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Mapeando o centro de governo na América Latina e Caribe: uma tipologia

Resumo

Há duas décadas atrás, Bardach (1998, p. 4) afirmou um problema central da administração pública: “As agências cooperam? Claro que não!” Uma das soluções identificadas por acadêmicos e praticantes tem sido o centro de governo (CdG), isto é, organizações criadas por oficiais eleitos para facilitar a cooperação interministerial para o desenho e implementação de políticas públicas. Originalmente desenvolvidas em sistemas parlamentares europeus e no centro presidencial de Franklin Roosevelt nos Estados Unidos, o CdG ganhou momentum na América Latina e no Caribe (ALC) recentemente após um esforço coletivo entre o BID e a OCDE. Este artigo mapeia o caminho histórico e o desenho institucional atual das organizações no CdG em 27 países da ALC. O resultado de uma coleção exaustiva de dados é uma tipologia com cinco dimensões e 15 tipos ideais com o potencial de auxiliar pesquisadores e praticantes a entender melhor como e porque estas organizações têm sido amplamente adotadas na região.

Palavras-chave:
centro de governo; centro presidencial; agencias centrais; política latino-americana; problemas de coordenação

Abstract

Over two decades ago, Bardach (1998, p. 4) highlighted a core problem of public administration: “Agencies cooperate? Of course not!” One of the solutions identified by scholars and practitioners has been the center of government (CoG), that is, organizations created by elected officials to facilitate inter-ministerial cooperation for the design and implementation of priority policies. Originally developed in European parliamentary systems or at Franklin Roosevelt’s presidential center in the United States, the CoG has recently gained momentum in Latin America and the Caribbean (LAC) after a collective effort between the IDB and the OECD. This paper maps the historical path and most recent institutional design of CoG organizations in 27 LAC countries as of 2020. The outcome of an exhaustive data collection process is a typology with five dimensions and 15 ideal types that help scholars and practitioners to better understand how and why these organizations have now been widely adopted in the region.

Keywords:
center of government; presidential center; central agencies; Latin American politics; coordination problems

Resumen

Hace dos décadas, Bardach (1998, p. 4) planteó un problema central de la administración pública: “¿Cooperan las agencias? ¡Claro que no!” Una de las soluciones identificadas por académicos y practicantes ha sido el centro de gobierno (CdG), es decir, organizaciones creadas por oficiales electos para facilitar la cooperación interministerial para el diseño e implementación de políticas públicas. Desarrollado originalmente en los sistemas parlamentarios europeos y en el centro presidencial de Franklin Roosevelt en Estados Unidos, el CdG ganó impulso en América Latina y el Caribe (ALC) recientemente después de un esfuerzo colectivo entre el BID y la OCDE. Este artículo traza la trayectoria histórica y el diseño institucional actual de las organizaciones en el CdG en 27 países de ALC. El resultado de una recopilación de datos exhaustiva es una tipología con cinco dimensiones y 15 tipos ideales con el potencial de ayudar a los investigadores y practicantes a comprender mejor cómo y por qué estas organizaciones se han adoptado ampliamente en la región.

Palabras clave:
centro de gobierno; centro presidencial; agencias centrales; política latinoamericana; problemas de coordinación

1. INTRODRUÇÃO

Em seu livro seminal “Getting agencies to work together”, Bardach (1998Bardach, E. (1998). Getting agencies to work together: the practice and theory of managerial craftsmanship. Washington, DC: Brookings Institution Press., p. 4) exclama um dos principais problemas da administração pública: “As agências cooperam? Claro que não!”1 1 Tradução livre desta e demais citações diretas cujo a língua original não é o português. Isto deriva de, entre outros, o Modelo de Política Burocrática de Allison (1969Allison, G. T. (1969). Conceptual Models and the Cuban Missile Crisis. The American Political Science Review, 63(3), 689-718.), o qual analisa os conflitos de interesses que resultam da interação entre gerentes da alta administração de diferentes agências públicas. Por volta de cinco décadas depois, nós sabemos que problemas de coordenação não são exclusivos da alta administração. Eles vão desde os políticos responsáveis pelas pastas ministeriais (Preston & Hart, 1999Preston, T., & Hart, P. (1999). Understanding and Evaluating Bureaucratic Politics: The Nexus Between Political Leaders and Advisory. Political Psychology, 20(1), 49-98.) até burocratas de linha motivados por interesses conflitosos (Brower & Abolafia, 1977; Kalkman & Groenewegen, 2019Kalkman, J. P; & Groenewegen, P. (2019). On Frontline Workers as Bureau-Political Actors: The Case of Civil-Military Crisis Management. Administration & Society, 51(7), 1148-1170.).

Como os governos da América Latina e Caribe (ALC) tentam melhorar a cooperação entre agências no nível nacional? Uma das respostas para resolver problemas de coordenação é o desenvolvimento de agências centrais, isto é, estruturas responsáveis pelo planejamento, condução, e monitoramento das atividades das diferentes pastas dentro do governo (Peters, Dahlström & Pierre, 2011Peters, B. G; Dahlström, C; & Pierre, J. (2011). Steering from the Centre: Strengthening Political Control in Western Democracies. Toronto, Canada: University of Toronto Press.). Neste artigo, eu mapeio o status dos centros de governo (CdG) na ALC. Contribuindo para a literatura existente, este esforço exploratório inclui a classificação do desenvolvimento histórico destas estruturas, suas responsabilidades principais, e como elas se encaixam na estrutura política e administrativas dos países da região. De forma geral, o objetivo deste artigo é oferecer uma tipologia compreensiva sobre estas agências centrais que funcionam como uma resposta burocrática aos problemas de coordenação.

A definição de trabalho para CdG utilizada neste trabalho deriva do estudo seminal de Alessandro, Lafuente e Santiso (2014Alessandro, M; Lafuente, M; & Santiso, C. (2014). Governing to Deliver: Reinventing the Center of Government in Latin America and the Caribbean. Washington, DC: Inter-American Development Bank., p. xvii) na ALC. Eles conceituam o termo como:

as organizações e unidades que proveem suporte direto para o chefe do executivo do país (presidente ou primeiro-ministro), geralmente para o gerenciamento político das ações governamentais, o gerenciamento estratégico de suas prioridades, a coordenação do desenho de políticas públicas, a direção da implementação de políticas públicas, o monitoramento do desempenho e entrega, e a comunicação dos resultados.

Este conceito é mais amplo que aquele adotado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com esta organização internacional, “o Escritório do Presidente, o Gabinete, a Secretaria Geral do Governo, entre outros, se referem às organizações e unidades que servem o Chefe do Executivo (Presidente ou Primeiro-Ministro, e o Gabinete coletivamente)” (OCDE, 2020). A grande diferença é que a abordagem mais ampla permite a inclusão de certas instituições que também auxiliam ao chefe do executivo em promover a coordenação entre agências, ao mesmo tempo que eles não são parte da lista tradicional de organizações geralmente tidas como parte do CdG (por exemplo, vice ministérios setoriais). Enquanto esta estratégia pode incorrer no risco de conceptual stretching, isto é, alargamento conceitual (Sartori, 1970Sartori, G. (1970). Concept Misformation in Comparative Politics. American Political Science Review, 64(4), 1033-1053.), ela é relevante para dar conta das soluções criativas adotadas pelos governos da ALC ao interagir com essa crescente problemática.

Ainda que Alessandro et al. (2014Alessandro, M; Lafuente, M; & Santiso, C. (2014). Governing to Deliver: Reinventing the Center of Government in Latin America and the Caribbean. Washington, DC: Inter-American Development Bank.) estejam dedicados ao estudo do CdG na ALC, eles sublinham que isto não é nem uma estrutura nova, tão pouco algo exclusivo da região. Exemplos tradicionais são encontrados na Austrália (Departamento do Primeiro-Ministro e Gabinete, criados em 1911), Reino Unido (Escritório do Gabinete, 1916) e Estados Unidos (Escritório Executivo do Presidente, 1939). Todas estas organizações têm em comum a tarefa de conduzir a implementação de políticas publicas relevantes especialmente quando a cooperação entre agências é necessária.

O interesse neste tipo de resposta governamental tem crescido (Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID], 2020; OCDE, 2020). Diferentes fatores explicam esta emergência entre acadêmicos e praticantes da administração pública. Considere o crescimento do governo e suas recentes reformas administrativas. Primeiro, houve uma expansão substantiva dos papéis do estado ao longo do tempo (Higgs, 2013Higgs, R. (2013). Crisis and Leviathan: Critical Episodes in the Growth of American Government. Oakland, CA: Independent Institute.). Isto foi possível, entre outros motivos, pelos avanços tecnológicos (Cowen, 2009Cowen, T. (2009, June). Does Technology Drive The Growth of Government? Fairfax, VA: George Mason University.; Kau & Rubin, 1981Kau, J. B; & Rubin, P. H. (1981). The Size of Government. Public Choice, 37(2), 261-274.) e incorporação política de uma maior parcela da população (Husted & Kenny, 1997Husted, T. A; & Kenny, L. W. (1997). The Effect of the Expansion of the Voting Franchise on the Size of Government. Journal of Political Economy, 105(1), 54-82.), consequentemente levando às estruturas governamentais mais complexas.

