributing to the modification of the admission criteria is the program’s field of knowledge.

Keywords:
affirmative action; graduate studies; public university; graduate admission; institutional change

Resumen

Desde 2002, los programas de posgrado en las universidades públicas brasileñas han comenzado a adoptar acciones afirmativas para sus procesos de admisión. Este artículo tiene como objetivo explicar cómo la creación de acciones afirmativas resultó en un cambio en los procesos de selección de candidatos. Este artículo utilizará (a) un análisis de los anuncios de selección de programas académicos de posgrado de universidades públicas publicados hasta enero de 2018, (b) documentos puestos a disposición por los programas y (c) entrevistas semiestructuradas con los coordinadores del programa. En la mayoría de los programas, la creación de acciones afirmativas no resultó en un cambio en el proceso de selección. Algunos programas consideraron los obstáculos que enfrentan los grupos vulnerables para acceder a la escuela de posgrado y modificaron sus procedimientos. Basado en el tipo de cambio institucional de Mahoney y Thelen (2010), el análisis señala que los cambios más profundos se deben a procesos endógenos e incrementales. El principal factor que contribuyó a la modificación de los criterios de admisión es el área de conocimiento de los programas.

Palabras clave:
acción afirmativa; estudios de posgrado; universidad pública; admisión en el posgrado; cambio institucional

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o sistema de ensino superior brasileiro passou por diversas transformações, principalmente relacionadas à criação de políticas de ações afirmativas e ampliação do acesso a alunos de escolas públicas, alunos de baixa renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas em cursos de graduação.

Embora geralmente associada a assentos ou vagas reservadas, a ação afirmativa é amplamente conceituada na literatura especializada1 1 Ver, por exemplo, as definições apresentadas por: Kennedy (2015), Sabbagh (2007) e Silva (2006). como “todo programa, público ou privado, que tem por objetivo conferir recursos ou direitos especiais para membros de um grupo social desfavorecido, com vistas a um bem coletivo” (Feres, Campos, Daflon & Venturini, 2018Feres, J. Jr., Campos, L. A., Daflon, V. T., & Venturini, A. C. (2018). Ação afirmativa: conceito, história e debates. Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ. Retrieved from https://www.eduerj.com/eng/?product=acao-afirmativa-conceito-historia-e-debates
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, p. 13). Assim, a ação afirmativa não se restringe a políticas étnico-raciais e inclui grupos socialmente diferenciados com base em gênero, sexo, casta, residência, região de origem, religião, deficiência, status socioeconômico e outras condições de vida (Jenkins & Moses, 2014Jenkins, L. D., & Moses, M. S. (2014). Affirmative Action Matters: Creating opportunities for students around the world. Abingdon, UK: Taylor & Francis.).

Alguns cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) de universidades2 2 No Brasil, existem dois tipos de cursos de pós-graduação, os cursos stricto sensu (mestrado e doutorado), voltados para a pesquisa acadêmica, e os lato sensu (especializações, MBAs). públicas adotaram ações afirmativas nos processos seletivos. No entanto, tais medidas sofrem com a falta de análise pela literatura acadêmica, com poucos estudos dedicados à experiência de programas de pós-graduação específicos (De Fiori et al., 2017Fiori, A. L., Assênsio, C. B., Andrade, F., Teixeira, J. M., Patriarca, L., & dal Bo, T. L. (2017). O tempo e o vento: notas sobre a arte de burocratizar políticas de cotas na USP. Revista de Antropologia, 60(1), 55-83. Retrieved from https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2017.132101
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; Goldman & Banaggia, 2017Goldman, M., & Banaggia, G. (2017). A política da má vontade na implantação das cotas étnico-raciais. Revista de Antropologia, 60(1), 16-34. Retrieved from https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2017.132062
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; Pereira, 2017Pereira, A. C. (2017). Preto, gay e do Norte: ações afirmativas na pele. Revista de Antropologia, 60(1), 35-46. Retrieved from https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2017.132065
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; Santos, 2010Santos, J. T. (2010). Pós-graduação em Direito e Ações Afirmativas no Brasil: uma experiência induzida. Revista Pós Ciências Sociais, 7(14), 155-172. Retrieved from http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/570
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) e de algumas universidades (Diniz et al., 2016Diniz, J. A. F Filho., Fioravanti, M. C. S., Mello, L., Fredrigo, F. S., Paula, M. H., Dias, L. O. … Oliveira, D. D. (2016). Cotas étnico-raciais na pós-graduação: a experiência da Universidade Federal de Goiás. In A. Artes, S. Unbehaum, & V. R. Silvério (Eds.), Ações Afirmativas no Brasil: reflexões e desafios para a pós-graduação (pp. 183-212). São Paulo, SP: Cortez Editora.).

A diversidade é um forte argumento a favor da ação afirmativa nos programas de pós-graduação; um corpo discente mais diversificado é benéfico para a qualidade da pesquisa, o treinamento de futuros professores e pesquisadores e o aprimoramento da ciência (Gurin, Dey, Hurtado & Gurin, 2002Gurin, P., Dey, E., Hurtado, S., & Gurin, G. (2002). Diversity and Higher Education: Theory and Impact on Educational Outcomes. Harvard Educational Review, 72(3), 330-367. Retrieved from https://doi.org/10.17763/haer.72.3.01151786u134n051
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; Nature, 2014Nature, E. (2014). Diversity challenge. Nature, 513, 279. Retrieved from https://doi.org/10.1038/513279a
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; Posselt, 2014Posselt, J. R. (2014). Toward Inclusive Excellence in Graduate Education: Constructing Merit and Diversity in PhD Admissions. American Journal of Education, 120(4), 481-514. Retrieved from https://doi.org/10.1086/676910
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, 2016). No entanto, a literatura sobre ações afirmativas para a pós-graduação no Brasil raramente analisa como os tomadores de decisão estruturaram as políticas e como elas atuam na prática.

Assim, o presente artigo busca enriquecer a discussão acadêmica sobre ações afirmativas para a pós-graduação e contribuir com a literatura de políticas públicas sobre processos de admissão. Investiga-se a criação de ações afirmativas nos cursos de pós-graduação trazendo a perspectiva de mudança institucional. A tipologia desenvolvida por Mahoney e Thelen (2010Mahoney, J., & Thelen, K. (2010). A theory of gradual institutional change. In J. Mahoney & K. Thelen(Eds.), Explaining Institutional Change (pp. 1-37). Cambridge, UK: Cambridge University Press .) permitiu classificar as mudanças geradas pelas ações afirmativas nos processos de admissão dos estudantes.

A pesquisa baseou-se em (a) análise dos editais de seleção de programas de pós-graduação acadêmicos de universidades públicas publicados até janeiro de 2018; (b) documentos disponibilizados pelos programas e universidades (propostas, atas de reuniões, deliberações, entre outros); e (c) entrevistas semiestruturadas com coordenadores de alguns programas.

Os dados coletados indicam que, em janeiro de 2018, existiam 737 programas de pós-graduação acadêmicos com algum tipo de ação afirmativa, entre os quais 63,9% aplicam exclusivamente o sistema de cotas e reservam vagas para grupos específicos (Venturini & Feres, 2020Venturini, A. C., & Feres, J. Jr. (2020). Affirmative action policy in graduate studies: The case of public universities. Cadernos de Pesquisa, 50(177), 882-909. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/198053147491
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).

Com base na análise dos editais de seleção, constatamos que existem diferentes modelos de adoção de cotas ou vagas adicionais na pós-graduação. A reserva de vagas na maioria destes programas, que adotam ações afirmativas, não exclui do processo seletivo as fases tradicionais de avaliação. Essas políticas visam incluir indivíduos de grupos desfavorecidos, mas alguns procedimentos convencionais são provavelmente restritivos (Santos, 2010Santos, J. T. (2010). Pós-graduação em Direito e Ações Afirmativas no Brasil: uma experiência induzida. Revista Pós Ciências Sociais, 7(14), 155-172. Retrieved from http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/570
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).

