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MENOPAUSA NO ESPAÇO DE TRABALHO BRASILEIRO: AGENDA DE PESQUISA PARA ESTUDIOSOS DE GESTÃO E ESTUDOS ORGANIZACIONAIS

Menopausa é um período na vida da mulher em que ela para de menstruar permanentemente. Em termos clínicos, esse estágio da vida reprodutiva acontece 12 meses depois do último dia da menstruação, então, na verdade, dura apenas 24 horas. Entretanto, em conversas do dia a dia, utilizamos a palavra menopausa para nos referirmos à perimenopausa (estágio em que se iniciam os sintomas da menopausa, o que pode acontecer muitos anos antes dela), à menopausa em si e à pós-menopausa (quando os sintomas geralmente continuam). Trinta e quatro sintomas da menopausa são comumente identificados, alguns físicos (por exemplo, fluxos menstruais intensos ou irregulares, ondas de calor e sudorese noturna, fadiga, insônia e secura vaginal) e alguns psicológicos (por exemplo, ansiedade e depressão, problemas de memória, perda de confiança, dificuldade de concentração e foco). A menopausa é única para as mulheres que a experienciam; ainda assim, estimativas sugerem que 75% delas terão alguma combinação de sintomas e 25% acharão esses sintomas debilitantes. Esse é o caso na América Latina, da mesma maneira que no Norte Global. De fato, Blümel et al. (2012)Blümel, J. E., Chedraui, P., Baron, G., Belzares, E., Becosme, A., Calle, A., ... Vallejo, M. S. (2012). Menopausal symptoms appear before the menopause and persist 5 years beyond: A detailed analysis of a multinational study. Climacteric, 15(6), 542-551. doi: 10.3109/13697137.2012.658462
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encontraram que cerca de 13% das respondentes mais jovens (menos de 45 anos) tiveram sintomas da perimenopausa que “comprometeram severamente a qualidade de vida”, com pico entre os quatro anos posteriores à menopausa, com 31,6% delas relatando o mesmo problema (p. 549).

Ainda que, com a idade, o declínio gradual de hormônios, como estrogênio, progesterona e testosterona, seja a base natural da menopausa, algumas mulheres tiverem repentinamente o início dela em decorrência de cirurgia, como a histerectomia completa, que também remove os ovários, ou de medicamentos, como o tamoxifeno, para câncer de mama. Da mesma forma - pelo menos quando consultamos os dados do Norte Global - os sintomas normalmente começam a ocorrer em uma mulher em meados de seus 40 anos, e a menopausa é atingida aos 51. Ainda assim, cerca de 1% de mulheres passam pela menopausa antecipadamente (antes de 45 anos) ou pela menopausa precoce (antes dos 40 anos).

Contudo, pesquisas publicadas na língua inglesa sobre a menopausa no contexto brasileiro e, mais amplamente, na América Latina sugerem diferenças e similaridades significativas dessa parte do mundo em relação àquelas no Norte Global. Em termos de diferenças, mulheres na América Latina atingem a menopausa, em média, entre um e três anos mais cedo (para exemplo, veja Silva & Tanaka, 2013Silva, A. R. Da, & Tanaka, A. C. d’A. (2013). Factors associated with menopausal symptom severity in middle-aged Brazilian women from the Brazilian Western Amazon. Maturitas, 76(1), 64-69. doi: 10.1016/j.maturitas.2013.05.015
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; Vélez, Alvarado, Lord, & Zunzunegui (2010). Da mesma forma, 70% das respondentes de Blümel et al. (2012)Blümel, J. E., Chedraui, P., Baron, G., Belzares, E., Becosme, A., Calle, A., ... Vallejo, M. S. (2012). Menopausal symptoms appear before the menopause and persist 5 years beyond: A detailed analysis of a multinational study. Climacteric, 15(6), 542-551. doi: 10.3109/13697137.2012.658462
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experienciaram sintomas da menopausa antes de atingirem 45 anos e antes até de qualquer irregularidade menstrual. A média equivalente para o Norte Global é de 48 anos para início dos sintomas. Pesquisadores também encontraram que mulheres brasileiras relatam mais sintomas do que as europeias e asiáticas; e esses sintomas são “atípicos” - o que talvez seja mais bem entendido como uma variação daqueles relatados como mais comuns no Norte Global. Esses incluem sintomas psicológicos, como irritabilidade, depressão e ansiedade, e físicos, como dores musculares e nas articulações e exaustão (Silva & Tanaka, 2013Silva, A. R. Da, & Tanaka, A. C. d’A. (2013). Factors associated with menopausal symptom severity in middle-aged Brazilian women from the Brazilian Western Amazon. Maturitas, 76(1), 64-69. doi: 10.1016/j.maturitas.2013.05.015
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).

