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Estratégias mercadológicas de empresas multinacionais do Brasil

ARTIGOS

Estratégias mercadológicas de empresas multinacionais do Brasil* * Este trabalho faz parte do Columbia Multinational Enterprise Study, financiado por uma dotação da Ford Foundation e da Graduate School of Business da Columbia University, sob a direção-geral do Prof. Stefan Robock.

William K. BrandtI; James M. HulbertI; Raimar RichersII

IProfessores adjuntos da Graduate School of Business, Columbia University, New York

IIProfessor fundador de marketing da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas

Independente de suas convicçoes políticas ou sociais, a maioria dos peritos concorda que a empresa multinacional funcionou como um poderoso catalisador na década de crescimento recorde do Brasil. Os críticos argumentam que os custos por elas acarretados são excessivos, mas dificilmente negam o impulso que deram à economia brasileira.

Por exemplo, um levantamento recente mostra que as empresas multinacionais são responsáveis por aproximadamente 60% das vendas, lucros e ativo das 500 maiores firmas privadas no Brasil.1 1 Os melhores e os maiores. São Paulo, Editora Abril, p. 16-35, set. 1974. Outro relatório estima que, entre as 1.000 principais firmas, as companhias estrangeiras são responsáveis por 37% das vendas.2 2 Brazil report 1974. São Paulo, Visão Editorial, p. 46, 1974. A queda de 60 para 37%, quando passamos de 500 para 1.000 firmas, também ilustra como as empresas multinacionais tendem a dominar os setores industriais em que entram. As empresas multinacionais controlam, pelo menos, 70% das receitas de vendas nas indústrias de veículos de transporte, equipamento elétrico, produtos farmacêuticos, mecânica, plásticos, borracha e cigarros.3 3 Suzigan, Wilson, et alii. Crescimento industrial no Brasil: incentivos e desempenho recente. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1974. (Relatório n. 26). Para outros dados, ver também: von Doellinger, Carlos & Cavalcanti, Leonardo C. Empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1975. (Relatório n. 29. )

Em virtude de seu tamanho e potencial de conflito com os interesses brasileiros, as empresas multinacionais tornaram-se alvo de preocupação e observação agudas. A recente CPI sobre as multinacionais é um exemplo dessa preocupação, bem como a condenação de três produtoras de pneus pelo CADE. Entretanto, poucos passos têm sido dados no sentido de compreender como tais empresas são administradas no Brasil.

Este artigo trata a questão de como as empresas multinacionais tomam decisões estratégicas e que fatores tendem a influenciar tais decisões. Acima de tudo, enfocamos a maneira como essas empresas escolhem seus objetivos e suas estratégias mercadológicas e analisamos as condições que parecem influenciar essas escolhas - envolvendo fatores como estrutura organizacional, sistemas de controle, relacionamento entre matrizes e subsidiárias, além da nacionalidade das firmas.4 4 Uma versão bem mais detalhada desses aspectos encontra-se no prelo: Brandt, William K. & Hulbert, James M. As empresas multinacionais no Brasil: um estudo empírico. Rio de Janeiro, Zahar.

O artigo baseia-se em entrevistas pessoais com executivos de 80 subsidiárias multinacionais que operam no Brasil. São empresas com matrizes nos Estados Unidos, Europa e Japão. O apêndice delineia a metodologia da pesquisa e apresenta um perfil das empresas estudadas.

1. ESCOLHAS ESTRATÉGICAS

1.1 Objetivos mercadológicos

A escolha do objetivo estratégico para uma linha de produto ou ramo de negócios representa uma decisão crucial para o administrador. Deveria ele procurar conseguir parti-, cipação no mercado e volume de vendas, melhorar o nível de lucros, ou gerar maiores fluxos de caixa que possam ser usados por outras divisões de produto ou outras subsidiárias da empresa multinacional? Em condições ideais, o administrador deseja todos esses objetivos. Infelizmente, porém, são necessários alguns trade-off. Por exemplo, a participação no mercado pode exigir investimentos substanciais em tempo e dinheiro que, a curto prazo, afetarão negativamente os lucros e o fluxo de caixa.