Alguns programas consideraram os obstáculos enfrentados por grupos vulneráveis no acesso à pós-graduação durante a formulação da nova política e alteraram seus processos de admissão. Considerando que as ações afirmativas e as políticas inclusivas afetam diretamente uma instituição - as regras dos programas de pós-graduação para inscrição e admissão de alunos - é relevante explorar as mudanças institucionais implementadas nesses processos.

A primeira seção do artigo apresenta alguns dados sobre a criação de ações afirmativas nas admissões aos programas de pós-graduação. A segunda analisa a tipologia de mudança institucional que sustenta a discussão. A terceira seção explica a metodologia da pesquisa. A quarta apresenta os resultados e os tipos de mudança identificados nos programas de pós-graduação. A quinta discute alguns dos fatores que contribuem para as mudanças. A conclusão discute os principais achados e possíveis caminhos para análises futuras.

2. AÇÃO AFIRMATIVA NA PÓS-GRADUAÇÃO

Pesquisar programas de pós-graduação que adotaram ações afirmativas apresenta várias dificuldades práticas. Cada programa estabelece seus próprios critérios para selecionar alunos e publica seus próprios guias de aplicação, que não estão disponíveis em um banco de dados unificado. A periodicidade é bastante variável3 3 Alguns programas têm apenas um processo seletivo anual, enquanto outros realizam até duas seleções por ano. . Assim, foi necessário um levantamento dos editais de seleção dos programas.

Desde o final da década de 1990, tem havido um debate incipiente sobre a diversidade em relação ao acesso à pós-graduação. A Universidade do Estado da Bahia (Uneb) foi a primeira instituição a estabelecer, em 2002, uma política de ação afirmativa voltada para o ingresso de negros e indígenas nos cursos de graduação e pós-graduação. No entanto, somente a partir de 2012 é que mais propostas de ação afirmativa começam a surgir nesse nível de ensino (Venturini, 2019Venturini, A. C. (2019). Ação afirmativa na pós-graduação: os desafios da expansão de uma política de inclusão (Doctoral Dissertation). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Retrieved from http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/12384
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). Os dados coletados até janeiro de 2018 indicam 737 programas de pós-graduação acadêmicos com algum tipo de ação afirmativa.

Algumas políticas derivam de decisões dos próprios programas, enquanto outras foram criadas para atender a legislações estaduais ou resoluções do Conselho Universitário, válidas para todos os cursos de pós-graduação de uma determinada universidade. Analisar a forma como as políticas afirmativas são criadas é relevante, pois permite identificar as instituições que produziram essas políticas por sua própria iniciativa e as que foram obrigadas a fazê-lo.

Os dados coletados indicam que apenas 18,3% dos programas criaram medidas por iniciativa própria. O Gráfico 1 mostra que, entre 2015 e 2018, o número de políticas decorrentes de resoluções universitárias quintuplicou. Esse aumento foi induzido pela Portaria Normativa MEC nº 13/2016, do Ministério da Educação (MEC), que determinou que todas as instituições federais de ensino superior enviassem propostas de inclusão de negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação. Muitas universidades consideraram a Portaria obrigatória e emitiram resoluções sobre o assunto (Venturini, 2019Venturini, A. C. (2019). Ação afirmativa na pós-graduação: os desafios da expansão de uma política de inclusão (Doctoral Dissertation). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Retrieved from http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/12384
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).

GRÁFICO 1
NÚMERO DE PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ACORDO COM AS FORMAS DE CRIAÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS (2015-2018)

Outro ponto de discussão sobre a ação afirmativa é a denominação das políticas como “cotas”. Esse tipo de política, também conhecida como sistema de reserva de vagas, corresponde à alocação de parte das vagas para estudantes pertencentes a grupos específicos (Feres et al., 2018Feres, J. Jr., Campos, L. A., Daflon, V. T., & Venturini, A. C. (2018). Ação afirmativa: conceito, história e debates. Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ. Retrieved from https://www.eduerj.com/eng/?product=acao-afirmativa-conceito-historia-e-debates
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, p. 19). Entre os 737 programas de pós-graduação com políticas afirmativas, 67,2% aplicam exclusivamente o sistema de cotas, seguidos daqueles que criaram vagas adicionais reservadas para candidatos que atendem aos requisitos. Os principais beneficiários são negros (pretos e pardos), indígenas, pessoas com deficiência, quilombolas4 4 Um quilombola é um afro-brasileiro residente em territórios quilombolas. O termo “quilombo” possui um “caráter polissêmico, aberto, com grandes variações empíricas de ocorrência no tempo e no espaço” (Arruti, 2008, p. 315). Segundo a Associação Brasileira de Antropologia (Associação Brasileira de Antropologia [ABA], 1994), o termo “quilombo” designa “segmentos negros em diferentes contextos e regiões do Brasil”, sendo “grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar.” São grupos étnicos cuja identidade é definida por “uma referência histórica comum, construída a partir de vivências e valores partilhados”. Eles não são grupos isolados. Nem sempre têm origem em movimentos rebeldes e uso coletivo das terras. Para mais informações sobre “quilombos”, ver: Moura (1972) e Nascimento (1980). , transgêneros, portadores de visto humanitário (refugiados) e outros (Venturini & Feres, 2020Venturini, A. C., & Feres, J. Jr. (2020). Affirmative action policy in graduate studies: The case of public universities. Cadernos de Pesquisa, 50(177), 882-909. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/198053147491
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).

Estudos mostram que embora o acesso à universidade tenha sido democratizado e tenha havido um aumento significativo da diversidade no ensino superior, esta variou significativamente por carreiras: áreas menos valorizadas pelo mercado de trabalho, como as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, tornaram-se mais diversas do que as chamadas áreas “duras” (Ribeiro & Schlegel, 2015Ribeiro, C. A. C., & Schlegel, R. (2015). Estratificação horizontal da educação superior no Brasil: 1960 a 2010. In M. T. S. Arretche (Ed.), Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo, SP: Editora UNESP.). Assim, uma das variáveis de interesse foi a distribuição de políticas afirmativas para os cursos de pós-graduação nas diferentes áreas do conhecimento, conforme definição da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) (Venturini & Feres, 2020Venturini, A. C., & Feres, J. Jr. (2020). Affirmative action policy in graduate studies: The case of public universities. Cadernos de Pesquisa, 50(177), 882-909. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/198053147491
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).

3. INSTITUIÇÕES E FONTES DE MUDANÇA

O conceito de instituição é central para abordagens que visam compreender os processos de mudança institucional. A literatura oferece várias definições de instituições. Este artigo usa a definição dada por Mahoney e Thelen (2010Mahoney, J., & Thelen, K. (2010). A theory of gradual institutional change. In J. Mahoney & K. Thelen(Eds.), Explaining Institutional Change (pp. 1-37). Cambridge, UK: Cambridge University Press ., p. 4), que tratam as instituições como “características relativamente duradouras da vida política e social (regras, normas, procedimentos) que estruturam o comportamento e que não podem ser alteradas fácil ou instantaneamente”. Portanto, reduzem a incerteza fornecendo uma estrutura para a vida cotidiana, conformando incentivos nas trocas políticas, sociais ou econômicas. Os autores também concordam que as instituições são instrumentos distributivos carregados de implicações de poder (Hall, 1986Hall, P. A. (1986). Governing the economy: the politics of state intervention in Britain and France. Oxford, UK: Blackwell.) e sustentam que “as instituições estão repletas de tensões porque inevitavelmente levantam considerações de recursos e invariavelmente têm consequências distributivas” (Mahoney & Thelen, 2010Mahoney, J., & Thelen, K. (2010). A theory of gradual institutional change. In J. Mahoney & K. Thelen(Eds.), Explaining Institutional Change (pp. 1-37). Cambridge, UK: Cambridge University Press ., p. 8). Neste artigo, elas são consideradas enquanto normas e procedimentos que estruturam o ingresso nos programas de pós-graduação. A análise incidirá sobre as alterações feitas a esses procedimentos devido à criação de ações afirmativas.