Há um forte argumento nessa pesquisa de que todos esses sintomas estão associados com “o contexto sociodemográfico, econômico e cultural em que essas mulheres vivem” (Silva & Tanaka, 2013Silva, A. R. Da, & Tanaka, A. C. d’A. (2013). Factors associated with menopausal symptom severity in middle-aged Brazilian women from the Brazilian Western Amazon. Maturitas, 76(1), 64-69. doi: 10.1016/j.maturitas.2013.05.015
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, p. 68). Os fatores contextuais relacionados que se repetem na literatura incluem a baixa educação e o baixo patamar socioeconômico, assim como variáveis geográficas, como as altas altitude e temperatura - todas elas colaboram para intensificar os sintomas (por exemplo, Barazzetti et al., 2016Barazzetti, L., Pattussi, M. P., Garcez, A. S., Mendes, K. G., Theodoro, H., Paniz, V. M., & Olinto, M. T. A. (2016). Psychiatric disorders and menopause symptoms in Brazilian women. Menopause, 23(4), 433-440. doi:10.1097/gme.0000000000000548
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; Blümel et al., 2011Blümel, J. E., Chedraui, P., Baron, G., Belzares, E., Becosme, A., Calle, A., ... Vallejo, M. S. (2011). A large multinational study of vasomotor symptom prevalence duration, and impact on quality of life in middle-aged women. Menopause, 18(7), 778-785. doi: 10.1097/gme.0b013e318207851d
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, 2012; Chedraui et al., 2008Chedraui, P., Blümel, J. E., Baron, G., Belzares, E., Becosme, A., Calle, A., ...Vallejo, M. S. (2008). Impaired quality of life among middle-aged women: A multicentre Latin American study. Maturitas, 61(4), 171-177. doi: 10.1016/j.maturitas.2008.09.026
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; Núñez-Pizarro et al., 2017Núñez-Pizarro, J. L., González-Luna, A., Mezones-Holguin, E., Baron, G., Belzares, E., Becosme, A., ... Chedraui, P. (2017). Association between anxiety and severe quality-of-life impairment in postmenopausal women: Analysis of a multicenter Latin American cross-sectional study. Menopause, 24(6), 645-652. doi: 10.1097/gme.0000000000000813
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; Vélez et al., 2010Vélez, M. P., Alvarado, B. E., Lord, C., & Zunzunegui, M. V. (2010). Life course socioeconomic adversity and age at natural menopause in women from Latin America and the Caribbean. Menopause, 17(3), 552-559. doi:10.1097/gme.0b013e3181ceca7a
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). Essas descobertas reiteram a importância de uma abordagem biopsicocultural da menopausa, que “não nega a base fisiológica da menopausa em níveis flutuantes de hormônios... mas argumenta que fatores psicológicos, bem como os fatores culturais em nível macro, influenciam os sintomas da mulher” (Atkinson, Beck, Brewis, Davies, & Duberley, 2021Atkinson, C., Beck, V., Brewis, J., Davies, A., & Duberley, J. (2021). Menopause and the workplace: New directions in HRM research and HR practice. Human Resource Management Journal, 31, 49-64. doi: 10.1111/1748-8583.12294
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, p. 51).

As pesquisas também sugerem que há desconhecimento da menopausa entre as mulheres brasileiras, especialmente entre aquelas com menor nível socioeconômico e baixos níveis de escolaridade (Amaral et al., 2018Amaral, I. C. G. De A., Baccaro, L. F., Lui-Filho, J. F., Osis, M. J. D., Orcesi, A., & Costa-Paiva, L. (2018). Factors associated with knowledge about menopause and hormone therapy in middle-aged Brazilian women: A population-based household survey. Menopause, 25(7), 803-810. doi: 10.1097/gme.0000000000001087
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, 2019Amaral, I. C. G. De A., Baccaro, L. F., Lui-Filho, J. F., Osis, M. J. D., Orcesi, A., & Costa-Paiva, L. (2019). Opinions and main sources of information about menopause among middle-aged Brazilian women. Menopause, 26(10), 1154-1159. doi: 10.1097/GME.0000000000001378
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). A psicóloga brasileira Samara Irume, em conversa com Heather Hirsch (2021Irume, S., & Hirsch, H. (2021). 76. Menopause in Brazil with Samara Irume. Health by Heather Hirsch MD: Menopause Support and Midlife Help. On-line. Retrieved from https://www.heatherhirschmd.com
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), sugere que muitas de suas colegas assumem que não podem estar na menopausa se não estão tendo ondas de calor - geralmente o sintoma mais relatado no Norte Global. Irume também enfatiza que o Brasil é “como dois países”, no sentido de que as mulheres que podem adquirir um plano de saúde privado geralmente receberão o melhor tratamento para os sintomas da menopausa. Aquelas que dependem do serviço público de saúde - que está há cinco anos sujeito à Emenda do Teto de Gastos (n. 95/2016), sob o regime fiscal austero instituído pelo governo de Michel Temer e continuado por Jair Bolsonaro - por outro lado, podem receber um serviço muito mais instável. Irume menciona estatísticas, por exemplo, que sugerem que 70% de mulheres na menopausa que consultam um médico no Brasil receberão a prescrição de antidepressivos em oposição ao tratamento de reposição hormonal (TRH). Nesse sentido, estudos que calculam o número de mulheres brasileiras na menopausa que estejam realizando o TRH incluem o de Pacello, Baccaro, Pedro, & Costa-Paiva (2018)Pacello, P., Baccaro, L. F., Pedro, A. O., & Costa-Paiva, L. (2018) Prevalence of hormone therapy, factors associated with its use, and knowledge about menoupause: a population-based houselhold survey. Menopause, 25(6), 683-690. doi: 10.1097/GME.0000000000001066
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. Tal análise, baseada no mesmo conjunto de dados de Amaral et al. (2018Amaral, I. C. G. De A., Baccaro, L. F., Lui-Filho, J. F., Osis, M. J. D., Orcesi, A., & Costa-Paiva, L. (2018). Factors associated with knowledge about menopause and hormone therapy in middle-aged Brazilian women: A population-based household survey. Menopause, 25(7), 803-810. doi: 10.1097/gme.0000000000001087
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, 2019Amaral, I. C. G. De A., Baccaro, L. F., Lui-Filho, J. F., Osis, M. J. D., Orcesi, A., & Costa-Paiva, L. (2019). Opinions and main sources of information about menopause among middle-aged Brazilian women. Menopause, 26(10), 1154-1159. doi: 10.1097/GME.0000000000001378
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), sugere que 19,5% das respondentes ou haviam feito TRH no passado ou estavam fazendo naquele momento, especialmente se tivessem experienciado interrupção no trabalho em decorrência de ondas de calor e sudorese noturna. A partir de uma base de dados maior, de acordo com a pesquisa de Blümel et al. (2011)Blümel, J. E., Chedraui, P., Baron, G., Belzares, E., Becosme, A., Calle, A., ... Vallejo, M. S. (2011). A large multinational study of vasomotor symptom prevalence duration, and impact on quality of life in middle-aged women. Menopause, 18(7), 778-785. doi: 10.1097/gme.0b013e318207851d
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, 14,7% de mulheres na menopausa estavam fazendo TRH.