Para identificar as escolhas estratégicas seguidas no Brasil, pedimos aos administradores entrevistados que especificassem seus objetivos mercadológicos para o próximo período de planejamento. Embora muitos executivos achassem difícil articular seus objetivos, foi possível agrupá-los em três categorias.

A maioria dos administradores estava preocupada principalmente com a penetração do mercado - assegurar maior participação no mercado para os produtos existentes. Aproximadamente a metade dos respondentes expressou seus objetivos desta maneira. Se acrescentarmos "aumento de vendas" - um objetivo menos específico - veremos que aproximadamente 2/3 especificaram seus objetivos em termos de penetração do mercado. Embora três em cada quatro subsidiárias fossem avaliadas por suas matrizes em termos do lucro conseguido, apenas uma em cada 12 mencionou lucros como um objetivo mercadológico. Alguns administradores observaram que os lucros eram importantes, mas isto foi mencionado juntamente com algum outro objetivo.

Outro caminho para o crescimento envolve o desenvolvimento de novos produtos ou mercados, alternativas que chamamos de "diversificação". Um em cada cinco executivos afirmou que este era seu principal, objetivo. Muitos afirmaram que as pressões competitivas estavam forçando-os a procurar novos produtos e mercados, uma condição mencionada mais freqüentemente por produtores de bens de consumo. 0 fato dos consumidores estarem cada vez mais esclarecidos também leva a esta mudança. Como um entrevistado comentou: "Precisamos encontrar novos e melhores produtos para satisfazer o consumidor de hoje. Ele não mais aceita a baixa qualidade e a variedade limitada que lhe oferecíamos no passado."

1.2 O que influencia a escolha de objetivos?

Algumas categorias de objetivos são fortemente associadas com características particulares da empresa. A tabela 1 mostra que as empresas japonesas são muito menos inclinadas a escolher objetivos de penetração de mercado e mais dispostas a adotar objetivos de aumento das vendas.

Os dois objetivos são obviamente relacionados, mas é de se notar que os administradores japoneses tenham especificado crescimento de vendas, uma vez que isso corresponde a sua estratégia de exportação de alguns anos atrás. Na realidade, atingir um maior volume de vendas parece ser a principal preocupação mercadológica dos administradores japoneses; do seu ponto de vista, os lucros virão a tempo. Um deles resumiu essa filosofia da seguinte maneira: "Por vezes adotamos as chamadas estratégias de negligenciar o lucro (enfatizar o volume de vendas e não os lucros ou a participação no mercado). No Japão, devido ao sistema de emprego para a vida toda, o trabalho, na realidade, torna-se um custo fixo. A única maneira de manter lucros razoáveis nessas condições é maior eficiência. Conseqüentemente, algumas vezes precisamos reduzir nossas margens de lucro em favor do maior volume. É preciso dizer que nossos lucros resultam tanto da preocupação com a eficiência de produção, quanto das margens."

Foram observadas várias relações significativas entre os objetivos estratégicos da empresa e sua estrutura organizacional. Para as firmas com objetivos de penetração no mercado, a pesquisa de mercado é o recurso-chave para segmentar e desenvolver mercados eficazmente. Portanto, não é de surpreender que 95% das empresas com esses objetivos também tenham seus próprios departamentos de pesquisa de mercado. Para as firmas com outros objetivos, apenas 57% delas mantêm esse departamento internamente.

Verificamos também que as empresas com sistema de gerência de produto são as que se inclinam para os objetivos de lucro. Nesse caso, conjeturamos que a descentralização da autoridade para os gerentes de produto dirige maior atenção para os lucros do que para as vendas e a participação no mercado. Embora os gerentes de produto raramente tenham suficiente autoridade direta para influenciar os lucros, muitas vezes são responsáveis pelos resultados finais.

Concluindo, quando o departamento de marketing mais do que o de pesquisa e desenvolvimento, engenharia, produção ou outros -responde pelo desenvolvimento de um novo produto, a empresa tende a enfatizar objetivos de diversificação. Embora não saibamos se esta estrutura resulta em mais ou em menos inovações, ela parece influenciar a estratégia global de crescimento da firma.

