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ANÁLISE CONTRATUAL SOB A ÓTICA DA ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE UMA COOPERATIVA HORTÍCOLA E UMA REDE DE SUPERMERCADOS NO ESTADO DE PERNAMBUCO

AGREEMENT ANALYSIS PURSUANT TO TRANSACTION COST ECONOMY: RELATIONSHIP BETWEEN A HORTICULTURE COOPERATIVE AND A SUPERMARKET NETWORK IN THE STATE OF PERNAMBUCO

RESUMO

Este artigo analisou o tipo de acordo contratual existente entre a Cooperativa dos Horticultores de Pernambuco (Horticope), localizada na Central de Abastecimento Geral de Pernambuco (Ceagepe), e seu único cliente, a rede de supermercados Bompreço. Os fundamentos teóricos deste estudo foram os conceitos básicos da economia dos custos de transação (ECT) para estudo de contratos. Descreveram-se as táticas da empresa para assegurar a venda de hortaliças e plantas medicinais para um cliente considerado top de linha.

PALAVRAS-CHAVE:
Custos de transação; Contratos; Hortaliças

ABSTRACT

This article describes the type of agreement existing between “Cooperativa dos Horticultores de Pernambuco” (HORTICOPE), located at “Central de Abastecimento Geral de Pernambuco” (CEAGEPE), and its only customer, Bompreço supermarket network. Theoretical grounding for this study is the basic concept on Transaction Cost Economy (ECT) for agreement study purposes. This article analyses company’s tactics to assure sale of vegetables and medicinal plants with a customer considered as top-level.

KEYWORDS:
Transaction costs; Agreements; Vegetables

1 INTRODUÇÃO

Os produtos hortícolas têm presença marcante na mesa do consumidor pernambucano. São produzidos, principalmente, na Zona da Mata (cinturão verde) e no vale do São Francisco. No município de Chã Grande, onde está localizada a maioria dos produtores da Horticope, 63,7% da mão-de-obra local trabalha no setor primário, sendo que 47,6% (673 unidades) das propriedades atuam no ramo hortícola (FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL, 2001FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL - FIDEM. Perfil municipal. Recife: [s.n.], 2001.).

Atualmente observa-se uma reorientação do mercado de hortícolas, no que se refere à distribuição de hortaliças no mercado nacional.

A categoria de frutas, legumes e verduras (FLV) tem gradativamente ganhado a preferência do consumidor, o qual associa essa linha de produtos a uma vida mais saudável. Essa tendência tem influenciado empresas varejistas a desenvolverem essa categoria como atrativo de clientes nas lojas. Essa estratégia, no entanto, eleva a preocupação do varejo quanto ao abastecimento das lojas e à qualidade dos produtos e serviços oferecidos aos clientes (BOMFIM; SOUZA FILHO; SILVA, 2003BOMFIM, R. M.; SOUZA FILHO, H. M. de; SILVA, A. L. da. Implantação de um sistema de avaliação de fornecedores de frutas, legumes e verduras: um estudo de caso de uma rede varejista. In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE ECONOMIA E GESTÃO DE REDES AGROALIMENTARES, 2003, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, 2003.:3).

Antes, tais produtos eram comercializados em feiras livres. Hoje nota-se forte participação das grandes redes supermercadistas, que comercializam de forma eficiente os produtos em questão. Atraídos pela qualidade garantida, os consumidores se dirigem a esses estabelecimentos certos de que adquirirão produtos que, desde sua produção até a exposição nas lojas, passam por rigorosos controles. Tal controle tem feito com que a demanda seja cada vez maior.

Os supermercados tomaram suas medidas rapidamente a fim de ajustar-se às novas tendências. As mudanças ocorreram principalmente no modo de aquisição de mercadorias: muitos passaram a comprá-las de forma centralizada e diretamente do produtor, reduzindo o número de intermediários (VIDAL; BARROS; BOTEON, 2003VIDAL, A. J.; BARROS, C. H. M.; BOTEON, M. Análise de relação comercial entre horticultor e o supermercado. In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE ECONOMIA E GESTÃO DE REDES AGROALIMENTARES, 2003, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo , 2003.:3).

Uma tendência cada vez mais vista na cadeia de abastecimento de produtos frescos como hortaliças é sua comercialização sem o intermédio das Centrais de Abastecimento Ceasa. Surgem novos canais de distribuição e crescem as modernas redes varejistas, criando padrões de qualidade próprios. A preocupação e a necessidade da preservação do produto passam a ser fundamentais para produtores e para o mercado em toda sua cadeia de fornecimento, exigindo de todos a aplicação de formatos atualizados em processos, equipamentos e tecnologia de informação.

A Horticope surge dessa tendência, na qual os tradicionais produtores e fornecedores de verduras e hortaliças do Grupo Bompreço, até então trabalhando individualmente, se integraram em busca da melhoria da qualidade e da redução dos custos de seus produtos.

Criada em 2001, a Cooperativa dos Horticultores de Pernambuco, que tem como nome de fantasia Horticope, encontra-se localizada na Ceagepe, PE. Essa cooperativa vem criando, não só pela tradição e experiência no fornecimento de produtos ao Grupo Bompreço, como também pela posse de um know-how único na região, um forte relacionamento de compra e venda com o grupo.