Neste processo, governos adotaram diversas reformas para descentralizar suas funções. Um dos elementos centrais da Nova Gestão Pública (NGP) é o empoderamento dos gerentes de baixo escalão (R. Andrews & Walle, 2013Andrews, R; & Walle, S. V. (2013). New Public Management and Citizens’ Perceptions of Local Service Efficiency, Responsiveness, Equity and Effectiveness. Public Management Review, 15(5), 762-783.), que ganharam mais atribuições e autonomia (Peters & Pierre, 2000Peters, B. G., & Pierre, J. (2000). Citizens Versus the New Public Manager: The Problem of Mutual Empowerment. Administration & Society, 32(1), 9-28.). Ao passo que isto pode aumentar a eficiência em certas áreas políticas, Peters e Savoie (1996, p. 282) destacam que “Na prática, [...] a fragmentação das estruturas de controle pode contribuir para a incoerência política e resultar em falhas manifestas para o exercício efetivo do controle sobre a burocracia”. Isto explica o movimento whole-of-government, que, seguindo as reformas da NGP, tentaram reduzir a ênfase no isolacionismo e fazer com que a cooperação entre pastas diferentes fosse mais comum (Christensen & Lægreid, 2007Christensen, T; & Lægreid, P. (2007). The whole-of-government approach to public sector reform. Public Administration Review, 67(6), 1059-1066.).

Estas mudanças temporais implicam que, se as agências centrais já eram relevantes no desenvolvimento inicial da governança democrática, a sua presença nas administrações do século 21 se tornou indispensável. Isso levou o Banco Interamericano de Desenvolvimento a estabelecer o projeto regional Fortalecendo e Promovendo Inovação nas Instituições do Centro de Governo em 2013 (Alessandro et al., 2014Alessandro, M; Lafuente, M; & Santiso, C. (2014). Governing to Deliver: Reinventing the Center of Government in Latin America and the Caribbean. Washington, DC: Inter-American Development Bank.), agora chamado de projeto Capacidade Institucional do Estado (BID, 2020). Isto é complementado pelo Programa Regional da América Latina e Caribe da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico que, começando em 2016, também tem promovido assistência técnica e diálogo internacional para fortalecer agências centrais (OCDE, 2018).

Motivado pela crescente relevância do tema na ALC, o restante deste artigo está dividido da seguinte maneira. Primeiro, eu reviso a literatura existente, preocupada principalmente com o estudo de agências centrais nos países desenvolvidos. Estes estudos geralmente incluem o desenvolvimento históricos destas estruturas, suas responsabilidades principais, e qual elas se encaixam na estrutura administrativa de países diferentes. Na próxima seção, eu uso estes pilares para descrever o estado da arte do CdG na região e proponho uma tipologia sobre soluções de coordenação. Esta é baseada em coleta de dados conduzida em 27 países e territórios na América Latino e Caribe — o estudo mais compreensivo da região até o momento. Finalmente, eu discuto o status destas estruturas na região sob a luz da literatura existente. Isso leva à conclusão, onde eu apresento sugestões sobre como prosseguir nesta agenda de pesquisa, bem como sobre reformas em potencial na região.

2. O QUE NÓS JÁ SABEMOS?

A coordenação é um elemento essencial da implementação de políticas públicas.2 2 Neste artigo, eu sigo o conceito de Bardach (1980, p. 139) sobre a implementação de políticas públicas, isto é, “a atividade social que segue e é estimulada por um mandato de política pública com a devida autoridade, o qual antes da implementação é apenas uma coleção de palavras”. Ao estudar o fracasso de um projeto elaborado em Washington, D.C. para implementação em Oakland (Califórnia), Pressman e Wildavsky (1984Pressman, J., & Wildavsky, A. (1984). Implementation: How Great Expectations in Washington are Dashed in Oakland(3a ed.). Los Angeles, CA: University of California Press., p. 94) listam algumas das razões pelas quais agências têm de trabalhar em conjunto:

Alguns destes participantes [...] foram envolvidos porque eles possuíam autoridade jurisdicional sobre partes importantes do projeto; outros [...] entraram no processo porque sentiram que seus interesses afetados; e, ainda, outros [...] foram trazidos intencionalmente ao programa [...] para desenvolver apoio local para os projetos.

De fato, a coordenação horizontal (isto é, entre membros do mesmo nível administrativo) pode aparentar ser menos complexa que a cooperação vertical (entre os governos federal e local). No entanto, não é improvável que vejamos organizações diferentes se juntando a um mesmo processo de implementação pelos mesmos motivos indicados na citação. Além disso, não se deve esperar prima facie que todas estas agências aderirão automaticamente à uma única missão e, deixando de lado suas diferenças, concordarão em todos os detalhes do projeto e dedicarão esforço total para sua execução (veja Allison, 1969Allison, G. T. (1969). Conceptual Models and the Cuban Missile Crisis. The American Political Science Review, 63(3), 689-718.). Afinal de contas, o que é apropriado para uma organização (por exemplo, missão, conceitos, forma de fazer as coisas) não necessariamente será para outra (March & Olsen, 1989March, J. G; & Olsen, J. P. (1989). Rediscovering Institutions: The Organizational Basis of Politics. Springfield, Ohio: Collier Macmillan Publishers.).

Existem ao menos duas complexidades adicionais que podem prejudicar a ação coletiva dentro dos governos. Primeiro, a cooperação não é um jogo com apenas uma rodada (Allison, 1969Allison, G. T. (1969). Conceptual Models and the Cuban Missile Crisis. The American Political Science Review, 63(3), 689-718.; Bardach, 1980Bardach, E. (1980). On Designing Implementable Programs. In G. Majone, & E. S. Quade(Eds.), Pitfalls of Analysis. New York, NY: John Wiley & Sons.). Muitas agências precisam cooperar em múltiplas ocasiões ao longo do tempo, portanto criando um histórico de interações que afeta como eles se veem e, por consequência, sua disposição para trabalhar em conjunto. Segundo estas organizações não necessariamente compartilham o mesmo ponto de vista dos oficiais eleitos (Downs, 1967Downs, A. (1967). Inside Bureaucracy. Boston, MA: Little Brown.) — de fato, esta relação pode ser ainda mais complexa uma vez que os oficiais públicos são substituídos de tempo em tempo. Neste contexto complexo, esperaríamos que os governos desenvolvessem instituições para mitigar os problemas de ação coletiva e que estes arranjos institucionais fossem adaptados ao longo do tempo de forma a responder à história das interações entre as agências e às realidades da administração vigente. Isto explica o crescimento e evolução do CdG.

2.1 Estrutura conceitual

A literatura sobre o CdG utiliza temos diferentes para se referir a este conceito. Isto geralmente inclui agências centrais ou o centro presidencial. Ainda que eles sejam comparáveis, o uso de cada um destes termos geralmente envolve certas particularidades. Primeiro, agências centrais têm um foco maior estruturas específicas dentro de um governo. Por exemplo, Painter (1981Painter, M. (1981). Central Agencies and the Coordination Principle. Australian Journal of Public Administration, 40(4), 265-280.) discute a criação de novas agências como uma ferramenta para mitigar problemas de coordenação. Estas estruturas possuem tarefas que “se referem a aspectos de políticas públicas e administração as quais transcendem fronteiras departamentais, sejam porque uma perspectiva ampla de ‘whole government’ é necessária ou porque vários departamentos e agências têm atribuições sobrepostas” (Painter, 1981, p. 274). Então, a referência às agências centrais pode ocorrer no plural, dado que suas responsabilidades não precisam se concentrar em uma estrutura única. No governo americano, isto inclui o Escritório de Gerência e Orçamento (Office of Management and Budget), o Escritório de Gerenciamento de Pessoal (Office of Personnel Management) e a Administração Geral de Serviços (General Services Administration) (Levine, 1986Levine, C. H. (1986). The Federal Government in the Year 2000: Administrative Legacies of the Reagan Years. Public Administration Review, 46(3), 195-206.).

O conceito de centro presidencial segue, em diversos aspectos, a definição de agências centrais. No entanto, sua referência a um tipo de regime que é frequentemente encontrado fora do escopo europeu demonstra a relevância destas estruturas em países como os Estados Unidos e a maior parte da ALC. O primeiro centro presidencial entre democracias desenvolvidas surge como o Escritório Executivo do Presidente, criado nos Estados Unidos em 1939 com o objetivo de “fortalecer a habilidade do presidente de coordenar o trabalho dos departamentos do gabinete e outras agências executivas” (Bonvecchi & Scartascini, 2014Bonvecchi, A; & Scartascini, C. (2014). The Organization of the Executive Branch in Latin America: What We Know and What We Need to Know. Latin American Politics & Society, 56(1), 144-165., p. 147).

Ao passo que o centro presidencial pode ser enquadrado no escopo de criação de novas agências, como discutido por Painter (1981Painter, M. (1981). Central Agencies and the Coordination Principle. Australian Journal of Public Administration, 40(4), 265-280.) ao analisar agências centrais, o termo geralmente está ligado ao círculo interno do escritório presidencial (Mejía-Guinand, Botero & Solano, 2018Mejía-Guinand, L. B; Botero, F; & Solano, A. (2018). Agency Loss and the Strategic Redesign of the Presidential Office in Colombia. Latin American Politics & Society, 60(3), 96-118.). Neste sentido, Bonvecchi e Scartascini (2014Bonvecchi, A; & Scartascini, C. (2014). The Organization of the Executive Branch in Latin America: What We Know and What We Need to Know. Latin American Politics & Society, 56(1), 144-165., p. 147) definem o centro presidencial como o “grupo mais próximo de assessores que, sem necessariamente possuir responsabilidades ministeriais, trabalham sob sua mais direta supervisão”.

Em perspectiva, a referência ao CdG é mais ampla. Savoie (1999Savoie, D. J. (1999). Governing from the Centre: The Concentration of Power in Canadian Politics. Toronto, Canada: University of Toronto Press ., p. 3) inicia sua análise do tema no Canadá dizendo que “por centro de governo, eu considero o primeiro-ministro, seu escritório, o Gabinete, e as agências centrais”. Naturalmente, o ponto de partida é a aplicabilidade do termo aos sistemas não-presidenciais — o que geralmente ocorre também com a definição de agências centrais. Ainda assim, isto permite uma abordagem mais abstrata, que não é restrita a natureza formal de criação de estruturas implicada quando “agências” são invocadas. Por esta maneira, eu opto pela conceituação mais ampla de todas. Além de possibilitar a inclusão de organizações de regimes distintos, também permite estudar agências que desempenham funções de CdG mesmo que estas não sejam frequentemente categorizadas como agência central.

