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Registro de ensaios clínicos: declaração do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas

PANORAMA INTERNACIONAL

MEDICINA FARMACÊUTICA

Registro de ensaios clínicos: declaração do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas

Eleonora Silva Lins

Editorial publicado em setembro último em todos os jornais membros do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) evoca a necessidade do registro de todos os ensaios clínicos - independentemente de seus resultados positivos, negativos ou inconclusivos - em banco de dados público, de fácil acesso eletrônico e gratuito. O objetivo final dessa medida é a transparência total na condução e relato dos resultados de estudos de pesquisa clínica em humanos que avaliam ou comparam intervenções terapêuticas. Consideram que os pacientes que participam dos ensaios devem saber que a sua contribuição para a melhora da saúde humana estará disponível, quando da tomada de decisões em saúde e que o conhecimento que se tornou possível graças à sua colaboração estará acessível a todos.

Alertam os editores que se vê mais entusiasmo — tanto por parte dos investigadores como por parte dos editores dos jornais - na publicação de ensaios que demonstrem a superioridade de um novo tratamento ou a sua não-inferioridade. Não há grande interesse na leitura de estudos que mostrem resultados negativos e, menos ainda, em estudos que não sejam claramente negativos ou positivos, posto que não alteram a prática corrente. Estudos que envolvam grande interesse financeiro são especialmente propensos a permanecerem desconhecidos, independentemente de seu interesse científico. Por fim, que resultados de pequisa de estudos selecionados por patrocinadores ou investigadores não deveriam poder influenciar o pensamento de pacientes, clínicos, outros pesquisadores e especialistas que redigem diretrizes ou detêm poder de decisão sobre políticas de coberturas de saúde.

Hoje o registros dos estudos e suas características é totalmente voluntário, contém apenas uma pequena proporção dos ensaios e o acesso público a seus dados é variável. Sendo todos os estudos depositados em um mesmo arquivo público, desde sua concepção, todos os pesquisadores podem explorar a ampla variação de evidências clínicas.

Anunciam que 11 periódicos membros do ICMJE adotarão políticas de registro de ensaios para que se possa atingir esse objetivo:

  • para eventual publicação, o estudo deverá ter sido previamente registrado em banco público de registro de ensaios, quando do ou antes do recrutamento de pacientes, desde que seu início ocorra após 1º julho de 2005;

  • ensaios que iniciaram o recrutamento antes dessa data terão registros exigidos em 13 de setembro de 2005, antes que o ensaio seja considerado para publicação.

  • Definem: um ensaio clínico é qualquer projeto de pequisa prospectiva em humanos para estudar e comparar grupos de intervenções e estudar relação causa-efeito entre uma intervenção e um resultado em saúde. Estudos de fase I de toxicidade ou farmacocinética estão exclusos desse conceito.

Na visão dos editores, o banco de registro de estudos deve ser:

  • acessível ao público;

  • gratuito;

  • aberto a todos os registrantes prospectivos;

  • gerenciado por entidade não lucrativa;

  • deve possuir um mecanismo de validação dos dados de registro;

  • o registro deve ser pesquisável eletronicamente;

Hoje, de acordo com o ICMJE, apenas o www.clinicaltrials.gov, patrocinado pela United States National Library of Medicine, preenche esse critérios.

Para ser aceito, prega o ICMJE que um registro deve explicitar, minimamente:

  • um nº de identificação único;

  • uma frase com a intervenção (ou intervenções) e comparação(ou comparações) estudadas;

  • uma frase com a hipótese do estudo;

  • definição das medidas de resultados primário e secundário;

  • critérios de eligilibilidade;

  • datas principais (data de registro, data antecipada ou real do início, do último seguimento data, data planejada de encerramento de entrada de dados e data em que os dados foram considerados completos);

  • nº de pacientes;

  • fonte de financiamento de estudo;

  • informação para contato com o investigador principal;

Incentivam os editores de outros jornais biomédicos a adotarem políticas semelhantes.

Comentário

A transparência em ensaios clínicos é, há tempos, tema de grande discussão e controvérsia. Em 1993, um estudo publicado por Dickersin et al. na revista, acompanhou todos os 293 estudos clínicos financiados pelo National Institutes of Health (NIH), em 1979 e demonstrou que, dos 198 ensaios clínicos completos em 1988, 93% tinham sido publicados. Os com resultados "significantes" foram mais publicados que os demais. Quase 43% dos não publicados permaneceram não publicados apenas porque os investigadores consideraram os resultados "não interessantes" ou "não tinham tempo". A conclusão, à época, foi pela necessidade de sistemas mais confiáveis de manutenção de informação sobre estudos iniciados para o que o registro dos estudos seria uma saída, que, porém, demandaria substancial suporte financeiro para ser bem-sucedida.

