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A estrutura dos bancos comerciais brasileiros nos próximos 10 anos: um exemplo do emprego dos processos de Markov no marketing bancário

ARTIGOS

A estrutura dos bancos comerciais brasileiros nos próximos 10 anos: um exemplo do emprego dos processos de Markov no marketing bancário

Antonio Chagas Meirelles

Professor do Instituto de Pesquisa Econômica (IPE) da Universidade de São Paulo, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da FGV

"The forces determining the distribution of firm sizes within a particular industry are so varied and so complex that any theoretical attempt to portray the effects of their interactions must of necessity be either drastically simplified or else hopelessly complicated. On the other hand, since a major portion of the literature in industrial organization is devoted to a study of the relationship between market structure and firm behavior, even a simplified model for predicting the equilibrium composition of an industry may not be without interest."

Irma G. Adelman.

1. No período de 1955 a 1965, a concentração do sistema bancário brasileiro permaneceu mais ou menos constante, com os cinco maiores bancos (exclusive Banco do Brasil) detendo cerca de 18% dos depósitos totais; os 50 maiores, 78%, e os restantes apenas 21%. De 1965 a 1970, os cinco principais estabelecimentos elevaram sua participação para 28% do mercado, enquanto os 125 bancos menores somavam apenas 11%. Em setembro de 1972, o processo de concentração acelerou-se ainda mais, com os cinco maiores bancos representando 30% do total.1 1 Conjuntura Econômica, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, jan. 1973.

A elevação do grau da concentração a partir da segunda metade da década dos 60 parece ser o resultado da atuação simultânea de diferentes forças econômico-institucionais: redução de taxas de juros, economias de escala, elevação do capital mínimo, restrições a aberturas e ao remanejamento de agências, crescimento dos bancos oficiais, etc.

Todos estes fatores contribuíram com maior ou menor intensidade para enfraquecer a posição relativa dos pequenos e médios bancos e favorecer o processo de concentração de nossa rede bancária.

Nos últimos dois anos, a formação de grandes grupos financeiros habilitados a prestar toda a sorte de serviços financeiros aos seus clientes veio debilitar ainda mais a posição de concorrência dos pequenos e médios bancos comerciais.

2. Neste artigo há uma tentativa de previsão da distribuição, por tamanho, dos bancos comerciais nos próximos 10 anos e numa data mais afastada no tempo quando se espera que o processo de concentração chegue ao seu fim e a estrutura prevalecente não mais se altere.

3. O instrumental estatístico utilizado para prever as modificações na estrutura do sistema bancário será o das "cadeias de Markov". Embora desenvolvida no começo do século pelo matemático russo A. Markov, esta técnica só começou a ter utilização generalizada pelos economistas a partir do final da década dos 50.2 2 Para uma completa descrição dos processos de Markov, consulte o livro de Kemreny, J. G. & Snell, J. L. Finite Markov chains. D. Van Nostrand, 1960 e para uma interessante aplicaç ão na indústria siderúrgica americana leia o artigo pioneiro de Adelman, Irma. A stochastic analysis of the size distribution of firms. American Statistical Association Journal. Dec. 1958.

4. O modelo exige que as firmas que constituem uma determinada indústria sejam agrupadas, de acordo com um critério preestabelecido do tamanho, dentro de um certo número de classes. Admite-se, a seguir, que a trajetória de uma empresa por intermédio destas classes seja um processo estocástico em que a probabilidade, por unidade de tempo, de movimentação de uma categoria para outra seja função somente das duas categorias em análise. Portanto, a probabilidade de que uma firma avance de algumas classes de tamanho depende apenas do seu tamanho no início do período e do número de classes envolvidas no processo e independe do histórico da firma.

Esta hipótese, bastante simplista, implica a representação de todas as variáveis econômicas que determinam o padrão de crescimento das empresas por uma só: o seu tamanho. Isto equivale a se admitir que os outros fatores como: a competência e agressividade empresarial, a estrutura administrativa, a predisposição a adotar novas técnicas, etc. sejam todos correlacionados com a variável tamanho.

Outra importante simplificação dos processos de Markov é que o efeito de interação de todas essas variáveis, representados no modelo por probabilidade de transição de uma categoria de tamanho para outra permanece constante através do tempo.

