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Perspectivas atuais do ensino de administração na Europa

NOTAS E COMENTÁRIOS

Perspectivas atuais do ensino de administração na Europa

Ruben Cesar Keinert

Professor titular na ERESP/FGV; chefe do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração

1. INTRODUÇÃO

A experiência de ensino de gestão na Europa iniciou-se no final dos anos 40, ou seja, no pós-guerra. São praticamente 40 anos de uma experiência importante e que vale a pena conhecer para se pensar o que se está desenvolvendo no Brasil. Esta a razão deste comentário, que aproveita as observações feitas durante o XIII Seminário para Dirigentes e Professores de Centros de Gestão da América Latina, organizado pelo Fonds Bekaert, de Bruxelas, Bélgica, e patrocinado pela Administration Générale de la Cooperation au Développement (AGCD), organismo do governo belga.

Não se tem a pretensão, obviamente, de um balanço sistemático nem, tampouco, de conclusões acabadas. O objetivo éode noticiar o que foi visto, amplificar o que foi ouvido e porventura pensado, com vistas a contribuir para a discussão sobre o ensino de gestão no Brasil.

2. CONDIÇÕES GERAIS QUE DERAM INÍCIO À EXPERIÊNCIA1 1 As informações e mesmo colocações principais deste item estão fortemente calcadas num texto intitulado Vinte e cinco anos de ensino de gestão na Europa. Infelizmente, este texto foi distribuído em forma mimeografada, sem indicação de autor e de fonte.

A preparação para as funções dirigentes que se fazia antes da II Guerra Mundial caracterizava-se pela concentração dos estudos em torno de uma disciplina, em geral de contabilidade e/ou por uma grande acumulação de conhecimentos técnicos. Era o que predominava nas faculdades de ciências econômicas aplicadas da Alemanha, nas écoles de commerce francesas e nos technical colleges Grã-Bretanha.

A despeito do reconhecimento da utilidade desse tipo de estudos, pouco a pouco foi ficando evidente que como preparação para as responsabilidades de direção não eram melhores do que o estudo de direito ou de filosofía e letras ou de engenharia. Começava-se a se perceber, então, que a competência do dirigente devia-se mais à formação do espírito do que ao domínio de técnicas.

De outro lado, havia forte resistência por parte dos dirigentes, tanto do setor público quanto do setor privado, a participar de cursos de aperfeiçoamento e, mesmo, a acreditar que a universidade ou os institutos isolados pudessem vir a contribuir eficazmente para a formação de quadros para os escalões de decisão das empresas.

Essa situação principiou a modificar-se a partir de 1946, quando uma sociedade multinacional instalou em Genebra um centro de aperfeiçoamento.

A seguir, criou-se o Administrative Staff College, em Henley, em 1948, considerado o protótipo para a instalação de centros de preparação para direção de empresas. Em seqüência apareceram o Centre de Recherches et d'Études des Chefs d'Entreprises (CRC), em Jouy-en-Josas, os Baden-Badener Unternehmergesprâche, na Alemanha, o Studiecentrum Bedrijfsbeleid, na Holanda e outros similares nos países escandinavos.

Apontam-se como causas que teriam facilitado a rápida expansão destes centros:

1. Em primeiro lugar, a própria guerra serviu como experiência valiosa e disseminadora para demonstrar a importância capital de questões de gestão. Ela ressaltou a necessidade da obtenção da cooperação construtiva de cada indivíduo e da qualidade da previsão e do planejamento para o sucesso das operações de usinas que deviam trabalhar com precisão militar. Ao lado disso, o cotidiano bélico proporcionou a obrigação de tomada de decisão por parte do cidadão comum, em escala não-usual.

2. Em segundo lugar, as conseqüências da guerra se fizeram sentir - e esse fenômeno foi bastante mais agudo na Alemanha-pelos efeitos mortíferos nos quadros médios das empresas, levando à promoção rápida dos mais jovens e à preocupação de como passar a experiência dos mais velhos de forma acelerada.