Seus principais produtores (cooperados) localizam-se no município de Chã Grande, mesorregião da mata pernambucana, no Agreste do Estado, na micror-região de Vitória de Santo Antão, cerca de 86 km da capital pernambucana, Recife, seu principal mercado de atuação. A região ambiental dos cooperados classifica-se em clima tropical de inverno seco e verão chuvoso, com uma estação chuvosa de novembro a maio e uma precipitação anual média de 813,1mm.

Produtos como tomate (Lycopersicon esculentum) e pimentão (Capsium annuum) são entregues na Central de Distribuição da rede Bompreço, localizada no município do Jaboatão dos Guararapes, PE. As hortícolas folhosas (por serem mais perecíveis que as outras) por exemplo, alface (Lactuca sativa) e coentro (Coriandrum sativum), são entregues diretamente nas lojas do grupo, localizadas, principalmente, na Região Metropolitana do Grande Recife. Todas as entregas são realizadas diariamente nos seis caminhões climatizados da cooperativa, com temperatura interna dos baús em torno de 16°C.

Seu único cliente é a rede de supermercados Bompreço, que destina 80% dos produtos adquiridos para o mercado local, ou seja, as lojas da Região Metropolitana do Recife, e o restante para outras lojas do grupo, nos Estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba.

A rede Bompreço é uma das maiores cadeias do varejo no Brasil e tem sua liderança consolidada na região Nordeste. Com sede em Recife, é considerada a quarta maior empresa supermercadista do País, com um total de 104 estabelecimentos de tipos diferentes espalhados por oito Estados da região, e emprega mais de 21 mil trabalhadores. O faturamento da empresa em 1999 foi de R$ 2,7 bilhões (OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2003OBSERVATÓRIO SOCIAL. O Bompreço. Disponível em: <www.observatoriosocial.br>. Acesso em: 28 nov. 2003.
www.observatoriosocial.br...
).

Diante do exposto, foi desenvolvida uma pesquisa sobre o tipo de acordo contratual que existe entre a Horticope e a rede de supermercados Bompreço.

Nas próximas seções, apresentamos os principais conceitos da economia dos custos de transação (ECT), a metodologia desta pesquisa e por fim a análise dos resultados.

2 ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

2.1 CUSTOS DE TRANSAÇÃO

As empresas não vivem isoladas, nem são auto-suficientes para conquistar seus objetivos. Diante dessa realidade, interagem cada vez mais com os diversos agentes, que atuam em conjunto, formando as cadeias produtivas, efetuam transações e tornam dinâmico e competitivo o mercado em que operam. As constantes trocas, de bens e serviços entre os agentes envolvidos são marcadas por custos de produção e por custos de transação. Williamson (1985) definiu os custos de transação como sendo os necessários para movimentar o sistema econômico e social, “[...] são custos não diretamente ligados à produção, mas que surgem à medida que os agentes se relacionam entre si e problemas de coordenação de suas ações emergem” (FARINA; AZEVEDO; SAES, 1997FARINA, E. M. M. Q.; AZEVEDO, P. F.; SAES, M. S. M. Competitividade: mercado, Estado e organizações. São Paulo: Singular, 1997.:55). Os custos de transação surgem a partir do momento em que as organizações, pelo fato de não serem auto-suficientes, interagem com os agentes que formam as cadeias em que estão inseridos para, por exemplo, comprar insumos ou vender a produção.

Os custos de transação podem ser encontrados ex ante ou ex post.

Os custos ex ante para redigir e criar salvaguardas para proteger um contrato é um custo de transação para se precaver de eventuais problemas e amortecer perdas ou custos da adaptação futuros (MACHADO, 2000MACHADO, R. T. M. Rastreabilidade, tecnologia da informação e coordenação de sistemas agroindustriais. 2000. Tese (Doutorado em Administração) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.:43).

Os custos ex ante ocorrem antes de se efetivar a transação. Estão envolvidos no esboço contratual, na coleta e no processamento de informações, na negociação entre as partes e no estabelecimento de salvaguardas contratuais. Por outro lado, os custos ex post ocorrem durante a vigência do contrato, sendo esse formal ou informal. Os custos ex post são os custos de renegociação entre as partes, de monitoramento do contrato, para evitar ações oportunistas, e de adaptação às mutações do ambiente ou algo que não tenha sido previsto inicialmente.

Os custos de transação são decorrentes de dois pressupostos comportamentais. De acordo com Williamson (1985), os indivíduos são oportunistas e sua racionalidade é limitada.

O ser humano tem racionalidade limitada porque tem limitações para receber, guardar e processar informações. Mesmo que deseje agir racionalmente, o processo decisório se dá sempre em condições da incerteza, por mais que se possa contar com todos os dados possíveis para apoiar a decisão (MACHADO, 2000MACHADO, R. T. M. Rastreabilidade, tecnologia da informação e coordenação de sistemas agroindustriais. 2000. Tese (Doutorado em Administração) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.:34).

