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Transportes urbanos e desenvolvimento econômico: notas sobre um estudo

NOTAS E COMENTÁRIOS

Transportes urbanos e desenvolvimento econômico: notas sobre um estudo

Carlos Antonio Morales

Mestrando na área de Administração e Planejamento Urbano, EAESP/FGV

O interesse deste trabalho deriva de um novo enfoque que se dá à análise das relações entre transporte e desenvolvimento econômico, procurando aprofundar o exame dos efeitos dos transportes urbanos nos fluxos econômicos e monetários.

Ao fazê-lo, Prudliomme leva o leitor a repensar a importância dos meios de transporte na economia brasileira, pois as conclusões a que chega contrariam a opinião consagrada de que a indústria automobilística foi o carro-chefe da modernização da economia nacional.

Analisando ponto por ponto as ligações desta atividade com o resto da economia, o autor vai relativizando a participação deste setor, seja como indutor de outros fluxos econômicos, seja na criação de empregos, ou como solução para o déficit do balanço de pagamentos.

Além do valor polêmico, este estudo apresenta o mérito de ser extremamente equilibrado, cuidado e metodologicamente rigoroso, trazendo, por isso, contribuições apreciáveis à investigação científica.

Enfim, o tema tratado toca direta ou indiretamente duas das questões mais importantes e que compõem a problemática da sociedade brasileira atualmente. Os transportes em geral e, em particular, o transporte urbano são temas com forte presença na discussão do problema energético e a produção dos meios de transporte está estreitamente ligada à crise de desemprego.

1. O PAPEL DOS TRANSPORTES URBANOS NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: COLOCAÇÕES INICIAIS

Remy Prud'homme inicia a exposição do trabalho apontando dois elementos fundamentais para o entendimento desta relação.

1. As políticas adotadas pelo poder público têm por objeto o desenvolvimento econômico, podendo retardálo ou acelerá-lo, mas que, sobretudo, modificam seu conteúdo.

2. As relações entre transporte, desenvolvimento econômico e desenvolvimento urbano são biunívocas. Entre estas, a relação menos estudada tem sido a da ação dos transportes urbanos sobre o desenvolvimento econômico.

Este tema é particularmente importante para os países em desenvolvimento por não existirem aí estudos do caso. É sobre a análise desta relação que Prud'homme centra a perspectiva do estudo. Como hipótese principal, Prud'homme supõe que as conseqüências econômicas dos transportes urbanos são tais que explicam, pelo menos em parte, as políticas adotadas. Para verificar esta hipótese, propõe-se analisar os elementos envolvidos. A aproximação a estes elementos se dá passando antes pela caracterização do desenvolvimento econômico, urbano e dos transportes urbanos.

2. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

A caracterização do desenvolvimento econômico é constituída dividindo o período que vai do pós-guerra a 1978 segundo a taxa de crescimento do PIB e as respectivas políticas econômicas adotadas em cada fração de período. A primeira etapa, que vai de 1947 a 1961, caracteriza-se por uma taxa de crescimento do PIB de 7,1% ao ano e por uma política de substituição das importações. A etapa seguinte, 1961 a 1967, se identifica pela instabilidade política, pela ausência de uma clara política econômica, e.baixa notável do crescimento anual do PIB, que cai para 3,7% ao ano, em média. De 1967 a 1974, a economia brasileira retoma as altas taxas de crescimento do PIB, superando mesmo os períodos anteriores (10% ao ano), e adota uma política de abertura do país ao comércio exterior e de promoção de exportações. A partir de 1974 até 1978, o desenvolvimento econômico fica submetido às influências das crises do petróleo e internacional que provocaram a adoção de medidas de emergência, tendo como conseqüência flutuações anuais da taxa de crescimento do PIB, atingindo ora níveis semelhantes, ora bastante aquém dos registrados nos melhores períodos.

Como característica permanente da economia brasileira, Prud'homme destaca os baixos percentuais que representam a importação dos bens de consumo, concluindo disso que a política de substituição das importações abrange todo o período estudado, ainda que em algumas épocas tenha ficado em segundo plano na pauta governamental.

A este quadro o autor acrescenta dois traços importantes e peculiares do desenvolvimento econômico brasileiro:

1. A participação do Estado na economia, cujas empresas comerciais, industriais e financeiras detêm 1/3 da produção e quase 2/3 do capital. "Se tomarmos como critério de socialismo a importância da propriedade pública dos meios de produção, podemos dizer que a economia brasileira é mais socialista do que seria a economia francesa se as nacionalizações previstas pelo programa comum da esquerda francesa se realizassem."