3. A defesa da iniciativa privada, como reação ao crescimento dos movimentos socialistas ou socializantes do pós-guerra, produziu uma conscientização da necessidade de melhoria da qualidade da gestão como forma mais adequada de posicionamento do que a simples promoção de slogans.

4. As grandes sociedades, sobretudo as multinacionais, iniciaram um processo de descentralização de operações. Nessa situação, impunha-se uma melhor e mais uniforme preparação dos dirigentes para assegurar a integração das atividades.

5. Finalmente, não se pode esquecer a importância das verbas do Plano Marshall, que contribuíram para que um grande número de missões de estudos empresariais fossem aos EUA, assim como proporcionaram condições para a instalação e o crescimento das atividades da Agência Européia de Produtividade e dos Centros Nacionais de Produtividade. Tais instituições são apontadas como importantes centros divulgadores e sensibilizadores dos industriais para as questões relacionadas com a preparação de quadros.

É de se notar, no entanto, que a concepção de base da ação de aperfeiçoamento destes centros patrocinados pela indústria era a de que seriam instrumentos de troca e de transferência de experiências entre dirigentes.

Em outras palavras, eles permaneciam distantes das universidades e outros institutos de ensino superior, fato que, com o passar do tempo, começou a se fazer notar pela falta de renovação de conhecimentos que circulavam entre os dirigentes. Os quadros docentes e as equipes permanentes destes centros eram mantidos no mínimo indispensável, não se desenvolvendo as atividades de pesquisa.

As universidades, por seu turno, a essa época, ainda não haviam percebido a oportunidade de se engajar num ensino voltado para o atendimento das necessidades das empresas. Pelo contrário, algumas dentre elas viam com alguma dose de preconceito este engajamento. Não se havia instalado o espírito do extension work norte-americano, nas instituições de ensino européias.

Será, apenas, ao longo dos anos 50 que algumas iniciativas visando à formação e aperfeiçoamento de dirigentes terão lugar no âmbito ou em paralelo às universidades . Um nome que se destaca neste momento é o de Gast Berger, diretor-geral do ensino superior, na França. Berger era de opinião de que o chefe de empresa seria um "filósofo em ação" e, desta forma, sua preparação não poderia limitar-se ao simples trocar de experiências, mas envolveria um alargamento de perspectivas, o que significa dizer compreensão da evolução econômica, social e cultural do meio ambiente, tanto quanto um melhor embasamento metodológico.

Detro dessa perspectiva, foram criados os institutos de preparação para administração de empresas junto às principais universidades francesas. Os objetivos a atingir, com estes institutos, eram os de oferecer aos diplomados por outras faculdades um ano de estudos integradores para uma visão de administração de empresas e, também, de oferecer ciclos de aperfeiçoamento para os dirigentes em exercício.

O impacto positivo desta iniciativa fez-se notar desde logo. Na Grã-Bretanha, na Espanha, na Suécia e na Bélgica, o modelo passou a ser utilizado, igualmente. As dificuldades de sua implantação, porém, também, não tardaram a aparecer. Embora houvesse bons economistas, sociólogos, psicólogos, juristas e matemáticos disponíveis nas boas escalas, não se podia formar, prontamente, um quadro de professores e pesquisadores dispostos e preparados especificamente para as tarefas que a realildade complexa das empresas impunha - tarefas tais como uma aproximação interdisciplinar dos enfoques de estudo, um forte preparo para a pesquisa empírica e capacitação para utilizar métodos pedagógicos ativos com público adulto.

Aos problemas internos à universidade, acrescente-se, ainda, o que se passava nos meios industriais, onde persistia alguma desconfiança em relação ao trabalho propriamente acadêmico. Como veio a se reconhecer, esta barreira retardou o acesso a problemas centrais de gestão e dificultou a pesquisa empírica, daí resultando a utilização de material didático norte-americano para suprir as lacunas na discussão e apresentação de casos práticos.