Os agentes econômicos procuram ser racionais no momento em que tomam determinada decisão. No entanto, possuem uma limitação cognitiva que os impedem de antever algo que possa acontecer no futuro. Além de sua racionalidade ser limitada, podem agir buscando apenas seu próprio interesse, sem preocupação com o prejuízo que os outros agentes da cadeia possam ter. O oportunismo é decorrente da busca do auto-interesse, em que uma das partes envolvidas utilizase de má-fé para tirar proveito da transação, e pode ser encontrado ex ante, antes da transação, ou ex post, depois da transação.

2.2 CARACTERÍSTICAS DAS TRANSAÇÕES

As transações possuem três características: especificidade de ativos, incerteza e freqüência.

“A especificidade dos ativos é introduzida por Williamson (1996) para designar a perda de valor dos investimentos no caso de quebras oportunísticas dos contratos” (ZYLBERSZTAJN, 2002______. Organização ética: um ensaio sobre comportamento e estrutura das organizações. Revista de Administração Contemporânea (RAC), Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 123-143, maio-ago. 2002.:131). Um ativo é específico quando sua realocação para outra atividade, no caso de um rompimento no contrato, por exemplo, é praticamente inexistente. A especificidade de ativos coloca em risco o investimento feito, caso a transação não seja realizada pelo fato de o uso alternativo desse investimento ser baixo ou não existir.

Quanto maior a especificidade dos ativos envolvidos em determinada transação, maior será a perda de valor devido à incompletude dos contratos e à ação oportunista por parte do outro agente, acarretando custos de transação. A continuidade de uma transação que envolve ativos específicos é de fundamental importância para a redução dos custos de transação.

Existem vários tipos de especificidade de ativos:

a) especificidade locacional: ocorre no momento em que firmas de uma mesma cadeia se localizam próximas umas das outras. Nesse caso, as firmas obterão uma redução nos custos, principalmente os de frete e armazenagem;

b) especificidade de ativos dedicados: observa-se quando são realizados investimentos para atender às necessidades de um cliente particular, e, caso haja ruptura contratual, sua realocação no mercado ocasiona perda de valor;

c) especificidade de ativos humanos: surge quando há investimento em determinados indivíduos, que acumulam conhecimentos específicos, cujo aproveitamento em outra atividade ou em outra organização é dificultado por sua alta especialização;

d) especificidade de ativos físicos: acontece quando há investimento em máquinas e equipamentos para atender uma atividade específica, cuja realocação no mercado ocorre com acentuada perda de valor;

e) especificidade temporal: verifica-se, principalmente, quando o fator tempo é preponderante para o sucesso de uma transação. Esse tipo de especificidade é importante quando envolve produtos perecíveis (AZEVEDO, 2000AZEVEDO, P. F. Nova economia institucional: referencial geral e aplicações para a agricultura. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 47, n. 1, p. 33-52, 2000.).

A segunda característica das transações é a freqüência. A partir do momento em que as partes repetem uma transação, há uma redução de incerteza quanto ao não-cumprimento do contrato. A freqüência das transações reduz os custos ex ante. Aumentando a freqüência, os custos de transação tendem a baixar.

“Essa característica está associada ao número de vezes que dois agentes realizam determinadas transações, que podem ocorrer uma única vez, ou se repetir dentro de uma periodicidade conhecida” (ZYLBERSZTAJN, 2000ZYLBERSZTAJN, D. Economia das organizações. In: ZYLBERSZTAJN, D.; NEVES, Marcos Fava (Orgs.). Economia e gestão dos negócios agroalimentares. São Paulo: Pioneira, 2000.:28).

Uma vez solidificado o relacionamento entre os agentes, na base da confiança entre as partes, ocorre a construção da reputação, ou seja, da boa imagem da empresa no mercado devido a transações recorrentes. Essa característica também é determinante para a redução dos custos de transação.

A partir do momento em que as transações entre os agentes se intensificam, as partes envolvidas começam a confiar nas atitudes umas das outras, levando à redução da incerteza. “O grau de incerteza envolvido em uma determinada transação está relacionado à confiança que os agentes possuem em sua capacidade de antecipar os eventos futuros” (HIRATUKA, 1997HIRATUKA, C. Estrutura de coordenação e relações interfirmas: uma interpretação a partir da teoria dos custos de transação e da teoria neo-schumpeteriana. Economia & Empresa, São Paulo, v. 4, n. i, p. 17-32, jan.-mar. 1997.:20). A incerteza é a terceira característica das transações, e está associada à impossibilidade de os agentes preverem algo que possa acontecer e colocar em risco a transação, como as variações climáticas. Essa situação faz com que haja um prazo maior para que as partes renegociem um novo contrato.

2.3 ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA

Os agentes econômicos, devido ao oportunismo e à racionalidade limitada intrínseca aos indivíduos, desenvolvem estruturas de governança para reduzir os custos envolvidos em determinada transação. “Ciente da incompletude dos contratos, os agentes constroem estruturas de governança para lidar com as lacunas inevitavelmente presentes em contratos internos e externos às organizações” (AZEVEDO, 2000AZEVEDO, P. F. Nova economia institucional: referencial geral e aplicações para a agricultura. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 47, n. 1, p. 33-52, 2000.:36). A estrutura de governança visa garantir a continuidade do contrato e a redução dos custos de transação, de forma que ações oportunistas sejam afastadas. São exemplos de estrutura de governança a coordenação via mercado, a hierarquia e a forma híbrida. Essa última é uma forma intermediária entre os mercados e a hierarquia.