2.2 Desenvolvimento histórico

A origem do CdG geralmente é relacionada ao secretariado do chefe de governo. Um exemplo comum na literatura é o Departamento Australiano do Primeiro-Ministro e Gabinete, cuja história data da década 1910 (Hamburger & Weller, 2012Hamburger, P; & Weller, P. (2012). Policy Advice and a Central Agency: The Department of the Prime Minister and Cabinet. Australian Journal of Political Science, 47(3), 363-376.). No entanto, foi o crescimento excessivo do governo no pós-Segunda Guerra (Hamburger & Weller, 2012; Hamburger, Stevens & Weller, 2011; Yeend, 1979Yeend, G.J. (1979). The Department of the Prime Minister and Cabinet in Perspective. Australian Journal of Public Administration, 38(2), 133-150.) e a direta influência do secretário do Gabinete britânico (Savoie, 1999Savoie, D. J. (1999). Governing from the Centre: The Concentration of Power in Canadian Politics. Toronto, Canada: University of Toronto Press .) que levaram esta estrutura a ganhar as atribuições tradicionais das agências centrais da atualidade.

Similarmente, a criação do Escritório do Gabinete do Reino Unido também foi influenciada por uma guerra mundial. Em 1916, acompanhando o crescimento do governo causado pela economia de guerra (Hayek, 1997Hayek, F. (1997). The Nature and History of the Problem. In B. Caldwell(Ed.), Socialism and War. Carmel, IN: Liberty Fund.), o Secretariado do Gabinete ganhou prominência como o órgão central na organização das pastas (Seldon & Meakin, 2016Seldon, A., & Meakin, J. (2016). The Cabinet Office, 1916-2018: The Birth of Modern Government. London, UK: Biteback Publishing.). A expansão do papel e gasto das autoridades públicas durante a Segunda Guerra consolidaram esta agência que permaneceu central mesmo em tempos de redução do estado (Seldon & Meakin, 2016).

Em regimes presidenciais, o caso americano é uma das referencias iniciais para o desenvolvimento de um CdG compreensivo. Depois da Crise de 1929 e da eleição de Franklin D. Roosevelt, houve uma expansão significativa do governo em termos de relevância política e gasto financeiro (Higgs, 2013Higgs, R. (2013). Crisis and Leviathan: Critical Episodes in the Growth of American Government. Oakland, CA: Independent Institute.). Dickinson (1996Dickinson, M. J. (1996). Bitter Harvest: FDR, Presidential Power and the Growth of the Presidential Branch. Cambridge, UK: Cambridge University Press.) explica que, durante esta administração, o presidente manteve poder sobre a expansão das pastas do governo a partir da institucionalização do círculo interno da presidência. Isto significou estabelecer rotinas e empoderar seus assessores mais próximos, os quais eram responsáveis por coordenar os diferentes braços do poder executivo. Por fim, esta estratégia resultou na criação do Escritório Executivo do Presidente. A mesma lógica é promovida atualmente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento na ALC (Alessandro et al., 2014Alessandro, M; Lafuente, M; & Santiso, C. (2014). Governing to Deliver: Reinventing the Center of Government in Latin America and the Caribbean. Washington, DC: Inter-American Development Bank.).

2.3 Responsabilidades e sobreposição de atribuições

Painter (1981Painter, M. (1981). Central Agencies and the Coordination Principle. Australian Journal of Public Administration, 40(4), 265-280.) destaca que o CdG é responsável pela coordenação tanto de questões administrativas e como de políticas públicas. A primeira requere a aplicação de rotinas que serão válidas para todo o governo. A segunda se relaciona ao conteúdo substantivo das políticas, o que geralmente demanda uma convergência pluripartidária. Em ambas as áreas, o CdG também precisa incluir um planejamento adequado que defina e reduza a sobreposição de atribuições e esteja engajado no monitoramento para garantir que as agências do governo estejam seguindo as expectativas do center.

Enquanto a sobreposição de atribuições é um problema comum na lista de questões a serem resolvidas pelo CdG, Johnson (1974Johnson, R. T. (1974). Managing the White House. New York, NY: Harper & Row.) sugere que isto também é uma estratégia adotada por alguns oficiais eleitos quando desenhando suas agências centrais. A duplicação pode levar a uma competição que aumenta a eficiência de certos atores públicos (Niskanen, 1971Niskanen, W. (1971). Bureaucracy and representative government. Chicago, IL: Aldine-Atherton.). Adicionalmente, isto também funciona como uma ferramenta para assegurar que as políticas públicas serão implementadas mesmo quando algumas agências decidirem por não as realizar (Costa, 2008Costa, F. L. (2008). Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública, 42(5), 829-874.).

Em outros casos, esta sobreposição é um resultado da especialização. Considere o caso dos ministérios de finanças, serviço público, e planejamento. Todos eles têm responsabilidades que podem ser atribuídas ao centro presidencial ou ao escritório do Gabinete. No entanto, boa parte dos países tem agências específicas para pelo menos um destes setores. Muitos autores incluem estas estruturas no conceito de CdG (Alessandro et al., 2014Alessandro, M; Lafuente, M; & Santiso, C. (2014). Governing to Deliver: Reinventing the Center of Government in Latin America and the Caribbean. Washington, DC: Inter-American Development Bank.), ao passo que, como já argumentado, estas agências podem ser deixadas de lado pelos autores que discutem exclusivamente o centro presidencial (Mejía-Guinand et al., 2018Mejía-Guinand, L. B; Botero, F; & Solano, A. (2018). Agency Loss and the Strategic Redesign of the Presidential Office in Colombia. Latin American Politics & Society, 60(3), 96-118.).

De forma geral, enquanto o centro presidencial pode ter funções sobrepostas com o restante do CdG, estas são implementadas de formas diferentes. O círculo interno do chefe de governo ajudará aos oficiais eleitos a prover diretrizes que serão seguidas por outras agências centrais. Estas, por sua vez, utilizarão sua expertise em áreas específicas para desenvolver e implementar as políticas públicas em acordo com as expectativas do governo.

3. EMPIRICAL STRATEGY

Eu coletei dados do CdG de 27 países e territórios da América Latina e Caribe (ALC). Aqui, eu adoto uma definição mais ampla dos estudos que geralmente adotada pelos estudos focados apenas na América Latina. Isto significa que a lista de países não se limita aos países colonizados por Portugal, Espanha e França. Além deles, incluo todos os que estão ao sul do Rio Grande, isto é, também as antigas colônias britânicas e holandesas, como o Suriname, Belize e Guiana. Por isto, esta se trata da compilação de dados mais ampla na temática de CdG até o momento nas Américas.

Além de incluir países e territórios que geralmente são esquecidos no estudo de administração pública e política na região, esta estratégia adiciona uma complexidade relevante no estudo do CdG, isto é, a variação por regime de governo (Quadro 1). Frequentemente, o estudo dos países da ALC é focado em sistemas presidenciais. No entanto, entre as democracias em desenvolvimento das Américas existem seis sistemas parlamentaristas e um semipresencial. Além disso, duas autocracias merecem comparação.

QUADRO 1
PAÍSES E TIPO DE REGIME

O processo de coleta de dados seguiu a longa tradição de pesquisa documental. De acordo com McCulloch (2004McCulloch, G. (2004). Documentary Research: In Education, History and the Social Sciences. Oxfordshire, UK: Taylor & Francis.), esta abordagem metodológica permite compreender como textos se encaixam e ajudam a explicar contextos complexos. Nas suas palavras,

As burocracias dos estados-nações produziram registros copiosos do seu desenvolvimento, e das suas interações com diferentes grupos de interesse. Elas produziram grande quantidade de relatórios sobre os problemas que eles encontravam e as políticas que eles defendiam, e suas consultas que foram transcritas em detalhes apaixonantes. [...] Estritamente, a realização de registros formais se tornou uma rotina e se transformou em uma disciplina por si própria. Estes registros podem proporcionar uma ideia sobre os processos e trabalhos das estruturas sociais dos tempos modernos (McCulloch, 2004McCulloch, G. (2004). Documentary Research: In Education, History and the Social Sciences. Oxfordshire, UK: Taylor & Francis., p. 11).

Para isto, McCulloch (2004McCulloch, G. (2004). Documentary Research: In Education, History and the Social Sciences. Oxfordshire, UK: Taylor & Francis.) sugere a coleta e análise de tipos diferentes de documentos. Eu estou interessado em dois deles. Primeiro, a legislação, que não inclui nenhum tipo de interpretação. Isto inclui textos constitucionais, leis, e outros tipos de regulações que foram desenhados por oficiais eleitos ou burocratas de maneira a criar organizações ou institucionalizar suas práticas. Estes documentos legais devem ser complementados por textos interpretativos (por exemplo, a literatura acadêmica, relatórios do governo, notícias da imprensa), que auxiliarão a compreender a legislação no seu devido contexto.