A longo prazo, a necessidade de mudanças estratégicas pode perfeitamente ajudar as mudanças na estrutura organizacional. A curto prazo, entretanto, as observações de nossa pesquisa demonstram uma relação precisa e significativa entre objetivos estratégicos e estrutura organizacional.

1.3 Ênfase estratégica

Uma estratégia define e especifica como os recursos de uma empresa serão alocados e usados na tentativa de alcançar seus objetivos mercadológicos. Embora a maioria dos administradores esteja familiarizada com o termo "estratégia", seu uso e significado em planejamento difere dramaticamente. Explicitações claras em geral inexistem nos planos mercadológicos, e muitos administradores acham difícil articular suas estratégias.

Tentamos determinar a estratégia de uma empresa perguntando aos administradores de marketing quais eram as decisões mais importantes para ajudá-los a alcançar os objetivos mercadológicos previamente estabelecidos. As áreas de decisão incluíam força de vendas, propaganda, promoção de vendas, distribuição, determinação de preço, desenvolvimento de novos mercados e novos produtos.5 5 Os executivos foram solicitados a classificar cada uma das sete áreas em termos de sua importância para sua principal linha de produto. A maioria não foi capaz de ordenar as sete áreas, mas pôde facilmente ordenar as duas ou três primeiras áreas de decisão.

A tabela 2 demonstra que as firmas européias e americanos enfatizaram as decisões sobre força de vendas, enquanto que as japonesas deram mais atenção à determinação de preço e desenvolvimento de novos mercados e novos produtos. Os resultados das empresas japonesas parecem consistentes com seus objetivos e sua posição no mercado geral: seu tamanho relativamente pequeno e suas linhas de produto limitadas induzem-nas a se expandir para novos mercados, em busca de ampliação. Portanto, a estratégia de baixo preço que se mostrou eficaz para o desenvolvimento da exportação, há alguns anos, parece ser o impulso central de sua atual expansão industrial no Brasil.

2. O ENVOLVIMENTO DA MATRIZ E A ESCOLHA ESTRATÉGICA

2.1 Programas mercadológicos padronizados

Além da aparente influência da nacionalidade e da organização sobre a escolha da estratégia e dos objetivos mercadológicos. algumas matrizes de empresas multinacionais desempenham papéis importantes na formulação de programas ou táticas mercadológicas. A questão de quem realmente toma decisões numa empresa multinacional é controvertida e precisamos ser cautelosos para distinguir as várias formas e sistemas de assistência e supervisão que as matrizes podem oferecer. No caso extremo, a matriz centraliza a tomada de decisão, de modo que a responsabilidade pela estratégia e os programas mercadológicos recai exclusivamente sobre os administradores da matriz. Não encontramos esse extremo, mas ficou evidente que as empresas multinacionais americanas mantêm uma rédea mais curta sobre os programas mercadológicos das subsidiárias do que a maioria das empresas européias.