A estrutura de governança mais adequada depende, principalmente, do nível de especificidade de ativos embutidos nas transações. “A organização das atividades econômicas através do mercado é considerada a mais eficiente quando os ativos específicos não estão presentes” (HIRATUKA, 1997HIRATUKA, C. Estrutura de coordenação e relações interfirmas: uma interpretação a partir da teoria dos custos de transação e da teoria neo-schumpeteriana. Economia & Empresa, São Paulo, v. 4, n. i, p. 17-32, jan.-mar. 1997.:20). O mercado é a estrutura de coordenação mais eficiente quando as transações são padronizadas, em que o preço é a única variável importante para se efetuar a transação, assim como acontece com as transações que envolvem commodities agrícolas.

Para que as transações com presença de especificidade nos ativos possam ser realizadas de modo eficiente, ou seja, com os custos de transação e de produção mais baixos possíveis, a ECT privilegia a hierarquia ou formas híbridas, por exemplo, contratos formais ou informais, parcerias e franchising.

Quando os ativos são altamente específicos, a coordenação pelo mercado perde eficiência e surge a necessidade de um mecanismo de coordenação mais cooperativo, que permita um processo de negociação mais efetivo. Nesse caso, a internalização das atividades dentro da firma se torna mais vantajosa em termos de custos de transação e adaptabilidade (HIRATUKA, 1997HIRATUKA, C. Estrutura de coordenação e relações interfirmas: uma interpretação a partir da teoria dos custos de transação e da teoria neo-schumpeteriana. Economia & Empresa, São Paulo, v. 4, n. i, p. 17-32, jan.-mar. 1997.:21).

Para a ECT, como a especificidade de ativos é o atributo que mais pesa no custo de transação, quanto maior é a especificidade de ativos, maiores serão as possibilidades para a escolha das estruturas de governança coordenadas por hierarquias para evitar que haja problemas, como as possíveis situações de oportunismo entre as partes envolvidas. Nesse caso, há forte dependência entre os atores, ocasionando um controle mais rígido da transação. De acordo com o grau de especificidade de ativo envolvido, maior é a necessidade de uma coordenação que garanta a continuidade da transação. Na estrutura de governança híbrida, os ativos envolvidos não são tão elevados como os que são encontrados, quando a estrutura escolhida é a hierárquica. No entanto, há uma dependência entre os agentes, que leva a acordos contratuais formais ou informais, para reduzir os custos de transação no caso do rompimento contratual.

2.4 TEORIA DOS CONTRATOS

Zylbersztajn (1995______. Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições. 1995. Tese (Livre-Docência em Administração) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.), ao fazer uma revisão da teoria dos contratos de Macneil em paralelo com a ECT, indica que os contratos podem ser classificados em clássicos, neoclássicos e relacionais e mostra que existe uma relação entre esses tipos de contratos e os atributos das transações: especificidade de ativos e freqüência.

Segundo ele, o contrato clássico tem relação direta com o conceito de mercado em competição perfeita da economia neoclássica. Assim, os contratos do tipo clássico ocorrem quando o mercado é a estrutura de governança escolhida. Nesse caso, não há presença de ativos específicos nas transações.

Por outro lado, “[...] o contrato neoclássico caracteriza-se pelo manifesto desejo de manutenção da relação contratual” (ZYLBERSZTAJN, 1995______. Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições. 1995. Tese (Livre-Docência em Administração) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.:32). Nos contratos neoclássicos, os agentes envolvidos têm a preocupação de dar continuidade aos contratos, o que não ocorre no tipo clássico, porque o término resultaria em custos para ambas as partes. Outra diferença em relação ao contrato clássico é que o contrato original é utilizado como base de referência para uma nova negociação.

Os contratos relacionais, diferentemente do contrato neoclássico, são mais flexíveis, uma vez que os contratos originais não servem como referência para uma negociação. A cada transação é estabelecido um novo contrato, levando em consideração as variáveis determinantes para sua elaboração.

A especificidade de ativos pode ser apresentada em três níveis: os ativos reutilizáveis, os ativos com especificidade elevada e os ativos com um nível intermediário de especificidade. A freqüência é classificada em discreta (quando ocorre apenas uma vez), ocasionais e recorrentes.

Caso o ativo tenha especificidade nula e as freqüências sejam discretas, ocasionais e/ou recorrentes, a estrutura de governança adequada é o mercado e o contrato clássico.

Admitindo que o ativo tenha especificidade intermediária, se a freqüência for discreta e ocasional, a estrutura de governança adequada é a híbrida, quando o tipo de contrato é o neoclássico. Por outro lado, se a freqüência é recorrente, a estrutura de governança adequada é a híbrida e o contrato relacional.