Então, o passo inicial neste processo de coleta de dados foi consultar a literatura existente, uma vez que isto auxilia não apenas a compreender os diferentes contextos da ALC, como também a identificar a legislação relevante. Na maior parte dos casos, não há literatura. A primeira exceção são os relatórios regionais, que derivam principalmente dos trabalhos de Alessandro et al. (2014Alessandro, M; Lafuente, M; & Santiso, C. (2014). Governing to Deliver: Reinventing the Center of Government in Latin America and the Caribbean. Washington, DC: Inter-American Development Bank.), sob a tutela do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Quando se foca nos casos nacionais, este campo de pesquisa está mais desenvolvido no Brasil (por exemplo, Cavalcante & Batista, 2019Cavalcante, P; Gomide, A. A; & Barbosa, S. (2019). A coordenação de programas prioritários sob a perspectiva do núcleo do governo federal (2007-2014) (Texto para Discussão, No. 2440). Brasília, DF: IPEA. Retrieved fromhttps://www.econstor.eu/handle/10419/211392
https://www.econstor.eu/handle/10419/211...
), seguido por estudos recentes no Uruguai (Lanzaro, 2016Lanzaro, J. (2016). El Centro Presidencial en Uruguay: 2005-2015. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 25(2), 121-142.; Milanesi & Gadea, 2017Milanesi, A; & Gadea, V. (2017). Desarrollo institucional y caracterización del centro de gobierno en Uruguay. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 26(2), 103-125.) e Chile (Baraona & Herrera, 2011Baraona, R. E; & Herrera, J. C. (2011). El centro de gobierno: Lecciones de la experiencia chilena durante los gobiernos de la Concertación (1990-2010). Estado, Gobierno, Gestión Pública: Revista Chilena de Administración Pública, 17, 137-191.; Franco, 2012Franco, P. A. (2012). La administración presidencial y el control de la burocracia. Revista de Derecho Público, 76, 149-168.; Palacios & Jofré, 2016Palacios, C; & Jofré, H. (2016). Permanencia de agentes clave en el Centro de Gobierno. El caso chileno (1990-2014). Revista Enfoques: Ciencia Política y Administración Pública, 14(24), 91-119.).

Em segundo lugar, eu coletei dados de documentos governamentais. Isto inclui uma revisão de textos constitucionais, leis, decretos, e outras regulações que envolvem a criação ou reforma de agências centrais. Esta informação é complementada com descrições obtidas em sites públicos — em muitos casos, as agências publicam uma breve narrativa da história da organização. Este conteúdo virtual também foi relevante para identificar parte da legislação, além de identificar sua evolução temporal. Além disso, alguns guias de políticas públicas geralmente são publicados online, incluindo, por exemplo, os documentos publicados pela agência central da Jamaica. Estes devem ser utilizados pelas diferentes agências para reportar seus principais projetos e indicadores.

Finalmente, eu me baseei na informação de jornais locais. Estes geralmente foram utilizados para complementar os dados existentes, principalmente em países que criaram ou reformar suas agências centrais recentemente. Em alguns casos, este foi um mecanismo adequado para detectar as influências das organizações internacionais no desenvolvimento do CdG — uma tendência comum em diversos países da América Central e Caribe.

Em todos estes casos, eu optei por uma compreensão ampla de CdG. Isto é, eu foquei nas diferentes organizações que são responsáveis por pelo menos uma das funções do CdG, como expressado no conceito de Alessandro et al. (2014Alessandro, M; Lafuente, M; & Santiso, C. (2014). Governing to Deliver: Reinventing the Center of Government in Latin America and the Caribbean. Washington, DC: Inter-American Development Bank.). Por exemplo, eu incluí todas as organizações responsáveis por auxiliar na cooperação entre agências sempre que isto foi referido na literatura, documentos governamentais ou jornais locais.

Para processar estes dados, eu categorizei as informações baseado em uma série de critérios (por exemplo, processo histórico, legislação relevante, chefe do CdG, estruturas executivas, órgãos colegiados, ferramentas de políticas públicas). Até certo ponto, isto se parece com a proposição feita por Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Coimbra, Portugal: Edições 70.) para a análise de conteúdo. Isto é, depois de revisar o todo o corpus, eu criei etiquetas e analise cada instituição para categorizá-las de acordo com a tipologia proposta.

Como será explicado na próxima seção, estes tipos ideias estão distribuídos entre cinco dimensões. Duas delas se relacionam com a história do CdG na região (Processo Histórico e Evolução Temporal), duas se aplicam ao tipo de agência (Agências Executivas e Órgãos Colegiados), e a última é específica para instrumentos (Ferramentas de Políticas Públicas). Esta abordagem permite uma comparação compreensiva dos 27 casos selecionados, variando desde como estas instituições evoluíram seus mecanismos relevantes para facilitar a cooperação entre agências. Na próxima seção, eu sistematizo e apresento os achados de exploração.

4. CENTRO DE GOVERNO NA AMÉRICA LATINA E CARIBE

O processo de categorização resultou em cinco dimensões: processo histórico, evolução temporal, agências executivas, órgãos colegiados, e ferramentas para políticas públicas. Cada uma destas dimensões tem dois ou três tipos ideais. De acordo com a abordagem weberiana, isto não significa que cada país ou agência se enquadra perfeitamente em apenas um tipo ideal. Pelo contrário, a maior parte dos casos inclui uma mescla de categorias diferentes. Ainda assim, a tipologia é relevante para compreender os principais elementos da formação e organização do CdG na região.

QUADRO 2
DIMENSÕES E TIPOS IDEAIS DO CDG

Os tipos ideais são apresentados na Tabela 2. Eles são explicados e exemplificados nas próximas subseções deste artigo. No entanto, antes de prosseguir, é importante explanar sobre as cinco dimensões aqui propostas. Primeiro, duas delas são dedicadas a natureza longitudinal do CdG: enquanto o Processo Histórico captura a pluralidade das rupturas históricas que influenciaram a criação e evolução destes arranjos institucionais, a Evolução Temporal trata de como o contexto político levou os governos aos diferentes problemas e soluções.

As duas próximas dimensões abrangem tipos de agências. Por um lado, os governos adotaram soluções centralizadas por meio da criação de agências responsáveis por desenhar, controlar, e monitorar processos de implementação. Por outro lado, estas tarefas foram delegadas para órgãos colegiados onde os membros de organizações diferentes eram responsabilizados para atingir soluções comuns. Finalmente, a última dimensão se dedica a explorar as ferramentas utilizadas pelas organizações para desempenhar as tarefas do CdG.

4.1 Processo histórico

Independente do país, o CdG tende a evoluir. Mesmo na ausência de instituições responsáveis por relações interministeriais, é possível identificar oficiais do governo responsáveis por tarefas semelhantes. Por exemplo, o primeiro-ministro, por definição, coordena o Gabinete; adicionalmente, o ministro das finanças é responsável por distribuir orçamentos de acordo com as prioridades do chefe de governo. Portanto, não seria complemente correto argumentar que alguns países apenas desenvolveram um CdG recentemente, por exemplo, nos últimos cinco anos.

De toda forma, se focamos especificamente nas estruturas criadas para a coordenação de políticas públicas, é possível sugerir três categorias de processo histórico: pós-independência, estruturalista e globalização. Apresentados como tipos ideais, os países não devem ser compreendidos como pertencendo exclusivamente a apenas uma destas categorias. Mesmo assim, a tipologia auxilia na compreensão do desenvolvimento do CdG na região.

A primeira categoria, o período pós-independência, inclui aqueles países os quais criaram uma instituição para a coordenação de políticas públicas assim que eles deixaram o domínio colonial no século XIX. Estas estruturas geralmente foram criadas como uma secretaria dentro do nascimento de um círculo presidencial a fim de auxiliar o chefe de governo a coordenar as pastas ministeriais. Estas estruturas respondem à necessidade de se fortalecer o controle político sobre estados recém-criados.

Este foi o caso da Colômbia, onde a Lei 3/1898 estabeleceu a Secretaría General de la Presidencia de la República. Ao longo do tempo, esta estrutura evoluiu para sua formatação atual, o Departamento Administrativo de la Presidencia de la República, cuja reforma mais recente ocorreu por meio do Decreto 901/2020, a qual adicional as prioridades políticas da presidência à lista de responsabilidades da organização. Ainda mais antiga, a República Dominicana criou a Secretaría de Gobierno através da Lei 38/1845. Em 1927, a Lei 685 transformou-a no Ministerio de la Presidencia, que ainda existe na atualidade.

Especialmente em países maiores, as responsabilidades do CdG pós-independência incluíram tanto a coordenação horizontal, como a vertical. Isto é, a organização coordenava a cooperação interministerial (horizontal) e o controle político sobre todo o território (vertical). Ao passo que a última responsabilidade seja menos relevante para este artigo, ela era necessária dado as constantes disputas territoriais e o subdesenvolvimento de unidades subnacionais. Ainda que em alguns casos o CdG ainda possua o papel de coordenador vertical, a tendência é que haja a separação destas atribuições entre duas organizações. A que é responsável pela coordenação vertical geralmente leva o nome de Ministério de Governo ou Ministério do Interior. Aqui, o caso mexicano serve de exemplo. Depois da independência em 1821, o governo recém-formado criou a Secretaría de Interior y de Relaciones Exteriores, a qual foi desmembrada depois que se tornou o Ministério de Gobernación em 1867. Desde 1917, ela evoluiu para uma nova estrutura de coordenação horizontal, agora chamada de Secretaría de Governación.

A segunda categoria trata do período estruturalista. Na sequência da Segunda Guerra Mundial, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) defendeu maior intervenção do estado na economia. Esta agenda estruturalista incluiu políticas protecionistas, subsídios para indústrias locais e um papel mais ativo do governo na criação e expansão de novas empresas (Prebisch, 1962Prebisch, R. (1962). The Economic Development of Latin America and its Principal Problems. Economic Bulletin for Latin America, 7(1), 1-22.). De maneira similar ao que aconteceu nos Estados Unidos durante a Crise de 1929 (Higgs, 2013Higgs, R. (2013). Crisis and Leviathan: Critical Episodes in the Growth of American Government. Oakland, CA: Independent Institute.) ou na Europa no período das guerras (Hayek, 1997Hayek, F. (1997). The Nature and History of the Problem. In B. Caldwell(Ed.), Socialism and War. Carmel, IN: Liberty Fund.), o crescimento do governo demandou um sistema complexo de gerenciamento dedicado ao planejamento econômico e à implementação de políticas setoriais. Dado o foco de diversos governos na agenda econômica, novos órgãos executivos e colegiados dedicados ao planejamento central se transformaram nas novas agências centrais.