A ação afirmativa afeta uma instituição diretamente; os programas de pós-graduação e seus processos de admissão têm o poder de influenciar quem se tornará pesquisador e docente, espaço hoje ocupado por um grupo relativamente homogêneo em termos étnico-raciais, sociais e regionais (Artes, 2016Artes, A. (2016). Desigualdades de cor/raça e sexo entre pessoas que frequentam e titulados na pós-graduação brasileira. In A. Artes, S. Unbehaum, & V. Silverio (Eds.), Ações Afirmativas no Brasil: reflexões e desafios para a pós-graduação (pp. 19-59). São Paulo, SP: Editora Cortez.).

No Brasil, não foi considerada a distribuição assimétrica de oportunidades na sociedade brasileira e os obstáculos enfrentados por certos grupos para ingressar na pós-graduação. Há, consequentemente, uma tendência à continuidade e manutenção dos mesmos critérios e processos, que são tidos como suficientes para atingir os resultados desejados pelos atores e preservar os recursos alocados a esses programas (Mahoney, 2000Mahoney, J. (2000). Path dependence in historical sociology. Theory and Society, 29(4), 507-548. Retrieved from https://doi.org/10.1023/A:1007113830879
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; Pierson, 2004Pierson, P. (2004). Politics in time: history, institutions, and social analysis. Princeton, NJ: Princeton University Press.).

Como outras instituições, os programas de pós-graduação e seus processos seletivos possuem regras que geram implicações para a alocação de recursos. Por exemplo, programas com notas 6 e 7 integram o Programa de Excelência Acadêmica (Proex) da Capes e recebem verba orçamentária que pode ser utilizada em bolsas, recursos para investimento em laboratórios, eventos, publicações, entre outros. Em consequência, a eventual redução da nota pode impactar o financiamento de pesquisas. Atores que se opõem às ações afirmativas argumentam que elas podem influenciar negativamente a avaliação dos programas e, consequentemente, o número de recursos de pesquisa (Venturini, 2019Venturini, A. C. (2019). Ação afirmativa na pós-graduação: os desafios da expansão de uma política de inclusão (Doctoral Dissertation). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Retrieved from http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/12384
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). Há muita incerteza em relação a essas políticas e muitos atores expressaram resistência à mudança. Portanto, entender as fontes e os diferentes tipos de transformação gerados por políticas afirmativas é fundamental.

A literatura sustenta que o processo de mudança institucional pode ser o resultado de choques externos ou internos, bem como de choques abruptos ou incrementais. Por muito tempo, o institucionalismo, em todos os seus aspectos - sociológico, escolha racional e histórico - foi dedicado em grande parte aos processos de mudanças abruptas trazidas por choques externos. Para explicar situações de mudança, os institucionalistas históricos muitas vezes chamam a atenção para os “momentos críticos” (critical junctures), entendidos como períodos que abrem oportunidades para agentes mudarem a trajetória de desenvolvimento de uma política ou instituição, resultando em um novo caminho de desenvolvimento que persiste por um longo período de tempo (Capoccia, 2015Capoccia, G. (2015). Critical junctures and institutional change. In J. Mahoney, & K. Thelen(Eds.), Advances in comparative-historical analysis (pp. 147-179). New York, NY: Cambridge University Press.; Capoccia & Kelemen, 2007; Katznelson, 2003Katznelson, I. (2003). Periodization and preferences: reflections on purposive action in comparative-historical social science. In J. Mahoney, & D. Rueschemeyer (Eds.), Comparative historical analysis in the social sciences (pp. 270-303). Cambridge, UK: Cambridge University Press .).

A análise da mudança também está intimamente relacionada à noção de dependência do caminho (path dependence), segundo a qual os arranjos institucionais estabelecidos em um determinado momento se tornam enraizados em razão de sua capacidade de moldar os incentivos, visões de mundo e recursos dos atores e grupos afetados pela instituição (Capoccia, 2015Capoccia, G. (2015). Critical junctures and institutional change. In J. Mahoney, & K. Thelen(Eds.), Advances in comparative-historical analysis (pp. 147-179). New York, NY: Cambridge University Press., pp. 147-148; Capoccia & Kelemen, 2007Capoccia, G. (2015). Critical junctures and institutional change. In J. Mahoney, & K. Thelen(Eds.), Advances in comparative-historical analysis (pp. 147-179). New York, NY: Cambridge University Press.). Para Pierson (2004Pierson, P. (2004). Politics in time: history, institutions, and social analysis. Princeton, NJ: Princeton University Press., p. 21), a dependência da trajetória se refere a processos sociais que exibem feedback positivo, isto é, processos nos quais os benefícios das atividades atuais, comparadas com outras opções possíveis, aumenta ao longo do tempo, já que os custos de mudança são altos em razão da incerteza. Portanto, retornos crescentes explicam porque os atores têm incentivos poderosos para se concentrar em uma única alternativa e prosseguir em um determinado caminho (Pierson, 2004Pierson, P. (2004). Politics in time: history, institutions, and social analysis. Princeton, NJ: Princeton University Press., p. 23). É por isso que, depois de criadas, as instituições são difíceis de mudar, dado que, frequentemente, um formato muito rígido foi incorporado ao design das instituições para reduzir a incerteza e aumentar a estabilidade (Pierson, 2004Pierson, P. (2004). Politics in time: history, institutions, and social analysis. Princeton, NJ: Princeton University Press., p. 43).

Considerando todos esses desafios à mudança institucional, uma importante linha de pesquisa recorreu a um modelo descontínuo de mudança. Longos períodos de estabilidade são periodicamente impactados por choques externos que abrem espaço para rápidas mudanças institucionais, envolvendo, em muitos casos, o colapso de um conjunto de instituições e sua substituição por outras (Baumgartner & Jones, 1993Baumgartner, F., & Jones, B. (1993). Agendas and instability in American politics. Chicago, IL: University of Chicago Press.). Assim, “momentos críticos” são frequentemente atribuídos a grandes choques exógenos, como guerras ou crises econômicas, que atuam como catalisadores de mudanças institucionais duradouras (Pierson, 2004Pierson, P. (2004). Politics in time: history, institutions, and social analysis. Princeton, NJ: Princeton University Press., p. 135).

No caso de ações afirmativas para cursos de pós-graduação, é possível notar a influência de um fator externo que serviu como indutor para a criação e difusão dessas políticas em todo o país: A Portaria Normativa MEC nº 13/2016. Embora a portaria apenas estabeleça que os programas deveriam apresentar propostas de inclusão, vários programas e universidades entenderam que a criação de ações afirmativas era obrigatória. Assim, ainda que não represente um choque exógeno conforme conceituado pela literatura, a portaria poderia ser considerada um elemento externo que atuou como um incentivo, influenciando a criação de um número crescente de medidas nos últimos anos. No entanto, não houve alterações nos critérios tradicionais de admissão em um número significativo de casos. Como mostraremos, os dados indicam que mudanças institucionais mais significativas resultam de processos endógenos e incrementais.