Dentro desse panorama, que marca os anos que vão de 1955 a 1965, uma promoção destacou-se pela sua originalidade e eficácia. A Fundação Indústria-Universidade, imaginada em 1955, na Bélgica, e instalada no ano seguinte, viria inaugurar uma nova modalidade de associação, ou seja, a dos poderes públicos, da indústria e da universidade, para promover uma mudança dentro da instituição universitária, de modo a garantir um contínuo aperfeiçoamento do ensino e da pesquisa voltados para a formação de quadros superiores na empresa. Em vez de criar um novo centro, a Fundação encarregou-se de buscar fundos junto às indústrias, que passaram a ser investidos no recrutamento de pessoal científico com experiência empresarial e com capacidade para galgar simultaneamente os escalões da carreira universitária, dentro das normas existentes. Conjugado a isso, há todo um apoio institucional do governo, não só abrindo suas universidades a essa experiência, como servindo de elo de ligação com organismos internacionais, através dos órgãos ministeriais.2 2 Fondation Industrie-Université. Commémoration - 25eme anniversaire. Bruxelles, FIU, 1981; Fondation Industrie-Université. Accord d'approfondissement des relations entreprise-université (pour la formation permanente de l'homme em vue du développement de l'esprit d'entreprise et de la capacité d'innovation). Bruxelles, FIU, 1981 Cheit, Earl F. Report on theindustry-university Foundation Project; Evaluation and Strugthening et university based management education and research in Belgium. Brussels, FIU, 1984. mimeogr.

A experiência pioneira não demorou a ser tomada como exemplo. No início dos anos 60, de fato, vários governos nacionais deram-se conta da importância da qualidade da gestão como um dado significativo no desenvolvimento econômico e dispuseram-se a contribuir financeiramente para a criação de entidades de mesmo tipo.

Foi com esse espírito que se criaram, na Suécia, a Stockholm School of Economics e o Centro de Aperfeiçoamento de Ystaholm, financiados pelo patronato sueco; na Noruega, o Norwegian Council for Management reuniu os estabelecimentos de ensino, os empregadores e os poderes públicos, de uma forma muito próxima à da Fundação belga. Na Grã-Bretanha, criaram-se, de um lado, como resposta a um apelo de doação de fundos por parte das empresas (que seriam complementados até o dobro com verbas governamentais), duas business schools inspiradas diretamente no modelo norte-americano; de outro, a Foundation for Management Education, responsável pela gestão dos fundos recolhidos, encarregou outros organismos existentes, como a National Economic Development Organization (Nedo), o Social Science Research Council e o British Institute of Management (BIM), dos estudos e pesquisas que, em outros países, eram diretamente realizados por organismos de política governamental.

Numa última menção, e que se refere, na verdade, à entidade que mais sucesso veio a conhecer, criou-se, na França, a Fondation Nationale pour l'Enseignement de la Gestión des Entreprises. Essa instituição, reconhecidamente, tem sido determinante na evolução do ensino de gestão francês. Entre suas atividades podem ser destacadas a ajuda à pesquisa, à renovação de material pedagógico, à preparação dos formadores e ao estabelecimento de convênios para intercâmbio a nível internacional, além da manutenção de revistas periódicas de alto nível e da ajuda para edição de uma série de outras publicações de outros centros.3 3 Fondation Nationale pour l'Enseignment de la Gestion des Entreprises. Rapport d'activités, 1984. Paris, FNEGE, 1984.

Com essa reconstituição têm-se as linhas gerais do ensino de gestão, tal como evoluiu na França, Bélgica, Grã-Bretanha e Suécia, e que foi seguido mais ou menos de perto pela Espanha e pelos demais países escandinavos. Holanda, Alemanha e Áustria4 4 Echevarría, Santiago G. Estructuración y planes de estudios de ciencias económicas y empresariales en las universidades centroeuropeas: República Federal de Alemania, Austriay Suiza. Alcalá de Henares, Universidade de Alcalá de Henares, Instituto de Dirección y Organización de Empresas, 1984. (Working Papers nº 13. ) seguem uma história própria, em paralelo ao que acontece nos países citados, assim como a Itália.