Na Costa Rica, a Ley de Planificación (Lei 3.087/1963) criou a Oficina de Planificación, a qual foi transformada pela Lei 5.525/1974 no Ministerio de Planificación Nacional y Política. Ainda hoje, esta permanece como a principal organização do CdG deste país. Isto é similar ao caso uruguaio, onde a Comisión de Inversiones y Desarrollo del Estado foi criado em 1960. Depois de se transformar na Oficina de Planeamiento y Presupuesto (1967), esta foi finalmente incorporada pela Secretaría de la Presidencia — a maior agência central do Uruguai. Na Venezuela, o governo estabeleceu a Oficina Central de Coordinación y Planificación em 1958. Esta agora é parte do Ministério del Poder Popular de Planificación.

A terceira categoria inclui aqueles países que apenas recentemente desenvolveram seu CdG ou que promoveram reformas substantivas na organização de suas agências por conta das interações que tiveram com organizações internacionais. Existe uma literatura vasta lidando com a difusão e transferência de políticas públicas (Graham, Shipan & Volden, 2013Graham, E. R; Shipan, C. K; & Volden, C. (2013). The Diffusion of Policy Diffusion Research in Political Science. British Journal of Political Science, 43(3), 673-701.; Marsh & Sharman, 2009Marsh, D; & Sharman, J. C. (2009). Policy diffusion and policy transfer. Policy Studies, 30(3), 269-288.; Shipan & Volden, 2012). Focando em operações contra a lavagem de dinheiro, Sharman (2008) argumenta que os países em desenvolvimento são significantemente mais vulneráveis às influências internacionais baseadas na força sobre a criação de novas estruturas para responder a questões urgentes.

Isto tem sido o caso da Guatemala, onde o Acuerdo Gubernativo 16/2017 criou a Comisión de Gestión Estratégica, a estrutura embrionária que evoluiu para a Comisión Presidencial del Centro de Gobierno em 2020 (Acuerdo Gubernativo 31). Este órgão colegiado é composto pelo Ministro de Finanzas Públicas, o Secretario de Planificación y Programación de la Presidencia, o Secretario General de la Presidencia, e o Director Ejecutivo de la Comisión Presidencial Contra la Corrupción. Este último se relaciona diretamente ao trabalho de Sharman (2008Sharman, J. C. (2008). Power and Discourse in Policy Diffusion: Anti-Money Laundering in Developing States. International Studies Quarterly, 52(3), 635-656.), já que também foi estabelecido por influências externas.

QUADRO 3
TRÊS TIPOS DE PROCESSOS HISTÓRICOS

Isto é semelhante ao caso do Haiti. Ainda que o Gabinete (Conseil des Ministers) funcione como a organização principal do CdG, o governo criou a Unité de Lutte Contre la Corruption in 2004 como uma resposta à Convenção Internacional Contra a Corrupção. Este esforço interministerial é responsável por coordenar as políticas relacionadas à prevenção e detecção de corrupção.

O Paraguai é parte desta lista de países não pela recente criação do CdG mas por conta de suas mudanças recentes. Em 2018, o Presidente Benítez deu poderes ministeriais à Unidad de Gestión de la Presidencia de la República e nomeou Hugo Cáceres Agüero como seu ministro. O Sr. Agüero foi um empregado de alto escalão do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

4.2 Evolução temporal

O processo histórico do CdG na ALC sugere que, dentro de um mesmo país, governos adotam estratégias distintas para mitigar problemas de coordenação. A literatura recente que foca em países específicos destaca que não é necessário esperar um século ou mesmo uma década para observar reformas no CdG. Enquanto é possível esperar mudanças incrementais, as agências centrais também tendem a serem modificadas dependendo das coalizões vigentes ou a confiança do chefe de governo sobre seus nomeados políticos.

A Argentina oferece um exemplo interessante sobre mudanças incrementais. Especialmente desde a Ley de Ministérios (Decreto 438 de 12 de março de 1992), todos os presidentes argentinos publicam um novo decreto contendo a distribuição dos ministérios e suas responsabilidades. Baseado nisto, o Presidente Alberto Fernandez apresentou o Decreto 8/2019 reforçando o papel da Jefatura de Gabinetes de Ministros como o CdG. Esta estrutura foi criada pelo Presidente Ménem em 1995, em sequência da Reforma Constitucional de 1994, mas apenas ganhou notoriedade durante a administração Macri (2015-2019) (Coutinho, 2018Coutinho, M. E. (2018). De la periferia al centro. El derrotero institucional de la Jefatura de Gabinete de Ministros en la Presidencia argentina. GIGAPP Estudios Working Papers, 5(98-110), 477-492.).

No Brasil, as atribuições do CdG estiveram distribuídas entre diversas agências, as quais possuíam um nível volátil de influência dependendo da administração presidencial (Cavalcante & Batista, 2019Cavalcante, P; Gomide, A. A; & Barbosa, S. (2019). A coordenação de programas prioritários sob a perspectiva do núcleo do governo federal (2007-2014) (Texto para Discussão, No. 2440). Brasília, DF: IPEA. Retrieved fromhttps://www.econstor.eu/handle/10419/211392
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; Cavalcante, Gomide & Barbosa, 2019). Cavalcante et al. (2019) lista 10 estruturas responsáveis por instrumentalizar a coordenação de políticas públicas no nível federal. Um dos seus exemplos é o uso da Subchefia de Articulação de Monitoramento (SAM) como um instrumento de monitoramento do interministerial Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) durante a administração Lula (2003-2010). Esta foi substituída pela Presidente Rousseff, que utilizou a recém-criada Secretaria Especial do PAC (SEPAC) (2011-2016). Um dos motivos da mudança foi a transição de projetos relevantes do Ministério da Casa Civil para o Ministério do Planejamento — uma transição motivada pela mudança da coalização de governo e a distribuição de pastas.

Depois do impeachment de Rousseff, o PAC foi praticamente descontinuado. Então, o Presidente Temer utilizou o Ministério da Casa Civil para criar o Comitê Interministerial de Governança. Composto por representantes do Ministério da Casa Civil, Ministério da Economia, e Ministério da Controladoria-Geral da União, este comitê ficou responsável por auxiliar ao presidente na implementação de um padrão federal de governança. Isto inclui planejamento estratégico e a preparação de guias para ajudar os diferentes ministérios do país.

O caso do Chile não é significantemente diferente. Baraona e Herrera (2011Baraona, R. E; & Herrera, J. C. (2011). El centro de gobierno: Lecciones de la experiencia chilena durante los gobiernos de la Concertación (1990-2010). Estado, Gobierno, Gestión Pública: Revista Chilena de Administración Pública, 17, 137-191.) sugerem que o papel de planejamento estratégico era controlado pelo Ministerio Secretaría General de la Presidencia (SEGPRES-Ch) e pelo Ministerio de Hacienda durante a administração Aylwin (1990-1994). No entanto, durante a presidência de Frei (1994-2000), ele mudou para um comitê de gestão que também incluía o Ministerio de Interior, Ministerio de Defesa e, mais tarde, a Secretaría de Gobierno — o chamado Círculo de Hierro. Estas estruturas perderam poder quando o Presidente Lagos (2000-2006) fortaleceu o círculo presidencial, ou “Segundo Piso del Gobierno” (Baraona & Herrera, 2011, p. 146). Isto foi formalizado a partir da Lei 19.882/2003, a qual criou o Sistema de Alta Dirección Pública, permitindo a nomeação de burocratas de alto-escalão no centro presidencial (Franco, 2012Franco, P. A. (2012). La administración presidencial y el control de la burocracia. Revista de Derecho Público, 76, 149-168.).

Desde Bachelet (2006-2010), os papeis do CdG foram distribuídos entre o Segundo Piso e os ministérios dentro do Comité Político (Baraona & Herrera, 2011Baraona, R. E; & Herrera, J. C. (2011). El centro de gobierno: Lecciones de la experiencia chilena durante los gobiernos de la Concertación (1990-2010). Estado, Gobierno, Gestión Pública: Revista Chilena de Administración Pública, 17, 137-191.) — uma mescla das estratégias adotadas pelos três presidentes que a antecederam. Todos os autores citados convergem ao afirmar que o CdG se manteve dependente da coalizão presidencial (Baraona & Herrera, 2011; Franco, 2012Franco, P. A. (2012). La administración presidencial y el control de la burocracia. Revista de Derecho Público, 76, 149-168.; Palacios & Jofré, 2016Palacios, C; & Jofré, H. (2016). Permanencia de agentes clave en el Centro de Gobierno. El caso chileno (1990-2014). Revista Enfoques: Ciencia Política y Administración Pública, 14(24), 91-119.).

No Uruguai, Lanzaro (2016Lanzaro, J. (2016). El Centro Presidencial en Uruguay: 2005-2015. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 25(2), 121-142.) destaca que cada presidente enfatizou estruturas de modos diferentes. Durante sua primeira administração, o Presidente Tabaré Vázquez (2005-2010) delegou mais poderes para o Consejo de Ministros se comparado com os governos antecessores. De acordo com um press release da presidência uruguaia (Presidencia de Uruguay, 2019), este chefe de estado reuniu publicamente este conselho mais de 70 vezes em diferentes unidades subnacionais do país, levando a 23 propostas — a maior parte das quais foi implementada.