2. O crescimento econômico durante o período em foco se dá com o aprofundamento das disparidades de renda entre as pessoas e entre regiões.

Pode-se dizer que a caracterização que Prud'homme faz do desenvolvimento econômico brasileiro para o período pós-guerra é um resumo das análises clássicas realizadas na linha dos economistas ligados à Cepal, não tendo mesmo se utilizado das contribuições menos ortodoxas e mais recentes. Neste aspecto, este estudo não traz nenhuma contribuição nova, tratando-se mais de um pano de fundo para a análise do desenvolvimento dos transportes urbanos e suas conseqüências sobre o desenvolvimento econômico.

3. DESENVOLVIMENTO URBANO

Remy Prud'homme alerta que os dados que se apresentam para a análise do desenvolvimento urbano definem a população urbana a partir de divisões administrativas, sem nenhuma relação com a realidade geográfica, econômica ou demográfica. Desta forma, os dados da população urbana são subestimados. Por isso, o autor prefere fazer a análise utilizando a população das cidades com mais de 50 mil habitantes para definir centros urbanos. Assim, a população das nove áreas metropolitanas brasileiras que representam 45% da população administrativamente urbana concentram 78% da população urbana segundo o critério do autor, que inclui como urbana apenas a população das cidades com mais de 50 mil habitantes.

Esta comparação dá uma imagem mais dramática da concentração da população brasileira nos centros metropolitanos. A partir destes dados, Prud'homme conclui que a urbanização brasileira pode ser caracterizada como uma "urbanização das grandes cidades". Na análise da taxa de urbanização, o autor chama a atenção para o desequilíbrio que se verifica com a concentração da população no eixo Rio-São Paulo, onde se concentram 53% dos empregos industriais, 62% dos salários distribuídos, e 63% do valor agregado. Acrescenta ainda que, sobre este problema, não existe nenhum programa de trabalho ou política urbana explícita, exceto as tímidas recomendações do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979), pelo que somos obrigados a supor que, por ocasião da elaboração deste estudo, ainda não havia sido dado a público o Plano das Cidades Médias. A análise que Prud'homme faz do desenvolvimento urbano é ainda mais sucinta do que a do desenvolvimento econômico. Não teria mais valor do que o de situar o leitor leigo, se não fosse pelas observações de caráter metodológico que faz sobre a definição de centro urbano.

4. O DESENVOLVIMENTO DOS TRANSPORTES URBANOS

O primeiro ponto a se notar, segundo o autor, sobre o desenvolvimento dos transportes urbanos é que quase nada se sabe sobre o transporte de mercadorias, fato que limita a análise ao transporte de passageiros. Mesmo os dados organizados sobre o transporte de passageiros são muito pobres e coletados recentemente. Existem apenas para as áreas metropolitanas, o que faz com que para os demais centros urbanos tenham que ser formuladas hipóteses.

Os dados sobre a distribuição modal nas áreas metropolitanas mostram a dificuldade de se adotar hipóteses para os demais centros urbanos. Em São Paulo, segundo dados do Geipot, 6.656.000 deslocamentos eram feitos por ônibus em 1976, e 6.423.000 o eram por veículos particulares, enquanto que, no Rio de Janeiro, 6.935.000 eram feitos por ônibus e 1.126.000 por automóveis. Tamanha discrepância na distribuição modal entre os dois principais centros urbanos do país impede a formulação de hipóteses da distribuição para o conjunto das áreas urbanas.

Apesar disso, Prud'homme entende que as taxas de crescimento anual por modo, disponíveis apenas para Rio de Janeiro e São Paulo, podem ser usadas para avaliar a evolução dos transportes urbanos nas demais áreas metropolitanas e urbanas. Esta passagem ilustra bem o estágio de desconhecimento sobre o desenvolvimento dos transportes urbanos e as dificuldades a serem enfrentadas para conhecê-lo.

No geral, o desenvolvimento dos transportes se caracteriza por altas taxas de crescimento do transporte por automóveis e por ônibus, e baixas taxas de crescimento do transporte fluvial e ferroviário. É possível afirmar que esta estrutura dos transportes urbanos resulta de uma política intencional e clara? Na opinião de Remy Prud'homme não. Em contraposição lança duas hipóteses bastante polêmicas que irão orientar o estudo das influências do transporte urbano no desenvolvimento econômico brasileiro.