Uma forma menos explícita de controle é exercida através do uso de campanhas ou programas mercadológicos padronizados. Pesquisas anteriores sobre padronização e autonomia local revelaram que a administração das subsidiárias goza de considerável grau de liberdade na tomada de decisões mercadológicas, especialmente em comparação com as decisões em finanças e produção.6 6 Alsegg, Robert J. Control relationshipes between American corporations and their European subsidiaires. New York, American Management Association, 1971. Ver também: Brandt, William K. & Hulbert, James M. Managing the multinational subsidiary in Brazil: a preliminary summary to participating managers. Columbia University, Graduate School of Business, 1974. (Research Report n. 65. ) Dentro do marketing, entretanto, o grau de autonomia freqüentemente depende das decisões estarem relacionadas com o produto ou sua promoção. Na maioria das empresas, as decisões relativas ao produto, tais como as decisões sobre qualidade e composição, nome da marca, embalagem e adoção/eliminação são estritamente controladas pela matriz.7 7 Aylmer, R. J. Who makes marketing decisions in the multinational firm? Journal of Marketing, n. 34, p. 25-30, Oct. 1970. Wiechman, Ulrich E. Integrating multinational marketing activities. Columbia Journal of World Business, p. 7-16. Winter 1975. Wind, Y oram; Douglas, Susan & Perlmutter, Howard. Guidelines for developing international marketing strategies. Journal of Marketing, n. 37, p. 14-23, Apr. 1973. Para as decisões relativas à distribuição, preço e promoção, a autonomia local é geralmente maior, embora isto pareça variar com a empresa e o ramo de atividade. Existe pouca pesquisa referente a bens duráveis industriais ou de consumo, mas as abordagens padronizadas são bastante comuns no que se refere a bens não-duráveis como cosméticos, sabões, produtos farmacêuticos e refrigerantes.8 8 Watson Dunn, S. The case study approach in cross-cultural research. Journal of Marketing Research, v. 3, p. 26-31, Feb. 1966. Wiechman. op. cit. Os produtos alimentícios, porém, tendem a ser culturalmente limitados e, portanto, menos apropriados para programas centralizados e padronizados.

Quaisquer que fossem as diretrizes existentes no passado, a evidência recente aponta na direção da menor autonomia local.9 9 Wiechman, op. cit. De fato, a tendência para o planejamento e estratégia global leva uma empresa multinacional a maior padronização dos programas. Em nossa amostra de empresas, os administradores disseram que recebiam mais orientação da matriz sob a forma de especificações do produto, a marca e a embalagem,10 10 Para obter essa informação, pedimos aos administradores de marketing para ordenar-as áreas de decisão em que recebiam orientação da matriz sob a forma de abordagens uniformes ou padronizadas. As áreas de decisão incluídas são: idéias sobre promoção de vendas, mensagem básica da propaganda, desenho da embalagem, nome de marca a ser usado, especificações do produto, método de administrar a força de vendas e determinação de preço. e menos quanto às decisões de promoção e preço: menos de 1/4 declarou receber orientação quanto a essas áreas. Embora as percentagens absolutas na tabela 3 provavelmente estejam viciadas para menos, a ordem e os níveis de orientação estão de acordo com pesquisas anteriores. Para identificar o que leva algumas empresas a receber mais ou menos orientação, examinamos um certo número de características relacionadas com a empresa no Brasil e sua matriz.

2.2 O que influencia a orientação proveniente da matriz?

O tipo de indústria ou classe de produto associa-se estritamente com a orientação dada pela matriz (tabela 4). Os produtores de bens de consumo recebem um mínimo de orientação nas decisões mercadológicas.11 11 Das indústrias de bens de consumo de nossa amostra, 80% produziam produtos alimentícios. Em contraste, as indústrias farmacêuticas recebem muito mais orientação por parte das matrizes, especialmente para as decisões de promoção e preço, áreas em que outras indústrias tendem a ser mais autônomas.12 12 As empresas de equipamento de escritório também parecem receber mais orientação por parte das matrizes, mas o pequeno tamanho da amostra para esta indústria limita a significância deste resultado.

Por sua vez o tamanho da matriz (medido pelas vendas mundiais) não mostrou qualquer relação para com os tipos ou a quantidade de orientação dada às subsidiárias. A proporção das vendas da empresa fora do mercado nacional também pouco influi sobre o apoio mercadológico dado pela matriz, contrariando a afirmação de Aylmer de que as empresas com maior percentagem de vendas internacionais tendem a concentrar as decisões nas matrizes.13 13 Aylmer, R. J. op. cit.

Uma característica altamente relacionada com a ajuda da matriz é o número de subsidiárias por ela operadas no exterior. As empresas multinacionais com fábricas em mais de 16 países orientam mais as subsidiárias brasileiras do que as que operam em menor número de países (tabela 5). Embora o tamanho da amostra não permita inferências estatísticas, a evidência sugere que as empresas que operam em cerca de 20-25 países oferecem maior quantidade de orientação mercadológica.