QUADRO 4
DOIS TIPOS DE EVOLUÇÃO TEMPORAL

A estratégia de Vázquez incluiu ainda a criação de gabinetes setoriais, isto é, conselhos compostos por ministros de áreas relacionadas. No entanto, eles perderam força durante a administração Mujica (2010-2015) (Lanzaro, 2016Lanzaro, J. (2016). El Centro Presidencial en Uruguay: 2005-2015. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 25(2), 121-142.; Milanesi & Gadea, 2017Milanesi, A; & Gadea, V. (2017). Desarrollo institucional y caracterización del centro de gobierno en Uruguay. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 26(2), 103-125.). Durante sua segunda administração, Vázquez (2015-2020) reduziu o poder de diversos ministérios a partir da criação de secretarias dentro do círculo presidencial (Milanesi & Gadea, 2017). Isto significa que aquelas áreas que eram estratégicas para o presidente trabalhavam de maneira mais próxima ao escritório presidencial do que outras estruturas, as quais podiam ser gerenciadas por aliados políticos distantes.

4.3 Agências Executivas

Em sistemas parlamentaristas, o primeiro-ministro geralmente é o líder do gabinete, portanto sendo responsável pelo CdG. Isto não difere muito do padrão de sistemas presidenciais e semipresenciais. Já que o presidente é responsável por nomear o gabinete, seus ministros acabam tendo que responder ao chefe de governo. Ainda assim, mesmo descontando as diferenças de tipo de regime, existem alguns poucos países na ALC onde a administração do CdG é delegada constitucionalmente a um outro autor que não é o chefe de governo. Guiana, Suriname e Cuba exemplificam este modelo.

A Guiana tem um sistema de governo relativamente diferente ao da maioria dos países na região. Ele se assemelha ao sistema parlamentarista suíço, uma vez que o presidente tem um mandato de tempo fixo, mas a posição é ocupada indiretamente pelo partido com maior representatividade na legislatura. O presidente nomeia o gabinete, incluindo o primeiro-ministro. Neste tipo de sistemas, o CdG tende a ser localizado no escritório do primeiro-ministro. No entanto, como definido no Artigo 106 da Constituição, o Gabinete — órgão central de decisões interministeriais do governo — é composto pelo presidente, primeiro-ministro, vice-presidentes e outros ministros. Este órgão, coordenado pelo presidente, é responsável por “auxiliar e assessorar ao Presidente na direção geral e controle sobre o Governo da Guiana, e deve responder coletivamente ao Parlamento” (Constituição da Guiana, artigo 106, parágrafo 2).

No Suriname, a partir da Constituição de 1987, o vice-presidente coordena o Gabinete (Raad van Ministers) (artigo 116, parágrafo 1). Este é o órgão mais alto do governo (artigo 119, parágrafo 1) e está responsável pelo desenho, implementação e monitoramento de políticas públicas, além da coordenação horizontal (dentro do governo nacional) e vertical (entre subunidades) (artigo 122). Por tanto, enquanto todos os ministros respondem ao presidente (artigo 123, parágrafo 2), a coordenação do CdG fica no escritório do vice-presidente, o qual inclui diversos assessores políticos com expertise em temáticas relevantes para o governo.

Como é o caso do Suriname, é o vice-presidente de Cuba que é designado a coordenar a organização colegiada do CdG (Decreto 358/2018, artigo 4). A função responde ao presidente e ao Consejo de Estado, que é composto pelo presidente, o secretário do legislativo, e o vice-presidente (Constituição de 2019, artigo 120).

Independente de quem seja o coordenador do CdG, existem pelo menos três tipos de agências executivas desenhadas para mitigar problemas de coordenação interministerial. Eu me refiro a eles como círculo interno, independente e auxiliar. A primeira categoria é alinhada aos estudos que discutem o centro presidencial (Bonvecchi & Scartascini 2014Bonvecchi, A; & Scartascini, C. (2014). The Organization of the Executive Branch in Latin America: What We Know and What We Need to Know. Latin American Politics & Society, 56(1), 144-165.; Mejía-Guinard et al., 2018). Estas organizações diferem do que eu chamo de independente, já que elas não possuem pasta próprio. Na categoria do círculo interno, as agências centrais estão lotadas dentro do escritório presidencial (ou do primeiro-ministro). O último tipo, as auxiliares, são as estruturas que foram criadas dentro ou acima de certas agências, sendo complementares aos principais órgão executores.

Existem diversos exemplos para ilustrar o primeiro tipo ideal: Argentina, Colômbia, República Dominicana, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru e Porto Rico. Mesmo que a agência executiva mais relevante do CdG de cada um destes países esteja no círculo interno da presidência, elas não são estruturas da mesma forma. Enquanto algumas se dão por uma única agência, outras possuem um modelo institucional fragmentado. Considere o caso da Nicarágua. A Secretaria de la Presidencia detém as principais responsabilidades do CdG, mas o círculo presidencial ainda tem outras 10 secretarias com responsabilidades que poderiam ser atribuídas ao CdG, por exemplo, planejamento, comunicação interna e coordenação multisetorial.

Na Argentina, por outro lado, a Jefatura de Gabinete de Ministros centraliza todas as diferentes funções da coordenação horizontal dentro do círculo interno da presidência. Dentro desta estrutura, a Jefatura tem cinco Gabinetes: (1) Comercio Exterior, (2) Planificación Urbana y Hábitat, (3) Económico, (4) Promoción Federal e (5) Ciudadania. Para dar um exemplo, o Gabinete de Ciudadania se encontrou em agosto de 2020 para discutir políticas de bem-estar social com os ministros da Ciencia, Tecnología e Innovación; Defensa; Desarrollo Social, Educación, Mujeres, Géneros y Diversidad; Justicia y Derechos Humanos; Salud; e Seguridad (Jefatura de Gabinete de Ministros, 2020).

O caso da Costa Rica exemplifica as agências executivas independentes. Como dito anteriormente, o Ministerio de Planificación Nacional y Política (Mideplan) foi desmembrado do centro presidencial em 1974. Além do poder político, esta estrutura também ganhou o papel de coordenar certas políticas públicas, especialmente quando um esforço interministerial era requerido.

Em alguns aspectos, o Mideplan tem atribuições sobrepostas às de outra pasta independente: o Ministerio de Hacienda. Um dos seus mecanismos de controle é o Lineamiento de Planificación y Presupuestración, o qual funciona como instrumento para ligar o Plano Nacional de Desarrollo de longo-prazo ao orçamento de diversos ministérios. Baseado em um órgão colegiado criado em 2011 (a Comisión Hacienda-Mideplan), estes ministérios foram responsabilizados por desenvolve o Informe de Avance anual — um instrumento de monitoramento da execução das políticas públicas implementadas pelo governo nacional. Este projeto é diretamente influenciado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento por meio da proposição de uma Gestión para Resultados em Desarrollo.

O Brasil possui uma mescla de agências independentes e auxiliares. Em 2019, a Lei 13.844 estabeleceu a formação de uma nova composição ministerial, reduzindo consideravelmente o número de ministérios. Isto reforçou o papel da agência executiva independente — o Ministério da Casa Civil — como o CdG.

No entanto, a reforma também delegou à agência Secretaria Geral da Presidência da República e à Secretaria de Governo funções complementares, especialmente no tocante aos projetos estratégicos da união. Enquanto a primeira deve atuar no planejamento de políticas públicas (uma redundância com a Casa Civil), a segunda trabalha na coordenação dos diferentes níveis administrações da federação, bem como na relação com entidades não-governamentais. Em alguns casos, esta sobreposição é intencional, já que ajuda à presidência na distribuição de responsabilidades para atores que podem ter maior capacidade de implementação, proximidade política ou laços pessoais (Cavalcante et al., 2019Cavalcante, P; Gomide, A. A; & Barbosa, S. (2019). A coordenação de programas prioritários sob a perspectiva do núcleo do governo federal (2007-2014) (Texto para Discussão, No. 2440). Brasília, DF: IPEA. Retrieved fromhttps://www.econstor.eu/handle/10419/211392
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).

QUADRO 5
TRÊS TIPOS IDEAIS DE AGÊNCIAS EXECUTIVAS

Agora considere as agências executivas auxiliares de Venezuela e Honduras. Abaixo do líder autocrático Nicolás Maduro, o Consejo de Ministros é um conselho composto por pelo presidente, um vice-presidente e um secretário geral, um procurador, e sete Vicepresidentes Sectoriales. Cada um destes vice-presidentes coordena um grupo de ministérios, os quais são agrupados de acordo com as prioridades estratégicas do governo central. Eles são (1) Economía, (2) Planificación, (3) Socialismo en lo Social y Territorial, (4) Soberanía Política, Seguridad y Paz, (5) Comunicación y Cultura e (6) Obras Públicas y Servicios.

A mesma estrutura é utilizada em Honduras. A Ley General de la Administración Pública (Decreto 146/1986) permitiu a criação dos Gabinetes Sectoriales, os quais funcionam como pastas interministeriais nas quais os secretários trabalham em conjunto em temas mais amplos (artigo 15). Em 2014, a presidência estabeleceu sete Gabienetes Sectoriales por meio do Decreto PCM-001. Um deles, o Gabiente Sectorial de Desarrollo e Inclusión Social é composto por 10 estruturas diferentes. Elas incluem secretarias, institutos nacionais, fundos públicos e programas de políticas públicas.

A maior parte destas agências compartilha de pelo menos alguns dos “seis Ps” identificados por Barber (2016Barber, M. (2016). How to Run a Government So That Citizens Benefit and Taxpayers Don’t Go Crazy. London, UK: Penguin.) como elementos essenciais para permitir que chefes do executivo governem. Eles são:

[1] Priorização: estabelecer objetivos claros e específicos. [2] Pessoas: escolher um bom pessoal, estabelecendo bons relacionamentos. [3] Poder: utilizar o poder do escritório do primeiro-ministro de maneira sábia para direcionar sua ação. [4] Gasto Público: focar investimentos em entregar os resultados acordados. [5] Política: entender e visualizar o valor da política, ao invés de ver a política como um problema. [6] Performance [Desempenho]: focar nas ações necessárias para entregar os resultados acordados.