Estas hipóteses contrariam o que já se tomou quase ponto pacífico sobre a relação entre transporte e desenvolvimento econômico no Brasil, ou seja, que a política de transportes visou o fortalecimento da indústria automobilística como principal motor do desenvolvimento econômico. O primeiro ponto levantado por PrudTiomme é que o desenvolvimento das rodovias e, portanto, do tráfego rodoviário se deu à margem de uma política orçamentária que, ao contrário do que se supõe, sempre favoreceu a ferrovia.

O desenvolvimento das rodovias deu-se de forma "automática", financiado pelas taxas cobradas sobre o consumo de combustíveis e pedágio, enquanto a indústria automobilística crescia apoiada nos baixos custos do petróleo antes da crise de 1973.

O segundo ponto refere-se à política fiscal, que favoreceu o transporte coletivo e de mercadorias, subvencionando o óleo diesel com a arrecadação de impostos e taxas que recaíram sobre a gasolina, afetando principalmente os veículos particulares. PrudTiomme argumenta que não se pode dizer que houve uma política de favorecimento do transporte rodoviário e do automóvel, examinando-se apenas os resultados da evolução dos transportes, pois as medidas adotadas sugerem exatamente o contrário.

5. IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DOS TRANSPORTES URBANOS

O trabalho a que PrudTiomme se propõe limita-se á análise dos transportes urbanos enquanto atividade econômica, ou seja, ao exame dos fluxos monetários que gera. E é justamente aí que reside sua principal virtude.

A primeira dificuldade que se apresenta à avaliação da importância dos transportes urbanos sob este prisma é que os dados disponíveis concernem à totalidade dos transportes. Para estimar o número de passageiros transportados por modo (automóvel, ônibus, trem, metrô) e por tipo (urbano, não-urbano), o autor teve que se valer de dados de diversas fontes para o ano de 1976. O resultado deve ser encarado com reservas, pois devido aos erros a que estão sujeitos, têm, na melhor das hipóteses, um valor indicativo da verdadeira distribuição.

De qualquer forma, pelas tabelas apresentadas, pode-se ter uma idéia da participação dos transportes urbanos no total de passageiros por quilômetro transportados em todo o país, segundo o modo. Nas áreas urbanas são transportados 76% dos passageiros que se utilizam de trem, 31% dos que se utilizam de automóvel e 51% dos que usam ônibus.

A dificuldade seguinte é estimar os custos de transporte por modo, uma vez que os dados disponíveis sobre os gastos das famílias e empresas com transporte são incompletos, pois não incluem despesas importantes, como o consumo de combustível, gastos com reparação, taxas e impostos.

A análise que o autor propõe contorna estas dificuldades ao centrar-se nos fluxos monetários ligados ao transporte urbano e não na distribuição decorrente da atividade. Entre os elementos identificados pelo método adotado, foram eleitos quatro para objeto de exame: produção e distribuição de combustíveis, produção de material de transporte, construção de vias de transporte e serviços de transporte. Como a finalidade aqui é apresentar o trabalho, vamos nos restringir a expor o modo de tratamento e as conclusões a que se chegou no exame dos dois primeiros itens.

6. A PRODUÇÃO DE MATERIAL DE TRANSPORTE NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL

O primeiro fato importante do desenvolvimento do parque de material de transporte no Brasil é que ele cresceu mais rapidamente que o PNB: 12% na década de 50 e 17% na de 60. O segundo é que este desenvolvimento é resultado de uma produção nacional, no sentido de produzido em território nacional. Os dados apresentados por PrudTiOmme sobre as taxas de crescimento anual da indústria de material de transporte e a percentagem da mão-de-obra empregada neste setor comparadas às taxas dos demais setores da indústria colocam a produção de material de transporte em destaque.

Quando se compara o valor agregado, no entanto, a indústria de material de transporte apresenta uma performance inferior à grande parte dos demais setores e ao crescimento do PNB.

Como explicar esta discrepância? Prud'homme explica com a hipótese de que se a quantidade cresceu mais do que o valor da produção significa que aumentou a produção de veículos de menor valor. O número de empregos continuaria aumentando na medida em que a produtividade do setor se mantivesse, em níveis baixos. A estagnação do setor sugere que a indústria de material de transporte não teve, depois de 1960, um papel tão importante no processo de desenvolvimento econômico quanto se costuma atribuir a ela. Apenas tem contribuído da mesma maneira que em muitos outros setores.