Portanto, o modelo de choque exógeno não parece ser apropriado para explicar as ações afirmativas dos cursos de pós-graduação. Conforme indicado por Thelen (2003Thelen, K. (2003). How institutions evolve: insights from comparative-historical analysis. In J. Mahoney, & D. Rueschemeyer (Eds.), Comparative historical analysis in the social sciences (pp. 208-240). Cambridge, UK: Cambridge University Press ., p. 209), tal modelo não considera que alguns arranjos institucionais são mais resistentes à mudança, mesmo diante de choques externos. Esse parece ser o caso dos programas de pós-graduação no Brasil, pois, apesar da portaria normativa, muitos programas de pós-graduação não se preocuparam em discutir ações afirmativas em seus conselhos e não modificaram seus critérios de admissão. Além disso, embora a portaria normativa tenha resultado em um aumento repentino das políticas de ação afirmativa, muitos desses programas já estavam em processo de mudança desde 2002

Então, é necessário usar um modelo que compreenda uma teoria sistemática da mudança institucional e complemente as análises de equilíbrio pontuado e dependência de trajetória com mecanismos, que capturem a lógica da evolução institucional e dos processos endógenos de mudança. Portanto, a pesquisa que se segue baseia-se nas teorias do institucionalismo histórico sobre a mudança institucional, especialmente o modelo desenvolvido por Thelen (2004Thelen, K. (2004). How institutions evolve: The political economy of skills in Germany, Britain, the United States, and Japan. Cambridge, UK: Cambridge University Press., 2003, 2009) e outros (Hacker, Pierson & Thelen, 2015Hacker, J. S., Pierson, P., & Thelen, K. (2015). Drift and conversion: hidden faces of institutional change. In J. Mahoney , & K. Thelen (Eds.), Advances in comparative-historical analysis (pp. 180-208). New York, NY: Cambridge University Press.; Mahoney & Thelen, 2010Mahoney, J., & Thelen, K. (2010). A theory of gradual institutional change. In J. Mahoney & K. Thelen(Eds.), Explaining Institutional Change (pp. 1-37). Cambridge, UK: Cambridge University Press .; Streeck & Thelen, 2005Streeck, W., & Thelen, K. A. (2005). Beyond continuity: institutional change in advanced political economies. Oxford, UK: Oxford University Press.).

Nesse contexto, as mudanças nos programas de pós-graduação e seus processos de admissão, em decorrência da ação afirmativa, foram analisadas de acordo com a tipologia que identifica quatro tipos de mudança institucional: substituição (displacement), camadas (layering), deslocamento (drift) e conversão (conversion).

A substituição ocorre quando regras e práticas antigas são removidas e substituídas por novos modelos previamente desconhecidos (Mahoney & Thelen, 2010Mahoney, J., & Thelen, K. (2010). A theory of gradual institutional change. In J. Mahoney & K. Thelen(Eds.), Explaining Institutional Change (pp. 1-37). Cambridge, UK: Cambridge University Press .). Esse tipo de mudança pode ser abrupto e implicar em uma modificação súbita como o colapso das instituições e sua substituição por novas regras. A substituição também pode ser um processo lento e gradual, quando novas regras e instituições são introduzidas e competem com regras mais antigas, em vez de derrubá-las imediatamente.

O processo de camadas ocorre por meio de um crescimento diferenciado (Streeck & Thelen, 2005Streeck, W., & Thelen, K. A. (2005). Beyond continuity: institutional change in advanced political economies. Oxford, UK: Oxford University Press., p. 23), no qual pequenas modificações são introduzidas e coexistem com práticas antigas (Mahoney & Thelen, 2010Mahoney, J., & Thelen, K. (2010). A theory of gradual institutional change. In J. Mahoney & K. Thelen(Eds.), Explaining Institutional Change (pp. 1-37). Cambridge, UK: Cambridge University Press ., p. 15). Diferentemente da substituição, o layering não envolve a criação de regras e instituições totalmente novas, mas está relacionado à ocorrência de alterações, revisões e acréscimos às regras existentes, o que pode resultar em mudanças significativas a longo prazo. Mahoney e Thelen (2010, p. 17) entendem que as camadas podem resultar em mudanças substanciais se as emendas alterarem a lógica das instituições a medida em que isso “compromete a reprodução estável do ‘núcleo’ original”.

O processo de deriva (drift) ocorre em situações em que as regras permanecem formalmente inalteradas, mas seu impacto (ou efeito) muda em decorrência de alterações nas condições externas (Hacker et al., 2015Hacker, J. S., Pierson, P., & Thelen, K. (2015). Drift and conversion: hidden faces of institutional change. In J. Mahoney , & K. Thelen (Eds.), Advances in comparative-historical analysis (pp. 180-208). New York, NY: Cambridge University Press.; Mahoney & Thelen, 2010Mahoney, J., & Thelen, K. (2010). A theory of gradual institutional change. In J. Mahoney & K. Thelen(Eds.), Explaining Institutional Change (pp. 1-37). Cambridge, UK: Cambridge University Press .; Streeck & Thelen, 2005Streeck, W., & Thelen, K. A. (2005). Beyond continuity: institutional change in advanced political economies. Oxford, UK: Oxford University Press.; Thelen, 2004). Assim, a deriva ocorre quando as mudanças externas alteram os resultados das regras sem que tenha havido mudança nas próprias regras (Hacker et al., 2015, p. 184). Por outro lado, as regras também permanecem formalmente inalteradas. N, Não obstante, passam a ser interpretados e promulgados de diferentes formas, o que faz com que as instituições existentes sejam redirecionadas para novos propósitos, transformando suas funções e os papéis que desempenham (Hacker et al., 2015, pp. 185-186; Mahoney & Thelen, 2010; Thelen, 2003, p. 228; Thelen, 2004, p. 36).

A tipologia permitiu identificar os diferentes tipos de mudanças que acontecem nos programas de pós-graduação e seus processos de admissão por meio da criação de ações afirmativas. Portanto, a análise que se segue enfocará os tipos de mudança identificados nas admissões de pós-graduação e algumas das características institucionais que contribuíram para as modificações. Uma das hipóteses que esta pesquisa pretendeu validar era que a área de conhecimento do programa influencia o grau de mudança. Estudos mostram que, na graduação, algumas áreas (Humanas e Ciências Sociais Aplicadas) se tornaram mais diversificadas do que as chamadas áreas “duras” (Ribeiro & Schlegel, 2015Ribeiro, C. A. C., & Schlegel, R. (2015). Estratificação horizontal da educação superior no Brasil: 1960 a 2010. In M. T. S. Arretche (Ed.), Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo, SP: Editora UNESP.).

4. NOTAS METODOLÓGICAS

Considerando que no Brasil existem 4.175 programas de pós-graduação stricto sensu credenciados pela Capes, restringimos o universo aos programas de pós-graduação acadêmica (mestrado e doutorado). Optamos por analisar apenas as universidades públicas, visto que estas “constituem o principal suporte institucional para a pesquisa e para a formação de pesquisadores” (Durham, 1998Durham, E. R. (1998). As universidades públicas e a pesquisa no Brasil (Documento de trabalho, 9/98). São Paulo, SP: Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da Universidade de São Paulo. Retrieved from http://nupps.usp.br/downloads/docs/dt9809.pdf
http://nupps.usp.br/downloads/docs/dt980...
, p. 1). Por fim, limitamos a análise aos programas credenciados e recomendados pela Capes na última avaliação quadrienal, aqueles com notas de 3 a 75 5 “Programas que recebem notas 1 e 2 têm suas autorizações de funcionamento e reconhecimento dos cursos de mestrado e/ou doutorado cancelados” (Capes, 2019). Recuperado de http://www.capes.gov.br/perguntas-frequentes . Os critérios possibilitaram a análise de dados representativos de 2.763 programas de pós-graduação, o que corresponde a 66,2% dos programas do país. Essa seleção nos permitiu examinar uma parcela muito significativa da pós-graduação brasileira e as instituições que concentram a maior parte da educação e pesquisa acadêmica qualificada.