4.4 Órgãos Colegiados

A estrutura principal do CdG em sistemas parlamentaristas é o gabinete. Este é um órgão colegiado onde todos os ministros têm assento e discutem as matérias do governo. No entanto, isto não é exclusividade deste tipo de regime. A maior parte dos países presidenciais também possui seu conselho de ministros. Eles diferem de outros órgãos colegiados auxiliares, os quais são compostos de ministros específicos ou tecnocratas que definem prioridades políticas. Eu diferencio estes dois tipos de órgãos colegiados baseados nas etiquetas gabinete e conselho auxiliar.

Belize, por exemplo, conquistou sua independência do Reino Unido em 1981. Seguindo o modelo herdado de Westminster, o primeiro-ministro atua com o coordenador do Gabinete. Todos os ministros, excluso os Ministers of State, têm assento garantido neste órgão colegiado. De acordo com a Constituição de 1981, a categoria excluída representa os ministros juniores que podem receber convite para participar no Gabinete, mas não necessariamente tem espaço no CdG. Isto se assemelha ao modelo da Dominica, cuja independência do Reino Unido ocorreu em 1978.

Em sistemas presidenciais, o chefe do gabinete pode ser o presidente (por exemplo, El Salvador), seu vice-presidente (Cuba) ou uma agência executiva (o Ministerio de la Presidencia na Bolívia). O caso de El Salvador é interessante por exemplificar uma tendência regional. A coordenação do Consejo de Ministros cabe ao presidente, mas o mesmo é auxiliado por duas agências executivas do seu círculo interno: a Secretaría para Asuntos Legislativos y Jurídicos e a Secretaría de la Presidencia.

No Suriname, onde o vice-presidente lidera o gabinete (Raad van Ministers), dois tipos de conselhos auxiliares auxiliam ao CdG. Eles são os comitês de nível médio (midden commissies) e os subcomitês (onderraden). O primeiro é composto por ministros específicos a fim de discutir políticas interministeriais mais gerais, ao passo que no segundo, servidores técnicos elaboram a operacionalização mais de complexa de políticas públicas.

No Peru, os conselhos auxiliares estão lotados na Secretaria de Coordinación — a agência executiva do círculo interno responsável pela coordenação interministerial. Ela supervisiona um órgão colegiado composto por vice-ministros, além de outros conselhos auxiliares que facilitam as políticas multi-setoriais. Existem as Comisiónes Multisectoriales, focadas em políticas públicas, e instrumentos políticos, por exemplo, o Sistema Informático de Comisiones Multisectoriales. Esta ferramenta digital permite mapear e monitorar as políticas que são relevantes para cada setor do governo.

Outro tipo de conselho auxiliar é o consejo nacional. Este é um órgão que inclui atores de estado e não-estatais interessados em prioridades políticas específicas do governo. No Panamá, existem três conselhos nacionais abrigados pelo centro presidencial: o Consejo Nacional para el Desarrollo Sostenible, o Consejo de Concertación Nacional para el Desarrollo e o Consejo de Seguridad Nacional. Isto se assemelha à estrutura do Equador, onde existem cinco conselhos nacionais dedicados à tipos diferentes de igualdade — uma prioridade central do governo.

QUADRO 6
DOIS TIPOS DE ÓRGÃOS COLEGIADOS

De certo modo, estas soluções refletem as proposições de M. Andrews, Pritchett e Woolcock (2013Andrews, R; & Walle, S. V. (2013). New Public Management and Citizens’ Perceptions of Local Service Efficiency, Responsiveness, Equity and Effectiveness. Public Management Review, 15(5), 762-783.) para melhorar a capacidade estatal e facilitar a implementação de políticas públicas. De acordo com este trabalho, “a mudança se enraíza quando envolve conjuntos amplos de agentes engajados em união no desenho e implementação de soluções locais relevantes para problemas identificado e priorizados localmente” (M. Andrews et al., 2013, p. 240). Isto é, a interação de diferentes atores engajados em determinada solução pode criar pontes as quais não apenas contribuirão para a implementação da política vigente, mas também contribuir para o desenvolvimento de outras soluções.

4.5 Ferramentas de Políticas Públicas

A última dimensão do CdG na ALC trata de ferramentas de políticas públicas. Estas são instrumentos desenvolvidos por agências centrais para mapear as atividades do governo (mapeamento), monitorar e melhorar o desempenho dos processos de implementação (monitoramento), e prevenir e punir atores responsáveis por corrupção ou outros tipos de irregularidades (fiscalização). Nas seções anteriores, eu descrevi alguns destes instrumentos. Aqui, eu ilustro esta tipologia tripartite de ferramentas para a coordenação de políticas públicas.

Dois destes mecanismos são identificados na Jamaica. Dentro do Office of the Cabinet, o Cabinet Suppor and Policy é responsável por questões relacionadas ao desenho e implementação de políticas públicas. Uma de suas subunidades é a Policy Analysis and Review Unit, a qual provê aconselhamento para os ministérios do gabinete. Isto inclui o esforço de mapear as políticas nacionais em curso. Periodicamente, o governo central publica em seu website um relatório chamado Government of Jamaica Policy Register, no qual todas as políticas públicas estão listadas.

Em termos de monitoramento, a Performormance Management and Evaluation Branch (PMEB) é a estrutura mais relevante do Office of the Cabinet. Uma de suas ferramentas é o Performance Monitoring and Evaluation System. Anualmente, todos os ministros devem enviar seu Operational Plan para o Office of the Cabinet, o Ministry of Finance e o Ministry of Public Service. Este documento inclui informação sobre as maiores iniciativas da pasta, seus objetivos, ferramentas de monitoramento de desempenho, metas e gastos por quadrimestre. Estes dados são utilizados pelo PMEB para avaliar o desempenho de cada ministério e pelo Ministry of Finance para identificar as necessidades orçamentárias de cada setor do governo. Isto é complementado ainda pelo Whole-of-Government Business Plan trianual, no qual estão inclusos os objetivos principais do governo em termos fiscais e funcionais.

Trindade e Tobago desenvolveu uma ferramenta complementar para melhorar o desempenho em processos de implementação. O Ministry of Public Administration and Digital Transformation é dedicado às questões organizacionais do governo, indo desde o treinamento do serviço público até o gerenciamento estrutural. Esta última responsabilidade é conduzida pela divisão de Public Management Consulting, a qual oferece aconselhamento para as agências públicas quando há demanda por aumento da eficiência. É interessante notar que este não é um órgão proativo, como em outros países, já que ele entra em ação apenas quando convidado por outras organizações.

QUADRO 7
TRÊS TIPOS DE FERRAMENTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A criação de organizações de monitoramento tem sido um resultado comum de reformas do setor público (Fleischmann, 2019Fleischmann, R. S. (2019). Auditoria operacional: Uma nova classificação para os resultados de seus monitoramentos. Revista de Administração Pública, 53(1), 23-44.; Paes de Paula, 2005Paes de Paula, A. P. (2005). Administração Pública Brasileira entre o Gerencialismo e a Gestão Social. Revista de Administração de Empresas, 45(1), 36-49.). No entanto, existe uma nova tendência na região: guiados pela comunidade internacional, muitos países fortaleceram suas instituições de fiscalização (Sharman, 2008Sharman, J. C. (2008). Power and Discourse in Policy Diffusion: Anti-Money Laundering in Developing States. International Studies Quarterly, 52(3), 635-656.). Em Honduras, estas tarefas são coordenadas por organizações distintas: a Dirección Presidencial de Gestión por Resultados (DPGR) e a Dirección Presidencial de Transparencia y Modernización del Estado (DPTME). A DPGR é a agência de monitoramento do governo nacional. Ela verifica se as estruturas dentro do governo estão atingindo os objetivos definidos pela Dirección Presidencial de Planificación Estratégica. Este plano nacional inclui a Planificación Estratégica Nacional y Sectorial (como visto no Marco de la Visión de País) e o Plan de Nación (inserido no Plan Estratégico Anual e no Plan Estratégio Plurianual). Por sua vez, o DPTME é responsável pela fiscalização. Seu funcionamento é semelhante ao Sistema Nacional de Auditoria (Cuba). Criado em 2001, este sistema abriga as subunidades de auditoria responsáveis por controlar as pastas públicas, empresas e organizações da sociedade similar.

5. DISCUSSÃO

A literatura destaca o papel do crescimento do governo no fortalecimento das agências centrais (Hamburger et al., 2011Hamburger, P; Stevens, B; & Weller, P. (2011). A Capacity for Central Coordination: The Case of the Department of the Prime Minister and Cabinet. Australian Journal of Public Administration, 70(4), 377-390.; Hamburger & Weller, 2012; Yeend, 1979Yeend, G.J. (1979). The Department of the Prime Minister and Cabinet in Perspective. Australian Journal of Public Administration, 38(2), 133-150.). Isto ocorreu especialmente como uma resposta a eventos que mudaram drasticamente a economia mundial na primeira metade do século XX (Hayek, 1997Hayek, F. (1997). The Nature and History of the Problem. In B. Caldwell(Ed.), Socialism and War. Carmel, IN: Liberty Fund.; Higgs, 2013Higgs, R. (2013). Crisis and Leviathan: Critical Episodes in the Growth of American Government. Oakland, CA: Independent Institute.).

Na ALC, isto é apenas parte da história. Como eu proponho da dimensão de Processo Histórico da tipologia, é verdade, o movimento estruturalista liderado pela CEPAL introduziu agências de planejamento central em vários países da região. No entanto, a formação das instituições do CdG também foi motivada por uma guinada inicial rumo ao controle territorial e eficiência do governo no período pós-independência no século XIX. Além disso, também houve a influência exercida por organizações internacionais, principalmente o BID, pela criação de estruturas melhores de coordenação.