As características das subsidiárias brasileiras, em si, têm pouco impacto sobre a quantidade de ajuda mercadológica recebida da matriz. Subsidiárias muito grandes e muito pequenas obtêm pouco menos apoio -talvez porque as pequenas não sejam suficientemente importantes aos olhos da matriz e as grandes possam desenvolver melhores programas sozinhas. Além disso, verificamos que virtualmente todas as empresas com vendas acima de US$ 50 milhões no Brasil têm seus próprios departamentos de pesquisa de mercado. O fato de serem, até certo ponto, capazes de realizar suas próprias pesquisas de mercado reduz a necessidade de ajuda da matriz.

2.3 Estratégia da empresa e orientação da matriz

A quantidade de ajuda recebida da matriz parece ser influenciada pelos objetivos mercadológicos no Brasil. A tabela 6 mostra que as empresas que visam maior participação no mercado tendem a receber menor orientação, se comparadas com as que procuram antes diversificar sua linha de produtos. Uma vez que informações sobre o mercado local são tão críticos para os objetivos de penetração, esse resultado não era inesperado.

A diversificação, pelo desenvolvimento de novos produtos ou de novos mercados, representa um caminho muito mais arriscado para o crescimento. Um modo de reduzir esse risco consiste na matriz emprestar sua tecnologia e experiência. Esta, de fato, foi a tendência observada. Além disso, uma vez que a maioria das empresas no Brasil não tem as instalações e os recursos para desenvolver novos produtos, estes vêm quase sempre diretamente da matriz. Há, porém, algumas exceções notáveis, onde a transferência de tecnologia e de idéias começa a fluir do Brasil para as matrizes.

2.4 Estímulos da exportação

O Governo brasileiro criou incentivos atraentes para as subsidiárias multinacionais expandirem sua exportação. As empresas estão respondendo ao desafio com diferentes graus de otimismo e, na época de nosso levantamento, 37% das firmas estava exportando mais do que 5% da produção total e 20% estava exportando mais do que 1/10 do produto total (tabela 7). No outro extremo, 18% não exportava absolutamente nada.

Não ficou claro se as exportações estavam sendo vendidas primordialmente para equipar subsidiárias irmãs. As jnicas variáveis a influir no nível de exportações eram o tempo de estabelecimento da empresa no Brasil e a extensão de sua linha de produtos.

Do ponto de vista estratégico, esses resultados fazem sentido. Antes de entrar em novas atividades, a maioria das empresas procura ganhar uma posição segura em seus negócios atuais. As empresas mais maduras geralmente têm uma posição mais sólida no mercado brasileiro e, portanto, podem estar mais aptas a procurar novos mercados por meio da exportação.

3. CONCLUSÕES

No Brasil, a maioria dos debates sobre as empresas multinacionais tem-se centralizado nas questões de investimentos de capitais estrangeiros e da transferência de tecnologia, bem como nos seus impactos no mercado interno, a concentração do poder e o balanço de pagamentos.

Pouca ou nenhuma atenção tem sido dada às estratégias adotadas por estas empresas para atingir seus objetivos. O presente artigo procura lançar luz sobre alguns dos aspectos dessa estratégia, sobretudo com respeito à sua atuação no mercado e às diferentes modalidades da atuação das organizações de origem norte-americana, européia e japonesa.

De fato, pudemos constatar algumas diferenças acentuadas no comportamento das empresas frente ao mercado, em função de sua nacionalidade. Assim, por exemplo, as empresas japonesas parecem ser as mais preocupadas em consolidar as suas posições no mercado por uma agressiva política de vendas baseada em preços baixos, ao ponto de sacrificarem a sua lucratividade de custo a médio prazo e sem grande preocupação em segmentar o mercado ou introduzir uma ampla linha de produtos. A sua atitude básica parece a do empresário disposto a "pagar para ver", sem contudo se envolver em grandes riscos, a fim de testar o mercado e avaliar as oportunidades de investimentos de maior vulto.