A distribuição geográfica da produção de material de transporte mostra que, no período compreendido entre 1960 e 1974, São Paulo e Rio de Janeiro mantiveram sua participação, significando que o setor não vem contribuindo para diminuir as disparidades regionais.

O subsetor de fabricação de peças participa com o mesmo valor agregado empregando o dobro de operários. Sua produtividade é, portanto, bastante inferior. Dados relativos ao custo da mão-de-obra para o mesmo valor agregado em ambos os subsetores confirmam o atraso do subsetor de peças. Disso se conclui que o setor está dividido em um subsetor dinâmico, representado pela montagem de veículos, e outro atrasado, representado pela fabricação de peças.

7. A INDÚSTRIA DE MONTAGEM

Até 1951, a quase-totalidade dos veículos utilizados no Brasil eram importados, representando então 14% do total das importações. Getúlio Vargas cria a Comissão de Desenvolvimento Industrial e em 1952 a subcomissão para estudar a produção de veículos de transporte. Medidas protecionistas são tomadas, criam-se direitos de aduana, licenças de importação e taxas de câmbio especiais. Em 1955, existiam no Brasil oito empresas montadoras e mais de 500 produzindo peças. O índice de nacionalização era próximo de 30%. Em 1957, são produzidos 30 mÜ veículos utilitários. Em 1956, o governo cria o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), que passa a fazer os planos nacionais para a indústria automotiva, determinando o número de veículos a serem produzidos ano a ano até 1960, e o montante dos investimentos necessários, apelando para o capital estrangeiro para obter financiamento e técnica, e exigindo em contrapartida índices de nacionalização. O governo oferecia taxas de câmbio favoráveis para a importação de bens de investimento, que seriam também livres do direito de aduana. O desenvolvimento da indústria de montagem apresenta três características principais.

1. É composta predominantemente de capitais estrangeiros, disto decorrendo: a) em função de uma legislação severa sobre a remessa de lucros - 4% do capital investido - os lucros são reinvestidos; b) que as empresas vendam licenças, assistência técnica, peças e bens de investimento para suas füiais brasileiras; c) que as empresas procurem exportar para suas subsidiárias.

2. A indústria de montagem é oligopolística

3. É espacialmente concentrada.

8. A INDÚSTRIA DE PEÇAS

As principais características desta indústria são:

1. É composta predominantemente de pequenos e médios produtores.

2 É uma indústria em regime concorrencial com mais de 1.000 produtores.

3. É uma indústria nacional e privada

Entre mais de 1.000 empresas filiadas ao Sindipeças, 100 delas asseguram a produção de aproximadamente 3/4 das peças vendidas. Do total de empresas registradas pelo censo industrial de 1970, 1.482 empregavam menos de 50 trabalhadores e 385 de 50 a 2 mil.

Embora quase totalmente nacional, o setor de peças vem passando por um processo de integração vertical. A Volkswagem, Mercedes, Ford e Fiat entraram na produção de peças. Outra característica deste subsetor é sua ineficiência A grande maioria de pequenas fábricas não possibilita os benefícios advindos da produção em escala e a concorrência entre produtores exerce pressão constante sobre os custos de produção. Completando os pontos negativos, a subvenção aos capitais de investimento provocou superinvestimentos neste subsetor, decorrendo daí perdas no conjunto da capacidade de produção, subemprego de capital e redução dos lucros.

9. EFEITOS INDUTORES SOBRE OS OUTROS SETORES

O crescimento da produção de veículos tem efeitos sobre os fornecedores - backward linkages - e sobre os consumidores - forward linkages. Os setores que mais contribuem para a indústria automobilítica são a indústria mecânica, metalúrgica e a de materiais elétricos. O vidro, o plástico e a produção de energia aparecem com menor participação. Estes setores, por sua vez, induzem novos aumentos da produção através de suas compras.

Examinando a matriz de relações intersetoriais para o de 1970, publicada pelo IBGE, PrudTiomme conclui pela relevante importância dos efeitos indutores do setor automobilístico. Apenas dois setores em 87 possuem multiplicadores mais elevados do que a produção de ônibus (2,2), e apenas 13 os têm superiores à produção de automóveis (2,0). A produção de veículos engendra, por outro lado, um significativo aumento das importações nas indústrias às quais se liga Apenas 20 setores têm coeficientes de importação superiores aos 8% da produção de automóveis, sem dúvida causando um peso considerável no balanço de pagamentos; Quanto aos efeitos produzidos sobre a criação de empregos, a indústria automobilística tem fraca participação. Enquanto um aumento de X cruzeiros cria 35,6 empregos, diretos ou indiretos, na indústria automotiva, o mesmo aumento cria 420 empregos na indústria de laticínios e 285 na de açúcar refinado.