Restaria destacar a atual etapa, em que se têm reforçado as ações no sentido da "europeização" e da internacionalização do ensino e da administração dos institutos e centros de pesquisa. Uma melhor apreciação dessa passagem, no entanto, poderá ser feita através da visão de como se organizam e agem alguns dos centros visitados.

3. OS INSTITUTOS: ASPECTOS ORGANIZACIONAIS E DIDÁTICOS

Os centros de ensino visitados diferenciam-se entre si de modo bastante acentuado. Mas há um ponto em que aparece uma semelhança: trata-se da preocupação em prestar serviços às empresas, no sentido de ter presente que elas devem cobrir necessidades de formação que estas apresentem. Eis por que os programas de educação permanente são tão valorizados. Esta a razão, ainda, para que se aceitem, em vários casos, candidatos que não dispõem de diploma de nível superior entre os alunos destes cursos.

A partir daí, entretanto, os institutos diferenciam-se por adotar distintas formas de organização. O primeiro tipo seria os que se organizam como centros de aperfeiçoamento, isto é, como instituições patrocinadas por uma ou por um grupo de empresas e que têm como finalidade precípua oferecer cursos de atualização e reciclagem para executivos de médio e alto escalão, fora da organização clássica da universidade. O segundo tipo seria o que se pode chamar de business school, uma instituição vinculada à universidade, que oferece diplomas acreditados com a chancela oficial - graduação e pós-graduação - mas que é criada e tem em vista buscar padrões de organização e de realização assemelhados aos da empresa. O terceiro tipo a destacar seria o da faculdade clássica, onde são feitos estudos relacionados com a administração de empresas, sem se privilegiar os aspectos práticos e a formação para a decisão na mesma intensidade que o fez o modelo da business school.

Outra forma de diferenciação entre os institutos refere-se ao enfoque que utilizam para estudar a empresa e também para organizar seus cursos. Nesse sentido também podem ser diferenciadas três linhas: a primeira seria a do enfoque predominantemente tecnológico-econômico.5 5 Este seria, notadamente, o caso do Insternational Management Institute (IMI), Genebra. Dentro dessa perspectiva, a preparação do futuro dirigente deve estar voltada para a tomada de decisões num ambiente técnico-económico cambiante e essa seria a variável determinante para se pensar o que será a empresa e a gestão no momento seguinte. Embora não haja correspondência necessária, os centros de aperfeiçoamento tendem a adotá-la.

A outra linha de estudo e pesquisa que pode ser distinguida é a dos institutos regidos pela preocupação com os padrões de excelência na performance da organização. Para ela tendem as business schools. De maneira geral, são institutos bastante subordinados à competição na atração de alunos e, mesmo, professores, assim como na prestação direta de serviços às empresas. É curioso observar que mesmo quando há ajuda governamental para o ensino - caso da Bélgica - a competição por alunos ocorre, pois o número de matrículas nos cursos influi diretamente no volume de recursos recebidos.

A busca de padrões de excelência leva estes institutos a adotarem instrumentos bastante avançados de planejamento estratégico. Há casos, até, em que se utiliza o planejamento estratégico das empresas de serviços como referência para as decisões de gestão, explorando-se e criando-se uma "imagem" de mercado que deve ser mantida.6 6 É o caso da Ecole Supérieur de Commerce de Lyon, Franca, um dos estabelecimentos do sistema das grandes écoles. Outros institutos preferem utilizar apenas instrumentos de autodiagnóstico para tirar o máximo possível de proveito de seus recursos para a consecução de seus objetivos e, eventualmente, "missão".7 7 Um bom exemple é o da Escuela Superior de Administración y Dirección de Empresas (Esade), Barcelona, Espanha. "Missão" pode ser entendida como um objetivo extra-organizacional - por exemplo, colaborar para o desenvolvimento econômico nacional, regional ou local, preparar o homem de empresa dentro de uma orientação valorativa humanista, etc.