5. Algebricamente, o modelo de transição de Markov pode ser dividido em duas partes: a) um valor (St) que mostra o número de firmas dentro de cada uma das "K" categorias utilizadas:

[St] = [s0, s1, s2 ..... sK]

e b) uma matriz (k por k) de probabilidades de transição (P):

Os elementos (Pij) de matriz (P) indicam a probabilidade de uma firma da classe "i" deslocar-se para a classe "j" no próximo período. Exemplo: P11 representa a probabilidade de as firmas, que estavam na categoria I no tempo t1, permanecerem nessa mesma categoria no tempo t2 e p12 representa a probabilidade de as firmas, que estavam na categoria I no tempo t1 evoluírem para a categoria II no tempo t2.

Como todos os elementos da matriz (P) são positivos e Pij = 1 a matriz (P) é estocástica e portanto possui uma solução de equilíbrio para o processo de Markov.

O vetor (S), no período "t" e a matriz de transição (P) podem ser utilizados para projetar a distribuição de firmas que deverá prevalecer no próximo período.

(S)t+1 = (St) . (P)

Multiplicando-se sucessivamente os novos vetores (S) por (P), obtêm-se as diferentes distribuições que prevalecerão em períodos futuros:

(S)t+2 = (S)t+1 . (P)

(S)t+3 = (S)t+2 . (P) e assim por diante.

Ao final de um sucessivo número de multiplicações, a estrutura do mercado atingirá uma posição de equilíbrio e não mais se alterará. A estrutura de equilíbrio em um modelo de Markov pode ser definida como aquela em que o número de empresas entrando em uma determinada categoria iguala este número, deixando aquela categoria no mesmo período de tempo. Este conceito estocástico de equilíbrio não impede, portanto, que as empresas entrem e saiam de cada categoria. O que define a situação de equilíbrio é o fato de que em média as forças, que fazem com que aumente o número de empresas, entrando em uma determinada classe, são anuladas por aquelas que expelem as firmas da mesma categoria.

6. Como primeiro passo para a aplicação do modelo descrito na análise da evolução da estrutura dos bancos comerciais brasileiros, procuramos definir o período de tempo que seria utilizado na construção da matriz probabilística de transição. Escolhemos, pragmaticamente, o período de 1967 a 1972. O intervalo de cinco anos é suficientemente longo para eliminar variações sazonáveis e de curto prazo na distribuição dos bancos entre as diferentes categorias.

A ocorrência de uma série de modificações de caráter legal que estimularam o processo de concentração (reduções institucionais de taxa de juros, elevação do capital mínimo dos bancos comerciais, restrições à abertura de novas agências e ao remanej amento das existentes, etc.) contra-indicariam, em princípio, a utilização desse período para a construção da matriz probabilística de transição. Como porém não existe nenhuma razão para se prever a alteração destas medidas de caráter instrumental, parece razoável supor-se que as forças que atuaram no período 1967/1972 continuarão a atuar nos próximos anos.3 3 "The equilibrium distribution is of interest not as a forecast of what the future state of the distribution will be but as a projection of what it would be if the observed pattern of movement continued. It is thus an indication of tendencies at work within the distribution." Collins & Preston. Growth and turnover of food processing firms. Proceedings of the Anual Meeting of the Western Farm, Economics Association, Stanford University, Aug. 1960.

7. Como variável representativa do tamanho dos bancos comerciais escolheu-se o total dos depósitos à vista.4 4 Dados retirados da Revista Bancária Brasileira de Janeiro de 1968 e janeiro de 1973. Um teste inicial mostrou que o ranking dos bancos segundo outras medidas usuais como, por exemplo, o total de depósitos, ativos rentáveis e total de ativos, não iria diferir significativamente da classificação segundo o volume de depósitos à vista. Além disso, a utilização do total de depósitos (depósitos à vista + depósitos a prazo) poderia distorcer a posição relativa de alguns grandes bancos, que concentram a captação de depósitos a prazo fixo nos seus bancos de investimento. O total de ativos e os ativos rentáveis deveriam ser purificados de uma série de contas gráficas (cheques, documentos e ordem a receber, créditos em liquidação, acionistas, capital a realizar, correspondentes e departamentos no País, etc.), o que se constituiria numa tarefa bastante demorada sem trazer resultados significativos.