Caso o ativo tenha elevada especificidade e a freqüência seja discreta, a estrutura de governança indicada é a híbrida e o contrato neoclássico. Se a freqüência for ocasional, a estrutura de governança adequada é a hierarquia e o contrato neoclássico. Por outro lado, quando a freqüência é recorrente, a estrutura adequada é a hierarquia e o contrato relacional (ZYLBERSZTAJN, 1995______. Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições. 1995. Tese (Livre-Docência em Administração) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.).

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Este artigo tem como objeto de estudo a Cooperativa dos Horticultores de Pernambuco (Horticope), localizada em Recife, capital do Estado de Pernambuco. A escolha da Horticope se deve ao fato de ela ser a maior fornecedora de produtos hortícolas do Grupo Bompreço.

A cooperativa produz cerca de 80 produtos diferenciados, que são as hortaliças cultivadas no sistema orgânico, convencional e hidropônico, estando inclusas plantas medicinais e condimentares.

Com a realização de uma pesquisa de natureza descritiva, buscou-se responder a como é realizado o acordo contratual entre a Horticope e o Bompreço. “As pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis” (GIL, 1991GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.:46). A principal vantagem desse tipo de pesquisa é a possibilidade de aprofundar a descrição de determinada realidade.

No que se refere à coleta de dados, foram utilizados três procedimentos técnicos: entrevista, pesquisas bibliográfica e documental.

“A entrevista é um encontro entre duas pessoas a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional” (RAMPAZZO, 2002RAMPAZZO, L. Metodologia científica para os alunos dos cursos de graduação e pós-graduação. São Paulo: Edições Loyola, 2002.:108). A entrevista pode ser do tipo estruturada e não-estruturada. A primeira é caracterizada pelo fato de o entrevistador seguir um roteiro previamente estabelecido. Por outro lado, a segunda é aquela em que o entrevistador tem liberdade de adaptar suas perguntas durante a entrevista. Vale ressaltar que foi realizada uma entrevista semi-estruturada com o gerente comercial da cooperativa, o senhor Victor Mesquita, no dia 3 de janeiro de 2004.

“A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 1991GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.:48). É importante destacar que, para analisar os resultados, algumas fontes bibliográficas também foram utilizadas, por exemplo, Hiratuka (1997HIRATUKA, C. Estrutura de coordenação e relações interfirmas: uma interpretação a partir da teoria dos custos de transação e da teoria neo-schumpeteriana. Economia & Empresa, São Paulo, v. 4, n. i, p. 17-32, jan.-mar. 1997.), Zylbersztajn (1995______. Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições. 1995. Tese (Livre-Docência em Administração) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995., 2000) e Azevedo (2000AZEVEDO, P. F. Nova economia institucional: referencial geral e aplicações para a agricultura. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 47, n. 1, p. 33-52, 2000.).

Outras fontes de informação foram as análises dos documentos primários cedidos pela cooperativa.

A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa (GIL, 1991GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.:51).

Vale ressaltar que nessas coletas buscaram-se informações relacionadas com o contrato existente entre a Horticope e a rede varejista. Para realizar a análise do contrato que garante ao cliente as condições de fornecimento do produto nas lojas ou no centro de distribuição (CD), levaram-se em consideração os fundamentos teóricos da ECT.

4 ANÁLISE DCS RESULTADOS

O gerente comercial da Horticope, o senhor Victor Mesquita, afirmou que no desenvolvimento do contrato entre a cooperativa e seu cliente, há uma preocupação bilateral para que seja realizado um contrato parceiro, ou seja, um contrato que não vise beneficiar nem prejudicar nenhuma das partes. Vale ressaltar que o único cliente da Horticope é a rede de supermercados Bompreço.

A forma de estabelecer o preço de seus produtos merece destaque. Segundo o gerente da cooperativa, os preços são voláteis e determinados pelo livre jogo da oferta e da procura. Para determinar o preço de seus produtos, a Horticope utiliza indicadores de mercado que atestam o preço em diferentes lojas de diversos supermercados da Região Metropolitana do Grande Recife. O sr. Mesquita também afirmou que o Grupo Bompreço estabelece os preços de compra dos produtos ofertados pela cooperativa semanalmente a partir de pesquisas programadas. Os preços são formados pela influência da época de produção (demanda maior ou menor pelo produto; safra e entressafra), preço no atacado da Ceagepe, informações com produtores, Internet, despesas operacionais, preços realizados pelos concorrentes e preço compatível com o poder aquisitivo do consumidor, sendo a margem de lucro da empresa o maior determinante de preço.

A Horticope foi fundada em 2001 com a proposta de atender um único cliente: a rede de supermercados Bompreço. Em termos de know-how, os produtos orgânicos da Horticope se destacam entre os de outros produtores, por serem de qualidade superior. A cooperativa foi criada para atender uma necessidade que os cooperados constataram no que se refere aos processos de distribuição e compras. Os principais objetivos de sua constituição foram os de conseguir melhores preços e efetuar uma distribuição mais eficiente.