A partir da lista de programas da avaliação quadrienal da Capes, buscamos os editais de seleção nos sítios eletrônicos de cada programa. Caso os editais não fossem localizados nos sites, entrávamos em contato com os programas por e-mail ou telefone. Aqueles que não responderam foram codificados como sem ação afirmativa, uma vez que não foi possível analisar seus editais. Todos os editais foram analisados, e aqueles contendo ações afirmativas foram separados e codificados de acordo com as seguintes características: universidade; código do programa conforme dados da Capes; área do conhecimento; tipo de ação afirmativa; beneficiários; nota da Capes; estado; e região. As variáveis escolhidas visaram estabelecer as principais características da política.

Com base na tipologia de mudança mencionada acima, decidimos desenvolver uma variável que nos permitisse identificar o número de mudanças que os programas fizeram no seu processo de seleção para torná-lo mais inclusivo para grupos específicos. Para isso, tivemos que analisar os programas com ação afirmativa e suas regras de admissão. Além dos editais de seleção, também analisamos documentos como propostas de ações afirmativas, atas de reuniões e resoluções internas, entre outros.

Para identificar e classificar os diferentes tipos de mudança nas políticas de admissão, o primeiro passo da pesquisa consistiu em separar os editais de seleção de 137 programas de pós-graduação que criaram ações afirmativas por iniciativa própria, desconsiderando aquelas feitas por determinação legal ou resoluções de conselhos universitários. A análise da criação de políticas permite-nos identificar se os programas os criaram de forma independente ou foram forçados a fazê-lo. A origem da iniciativa de mudança indica um desejo real por políticas de diversidade e mudanças nos procedimentos. Os 137 programas que criaram políticas de forma independente representam 18,3% de todos os programas de ação afirmativa até janeiro de 2018.

Em seguida, todos os editais de seleção dos 137 programas foram codificados usando o software NVivo para identificar as principais etapas e critérios de admissão. Isso resultou em uma lista das principais etapas: tipo de vagas, tipo de edital, pontuação mínima (nota de corte)6 6 As notas de corte referem-se às pontuações mínimas que um candidato deve atingir para ser aprovado em cada etapa ou para a aprovação final. , exames, proficiência em idiomas estrangeiros, avaliação do currículo, projeto de pesquisa, entrevista, cartas de recomendação e aceite do orientador (Quadro 1).

A terceira etapa consistiu na criação de códigos para identificar os tipos de alterações relacionadas às políticas de ação afirmativa. Para isso, foram analisados os 137 editais para verificar características que foram sujeitas a modificações a favor de determinados grupos ou permaneceram as mesmas e aplicáveis a todos os candidatos. O Quadro 1 abaixo descreve os códigos que foram criados e aplicados ao software NVivo.

QUADRO 1
CARACTERÍSTICAS DOS PROCESSOS SELETIVOS E TIPOS DE MUDANÇA

Quadro 1
continuação

A última etapa consistiu na criação de um conjunto de dados com (a) o número de características do processo seletivo para cada programa e (b) os códigos do Quadro 1 que se aplicam a cada etapa do processo. Em seguida, o grau de mudança (DC) foi estabelecido com base na razão entre o número de mudanças (m) e a soma das características do processo seletivo (c), de acordo com a fórmula abaixo:

D C = m c = m 1 + m 2 + m 3 + m n c 1 + c 2 + c 3 + c n

Os dados do grau de mudança de todos os programas que criaram ações afirmativas foram transformados em uma escala que varia de 0,1 (menor) a 1 (maior).

O artigo também usa dados de entrevistas semiestruturadas. Embora muitas informações estejam disponíveis em documentos públicos, uma apreciação puramente documental não se mostrou suficiente para uma análise mais aprofundada dessas medidas e padrões de mudança. Portanto, entrevistas em profundidade foram realizadas com atores selecionados de alguns programas (Harvey, 2011Harvey, W. S. (2011). Strategies for conducting elite interviews. Qualitative Research, 11(4), 431-441. Retrieved from https://doi.org/10.1177/1468794111404329
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; Hochschild, 2005Hochschild, J. L. (2005). Conducting Intensive Interviews and Elite Interviews. In M. Lamont, & P. White(Eds.), Workshop on Interdisciplinary Standards for Systematic Qualitative Research (pp. 124-127). Alexandria, VA: National Science Foundation. Retrieved from https://www.nsf.gov/sbe/ses/soc/ISSQR_workshop_rpt.pdf
https://www.nsf.gov/sbe/ses/soc/ISSQR_wo...
; Kapiszewski, 2015Kapiszewski, D. (2015). Field research in political science: practices and principles. Cambridge, UK: Cambridge University Press.; Mosley, 2013Mosley, L. (2013). Interview Research in Political Science. London, UK: Cornell University Press.)

Sete coordenadores de programas que aprovaram ações afirmativas foram entrevistados para este artigo. A primeira etapa da seleção dos entrevistados envolveu a divisão dos programas por área de conhecimento7 7 A Capes divide os programas em nove grandes áreas: Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharia, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes, e Multidisciplinar. . Essa variável foi essencial para entender se havia diferenças nos padrões de mudança. O método de amostragem aleatória foi, então, aplicado para selecionar um programa de cada uma das nove áreas do conhecimento (Goldstein, 2002Goldstein, K. (2002). Getting in the Door: Sampling and Completing Elite Interviews. Political Science & Politics, 35(04), 669-672. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1017/S1049096502001130
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; Kapiszewski, 2015Kapiszewski, D. (2015). Field research in political science: practices and principles. Cambridge, UK: Cambridge University Press.; Lynch, 2013Lynch, J. (2013). Aligning Sampling Strategies with Analytic Goals. In L. Mosley (Ed.), Interview Research in Political Science (pp. 31-44). London, UK: Cornell University Press.). Posteriormente, as solicitações por e-mail foram enviadas aos programas selecionados. A área de Engenharia não possuía um programa com ações afirmativas criadas por iniciativa própria. Na área de Ciências Exatas e da Terra, nenhum programa respondeu aos pedidos de entrevista. Reconhecemos que a amostra de entrevistas não é representativa dos programas que decidiram criar ações afirmativas por si próprios. No entanto, as entrevistas em profundidade permitiram explorar um tema ainda pouco frequente na literatura e obter uma melhor compreensão do processo de tomada de decisão.

QUADRO 2
LISTA E CODIFICAÇÃO DOS ENTREVISTADOS DOS PROGRAMAS

O roteiro básico das entrevistas semiestruturadas continha 15 perguntas sobre a formulação de políticas e os processos de tomada de decisão, bem como as barreiras enfrentadas pelos grupos de beneficiários e propostas para alterar os critérios de admissão. Testamos o roteiro com acadêmicos e administradores públicos antes de seu uso em campo (Leech, 2002Leech, B. L. (2002). Asking Questions: Techniques for Semistructured Interviews. PS: Political Science and Politics, 35(4), 665-668. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1017/S1049096502001129
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; Mosley, 2013Mosley, L. (2013). Interview Research in Political Science. London, UK: Cornell University Press.). As entrevistas duraram cerca de 1 hora cada. Todas foram transcritas e codificados no software NVivo em categorias como barreiras de acesso, alterações de critérios de seleção, resistência, argumentos a favor e contra e motivos para mudança (Aberbach & Rockman, 2002Aberbach, J. D., & Rockman, B. A. (2002). Conducting and Coding Elite Interviews. Political Science & Politics, 35(4), 673-676. Retrieved from https://doi.org/10.1017/S1049096502001142
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; Kurasaki, 2000Kurasaki, K. S. (2000). Intercoder Reliability for Validating Conclusions Drawn from Open-Ended Interview Data. Field Methods, 12(3), 179-194. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1525822X0001200301
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). A parte qualitativa da pesquisa foi submetida à aprovação do Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) por meio da Plataforma Brasil (CAAE8 8 Certificado de Apresentação para Apreciação Ética. n° 64214716.6.0000.5282) e obteve parecer favorável em 17 de março de 20179 9 Parecer nº 1.970.173. . Todos os entrevistados foram informados sobre os objetivos e riscos da pesquisa. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

5. RESULTADOS

Esta seção tem como objetivo identificar os diferentes tipos de alterações que aconteceram nos processos seletivos da pós-graduação por meio da criação de ações afirmativas. É essencial classificar os tipos de mudança e desenvolver análises capazes de identificar as fontes de variação.