Isto reforça a necessidade de um conceito mais amplo para as instituições que devem ser incluídas no CdG, uma vez que algumas soluções criativas foram adotadas responder aos desafios enfrentados pela região em diferentes contextos históricos. Isto também se alinha aos estudos de difusão de políticas públicas guiados por atores estrangeiros (Sharman, 2008Sharman, J. C. (2008). Power and Discourse in Policy Diffusion: Anti-Money Laundering in Developing States. International Studies Quarterly, 52(3), 635-656.) e parte da história por trás do CdG australiano (Savoie, 1999Savoie, D. J. (1999). Governing from the Centre: The Concentration of Power in Canadian Politics. Toronto, Canada: University of Toronto Press .), como disto neste artigo. Isto é, enquanto o Reino Unido funcionou como fator motivador para o desenvolvimento do CdG na Austrália, organizações internacionais como o BID e a OCDE têm sido bem-sucedidas ao convencer os países da ALC em adotar este tipo de solução para problemas de coordenação.

Esta dimensão também contribui para o debate sobre capacidade estatal (Cower, 2009). O CdG funciona como uma estratégia viável para os novos países que buscam estabelecer e fortalecer o controle sobre o seu território e a ação governamental. Isto está alinhado aos autores que, como Huntington (2006Huntington, S. P. (2006). Political Order in Changing Societies. New Haven, CT: Yale University Press.), sugerem que a ordem é um elemento central para o desenvolvimento. De forma geral, parece que estas instituições estão dedicadas ao controle territorial (pós-independência), crescimento econômico (estruturalista) e à eficiência na implementação de políticas públicas (globalização).

Como discutido, o CdG não emerge necessariamente por único caminho. O mais provável é que os diferentes estágios da história influenciaram como as instituições evoluíram, centralizaram poderes e foram fragmentadas. Se estas mudanças incrementais existem no longo-prazo (Cohen, March & Olsen, 1972Cohen, M. D; March, J. G; & Olsen, J. P. (1972). A Garbage Can Model of Organizational Choice. Administrative Science Quarterly, 17(1), 1-25.), a natureza de coalizões da política da ALC força chefes de governo a reformar suas agências centrais no curto prazo. Como destacado na dimensão de Mudança Temporal, estas refletem as mudanças de poder entre órgãos colegiados e executivos, ou entre agências independentes e aquelas lotadas no círculo interno da presidência. A tipologia proposta neste trabalho mostra que o estudo do CdG é relevante não apenas para aqueles interessados na administração pública, mas também para os estudantes de coalizões políticas. Resumindo, o CdG é uma instituição (ou grupo de instituições) dinâmica e plural que requer uma análise contínua ao longo do tempo.

Além disso, ele é uma dica para os desafios e prioridades dos oficiais eleitos. Uma análise da distribuição dos poderes feita pelos chefes de governo permite identificar quem são os nomeados políticos e agências mais confiáveis, além dos projetos mais relevantes que a administração busca implementar. Se isto estiver correto, os estudantes de políticas públicas devem considerar a investigação dos projetos designados para as agências centrais como uma dica de prioridade política.

Um outro aspecto relevante do estudo do CdG na ALC é a pluralidade das instituições que podem ser utilizadas pelos oficiais eleitos — uma tendência já esperada, seguindo a discussão inicial sobre os conceitos diferentes geralmente utilizados neste campo de estudo. Elas variam de agências executivas até órgãos colegiados, algumas vezes dentro da pasta presidencial, outras independentes, ou mesmo lotadas como subunidades auxiliares de certas estruturas. Isto oferece uma perspectiva mais ampla do que aquelas agências centrais que são geralmente encontradas nos gabinetes parlamentaristas ou próximas a estes. Indo além, esta pluralidade mostra que estas organizações não são exclusivas de um tipo único de regime. Modelos semelhantes de instituições do CdG podem ser identificadas em sistemas parlamentaristas ou presidencialistas, independente do seu nível de democracia.

Este trabalho não analisa as vantagens e problemas de cada tipo de agência central. Isto é, quando as agências executivas terão um desempenho melhor que os órgãos colegiados? Ou, é melhor tê-las no círculo interno da presidência ou em pastas independentes? É provável que a resposta correta seja ‘Isto depende’. A literatura que investiga os casos do Brasil (Cavalcante et al., 2019Cavalcante, P; Gomide, A. A; & Barbosa, S. (2019). A coordenação de programas prioritários sob a perspectiva do núcleo do governo federal (2007-2014) (Texto para Discussão, No. 2440). Brasília, DF: IPEA. Retrieved fromhttps://www.econstor.eu/handle/10419/211392
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; Cavalcante & Batista, 2019; Fleischmann, 2019Fleischmann, R. S. (2019). Auditoria operacional: Uma nova classificação para os resultados de seus monitoramentos. Revista de Administração Pública, 53(1), 23-44.), Chile (Baraona & Herrera, 2011Baraona, R. E; & Herrera, J. C. (2011). El centro de gobierno: Lecciones de la experiencia chilena durante los gobiernos de la Concertación (1990-2010). Estado, Gobierno, Gestión Pública: Revista Chilena de Administración Pública, 17, 137-191.; Palacios & Jofré, 2016Palacios, C; & Jofré, H. (2016). Permanencia de agentes clave en el Centro de Gobierno. El caso chileno (1990-2014). Revista Enfoques: Ciencia Política y Administración Pública, 14(24), 91-119.) e Uruguai (Lanzaro, 2016Lanzaro, J. (2016). El Centro Presidencial en Uruguay: 2005-2015. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 25(2), 121-142.; Milanesi & Gadea, 2017Milanesi, A; & Gadea, V. (2017). Desarrollo institucional y caracterización del centro de gobierno en Uruguay. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 26(2), 103-125.) demonstra — como destacado anteriormente — que a necessidade dos diferentes presidentes influencia no desenho destas agências. Ainda assim, não é claro o quão bem-sucedida é cada estratégia.

Finalmente, existem várias ferramentas de políticas públicas desenvolvidas para exercer as funções do CdG. Isto é explorado na análise da última dimensão. Algumas destas ferramentas são estruturadas como instituições, enquanto outras são instrumentos de governança. Elas se dividem principalmente entre três grupos: mapeamento, monitoramento e fiscalização. Os dois últimos tipos ideais são especialmente relevantes no contexto regional. A literatura sobre as reformas da Nova Gestão Pública enfatiza a busca por um gerenciamento de desempenho focado em resultados na administração pública — uma abordagem semelhante à do setor privado (R. Andews & Walle, 2013). No entanto, isto gera a necessidade por melhor controle dado o aumento na autonomia dos agentes públicos (Peters & Pierre, 2000Peters, B. G., & Pierre, J. (2000). Citizens Versus the New Public Manager: The Problem of Mutual Empowerment. Administration & Society, 32(1), 9-28.; Peters & Savoie, 1996). Na ALC, bem como em outras regiões, isto significa desenvolver ferramentas de monitoramento.

Estas ferramentas estão ligadas à melhoria da implementação de políticas públicas, da entrega de bens e serviços públicos, e da prevenção da corrupção. Mesmo que estas ferramentas de políticas públicas geralmente sejam criadas com objetivos diferentes, a tarefa de monitorar se transforma em fiscalização quando o objetivo é identificar malfeitos. Escândalos de corrupção recentes na região são o resultado do empoderamento destas organizações que não necessariamente são vistas como agências centrais (Lagunes & Svenjnar, 2020Lagunes, P. F; & Svejnar, J. (2020). Corruption and the Lava Jato Scandal in Latin America. London, UK: Routledge.). Elas têm o poder de aumentar o cumprimento da legislação, melhorar os resultados do governo, e maximizar a transparência e accountability da administração pública.

Estes objetivos e instrumentos refletem uma tendência internacional na difusão de políticas públicas (Sharman, 2008Sharman, J. C. (2008). Power and Discourse in Policy Diffusion: Anti-Money Laundering in Developing States. International Studies Quarterly, 52(3), 635-656.) e a necessidade de controle político que emergiu com o crescimento dos governos (Higgs, 2013Higgs, R. (2013). Crisis and Leviathan: Critical Episodes in the Growth of American Government. Oakland, CA: Independent Institute.) e a descentralização da elaboração de políticas públicas (R. Andrews & Walle, 2013Andrews, R; & Walle, S. V. (2013). New Public Management and Citizens’ Perceptions of Local Service Efficiency, Responsiveness, Equity and Effectiveness. Public Management Review, 15(5), 762-783.). Mais uma vez, o próximo passo no estudo destas ferramentas é analisar sua eficiência. É verdade que esta recomendação é válida para todas as outras estruturas — com já afirmado para o caso das agências executivas versus órgãos colegiados. Esta dicotomia reflete apenas uma pequena parcela dos vários tipos de organizações do CdG na região, portanto reafirmando a necessidade de um conceito mais amplo que capture a criatividade dos governos da ALC ao interagir com problemas de coordenação. Indo além deste artigo, que contém a descrição de classificação do CdG na região, esforços futuros devem ser dedicados para avaliar a qualidade das políticas de coordenação nos contextos plurais da ALC.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço pelos comentários providos por Jorge Delgado, Nora Lopez Cruz, Jennifer Ponce Cori, Kevin Long e Mariana Benitez Moreno. Também aos três pareceristas anônimos e à editora. Suas recomendações levaram a melhorias substantivas neste artigo.

  • 1
    Tradução livre desta e demais citações diretas cujo a língua original não é o português.
  • 2
    Neste artigo, eu sigo o conceito de Bardach (1980, p. 139) sobre a implementação de políticas públicas, isto é, “a atividade social que segue e é estimulada por um mandato de política pública com a devida autoridade, o qual antes da implementação é apenas uma coleção de palavras”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2020
  • Aceito
    09 Set 2021
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