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Raízes do futuro

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

André Van Dam

Raízes do futuro

Pelo Club de l'Horloge. Paris, Masson, 1977.

Raízes do futuro é o título de um livro que provoca interesse, escrito por um grupo de dedicados jovens intelectuais franceses. Formam eles o Clube do Relógio (Club de l'Horloge) - na consciência de que, relativamente a uma solução para urgentes problemas sociais e políticos, faltam apenas cinco minutos para as doze horas.

Raízes do futuro poderia, entretanto, ter sido escrito por qualquer grupo de jovens intelectuais, cujo país estivesse em crise, e que se encontrassem fortemente motivados, não só a procurar uma solução para a crise, mas também a compartilhá-la com o seu povo.1 1 Portanto, qualquer referência feita à França pode ser aplicada - mutatis mutandis - a qualquer outro país em crise. O livro foi publicado nas vésperas das eleições presidenciais francesas. Reflete a sensibilidade dos jovens intelectuais às críticas opções futuras, que deverão ser assumidas conscientemente por todos os interessados.

De acordo com o Clube do Relógio, a- França deverá forjar o seu futuro sobre as raízes do seu passado. A França não deveria importar modelos alheios de desenvolvimento, nem das modernas sociedades mercantis de consumo, nem dos países socialistas de economia rigidamente planificada.

A França, afirmam eles, é essencialmente um país europeu ocidental. Seu papel nesse contexto poderá ser notável, desde que os cidadãos franceses se identifiquem uma vez mais com sua nação, seus conterrâneos e suas famílias, ou seja, com seu passado glorioso.

Eles não equiparam sua solução a uma postura estreitamente nacionalista, num momento em que os países se apresentam mais e mais interdependentes. E não conseguem vislumbrar tal independência sem uma França enraizada num entusiástico espírito cívico.

1. Povo, povo, povo

Daí, não constitui surpresa o fato de os membros do Clube do Relógio considerarem a baixa taxa de fertilidade de seus patrícios com profunda preocupação. Uma grande nação exige muitos cidadãos dedicados. Esse objetivo não se concretizaria num tempo em que a taxa de natalidade do país declinou de 3%, em 1960, para 1,7%, hoje constatada. E, de acordo com os demógrafos, é necessária uma taxa de 2,1 % para manter-se uma população estável. (Em outras palavras, a população francesa encontra-se em regressão.)2 2 Um estatístico calculou que se a presente curva demográfica for extrapolada, por volta do ano 2.260 restariam no país somente dois franceses.

Os autores analisam as causas dessa redução populacional. Ela não se deve à pobreza, nem à crise de habitação, mas deve-se apenas ao fato de as mulheres abominarem a idéia de ter filhos. A taxa de natalidade dos estrangeiros na França é 60% mais alta que a dos franceses!

Não se poderia prever uma sociedade francesa como a de hoje. De fato, esse problema pertence à civilização ocidental. Os prósperos países da Europa Ocidental continham 33% da população mundial, no início deste século: prevê-se que essa proporção será de 10% no final da década de 1980.

Assim sendo, os autores analisam os fatos em seu país do ponto de vista da população - incluindo a gradual desintegração do núcleo familiar, que eles atribuem não só à baixa taxa de natalidade, como também ao alto nível de evidente e supérfluo consumo. A.partir desse motivo, eles explicam o nível elevado e ainda crescente de divórcios, suicídios e criminalidade. Esta última apresenta-se triplicada em relação a 1960.

Aproximadamente 90% dos crimes consistem em furto, roubo e fraude - crimes esses de natureza econômica, atribuídos ao fato de que a sociedade valoriza o consumo excessivo. Entretanto, devem-se também a uma excessiva densidade demográfica que compromete a tessitura social, sem oferecer aos cidadãos qualquer compensação afora seus bens materiais. Isto se evidenciou pelo fato de na Suécia, país mais rico que a França, a criminalidade apresentar-se também mais elevada. Por isso, o Clube do Relógio teme a afluência . tanto quanto a taxa de natalidade - dois fenômenos que esses intelectuais julgam correlatos.

2. A ruptura da tradição

Está em moda romper com a tradição. É de se notar que, hoje em dia, quando a geração mais jovem tudo contesta, esses jovens intelectuais franceses (de 25 a 35 anos de idade) percebem a ruptura das tradições como um perigo para a pátria e a sociedade.

Os autores afirmam que, se a sociedade confere demasiada atenção às crianças e aos adolescentes, cria-se uma geração rebelde, na qual os jovens questionam a priori a conduta e as crenças dos mais velhos e dos que se encontram no poder. Rompem não somente seus laços com a família, mas também com a igreja e com a comunidade.

Do mesmo modo que os adolescentes questionam as atitudes de seus pais, os empregados criticam seus chefes, as sindicatos questionam os administradores, os eleitores opõem-se ao governo, e assim por diante. Tais movimentos implicam erosão da autoridade, geram o egoísmo e comprometem a estrutura social. Os de origem pobre lutam por sua prosperidade. Os da classe média desprezam o capitalismo. Desse modo, chega-se à surpreendente conclusão de que as pessoas só valorizam aquilo que traz unia etiqueta de preço.

3. A solução

Os autores citam Séneca: "Não existem ventos favoráveis para aqueles que não sabem para onde navegar." Os cidadãos europeus nunca viveram tão bem e, no entanto, nunca se encontraram tão perplexos como agora. Não se lembram de como viveram antes desta era de riqueza material, nem são capazes de imaginar um tipo de sociedade que satisfaça suas genuínas aspirações. Arriscam-se a perder sua identidade na instável sociedade atual, afastando-se de suas raízes, sem criar outras em substituição.

O futuro que devemos escolher - dizem os autores - tem de estar firmemente ligado a nosso passado. Todo modelo alheio de desenvolvimento que nos separe de nossas origens deve ser rejeitado. Mais uma vez precisamos voltar-nos para as dimensões espirituais, morais, se quisermos encontrar um caminho para o futuro.

Embora simpatize com o Clube do Relógio, critico os autores quanto ao seguinte aspecto: eles não relacionam as raízes do ser humano com sua busca de justiça social. Não obstante mostrem-se favoráveis à participação de todos os grupos na sociedade, eles, por exemplo, não-admitem um papel social para a Igreja, nem um desempenho político da empresa privada - ou mesmo uma tarefa espiritual para os sindicatos de trabalhadores, ou ainda a Influência dos partidos políticos na economia. Sem uma tal missão pluralística, acredito não podermos estabelecer nosso futuro sobre o passado.

  • 1
    Portanto, qualquer referência feita à França pode ser aplicada -
    mutatis mutandis - a qualquer outro país em crise.
  • 2
    Um estatístico calculou que se a presente curva demográfica for extrapolada, por volta do ano 2.260 restariam no país somente dois franceses.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1979
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