De acordo com o sr. Mesquita, o Bompreço possuía vários fornecedores de verduras e hortaliças, entre eles os que formam atualmente a Horticope. Geralmente ocorriam congestionamentos de caminhões na entrega, uma vez que cada produtor que hoje forma a cooperativa entregava pequeno volume de produção. A idéia foi formar o grupo e centralizar toda a distribuição, além de padronizar as caixas e estabelecer gramatura por item. Hoje, toda a entrega é realizada pela Horticope. Entre os cooperados existem os que fornecem há mais de 30 anos para o Bompreço. Agora, passaram a trabalhar por meio da cooperativa, que passou a ser seu canal de distribuição.

A Horticope possui, apenas, um único cliente, no caso a rede supermercadista Bompreço. No entanto, a qualidade dos produtos fornecidos e a tecnologia de produção garantem a relação contratual entre as partes, já que o Bompreço, em caso de rompimento contratual, também seria prejudicado, pois não teria outros fornecedores com o volume e a qualidade garantidos.

No que refere a sua ampliação de mercados, a Horticope não conseguiu abrir outros em função de alguns fatores como as exigências em termos de maior desconto financeiro. Hoje, trabalha com o Bompreço e tem um desconto financeiro aceitável. No entanto, a cooperativa procurou negociar com outras redes varejistas, porém não obteve sucesso, pois elas exigiram um desconto financeiro que tornou impraticável qualquer transação. Esse acontecimento fez com que a Horticope continuasse a fornecer apenas para o Bompreço. Conforme consta no contrato, é importante destacar que esse desconto é sobre o faturamento. A cada fatura recebida, vem descontado um percentual, independente se houve devolução ou não de mercadorias, ou seja, é um custo financeiro para a cooperativa. Conforme Vidal e Barros (2003)VIDAL, A. J.; BARROS, C. H. M. Unidos pelo consumidor. Revista Hortifruti Brasil, São Paulo, ano I, n. 12, p. 10, abr. 2003., essa prática de desconto financeiro é comum, principalmente no segmento de supermercados.

O gerente comercial da cooperativa afirmou que o fornecimento exclusivo não foi uma exigência do Bompreço, nem é regido em contrato. Segundo ele, a Horticope está livre para atuar em qualquer outro mercado e distribuir sua produção para qualquer cliente. O principal impedimento para penetração em outros mercados/canais de vendas foi a questão do desconto financeiro. Sua tecnologia do campo é avançada, o que garante a qualidade de seus produtos, quando comparados com os de outros fornecedores, cuja qualidade é inferior e têm um custo mais elevado de fornecimento, fazendo com que o consumidor seja prejudicado.

Conforme esse gerente, atualmente a Horticope é formada por 20 cooperados. Desse total, apenas sete estão fornecendo, eficientemente, para a cooperativa. Os outros treze ainda participam, uns fazendo entrega e outros produzindo, mas não o suficiente para entregar diretamente na cooperativa. O custo da entrega faz com que a produção deles seja entregue aos mais próximos. Dos sete cooperados que vêm atuando de maneira mais eficiente, seis estão localizados no Município de Chã Grande e um no município de Capoeiras.

4.1 CONTRATO

O contrato estabelecido entre a Horticope e o Bompreço tem prazo de validade de um ano, com possibilidade de renovação. De acordo com o gerente da cooperativa, ao término de cada contrato se inicia uma nova negociação. É um contrato simples de obrigação de fornecimento, sem nada mais específico e com poucas cláusulas. A cada negociação, o contrato atual serve como base para renovação. No entanto, esse contrato pode ser modificado devido às mutações que ocorrem no ambiente. Novas cláusulas podem ser incorporadas, por exemplo, aumentar o percentual de desconto financeiro. Foi observado no contrato que, com um comunicado com 30 dias de antecedência, tanto a cooperativa pode deixar de fornecer como o Bompreço deixar de comprar, sem ônus para as partes.

O mercado de hortaliças é muito abrangente. Hoje, ainda que a Horticope tenha realizado um investimento alto, e o Bompreço viesse a romper relações, ela teria a quem vender sua produção. Assim, a cooperativa não corre o risco de não ter a quem fornecer por um rompimento contratual, independentemente do que foi investido. Porém, segundo o sr. Mesquita, a cooperativa teria altos custos financeiros para conseguir ingressar em outros mercados, uma vez que os supermercados de grande porte do Estado exigem um desconto financeiro superior ao praticado em sua atual relação com o Bompreço.

Além disso, o gerente afirmou que seu volume de produção é alto, já que a rede de supermercados Bompreço possui grande quantidade de lojas atendidas pela cooperativa. Por outro lado, o Bompreço, caso ocorra um rompimento contratual, também será afetado, pois em Pernambuco ninguém produz verduras e hortaliças em volume e qualidade como as da Horticope. Na situação de rompimento de contrato, perdem as duas partes: a cooperativa, por questões financeiras, e a rede varejista, que deixará de oferecer a seus clientes produtos de qualidade superior.