10. CONSEQÜÊNCIAS NO BALANÇO DE PAGAMENTOS

O intuito de diminuir a pressão sobre o balanço de pagamentos do Brasil foi uma das principais razões que apoiaram os planos de desenvolvimento da indústria automobilística nacional. Em que medida este objetivo foi alcançado? A economia gerada pela produção interna de veículos que de outro modo seriam importados é o primeiro ponto positivo que merece ressalva apenas porque os recursos empregados na produção de veículos seriam certamente investidos em bens que, por sua vez, gerariam também importações e exportações numa medida diferente da que ocorreu.

O segundo ponto positivo foram os investimentos estrangeiros que entram como saldo positivo no balanço de pagamentos. Até 1970, a importância destes investimentos era tal que equilibravam a balança comercial. Depois desta data sua importância tem decrescido paulatinamente a ponto de representarem 1% das importações.

Um terceiro ponto positivo são as exportações do setor, que cresceram de US$ 10 milhões em 1970 para 184 milhões em 1974, começando a ter peso na balança comercial.

Os efeitos negativos são decorrentes das importações causadas pela produção automobilística, que não são nada desprezíveis, como já foi visto, pela remessa de lucros das empresas estrangeiras e pelas subvenções às exportações, que diminuem em parte seu efeito positivo sobre a balança A avaliação do peso real das remessas é dificultada pelos diversos expedientes que as empresas utilizam para repatriar os resultados de seus investimentos. PrudTiomme faz uma análise cuidadosa desse problema, concluindo que é fraca a contribuição das remessas para o déficit do balanço de pagamentos. Em resumo, o autor chega à conclusão que a produção interna de veículos teve um efeito benéfico sobre o balanço de pagamentos, mas adverte que o principal motivo da política de produção interna de veículos deve ser procurado noutro lugar.

11. O CONSUMO DE COMBUSTÍVEIS NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL

Este capítulo do trabalho de PmdTiomme procura responder às seguintes perguntas: De onde vem o petróleo consumido pelo transporte urbano no Brasil? Quem refina este petróleo? Como são distribuídos os combustíveis?

Duas são as características principais do setor do petróleo: seu caráter quase totalmente público e a dependência externa para obtenção de petróleo bruto.

12. INTERVENÇÃO NO PREÇO

O monopólio estatal se desdobra em controle, cuja primeira forma no caso do preço, é a "compensação". Trata-se de uma taxa que grava o preço da gasolina em tomo de 20% do seu valor, com a finalidade de subvencionar o preço do óleo diesel, querosene, nafta e outros derivados. É uma transferência compulsória de dinheiro dos proprietários de veículos movidos a gasolina em geral dos automóveis particulares e parte dos caminhões e ônibus, para os proprietários de veículos de transporte coletivo e de mercadorias, na sua maioria movidos a diesel. PmdTiomme deduz que o rápido desenvolvimento dos transportes individuais no Brasil permitiu subvencionar o transporte coletivo e a indústria em geral.

A segunda forma de intevenção é representada pelas taxas única e adicional, que têm três características:

1. Discrimina a gasolina, que é taxada três vezes mais do que o óleo.

2 É muito pesada, no caso da gasolina equivale ao preço de produção.

3. Um terço da arrecadação é destinada aos municípios e estados, mas o principal neste caso é que os recursos derivados da cobrança destas taxas não são incorporados ao orçamento e vão diretamente financiar a produção de rodovias, ferrovias e a indústria petrolífera

Atê 1974, os aumentos nos preços devidos às taxas acompanharam o crescimento da frota de veículos e da construção de rodovias, tendo mesmo estado abaixo dos aumentos reais do preço do petróleo. A partir de 1974, o preço de venda aumenta em termos reais, mas se eleva muito menos do que o preço do petróleo importado. Enquanto o preço da gasolina aumentava, o preço do óleo era mantido baixo. Em resumo, as taxas foram usadas, neste período, para manter os aumentos de combustíveis abaixo do acréscimo do petróleo bruto, diminuindo assim os investimentos em infra-estrutura de transporte.