Na maioria dos programas, as cotas de ação afirmativa não excluem os estágios tradicionais do processo de admissão (Quadro 1). No entanto, se essas políticas visam incluir indivíduos de grupos desfavorecidos, alguns desses procedimentos têm um alto potencial de exclusão e podem afetar os objetivos das políticas. Alguns argumentam que estudantes pobres ou indígenas, por exemplo, costumam ser eliminados nos estágios iniciais do processo, principalmente devido à exigência de proficiência em línguas estrangeiras. O problema é abordado por Santos (2010Santos, J. T. (2010). Pós-graduação em Direito e Ações Afirmativas no Brasil: uma experiência induzida. Revista Pós Ciências Sociais, 7(14), 155-172. Retrieved from http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/570
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) ao discutir o processo de criação da área de concentração em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP e a aplicação de cotas. Os editais de seleção do programa estabelecem que a primeira etapa do processo seletivo consiste em um exame eliminatório que atesta a proficiência do candidato em línguas estrangeiras. Segundo Santos (2010)Santos, J. T. (2010). Pós-graduação em Direito e Ações Afirmativas no Brasil: uma experiência induzida. Revista Pós Ciências Sociais, 7(14), 155-172. Retrieved from http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/570
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, após a criação da nova área de concentração e implantação das cotas, 61 alunos se inscreveram nas vagas reservadas, mas apenas quatro foram aprovados no exame de proficiência.

Os dados coletados mostram que alguns programas consideraram as barreiras enfrentadas pelos vários grupos no acesso a cursos de pós-graduação ao formular suas políticas afirmativas. A proposta apresentada ao programa de Antropologia Social do Museu Nacional - Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS-MN/UFRJ), por exemplo, destaca que os desafios enfrentados pelos negros não seriam removidas simplesmente com a criação de cotas ou vagas adicionais (Venturini, 2017Venturini, A. C. (2017). Formulação e implementação da ação afirmativa para pós-graduação do Museu Nacional. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1292-1313. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/198053144438
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). Assim, seria necessária a adoção de outras medidas, como, por exemplo, a redução das notas de corte. Portanto, é fundamental entender quais tipos de mudança foram promovidos pela criação de ações afirmativas nos processos seletivos dos programas.

Ao analisarmos a distribuição dos graus de mudança, nota-se que 89,1% dos 137 programas realizaram mudanças em menos de 40% das características de seus processos seletivos. A proporção de programas que efetuaram mudanças mais significativas é baixa.

GRÁFICO 2
DISTRIBUIÇÃO DO GRAU DE MUDANÇA (N = 137)

Com base nos dados coletados, percebe-se a presença de duas formas principais de mudança institucional nos programas de pós-graduação: substituição e camadas.

5.1 Casos de mudança em camadas

A modalidade de mudanças em camadas se manifesta em casos em que o processo de seleção tradicional do programa de pós-graduação não é completamente modificado para se adequar a certos grupos, mas é mantido e coexiste com novas regras de natureza inclusiva. Foram considerados mudança em camadas os programas que alteraram entre 10% e 69% dos critérios de admissão a favor de determinados grupos, ou seja, aqueles que apresentam grau de mudança igual ou superior a 0,1 e inferior a 0,7.

Entre os programas de pós-graduação que aprovaram a ação afirmativa por iniciativa própria, identificamos programas com baixo grau de mudança (graus 0,1 a 0,19) e graus intermediários de mudança (graus 0,2 a 0,69).

Os programas com baixo grau de mudança são aqueles em que a única diferença no processo seletivo foi a criação de cotas ou vagas adicionais para grupos específicos. Ou seja, não foram feitas alterações nas outras etapas, sendo os candidatos às vagas reservadas submetidos às mesmas regras aplicáveis aos candidatos da ampla concorrência.

O número expressivo de programas nessa faixa (65,7%) está relacionado ao fato de a maioria dos programas que criaram ações afirmativas adotou um modelo de cotas disseminado principalmente por meio das seleções para ingresso em cursos de graduação10 10 Lei Federal nº 12.711/2012. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm e nos concursos públicos11 11 Lei Federal nº 12.990/2014. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm . Os benefícios e resultados positivos, principalmente nos cursos de graduação (Senkevics & Mello, 2019Senkevics, A. S., & Mello, U. M. (2019). O perfil discente das universidades federais mudou pós-lei de cotas? Cadernos de Pesquisa, 49(172), 184-208. Retrieved from https://doi.org/10.1590/198053145980
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), oferecem aos atores fortes incentivos para o uso da mesma modalidade. Pensar em outras soluções projetadas explicitamente para programas de pós-graduação demandaria recursos, tempo e aumentaria a incerteza (Pierson, 2004Pierson, P. (2004). Politics in time: history, institutions, and social analysis. Princeton, NJ: Princeton University Press., pp. 21-23). O entrevistado S, cujo programa está dentro dessa faixa, relatou que os responsáveis pela elaboração da proposta em seu programa buscavam entender como outros programas de ciências da saúde estavam implementando ações afirmativas. No entanto, o programa optou por estabelecer percentuais de cotas diferentes dos adotados pelos modelos.

Em casos com graus intermediários de mudança, as modificações variam. Além da criação de cotas, alguns programas reduziram a nota de corte para candidatos de grupos específicos. É o caso do curso do programa em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em que os editais de seleção estabelecem que negros, indígenas e candidatos com deficiência têm nota mínima de 6 pontos (em vez de 7).

Outros programas ajustaram os critérios para atestar proficiência em línguas, que consideram necessários por diversos motivos. O primeiro motivo dos entrevistados está relacionado ao fato de muitos livros e artigos ainda não terem sido traduzidos para o português. Assim, a proficiência seria relevante para a quantidade e a qualidade da literatura que os alunos podem absorver. Além disso, a Capes incentiva programas que promovam sua internacionalização por meio de publicações em periódicos estrangeiros, participação em congressos internacionais e períodos de pesquisa no exterior. Assim, os programas têm fortes incentivos para exigir proficiência em línguas estrangeiras - geralmente um idioma para o mestrado e dois para o doutorado.

No entanto, alguns programas decidiram mudar as regras. Em alguns casos, os candidatos que se inscrevem por meio de ação afirmativa são dispensados de fazer exames de proficiência em idiomas estrangeiros. O grupo que mais se beneficiou com esta decisão foram os candidatos indígenas, que estão dispensados da comprovação de proficiência em língua estrangeira, visto que o português pode ser considerado seu idioma estrangeiro, uma vez que podem ter suas línguas maternas como primeira língua. O entrevistado H mencionou que o programa mudou as regras, para que “tanto os alunos indígenas quanto os surdos tenham o português como língua complementar. Então, eles fazem um teste, como se fosse um teste de proficiência, mas é chamado de um idioma adicional [...], e o português seria considerado um segundo idioma”.

Dentre as medidas inclusivas relacionadas à proficiência em idiomas que têm sido aplicadas a todos os candidatos (optem ou não pela ação afirmativa), podemos destacar: a concessão de um prazo alargado para atestar a proficiência; a possibilidade de realizar um novo teste após um certo período; e a aprovação em exame de língua estrangeira como etapa classificatória e não eliminatória12 12 Como no caso do programa do Entrevistado S. . Em alguns programas, como o do Entrevistado SA, a proficiência em uma língua estrangeira é apenas um requisito para a defesa da tese ou dissertação, permitindo que os alunos desenvolvam suas habilidades no idioma durante o programa. Destaca-se, ainda, a não aplicabilidade de determinadas etapas para alunos de determinados grupos, como a dispensa de candidatos indígenas à prova escrita.