Por fim, vale a pena notar uma orientação de estudos e pesquisa voltada para a "economia social de mercado."8 8 O modelo aqui seria o do Instituto de Dirección y Organización de Empresas, da Universidade de Alcalá de Henares, na Espanha. Diferentemente das orientações anteriores, voltadas para privilegiar os aspectos técnico-econômico e de excelência competitiva, neste caso o que se privilegia é o objetivo social da empresa. Não se trata de uma orientação socializante, frise-se; porém, ela prevê um mercado explicitamente regulado pelo Estado, sem ferir os princípios da propriedade privada da empresa. Com um grau de competição menor em decorrência da regulação, no entanto, prevê-se a possibilidade de que a empresa venha a se comportar de modo comunitário, abrindo a participação acionária aos seus trabalhadores, oferecendo produtos de melhor qualidade, aumentando os benefícios sociais, etc. É a visão cristã transposta para o universo empresarial.

Para completar essa visão panorâmica sobre o estado da administração das escolas de gestão européias, resta acentuar alguns procedimentos generalizados que compõem a organização de ensino e pesquisa propriamente ditos. Dois pontos de permanente reflexão - para a qual contribuem de modo muito profícuo as instituições governamentais e públicas internacionais com suas pesquisas e publicações - são o perfil do administrador que se deve formar e a manutenção do espírito empreendedor, da disposição para assumir riscos. Através do perfil, é óbvio, selecionam-se algumas características de personalidade e de comportamento, ao lado dos conhecimentos técnicos que devem ser o modelo a alcançar por todos aqueles que pretendem vir a ser gestores no futuro. Não se espera que os estudantes saiam das escolas vestindo um figurino de comportamento; pretende-se, durante o curso, mostrar ao aluno que, para se tornar um administrador bem-sucedido, ele deve, em princípio, ter algumas qualidades específicas. O interessante a observar é que predominam as qualidades comportamentais e não as de conhecimento técnico.9 9 Gérard Moatti (Retrato-robot del manager del futuro. L'Expansion, 1985), por exemplo, noticia urna pesquisa realizada pelo grupo Eurosurvey para definir como deve ser o dirigente dos anos 80. Há varios outros trabalhos a respeito do tema.

Compreende-se a razão dessa predominância com o segundo ponto de preocupação a que se fez referência. A idéia generalizada é a de que necessita-se de empreendedores e não de administradores, apenas. Ou seja, busca-se preparar o maior número possível de pessoas dotadas de qualidade tais como iniciativa, poder de persuasão, autodisciplina, capacidade de ouvir e de argumentar, etc., com os instrumentos que podem torná-las ativas empresarialmente.10 10 Kubr, Milan & Wallace, John. Sucesses and failures in meeting the management challenge: stratégies and their implications. Genebra/Washington, ILO, Management Development Branch/Te World Bank, 1983; Harper, Malcolm. Développement de l'esprit d'entreprise. ILO, 1983.

Na base dessa mobilização pela manutenção do espírito de iniciativa estaria não só a tradicional constatação de que para que o sistema empresarial subsista é necessário que existam empreendedores, mas, o que é mais importante no momento, a percepção de um esgotamento do modelo da grande empresa e sua substituição pelas pequenas e médias, ainda que associadas, nos setores de alta tecnologia. Por outro lado, o próprio salto tecnológico estaria colocando perspectivas de abertura de empresas em moldes assemelhados aos do início da industrialização, ou seja, estaria acontecendo uma volta da possibilidade, para quem detém um processo técnico ou produto novo, de abrir sua empresa e obter sucesso mesmo competindo com as grandes.

Não é estranho encontrar, em paralelo, a idéia de que a sociedade como um todo tem lugar para lideranças do tipo da que é exercida pelo empreendedor, de quem é dotado da capacidade de reunir homens e recursos em torno de uma idéia, mesmo que não se trate de uma empresa no sentido próprio, econômico. Há necessidade, também, de quem "empreenda" em todos os outros setores em que o homem pode associar-se, desde os movimentos de reivindicação, políticos, sociais, culturais até os de representação corporativa ou, indo mais além, dentro da própria grande empresa. Aqui também haveria lugar para empreendedores internos, homens que sabem iniciar processos novos dentro das organizações.