O assunto permanece em pauta e, nos últimos meses, chegou às primeiras páginas, colocando a indústria farmacêutica sob os holofotes, acusada, efetivamente, de promover "viés" com a publicação de resultados positivos de ensaios clínicos e supressão de dados negativos, em detrimento dos consumidores.

Desta vez, aparentemente, a discussão foi deflagrada em 29 de junho deste ano, quando um promotor público de Nova Iorque, Eliot Spitzer, acusou a indústria Glaxo Smith Kline (GSK) de suprimir informação relativa à efetividade e segurança do uso de um antidepressivo em adolescentes. GSK, em resposta, informou sobre a criação de uma base de dados pública online de resultados de ensaios clínicos para as suas drogas. Outras indústrias, (Merck, Eli Lilly, Amgen) rapidamente se pronunciaram favoráveis à iniciativa. Em setembro de 2004, uma resposta coordenada da indústria através da PhRMA (The Pharmaceutical Research and Manufacturers of America) anunciou o lançamento de uma base de dados voluntária para publicação de resultados de estudos clínicos conduzidos com drogas comercializadas. Concomitantemente à iniciativa da PhRMA, editores de diversos jornais médicos como New England Journal of Medicine, JAMA, The Lancet and the Annals of Internal Medicine, entre outros — membros do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) - anunciaram que não publicarão artigos sobre estudos clínicos que não tenham sido previamente registrados publicamente, quando iniciados. Em seguida, entram em cena os políticos - Henry Waxman, Senador Edward Kennedy e mais alguns — anunciando a intenção de introduzir uma legislação obrigando a publicação de todos os resultados de ensaios clínicos em um website oficial do governo e tornam a discussão cada vez maior.

Não há hoje, ainda, um banco de dados único que preencha todos os quesitos mencionados no editorial. Quando se imagina que esse banco devesse ser estruturado por órgão governamental, vem a pergunta: quem abriga o banco e quem valida e gerencia esses dados? E com dinheiro de quem?

Vale mencionar aqui o trabalho da Colaboração Cochrane, que estabeleceu uma base centralizada disponível na The Cochrane Library de estudos controlados e outros estudos de intervenções que servem como recurso disponível para todos os que preparam e mantêm revisões sistemáticas. Em setembro de 2000, continha quase 300 mil citações de relatos de estudos, contribuição principalmente dos Grupos e Centros Cochrane espalhados pelo mundo. Esses estudos controlados podem não estar indexados em MEDLINE, EMBASE ou outro banco de dados bibliográficos.

A questão levantada pelo editorial é totalmente pertinente. A publicação de achados de ensaios clínicos é passo necessário à continuidade da pesquisa e prevê registro de um trabalho realizado, ofertando informação à comunidade e traduzindo pesquisa em prática clínica. As revisões sistemáticas de ensaios randomizados são hoje consideradas como de mais alto nível de evidência na determinação do efeito de uma intervenção em um resultado. Elas dependem de relatos detalhados, completos e acessíveis de todos os estudos internacionais empreendidos, incluindo a explicação de potenciais conflitos de interesse.

Embora antiga, esta questão permanece ainda insoluta e de ampla complexidade em sua execução prática, passando por tópicos como proteção patentária, atraso no andamento das pesquisas por conta de burocracia, destruição de margem competitiva pela permissão, à concorrência, de acesso irrestrito à informação de novos projetos de pesquisa no campo da inovação terapêutica, e questões de segurança internacional, quando se coloca no palco também a área de biotecnologia. Como satisfazer e privilegiar, de forma equilibrada, a necessidade de progresso na pesquisa e desenvolvimento de novos recursos terapêuticos, ética, ciência, política e viabilidade comercial?

Referências

1.Dickersin K, Min YI. "Publication bias: the problem that won't go away." Ann NY Acad Sci 1993; 703:135-46.

2. De Angelis C, Drazen JM, Frizelle FA, Haug C, Hoey J, Horton R, et al. International Committee of Medical Journal Editors. Clinical trial registration: a statement from the International Committee of Medical Journal Editors. Lancet 2004; 364(9438):911-2.

3. Dickersin K, Manheimer E, Wieland S, Robinson KA, Lefebvre C, McDonald S. Development of the Cochrane Collaboration's Central Register of controlled clinical trials. Eval Health Prof 2002; 25(1):38-64.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2004
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