13. A INTERVENÇÃO NA REFINAÇÃO

A partir da criação da Petrobrás, a refinação de petróleo foi crescentemente monopolizada pela empresa estatal. Em setor ê um dos que menos efeitos produz sobre os demais, existindo apenas sete setores com menor capacidade de induzir crescimento econômico. Quanto à criação de empregos, é o setor mais fraco. O monopólio estatal representa 98% da refinação, contando com duas grandes refinarias, três médias e três pequenas. Neste setor, chama a atenção o fato de que a capacidade de produzir tem sempre aumentado mais rapidamente do que o consumo de combustíveis.

14. INTERVENÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO

É o campo em que o controle público é mais débil. Ao lado da Petrobrás, encontram-se outras sete empresas, cinco estrangeiras e duas nacionais. As empresas distribuidoras possuem apenas 900 dos 19 mil postos de venda o restante pertence a empresas não ligadas à distribuição de combustíveis.

As sociedades privadas e estrangeiras participam com cerca de 70% da distribuição, mas seu papel é limitado pela pequena importância deste domínio na economia e mesmo no âmbito dos transportes. Venda e distribuição perfazem menos do que 10% do preço da gasolina e menos do que 15% do preço do óleo diesel.

Por sua vez, o poder público intervém na distribuição através do controle sobre os meios de transporte de petróleo para as refinarias e daí para os depósitos, e também regulamentando o transporte por rodovia dos derivados de petróleo. Intervém ainda na programação da distribuição através de um calendário rigidamente controlado. A mistura de álcool à gasolina veio aumentar ainda mais a intervenção do governo sobre a distribuição.

O poder público tem sob controle a concorrência, fixando preços e regulamentando a abertura de novos postos de abastecimento. Embora participe pouco deste domínio, o poder público, usando da autoridade política, mantém o controle normativo da distribuição.

15. INTERVENÇÃO NO ÂMBITO DA PROVISÃO

A dependência do Brasil ao petróleo importado (82% do consumo), não criou grandes problemas para o país até 1973. Pelo contrário, ele se beneficiou dos baixos custos dó petróleo no mercado internacional. Com as altas de 1973 e 1979, o governo viu-se obrigado a tomar providências no sentido de desenvolver a produção de petróleo nacional, reduzir o consumo e acionar fontes alternativas de energia.

A partir de 1975, a Petrobrás abre o domínio da produção de petróleo às empresas estrangeiras e privadas através dos contratos de risco, oferecendo 60 mil km2 à exploração. Entre aproximadamente 40 empresas de exploração existentes, apenas sete se interessaram, sem que tenham obtido resultados positivos até o presente (1980).

Para diminuir o consumo, o governo aumentou os preços dos combustíveis, fechou os postos aos sábados, domingos e à noite, impediu a abertura de novos postos e aumentou os subsídios ao transporte coletivo. A diversificação das fontes de energia dirigiu-se ao aumento dos investimentos em energia hidráulica, nucleares e para a substituição de petróleo por álcool.

As medidas de redução do consumo de gasolina resultaram na redução do índice de consumo de 100 para 55 no período de 1973 a 1978, significando a estabilização do consumo a níveis de 1973. Grande parte deste resultado deveu-se à substituição de gasolina por óleo diesel, que, por sua vez, não apresentou resultados tão satisfatórios. O índice de consumo por veículo movido a diesel passou de 100 em 1973, para 74 em 1978, enquanto que, no mesmo período, a frota destes veículos aumentou muito mais depressa do que os movidos a gasolina.

Da análise do papel do consumo de combustíveis no transporte urbano, conclui-se que o setor de produção, refinação e distribuição de petróleo pouco contribuiu para o desenvolvimento econômico. O baixo preço do petróleo, até 1973, foi uma oportunidade de que o poder público valeu-se, inclusive para taxar pesadamente os combustíveis, sem que isto impedisse o desenvolvimento do transporte rodoviário. As altas de 1973 e 1979, vieram mostrar a capacidade de resposta da economia brasileira, sem dúvida, favorecida pelo caráter estatal do setor.

Da leitura deste estudo, chegamos à conclusão que o autor, ao examinar os fluxos econômicos ligados ao transporte urbano, demonstra, deste ponto de vista, que a explicação para o enorme crescimento do transporte individual e privado no meio urbano, não se encontra nas políticas de transporte adotadas. Estas serviram principalmente para implementar a infra-estrutura de transporte rodoviário, favorecer o transporte coletivo e a circulação de mercadorias. Como o transporte coletivo mantém índices de desempenho muito aquém das necessidades da população, é de se supor que a política de subvenção e privilégios econômicos não contribui para a melhoria do serviço.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1982
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