Os europeus, por sua vez, têm objetivos mercadológicos mais consolidados, talvez por se sentirem mais seguros no mercado brasileiro do que os japoneses, recém-chegados. Tendem a concentrar os seus esforços de marketing no intenso apoio a uma linha antes restrita do que ampla e ousada de produtos, utilizando sobretudo um composto de comunicação que enfatiza a venda pessoal, a distribuição e a promoção de vendas. Somente à medida que alcançam os seus objetivos de penetração de mercado com linhas mais tradicionais, os europeus iniciam programas de diversificação.

Finalmente, os norte-americanos, talvez por ocuparem muitas das posições mais consolidadas e antigas em numerosos ramos, são os que mais se preocupam em diversificar as suas linhas, visando a liderança no lançamento de novos produtos e a maior penetração em segmentos mais específicos dos mercados potenciais.

De outro lado, o grau de orientação (e, por conseguinte, de controle) que as subsidiárias recebem de suas matrizes no exterior é intenso e freqüente, mas varia em função das nacionalidades, dos ramos e das áreas de responsabilidade.

De um modo geral, quanto maior for a ênfase sobre os objetivos de penetração, tanto menos intenso, tende a ser o controle das matrizes sobre as subsidiárias, exceto quanto à escolha das Unhas de produto. Aparentemente, as matrizes das empresas multinacionais acham difícil e/ou menos necessário envolver-se em programações mercadológicas que dependam altamente da adaptação local, como por exemplo na administração da força de vendas, na propaganda e promoção. Como as empresas européias da nossa amostra valorizam bastante a comunicação pessoal, o menor grau de controle a que parecem estar sujeitas pelas suas matrizes, em confronto com as empresas das outras nacionalidades, pode ser explicado pela relutância ou insegurança das matrizes em se envolverem nessas áreas da responsabilidade mercadológica.

Em contrapartida, os nossos resultados sugerem que, à medida que as empresas multinacionais buscam estratégias de diversificação no Brasil, o envolvimento e controle da matriz aumenta. Isto explica, em parte, por que a autonomia local das subsidiárias parece estar diminuindo em muitos casos - especialmente entre as empresas americanas, em média as mais inclinadas a diversificar, como vimos.

O maior grau de interferência mercadológica está nitidamente na área dos produtos, sobretudo quanto às especificações, desenhos industriais e marcas; em menor escala quanto às embalagens, onde a autonomia das subsidiárias é maior. A menor interferência está na área da administração de vendas e também na de determinação de preços, seguida pelo composto promocional.

As subsidiárias que operam com bens de consumo tendem a ter um maior grau de liberdade mercadológica do que os produtores de bens industriais, independentemente da nacionalidade.

De um modo geral, notamos que os executivos das empresas entrevistadas dedicam muito tempo, recursos e atenções às funções de marketing dentro do conjunto de suas tarefas administrativas. Provavelmente, essa dedicação é mais intensa do que a da média dos seus concorrentes nacionais; em parte, acreditamos, porque são mais imbuídos (e treinados) da "filosofia de marketing" do que seus colegas brasileiros, mas também porque os freqüentes contatos com as matrizes e seus representantes ocupam muito seu tempo.

Finalmente, vale destacar a importância apenas relativa que as empresas multinacionais costumam atribuir à lucratividade de suas operações, sobretudo quanto aos resultados a curto prazo. Jamais desprezam o lucro, sobretudo como meio de avaliação da eficácia dos seus executivos, como fonte para reinvestimentos e como o modo mais desejável de remuneração dos acionistas e de seus próprios esforços administrativos; mas raras vezes o encaram como objetivo em si. O que mais ambicionam é consolidar a sua posição no mercado, aparentemente a partir da convicção de que a lucratividade é uma conseqüência "inevitável" de uma estratégia bem formulada e aplicada com sucesso. Isso explica, talvez, por que a lucratividade média das empresas multinacionais no Brasil não é particularmente elevada.14 14 Uma análise financeira das 500 maiores firmas privadas no Brasil, feita pelos autores, não mostra diferenças importantes em lucratividade entre as empresas domésticas e as subsidiárias. Artigo a ser publicado.