Quanto aos cursos oferecidos, acentua-se uma preocupação com a educação permanente em igual teor que com a formação básica, em graduação e pós-graduação. Como foi observado, isso decorre da necessidade de aperfeiçoar os quadros das empresas e reciclá-los. Como estão entrando nas empresas, de modo ininterrupto, engenheiros, advogados, sociólogos, psicólogos, arquitetos e outros profissionais que necessitam de uma complementação de sua formação na área das disciplinas administrativas, é de se prever que estes cursos continuarão com um bom público por muito tempo.

Os cursos de graduação têm diferentes recortes, em função da organização de ensino do país em que as escolas estão localizadas e da estratégia educacional do próprio instituto. O que mais chama a atenção é a existência dos laboratórios de línguas, cada vez mais freqüentes e a exigência de domínio ativo de um segundo ou terceiro idioma. Essa exigência tem muito a ver com a "europeização" das relações sociais da Europa, mas também corresponde à internacionalização acentuada das empresas, mesmo pequenas ou médias, voltadas para exportação e para abertura de agências ou filiais em outros países.

Além dos laboratórios, chama a atenção, também, a cada vez mais disseminada exigência de uma atividade prática como requisito para a obtenção do diploma. Não só a exigência de um estágio em empresa é feita. Exigir, aliás, dois ou três estágios de diferentes qualidades - um no exterior, em qualquer tipo de trabalho, um em uma grande empresa, numa função de assessoria à média gerência e um terceiro, numa pequena ou média empresa, assessorando a diretoria - é uma postura corriqueira. Mas há outros tipos de trabalhos práticos que vêm sendo implementados: a elaboração de um projeto de abertura de negócio dentro de uma empresa existente, que seja aceito pela empresa ou por um banco de investimentos ou por uma banca constituída por professores e homens de empresa, é uma atividade que está em franca disseminação. Quando envolve pessoas de fora da instituição de ensino, tem a vantagem de reforçar os laços entre ela e o mercado - um dos objetivos sempre presentes na estratégia de ensino.

Haveria outros aspectos dos cursos de graduação a explorar, porém, dadas as características deste comentário, preferiu-se permanecer nestes pontos, por assim dizer, extracurriculares. Nos cursos de pós-graduação, o que ressalta é desde logo a adoção do mestrado profissionalizante, no primeiro nível; abandonou-se a idéia do mestrado tal como tradicionalmente entendido no meio acadêmico. Transformou-se numa etapa de aprofundamento e especialização de conhecimentos adquiridos na graduação. Sem embargo, o nível de requisitos de ingresso e de exigência de performance é bastante alto.

Em conseqüência, reservou-se o doutorado como o grau em que os estudos e os procedimentos característicos destinam-se a formar professores e pesquisadores para a universidade (a chamada formação de formadores). Este título, portanto, pressupõe a elaboração de uma tese, baseada em pesquisa original, orientada por um professor titulado. O interessante a observar, aqui, é que o doutorado orienta-se pelo perfil do professor desejado para os centros de formação de dirigentes de empresas. O currículo não só pode conter cursos de técnicas didáticas e de discussões pedagógicas, como um aprofundamento em metodologia de pesquisa (uma exigência fundamental), como, ainda, um conhecimento dos procedimentos de consultoria e assessoria às empresas. Ou seja, inclui-se, através do currículo, a noção de que o professor é, também, um consultor no meio empresarial.

Restaria acentuar o que foi exposto no final do item 2, de que os centros de formação de dirigentes europeus estão realmente voltados para a continentalização e a internacionalização que tomou conta das economias européias. Neste sentido, até mesmo suas estratégias de maketing seguem a mesma orientação, pois tratam de recrutar alunos e professores, oferecendo também serviços a empresas e entidades governamentais, no estrangeiro, corriqueiramente. Além do que mantêm cursos de mestrado, por exemplo, em língua inglesa, com vistas não só a atender a uma exigência de domínio de outro idioma por parte dos seus alunos, mas também a competir na atração dos alunos norte-americanos e ingleses, cujos sistemas nacionais de ensino não comportam a demanda interna ou são muito dispendiosos.