Além disso, alguns programas alteraram suas regras de distribuição de bolsas - geralmente vinculadas à classificação dos candidatos no processo seletivo. Eles estabeleceram que os candidatos optantes pela ação afirmativa seriam priorizados para receber bolsas de estudo, o que também poderia se tornar um incentivo para um fluxo mais considerável de um conjunto diversificado de alunos. O entrevistado H observou que o programa “leva em consideração o aluno que ingressou pelo sistema de reserva de vagas para tentar lhe contemplar com uma bolsa para garantir sua permanência”.

5.2 Casos de substituição

Nos processos seletivos, a modalidade de substituição (displacement) manifesta-se em casos em que o processo de seleção tradicional é majoritamente ou totalmente modificado para se adequar às barreiras enfrentadas por certos grupos, como os indígenas. Ou seja, não se trata apenas de reservar de vagas para estudantes de determinados grupos, mas da alteração de diversas etapas e critérios do processo de seleção com o objetivo de torná-lo mais inclusivo.

Foram considerados casos de deslocamento os programas que alteraram mais de 70% dos critérios de admissão em favor de determinados grupos; ou seja, aqueles que apresentam grau de mudança igual ou superior a 0,7. O Gráfico 2 (acima) mostra que apenas 3,6% dos programas apresentam graus de variação superiores a 0,7, o que corresponde a apenas cinco deles.

Dentre esses cinco programas, quatro são da área de Antropologia. De acordo com os documentos e propostas analisados, a difusão dessas políticas no campo está vinculada à difusão da inovação nas redes acadêmicas. No entanto, isso não se limitou à imitação, já que muitos programas de antropologia adotaram diferentes práticas e critérios.

O programa de pós-graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo, por exemplo, é o que apresenta o maior grau de mudança: 0,889. O programa alterou totalmente seus editais de seleção após extensas discussões internas sobre o processo. A resolução aprovada reserva um percentual de vagas para pretos, pardos e pessoas com deficiência e cria vagas adicionais reservadas para indígenas13 13 Resolução Normativa 01/2017. Recuperado de http://ppgas.fflch.usp.br/resolucao-normativa-de-adocao-e-regulamentacao-da-politica-de-acoes-afirmativas-do-ppgasusp . O programa conta com dois processos seletivos regulados por editais distintos, sendo um exclusivo para candidatos indígenas. Além disso, os candidatos - optando ou não pela ação afirmativa - contam com um prazo estendido para comprovar a proficiência em línguas estrangeiras. Os candidatos fazem exames para atestar sua competência em um idioma estrangeiro antes de se inscreverem para os exames de qualificação, o que geralmente acontece no segundo ano.

O PPGAS-MN/UFRJ, que apresenta grau de mudança 0,7, tornou-se referência ao aprovar as ações afirmativas. O programa criou a política para atender às demandas dos alunos de pós-graduação sobre a falta de negros e indígenas em suas turmas. A proposta14 14 Duas propostas apresentadas ao programa em 2007 e 2012 foram disponibilizadas à autora. Para mais informações sobre esse processo, consulte: Venturini (2017). foi apresentada em 2007, passou por diversas revisões e foi finalmente aprovada pelo colegiado em 201215 14 Duas propostas apresentadas ao programa em 2007 e 2012 foram disponibilizadas à autora. Para mais informações sobre esse processo, consulte: Venturini (2017). . Este é um exemplo em que a demanda de modificação da seleção encontrou forte resistência interna, resultando em um longo processo de discussão antes de sua aprovação (Venturini, 2017Venturini, A. C. (2017). Formulação e implementação da ação afirmativa para pós-graduação do Museu Nacional. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1292-1313. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1590/198053144438
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). A resolução, aprovada em 2012, estabeleceu que o programa ofereceria dois tipos de ação afirmativa (Venturini, 2017). Em primeiro lugar, um percentual de vagas (mínimo de 20% ao ano) é reservado para candidatos pretos e pardos e aqueles que optaram pela ação afirmativa teriam uma nota de corte inferior (5 pontos16 16 A pontuação mínima para os candidatos que não optam pela ação afirmativa é 7. A pontuação varia de 0 a 10 (a mais alta). ) em todas as etapas. Em segundo lugar, vagas adicionais são reservadas para estudantes indígenas, que passam por um processo de admissão modificado.

6. O QUE EXPLICA CADA TIPO DE MUDANÇA?

Os dados coletados indicam que a maioria das universidades públicas e programas de pós-graduação passou por processos de mudança de camadas (layering) e que há poucos casos de substituição (displacement). Mas por quê?

O principal fator que contribui para a modificação dos critérios de admissão é a área de conhecimento do programa. Os dados mostram que os programas de pós-graduação em Ciências Humanas sofreram as mudanças mais significativas. A Tabela 1 ilustra que todos os programas que apresentaram grau de variação de 0,6 ou superior estão dentro desta área. O entrevistado M comentou: “houve resistência, mas [...] as ciências humanas - onde as pessoas são mais abertas a essas problemáticas - foi onde tudo começou”.

TABELA 1
DISTRIBUIÇÃODOS PROGRAMAS QUE CRIARAM AÇÕES AFIRMATIVAS DE FORMA AUTÔNOMA DE ACORDO COM O GRAU DE MUDANÇA E ÁREA DE CONHECIMENTO (N = 137)

O predomínio das Ciências Humanas parece estar relacionado à sua proximidade com os estudos da desigualdade. Durante as entrevistas, ficou claro que as pessoas das áreas de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Letras, Linguística e Artes tinham muito mais informações sobre os obstáculos que determinados grupos enfrentam em seu caminho para acessar o ensino superior. Essas informações permitiriam maior reconhecimento da existência do problema na pós-graduação e da necessidade de se fazer algo a respeito.

Ademais, os programas nessas áreas viam a admissão de alunos de várias origens como benéfica para o aprimoramento da pesquisa científica. Os entrevistados sugeriram que a diversidade é essencial para possibilitar novos problemas e abordagens metodológicas. O entrevistado S observou que esses grupos “nos trazem uma vivência que muitos que estão na universidade há muito tempo esqueceram”. O entrevistado SA também mencionou, “a importância de oxigenar o próprio debate na realidade por meio da diversidade de temas. Você pode trazer novos temas, temas que estão na sociedade. A Universidade fica pouco permeável a esses temas”.

Para o Entrevistado Bio, o fato de o programa ter “uma sólida ‘vocação’ regional, e a inserção regional é um dos pontos fortes do programa, então para nós seria interessante saber que pudemos cumprir esse papel social também na pós-graduação.” A entrevistada LLA observou que “o programa quer uma inserção nas margens da sociedade” e para um curso de artes que lida com um “mundo simbólico”, é fundamental ter “uma composição um tanto heterogênea, eclética talvez, do corpo discente”.

Os dados também corroboram o entendimento de que os programas que mais alteraram os processos de admissão foram os de Antropologia, cujas mudanças significativas têm sido a favor dos candidatos indígenas.

Pode-se argumentar que a proximidade dos programas com esses grupos étnicos permitiu a consideração de suas especificidades no desenho das políticas. No caso do programa de Antropologia Social da USP, por exemplo, a proposta17 17 A proposta foi publicada em uma revista de Antropologia. Ver Marques et al. (2017). de ação afirmativa apresentada ao programa destaca a importância de se considerar as diferenças na escolarização indígena e os benefícios que sua presença pode trazer para o campo. O entrevistado M também mencionou os benefícios que os alunos indígenas podem trazer para os programas:

[...] não seria importante apenas que os indígenas entrassem, mas que entrassem também os conhecimentos. O pessoal quer estudar os indígenas, quer fazer dos indígenas objetos de pesquisa, mas nem sempre veem eles como sujeitos. Então, levantamos um questionamento epistemológico de como se pensa a relação sujeito-objeto na produção do conhecimento científico.