APÊNDICE

1. METODOLOGIA

As informações sobre as empresas foram colhidas através de entrevistas pessoais realizadas com 125 executivos, muitas das quais duraram até duas horas. Em 63 empresas, conversamos com o executivo-chefe; as restantes 62 entrevistas foram realizadas com executivos de marketing. Em 44 empresas, conversamos primeiramente com o executivo-chefe e depois com o gerente de marketing. Em 19 empresas uma segunda entrevista não foi possível, sendo substituída por uma firma comparável.

As empresas entrevistadas foram selecionadas em dois estágios. Primeiro, escolhemos seis indústrias de transformação com pesados investimentos de capital das multinacionais, que incluíam as indústrias de automóveis e fornecedores de peças, de equipamento elétrico e de telecomunicação, produtos farmacêuticos, bens de consumo embalados e equipamento de escritório. Indústrias de mineração e serviços foram, portanto, excluídas de nossa amostra. Durante o segundo estágio identificamos e entramos em contato com empresas multinacionais de cada ramo de indústria e acrescentamos concorrentes menores, quando necessário, para tornar a amostra mais significativa.

2. PERFIS DAS EMPRESAS

Dos executivos-chefes, 28 administravam empresas européias com matrizes na Alemanha Ocidental, Grã-Bretanha, França, Itália, Suíça, Suécia, Finlândia e Holanda. Vinte e quatro tinham matrizes nos Estados Unidos e Canadá e foram chamadas, aqui, de "americanas"; as outras 11 eram japonesas. Antes de agrupar as empresas, foi feita uma análise de país por país, e viu-se que elas poderiam ser combinadas sem deturpar seriamente as conclusões. Mais de oito em cada 10 empresas eram proprietárias exclusivas e, com exceção de uma, em todas as outras a matriz mantinha 90% das ações.

A tabela A-l mostra que o volume de vendas anual, em 1972, dessas empresas no Brasil variava de US$ 1 milhão a US$ 725 milhões. As vendas das subsidiárias americanas e européias eram quase idênticas, ou em média de US$ 54 a US$ 52 milhões, respectivamente. As vendas das empresas japonesas estavam muito abaixo desses níveis, com a média de US$ 6 milhões.

Em termos de vendas mundiais, as matrizes americanas eram cerca de duas vezes maiores do que as européias e duas e meia vezes maiores do que as japonesas. Portanto, a importância das vendas no Brasil, em termos de percentagem das vendas mundiais da empresa, era maior para as européias (3,6%) do que para as americanas (2,1 %) ou japonesas (0,8%).

Além disso, as matrizes européias da amostra eram, em média, mais "internacionais", no sentido de que uma parcela muito maior das vendas mundiais vinha de fora do mercado doméstico. Levando em consideração as limitações de tamanho de muitas mercados domésticos europeus, não surpreeende que 67% das vendas totais das empresas européias fossem produzidas fora do mercado doméstico ou exportadas.

Para as empresas americanas e japonesas, as percentagens eram 26% e 20% respectivamente. Entretanto, sendo as matrizes americanas bem maiores, seu volume médio de vendas no exterior se aproximava do volume das européias. De fato, o volume de vendas no exterior das maiores empresas multinacionais americanas excedia o total das vendas mundiais de muitas empresas da amostra.