8. As características especiais do Banco do Brasil e elevada participação no total dos depósitos à vista (20% em 1967 e 24% em 1972) desaconselhavam a sua inclusão no modelo. Os bancos comerciais, que em 1967 já eram controlados acionariamente por um banco maior como, por exemplo, os do Grupo Nacional e Bamerindus, foram consolidados na data-base (1967).

9. Os anexos 1 anexos 1 e 2 2 reproduzem as listagens em ordem decrescente de tamanho (medido pelo total de depósitos à vista) dos bancos comerciais brasileiros em 31.12.67 e 31.12.72.

10. Como vimos no item 4, o modelo de Markov exige que os bancos sejam agrupados de acordo com um critério preestabelecido de tamanho, dentro de um determinado número de classes. A escolha de classes rígidas de tamanho como, por exemplo, a utilizada no trabalho de Irma Adelman5 5 Adelman, Irma. op. cit. implicaria a necessidade de se inflacionar os limites das classes de 1967 para torná-las compatíveis com os depósitos de 1972.

Com o objetivo de contornar possíveis problemas resultantes da escolha de um índice inapropriado para realizar esta correção, resolvemos, após classificar os bancos em ordem decrescente de tamanho, agrupá-los da seguinte maneira:

Categoria I: inclui aqueles bancos que, começando do maior, somem 25% do total dos depósitos à vista.

Categoria II: inclui os bancos que, quando somados aos da categoria I, passem a representar 50% dos depósitos.

Categoria III: inclui os bancos que, quando somados aos da categoria II, atinjam uma fatia de 75% do total de depósitos à vista.

Categoria IV: inclui os bancos que, quando somados aos da categoria III, representem 95% dos depósitos à vista da rede bancária.

Categoria V: inclui todos os bancos que sobraram.

A Categoria V foi também utilizada como um "reservatório" que supre as outras categorias de novos bancos e como um "depósito" onde se acumulam os bancos que desaparecem do mercado.

A necessidade desta última categoria pode ser considerada como a principal contribuição da Prof.ª Irma Adelman para a aplicação das cadeias de Markov na análise de concentração de firmas dentro de um mesmo setor da atividade econômica.

A existência desta categoria permite que se resolva, de uma maneira bastante simples, os problemas resultantes do surgimento de novos bancos e do desaparecimento de outros por falência ou fusão.

Quando um banco vai à falência ou é absorvido por outro, seus depósitos tornam-se iguais a zero e ele é transferido para a categoria V. Todo novo banco evolui de um depósito teoricamente igual a zero para um nível de depósitos que determina em qual categoria ele irá ficar após deixar a categoria V.

11. Após esta classificação dos bancos, procuramos determinar sua movimentação através dessas classes no período de 1967 a 1972. A tabela 1 resume as mudanças de categorias ocorridas nos cinco anos que se seguiram a 1967:

A distribuição dos bancos entre as diferentes categorias mostrou que em 1967 existiam 21 bancos na categoria III. A terceira linha da tabela 1 indica que, no período 1967-1972, um banco evoluiu da categoria III para a II; oito bancos permaneceram na III; sete caíram para a IV e cinco caíram para a V (ou desapareceram).

12. Uma estimativa da probabilidade de um banco mudar da categoria "i" para a "j", em um período de cinco anos, pode ser obtida dividindo-se, na tabela 1, o número de bancos em cada uma das categorias pelo total da respectiva linha. Exemplo: se dois dos cinco bancos que estavam inicialmente na categoria I caíram para a II, a probabilidade de um banco deslocar-se de I para II em cinco anos será de 0,4. A tabela 2 transcreve as diferentes probabilidades de mudança de categoria.

A diagonal principal da matriz (P) indica qual a probabilidade de um banco permanecer na sua categoria cinco anos depois. Os valores fora da diagonal principal indicam qual a probabilidade de um banco mudar de categoria nos próximos cinco anos.

13. Multiplicando-se a matriz (P) pelo número de bancos em cada categoria no ano de 1972 (vetor St), chega-se a uma previsão de qual será a distribuição por tamanho dos bancos comerciais no ano de 1977. Multiplicando-se este novo vetor (St+1) novamente pela matriz (P), obtém-se a concentração da rede bancária em 1982. Multiplicações sucessivas conduzirão ao estágio de equilíbrio dos processos de Markov (ver item 5).

14. A tabela 3 e o gráfico 1 reproduzem a distribuição por tamanho dos bancos comerciais brasileiros em 1967, 1972, 1977, 1982 e no equilíbrio que resultou das multiplicações indicadas no item anterior.