O tipo de contrato é o neoclássico. Segundo Zylbersztajn (1995______. Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições. 1995. Tese (Livre-Docência em Administração) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.) os agentes envolvidos têm a preocupação de dar continuidade ao contrato. Além disso, o contrato original é utilizado como base de referência a cada renovação. A decisão de vender via contrato partiu do Bompreço, pois todos os fornecedores do grupo devem fornecer seus produtos via contrato de comercialização, ou seja, é uma política da rede varejista, comentou o gerente da Horticope.

4.2 ESPECIFICIDADE DE ATIVOS

Os produtos fornecidos pela Horticope são de qualidade padrão e conseguem atender de maneira satisfatória seu cliente. No entanto, não são diferenciados, o que não caracteriza especificidade de ativos no produto final para o cliente.

Por outro lado, na relação entre a cooperativa e o Bompreço, existem especificidades de ordem temporal e locacional. Azevedo (2000AZEVEDO, P. F. Nova economia institucional: referencial geral e aplicações para a agricultura. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 47, n. 1, p. 33-52, 2000.) afirma que a especificidade temporal ocorre quando o fator tempo é o determinante para o sucesso da transação. Além disso, o autor afirma que esse fator é importante quando os produtos envolvidos são perecíveis.

Nota-se a especificidade do ativo locacional, pois a organização dos produtores em um só local trouxe redução acentuada nos custos com o frete de entrega dos produtos na cooperativa. O sr. Mesquita afirmou que, antes da criação da Horticope, os produtos mais perecíveis eram entregues diretamente nas lojas da rede, enquanto os menos perecíveis eram levados para o centro de abastecimento. Atualmente, os produtores levam sua produção e a entregam diretamente na cooperativa, que se encarrega de efetuar a distribuição. Vale ressaltar que foi identificada a presença moderada de ativos físicos e dedicados, pelo fato de a Horticope ter realizado investimentos para atender exclusivamente o Bompreço, porém, em caso de rompimento, os investimentos realizados não serão em vão, pois a produção poderá ser realocada, caso a cooperativa encontre novos clientes.

Mais uma vez é importante destacar que existe grande risco de a Horticope vender apenas para um cliente. Os investimentos em termos de campo foram altos e, em caso de desistência do varejista, a cooperativa terá perdas significativas, que serão resultantes do volume de produção, que é alto, sendo difícil seu escoamento. Também será complicado conseguir outros clientes dispostos a manter um contrato semelhante ao que a cooperativa possui com o Bompreço, por conta do desconto financeiro.

4.3 FREQÜÊNCIA

Conforme consta no contrato estabelecido entre as partes envolvidas, sua validade é de um ano. Vale ressaltar que a Horticope já forneceu sem o contrato estar renovado. Além do processo de renovação demorar um pouco, as negociações são iniciadas, geralmente, em cima do prazo de o contrato ter sua validade encerrada. Assim, a distribuição não pára nem a comercialização é afetada, concluiu o sr. Mesquita.

Zylbersztajn (2000ZYLBERSZTAJN, D. Economia das organizações. In: ZYLBERSZTAJN, D.; NEVES, Marcos Fava (Orgs.). Economia e gestão dos negócios agroalimentares. São Paulo: Pioneira, 2000.) afirma que o aumento da freqüência das transações entre os atores faz com que haja uma redução nos custos ex-ante e a redução da incerteza quanto ao não-cumprimento do contrato.

Quando perguntado sobre a freqüência de entrega, o gerente da cooperativa afirmou que os cooperados entregam diariamente sua produção para a Horticope. Os caminhões saem do campo e levam para seu depósito na Ceagepe, que faz a distribuição para as lojas do Bompreço. A cooperativa atende as cidades de Recife, Natal, João Pessoa e o município de Caruaru, região do Agreste de Pernambuco. Vale ressaltar que alguns itens vão para o centro de distribuição do Bompreço, por exemplo: abobrinha (Curcubita pepo var. Melopepo); chuchu (Sechum edule); pepino (Cucumis sativus); pimentão (Capsium annuum) e cenoura (Daucus carota). As folhagens são entregues diretamente nas lojas. A freqüência é recorrente pelo fato de a transação ocorrer diariamente.

4.4 INCERTEZA

Existe incerteza quanto ao fornecimento dos produtos quando a safra é afetada por variações climáticas. Conforme Hiratuka (1997HIRATUKA, C. Estrutura de coordenação e relações interfirmas: uma interpretação a partir da teoria dos custos de transação e da teoria neo-schumpeteriana. Economia & Empresa, São Paulo, v. 4, n. i, p. 17-32, jan.-mar. 1997.), o grau de incerteza envolvido em uma transação está relacionado à capacidade de os agentes anteciparem eventos futuros. No entanto, na agricultura, de modo geral, essa situação é imprevisível. No verão, as plantações sofrem com a falta de chuva e no inverno com o excesso. Outros fatores imprevisíveis são as pragas e as doenças, que muitas vezes devastam, de forma bastante significativa, a plantação. Então, não se pode ter controle algum sobre esses três fatores.

É importante destacar que o gerente, durante a entrevista, afirmou que a Horticope em 2002 perdeu grande parte da sua lavoura, acarretando a falta de produtos. Porém, o Bompreço possui agrônomos que acompanham a produção da cooperativa e faz todo o acompanhamento de segurança alimentar. Eles logo evidenciaram a queda na produção. Todas as etapas do processo produtivo (produção, colheita e pós-colheita) são acompanhadas por técnicos do Bompreço para verificar se elas estão dentro dos padrões estabelecidos.