  • 1Os melhores e os maiores. São Paulo, Editora Abril, p. 16-35, set. 1974.
  • 2Brazil report 1974. São Paulo, Visão Editorial, p. 46, 1974.
  • 3 Suzigan, Wilson, et alii. Crescimento industrial no Brasil: incentivos e desempenho recente. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1974. (Relatório n. 26).
  • Para outros dados, ver também: von Doellinger, Carlos & Cavalcanti, Leonardo C. Empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1975. (Relatório n. 29.
  • 6 Alsegg, Robert J. Control relationshipes between American corporations and their European subsidiaires. New York, American Management Association, 1971.
  • Ver também: Brandt, William K. & Hulbert, James M. Managing the multinational subsidiary in Brazil: a preliminary summary to participating managers. Columbia University, Graduate School of Business, 1974. (Research Report n. 65.
  • 7 Aylmer, R. J. Who makes marketing decisions in the multinational firm? Journal of Marketing, n. 34, p. 25-30, Oct. 1970.
  • Wiechman, Ulrich E. Integrating multinational marketing activities. Columbia Journal of World Business, p. 7-16. Winter 1975.
  • Wind, Y oram; Douglas, Susan & Perlmutter, Howard. Guidelines for developing international marketing strategies. Journal of Marketing, n. 37, p. 14-23, Apr. 1973.
  • 8 Watson Dunn, S. The case study approach in cross-cultural research. Journal of Marketing Research, v. 3, p. 26-31, Feb. 1966.
  • *
    Este trabalho faz parte do Columbia Multinational Enterprise Study, financiado por uma dotação da Ford Foundation e da Graduate School of Business da Columbia University, sob a direção-geral do Prof. Stefan Robock.
  • 1
    Os melhores e os maiores. São Paulo, Editora Abril, p. 16-35, set. 1974.
  • 2
    Brazil report 1974. São Paulo, Visão Editorial, p. 46, 1974. A queda de 60 para 37%, quando passamos de 500 para 1.000 firmas, também ilustra como as empresas multinacionais tendem a dominar os setores industriais em que entram.
  • 3
    Suzigan, Wilson, et alii.
    Crescimento industrial no Brasil: incentivos e desempenho recente. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1974. (Relatório n. 26). Para outros dados, ver também: von Doellinger, Carlos & Cavalcanti, Leonardo C.
    Empresas multinacionais na indústria brasileira. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1975. (Relatório n. 29. )
  • 4
    Uma versão bem mais detalhada desses aspectos encontra-se no prelo: Brandt, William K. & Hulbert, James M.
    As empresas multinacionais no Brasil: um estudo empírico. Rio de Janeiro, Zahar.
  • 5
    Os executivos foram solicitados a classificar cada uma das sete áreas em termos de sua importância para sua principal linha de produto. A maioria não foi capaz de ordenar as sete áreas, mas pôde facilmente ordenar as duas ou três primeiras áreas de decisão.
  • 6
    Alsegg, Robert J.
    Control relationshipes between American corporations and their European subsidiaires. New York, American Management Association, 1971. Ver também: Brandt, William K. & Hulbert, James M. Managing the multinational subsidiary in Brazil: a preliminary summary to participating managers. Columbia University, Graduate School of Business, 1974. (Research Report n. 65. )
  • 7
    Aylmer, R. J. Who makes marketing decisions in the multinational firm?
    Journal of Marketing, n. 34, p. 25-30, Oct. 1970. Wiechman, Ulrich E. Integrating multinational marketing activities.
    Columbia Journal of World Business, p. 7-16. Winter 1975. Wind, Y oram; Douglas, Susan & Perlmutter, Howard. Guidelines for developing international marketing strategies.
    Journal of Marketing, n. 37, p. 14-23, Apr. 1973.
  • 8
    Watson Dunn, S. The case study approach in cross-cultural research.
    Journal of Marketing Research, v. 3, p. 26-31, Feb. 1966. Wiechman. op. cit.
  • 9
    Wiechman, op. cit.
  • 10
    Para obter essa informação, pedimos aos administradores de
    marketing para ordenar-as áreas de decisão em que recebiam orientação da matriz sob a forma de abordagens uniformes ou padronizadas. As áreas de decisão incluídas são: idéias sobre promoção de vendas, mensagem básica da propaganda, desenho da embalagem, nome de marca a ser usado, especificações do produto, método de administrar a força de vendas e determinação de preço.
  • 11
    Das indústrias de bens de consumo de nossa amostra, 80% produziam produtos alimentícios.
  • 12
    As empresas de equipamento de escritório também parecem receber mais orientação por parte das matrizes, mas o pequeno tamanho da amostra para esta indústria limita a significância deste resultado.
  • 13
    Aylmer, R. J. op. cit.
  • 14
    Uma análise financeira das 500 maiores firmas privadas no Brasil, feita pelos autores, não mostra diferenças importantes em lucratividade entre as empresas domésticas e as subsidiárias. Artigo a ser publicado.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 1976
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