Em 1977 três bancos deverão controlar 25% dos depósitos à vista, nove bancos, 50%, 22 bancos, 75%, e 51 bancos, 95% da totalidade dos depósitos à vista.

No equilíbrio a concentração será bem maior, com apenas um banco controlando mais de 50% dos depósitos à vista e apenas 28 somando 95% desse mesmo total.

15. A presença de 25 bancos oficiais, federais e estaduais na listagem de 1972 (ver anexo 2 2 ) poderá dificultar a análise dos resultados mostrados, no sentido de que estes bancos, embora concorrendo com os comerciais privados pela captação dos depósitos à vista, não estão sujeitos à ação das mesmas forças que fazem com que os bancos comerciais privados deixem o mercado, por fusão ou falência.

16. Procuramos então recalcular a concentração dos bancos comerciais em 1977, 1982 e no equilíbrio, excluindo da anáise os oficiais (a categoria I passou a incluir os maiores bancos que somados representassem 22% dos depósitos à vista).

17. A tabela 4 e o gráfico 2 reproduzem a distribuição por tamanho dos bancos comerciais privados que deverá prevalecer em 1977, 1982 e no equilíbrio:


Estes resultados mostram, como era de se esperar, uma tendência à concentração bastante mais acelerada do que quando se admitiu a presença dos bancos oficiais.

Mantidas as atuais forças que vêm provocando a concentração de nosso sistema bancário, as cadeias de Markov indicam que, em 1982, apenas um banco particular deterá 22% dos depósitos à vista (em dezembro de 1972 o maior banco privado detinha cerca de 10%) e que 27 bancos somarão 95% dos depósitos à vista (em dezembro de 1972, 47 bancos representavam 95% dos depósitos à vista dos bancos privados).

Admitindo-se que o sistema bancário privado cresça, em termos reais, 8% ao ano nos próximos 10 anos, o maior banco privado terá depósitos à vista, a preços de 1972, de Cr$ 16 bilhões (em dezembro de 1972, o maior banco privado tinha depósitos à vista de Cr$ 3,3 bilhões).

Quando cessar o processo de concentração, um banco privado deverá ter sozinho mais de 75% do mercado de depósitos à vista e apenas 15 possuirão 95% da totalidade dos depósitos à vista, dos bancos comerciais privados.

  • 1Conjuntura Econômica, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, jan. 1973.
  • 2 Para uma completa descrição dos processos de Markov, consulte o livro de Kemreny, J. G. & Snell, J. L. Finite Markov chains. D. Van Nostrand, 1960 e para uma interessante aplicaç
  • ão na indústria siderúrgica americana leia o artigo pioneiro de Adelman, Irma. A stochastic analysis of the size distribution of firms. American Statistical Association Journal. Dec. 1958.
  • 3 "The equilibrium distribution is of interest not as a forecast of what the future state of the distribution will be but as a projection of what it would be if the observed pattern of movement continued. It is thus an indication of tendencies at work within the distribution." Collins & Preston. Growth and turnover of food processing firms. Proceedings of the Anual Meeting of the Western Farm, Economics Association, Stanford University, Aug. 1960.
  • 4 Dados retirados da Revista Bancária Brasileira de Janeiro de 1968 e janeiro de 1973.

anexos 1

2

  • 1
    Conjuntura Econômica, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, jan. 1973.
  • 2
    Para uma completa descrição dos processos de Markov, consulte o livro de Kemreny, J. G. & Snell, J. L.
    Finite Markov chains. D. Van Nostrand, 1960 e para uma interessante aplicaç ão na indústria siderúrgica americana leia o artigo pioneiro de Adelman, Irma. A stochastic analysis of the size distribution of firms.
    American Statistical Association Journal. Dec. 1958.
  • 3
    "The equilibrium distribution is of interest not as a
    forecast of what the future state of the distribution will be but as a
    projection of what it would be if the observed pattern of movement continued. It is thus an indication of tendencies at work within the distribution." Collins & Preston. Growth and turnover of food processing firms.
    Proceedings of the Anual Meeting of the Western Farm, Economics Association, Stanford University, Aug. 1960.
  • 4
    Dados retirados da
    Revista Bancária Brasileira de Janeiro de 1968 e janeiro de 1973.
  • 5
    Adelman, Irma. op. cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1974
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