Muitos entrevistados indicaram também que a inclusão de grupos específicos e as mudanças nos processos de admissão foram enfatizados por membros de grupos de pesquisa. O entrevistado H destacou que o programa possui uma linha sólida de pesquisa sobre gênero e sexualidade há quase 30 anos, e um aluno de doutorado destacou as barreiras enfrentadas por estudantes trans no acesso à pós-graduação. Situação semelhante ocorreu no programa do Entrevistado LLA, em que “foi um professor que levantou essa questão” devido à sua longa trajetória e participação no movimento negro. O entrevistado S também destacou a proximidade do campo (saúde) às questões ligadas às desigualdades.

Alguns entrevistados também mencionaram muita resistência às modificações estruturais devido à importância do mérito e da excelência acadêmica. Eles optaram por aprovar cotas ou criar vagas adicionais, mantendo as regras existentes intactas para discutir mudanças mais substanciais no futuro. O entrevistado LLA, por exemplo, mencionou que o programa reservava apenas vagas e optou por não alterar o processo seletivo porque “havia um consenso no programa de que, no processo seletivo, o mérito acadêmico também deve ser pesado e prevalecer”.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal deste artigo foi preencher essa lacuna e explicar como a criação de políticas afirmativas resultou na modificação do processo seletivo tradicional realizado pelos programas de pós-graduação e identificar os diferentes tipos de mudança. O processo de formulação de políticas afirmativas e mudança na admissão à pós-graduação fornece importantes insumos sobre a dinâmica institucional e processos de mudança em favor da redução das desigualdades.

Os dados apresentados no artigo fornecem um primeiro olhar para um tema ainda não analisado na literatura especializada. A abordagem da mudança institucional não é tradicional nas pesquisas sobre ação afirmativa. O artigo apresenta uma abordagem interdisciplinar, pois conecta a literatura da Ciência Política sobre desigualdades, políticas públicas e relações raciais. A tipologia da mudança institucional permitiu verificar que a maioria dos programas de pós-graduação criou ações afirmativas (cotas ou vagas adicionais reservadas), mas não alterou significativamente seus processos seletivos. A maioria dos programas passou por processos de mudança em camadas, com poucos casos de substituição e modificações quase completas nos processos de seleção devido às barreiras enfrentadas por determinados grupos.

A predominância dos casos de mudança em camadas aponta para uma tendência de continuidade e manutenção dos mesmos critérios e procedimentos de seleção, que são vistos como suficientes para alcançar os resultados desejados pelos atores e manter os recursos alocados aos programas. A incerteza quanto ao impacto que a ação afirmativa poderia ter na nota da Capes também parece ter contribuído para mais casos de mudança em camadas. Para alguns programas, diante de uma problemática que encontra resistência entre os docentes, a adoção exclusiva de cotas se mostrou a melhor estratégia disponível, permitindo que a reserva de vagas fosse aprovada, de modo que se considerasse a possibilidade de mais modificações estruturais no futuro.

A predileção por baixos graus de mudança e substituição pode ser explicada pela forte resistência em fazer alterações mais substanciais nos processos de admissão devido à importância que os programas e docentes atribuem ao mérito acadêmico. Porém, para que a pós-graduação cumpra seu papel social e seja mais representativa da sociedade, é fundamental que a concepção de meritocracia adotada por docentes e comissões de seleção seja mais sensível às desigualdades.

Dessa forma, os processos seletivos dos cursos de pós-graduação precisam levar em consideração as barreiras enfrentadas pelos grupos desfavorecidos para a inscrição e participação nas seleções, bem como as realizações desses indivíduos no contexto das oportunidades que tiveram ao longo de suas vidas.

Por fim, novos estudos são necessários para analisar as dinâmicas internas e os aspectos que representam obstáculos ou impulsos institucionais para mudanças mais substanciais nos processos seletivos e diferenças na intensidade de adesão às políticas e tipos de mudança nas diversas áreas do conhecimento e regiões do país. Para isso, é imprescindível que os dados do ensino superior público, inclusive da pós-graduação, sejam disponibilizados ao público e à comunidade de pesquisadores, a fim de nos dar uma visão realista do impacto das políticas de ação afirmativa e das mudanças que elas geram.

AGRADECIMENTOS

A pesquisa foi financiada com bolsa de doutorado concedida pela FAPERJ. Agradeço a todos que leram e comentaram as versões preliminares deste trabalho, a saber: Prof. João Feres Jr., Prof. Carlos Antonio Costa Ribeiro e Prof. Luiz Augusto Campos (IESP-UERJ); Prof. Ana Claudia Nierdhardt Capella (UNESP); Prof. Jennifer L. Hochschild (Universidade de Harvard); Profa. Maria Hermínia Tavares de Almeida e os pós-doutorandos do IPP-Cebrap; e todos os pareceristas anônimos

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  • 1
    Ver, por exemplo, as definições apresentadas por: Kennedy (2015), Sabbagh (2007) e Silva (2006).
  • 2
    No Brasil, existem dois tipos de cursos de pós-graduação, os cursos stricto sensu (mestrado e doutorado), voltados para a pesquisa acadêmica, e os lato sensu (especializações, MBAs).
  • 3
    Alguns programas têm apenas um processo seletivo anual, enquanto outros realizam até duas seleções por ano.
  • 4
    Um quilombola é um afro-brasileiro residente em territórios quilombolas. O termo “quilombo” possui um “caráter polissêmico, aberto, com grandes variações empíricas de ocorrência no tempo e no espaço” (Arruti, 2008, p. 315). Segundo a Associação Brasileira de Antropologia (Associação Brasileira de Antropologia [ABA], 1994), o termo “quilombo” designa “segmentos negros em diferentes contextos e regiões do Brasil”, sendo “grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar.” São grupos étnicos cuja identidade é definida por “uma referência histórica comum, construída a partir de vivências e valores partilhados”. Eles não são grupos isolados. Nem sempre têm origem em movimentos rebeldes e uso coletivo das terras. Para mais informações sobre “quilombos”, ver: Moura (1972) e Nascimento (1980).
  • 5
    “Programas que recebem notas 1 e 2 têm suas autorizações de funcionamento e reconhecimento dos cursos de mestrado e/ou doutorado cancelados” (Capes, 2019). Recuperado de http://www.capes.gov.br/perguntas-frequentes
  • 6
    As notas de corte referem-se às pontuações mínimas que um candidato deve atingir para ser aprovado em cada etapa ou para a aprovação final.
  • 7
    A Capes divide os programas em nove grandes áreas: Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharia, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes, e Multidisciplinar.
  • 8
    Certificado de Apresentação para Apreciação Ética.
  • 9
    Parecer nº 1.970.173.
  • 10
    Lei Federal nº 12.711/2012. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm
  • 11
    Lei Federal nº 12.990/2014. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm
  • 12
    Como no caso do programa do Entrevistado S.
  • 13
    Resolução Normativa 01/2017. Recuperado de http://ppgas.fflch.usp.br/resolucao-normativa-de-adocao-e-regulamentacao-da-politica-de-acoes-afirmativas-do-ppgasusp
  • 14
    Duas propostas apresentadas ao programa em 2007 e 2012 foram disponibilizadas à autora. Para mais informações sobre esse processo, consulte: Venturini (2017).
  • 16
    A pontuação mínima para os candidatos que não optam pela ação afirmativa é 7. A pontuação varia de 0 a 10 (a mais alta).
  • 17
    A proposta foi publicada em uma revista de Antropologia. Ver Marques et al. (2017).
  • [Versão traduzida]
  • 15
    Resolução do Programa n. 6/2012. Recuperado de https://ppgas.museunacional.ufrj.br/uploads/7/0/8/7/70878475/resolucao_6_2012_acao_afirmativa.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2020
  • Aceito
    25 Jul 2021
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