Essa incerteza não arranha o relacionamento com o Bompreço pelo fato de os funcionários da rede varejista acompanharem a produção e darem o retorno para a matriz. Sendo assim, o Bompreço está sempre ciente do que pode ocorrer. De acordo com o sr. Mesquita, a Horticope não dá garantia ao Bompreço quanto ao fornecimento, pois não tem como controlar efeitos climáticos. No entanto, tem grande responsabilidade de fazer com que os produtos não faltem. A cooperativa não compra produtos de terceiros por questão de segurança alimentar, pois não sabe como foram produzidos. Para que não haja a quebra no abastecimento, a cooperativa produz sempre a mais do que está previsto para o fornecimento. Essa medida é tomada por possíveis quedas na produção e para suprir eventuais desclassificações na qualidade dos produtos.

4.5 ESTRUTURA DE GOVERNANÇA

Durante a pesquisa foi observada a presença de especificidade dos ativos de tempo e locacional. No entanto, o produto entregue ao cliente é do tipo padrão. Sendo assim e como os ativos envolvidos não são elevados, a estrutura de governança escolhida, por ser mais eficiente, é a híbrida, dominada por um contrato formal.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação contratual entre a Horticope e o Bompreço é caracterizada pelo cumprimento de todas as cláusulas contratuais, solidificando o relacionamento entre ambos. O fato de a cooperativa ter apenas um cliente vale ser ressaltado. Observamos que tal situação é uma preocupação expressa pelos administradores da cooperativa. Esse tipo de relacionamento provoca certo desconforto entre eles, já que fornecer apenas para um cliente é um risco acentuado. No entanto, a qualidade dos produtos da Horticope garante a continuidade do contrato, uma vez que dificilmente o Bompreço encontrará outros fornecedores que ofereçam produtos com qualidade superior aos da cooperativa.

Há ainda de se considerar a inexistência de inadimplência no pagamento dos produtos. Segundo o Cepea, nesse ramo de negócio há inadimplência de 16,6% quando os produtores comercializam nas centrais de abastecimento (VIDAL; BARROS, 2003VIDAL, A. J.; BARROS, C. H. M. Unidos pelo consumidor. Revista Hortifruti Brasil, São Paulo, ano I, n. 12, p. 10, abr. 2003.:10).

Cada contrato tem validade de um ano, com a possibilidade de renovação por mais um. A freqüência foi uma das características mais importantes observadas por este estudo. Acreditamos que, possivelmente, ela deva ser o atributo mais valorizado pelo Bompreço. Como não é interessante acumular estoques de hortaliças, o varejista prefere receber o produto com especificidade de entrega freqüente, isto é, diariamente. Em conseqüência, ocorre um aumento da reputação do fornecedor e uma redução quanto ao não-fornecimento dos produtos. A partir do momento em que é solidificado o relacionamento entre as partes, pela repetição da transação, há uma redução de incerteza quanto à ruptura contratual.

Identificamos que não há especificidade de ativo no produto entregue ao cliente envolvido na transação, pelo fato de os produtos em questão serem do tipo padrão, sem diferenciação. No entanto, há presença de especificidades de ativos de ordem temporal e locacional. Temporal pela perecibilidade, e locacional porque os produtores se reuniram e formaram a cooperativa, centralizando a distribuição da produção, o que possibilitou uma redução no preço do frete.

A incerteza quanto ao fornecimento dos produtos existe, uma vez que se trata de produtos que dependem substancialmente das condições climáticas. Tal situação não coloca em risco a ruptura do contrato, pois os agrônomos do Bompreço acompanham todo o processo produtivo da cooperativa e remetem para a matriz do Grupo as informações referentes à quantidade e à qualidade da produção.

É importante destacar que tanto a Horticope como o Bompreço podem romper o contrato durante sua vigência, desde que haja um comunicado prévio de 30 dias. O tipo de contrato estabelecido é o neoclássico - o contrato original é utilizado como base de referência para a negociação seguinte. Além disso, existe preocupação por parte dos agentes envolvidos em dar continuidade à transação.

No que se refere às possíveis implicações suscitadas pelo caso, vale ressaltar que os custos ex ante devem ser redefinidos. O fato de a Horticope ou o Bompreço poderem romper o contrato durante sua vigência, caso haja um comunicado com 30 dias de antecedência, é um risco, principalmente, para a cooperativa, que entrega sua produção exclusivamente para essa rede de supermercados.

Ressaltamos que esse risco deve-se ao fato de, no curto prazo, após eventual rompimento, ser difícil para a Horticope conseguir outros clientes sem perda financeira relevante por conta do desconto já abordado. É importante destacar que, mesmo sendo produtos de qualidade padrão, não caracterizando especificidade de ativos no produto final para o cliente, o não-cumprimento dos contratos acarreta custos de transação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2004

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2004
  • Aceito
    03 Jun 2004
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