Finalmente, repita-se, estes comentários não têm a pretensão de ser uma apreciação acabada a respeito do que foi visitado. Acredita-se, no entanto, que jápodem constituir uma primeira aproximação útil para a reflexão sobre o ensino de administração no Brasil.

  • 2 Fondation Industrie-Université. Commémoration - 25eme anniversaire. Bruxelles, FIU, 1981;
  • Fondation Industrie-Université. Accord d'approfondissement des relations entreprise-université (pour la formation permanente de l'homme em vue du développement de l'esprit d'entreprise et de la capacité d'innovation). Bruxelles, FIU, 1981 Cheit,
  • Earl F. Report on theindustry-university Foundation Project; Evaluation and Strugthening et university based management education and research in Belgium. Brussels, FIU, 1984. mimeogr.
  • 3 Fondation Nationale pour l'Enseignment de la Gestion des Entreprises. Rapport d'activités, 1984. Paris, FNEGE, 1984.
  • 4 Echevarría, Santiago G. Estructuración y planes de estudios de ciencias económicas y empresariales en las universidades centroeuropeas: República Federal de Alemania, Austriay Suiza. Alcalá de Henares, Universidade de Alcalá de Henares, Instituto de Dirección y Organización de Empresas, 1984. (Working Papers 13.
  • 10 Kubr, Milan & Wallace, John. Sucesses and failures in meeting the management challenge: stratégies and their implications. Genebra/Washington, ILO, Management Development Branch/Te World Bank, 1983; Harper, Malcolm. Développement de l'esprit d'entreprise. ILO, 1983.
  • 1
    As informações e mesmo colocações principais deste item estão fortemente calcadas num texto intitulado
    Vinte e cinco anos de ensino de gestão na Europa. Infelizmente, este texto foi distribuído em forma mimeografada, sem indicação de autor e de fonte.
  • 2
    Fondation Industrie-Université.
    Commémoration - 25eme anniversaire. Bruxelles, FIU, 1981; Fondation Industrie-Université.
    Accord d'approfondissement des relations entreprise-université (pour la formation permanente de l'homme em vue du développement de l'esprit d'entreprise et de la capacité d'innovation). Bruxelles, FIU, 1981 Cheit, Earl F.
    Report on theindustry-university Foundation Project; Evaluation and Strugthening et university based management education and research in Belgium. Brussels, FIU, 1984. mimeogr.
  • 3
    Fondation Nationale pour l'Enseignment de la Gestion des Entreprises. Rapport d'activités, 1984. Paris, FNEGE, 1984.
  • 4
    Echevarría, Santiago G.
    Estructuración y planes de estudios de ciencias económicas y empresariales en las universidades centroeuropeas: República Federal de Alemania, Austriay Suiza. Alcalá de Henares, Universidade de Alcalá de Henares, Instituto de Dirección y Organización de Empresas, 1984. (Working Papers
    13. )
  • 5
    Este seria, notadamente, o caso do Insternational Management Institute (IMI), Genebra.
  • 6
    É o caso da Ecole Supérieur de Commerce de Lyon, Franca, um dos estabelecimentos do sistema das
    grandes écoles.
  • 7
    Um bom exemple é o da Escuela Superior de Administración y Dirección de Empresas (Esade), Barcelona, Espanha.
  • 8
    O modelo aqui seria o do Instituto de Dirección y Organización de Empresas, da Universidade de Alcalá de Henares, na Espanha.
  • 9
    Gérard Moatti (Retrato-robot del manager del futuro.
    L'Expansion, 1985), por exemplo, noticia urna pesquisa realizada pelo grupo Eurosurvey para definir como deve ser o dirigente dos anos 80. Há varios outros trabalhos a respeito do tema.
  • 10
    Kubr, Milan & Wallace, John. Sucesses and failures in meeting the management challenge: stratégies and their implications. Genebra/Washington, ILO, Management Development Branch/Te World Bank, 1983; Harper, Malcolm.
    Développement de l'esprit d'entreprise. ILO, 1983.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1986
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