Em outro momento, Blümel et al. (2012)Blümel, J. E., Chedraui, P., Baron, G., Belzares, E., Becosme, A., Calle, A., ... Vallejo, M. S. (2012). Menopausal symptoms appear before the menopause and persist 5 years beyond: A detailed analysis of a multinational study. Climacteric, 15(6), 542-551. doi: 10.3109/13697137.2012.658462
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sugeriram que taxas especialmente baixas de uso de TRH são encontradas entre mulheres brasileiras com menores condições socioeconômicas. Consoante isso, a pesquisa de Danckers, Blümel, Witis, Vallejo, Tserotas, Sánchez, Chedraui (2010)Danckers, L., Blümel, J. E., Witis, S., Vallejo, S.M., Tserotas, K., Sánchez, H., … Chedraui, P. (2010) Personal and professional use of menopausal hormone therapy among gynecologists: A multinational study (REDLINC VII). Maturitas, 87(May), 67-71. doi: 10.1016/j.maturitas.2016.02.015
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, concentrada em ginecologistas no País, descobriu que eles eram menos propensos na prescrição de TRH para suas pacientes do que para prescrever para si mesmos ou para apoiar suas parceiras a tomar. Curiosamente - ainda que novamente triste - evidências do Reino Unido indicam padrões similares, com Hillman, Shantikumar, Todkill e Dale (2020) descobrindo que as mulheres nas comunidades mais carentes tinham 18% menos probabilidade de receber TRH do que aquelas nas áreas mais abastadas, uma vez que os fatores de risco clínico foram ajustados. Hillman et al. (2020)Hillman, S., Shantikumar, A. R., Todkill, D., & Dale, J. (2020). Socioeconomic status and HRT prescribing: A study of practice-level data in England. British Journal of General Practice, 70(700), e772-e777. doi: 10.3399/bjgp20X713045
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também observam que as mulheres das comunidades mais carentes têm uma chance muito maior de receber o TRH oral em vez de adesivos cutâneos. Pílulas são mais poderosas, mas os adesivos são mais seguros. Além disso, as melhores estimativas sugerem que apenas cerca de 8,2% de mulheres na faixa etária normal para os sintomas da menopausa na Inglaterra estão, nesse momento, recebendo o TRH (Office for National Statistics, 2021Office for National Statistics. (2021, June 25). Estimates of the population for the UK, England and Wales, Scotland and Northern Ireland. Retrieved from https://www.ons.gov.uk/peoplepopulationandcommunity/populationandmigration/populationestimates/datasets/populationestimatesforukenglandandwalesscotlandandnorthernireland
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; OpenPrescribing, 2021OpenPrescribing. (2021). 6.4.1: Female sex hormones and their modulators. On-line. Retrieved from https://openprescribing.net/bnf/060401/
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).

Contudo, ainda que seja apresentada como uma variável demográfica em muitas pesquisas, eu consegui localizar apenas um estudo em língua inglesa no Brasil que chama a atenção para uma perspectiva mais subjetiva, cujos resultados foram publicados por Giron, Fonsêca, Berardinelli e Penna (2012) e Fonsêca, Giron, Berardinelli e Penna (2014). Suas entrevistas qualitativas com um pequeno número de enfermeiras sugerem que a transição da menopausa pode ser especialmente difícil “dadas as cargas exaustivas de trabalho e as rotinas física e psicológica extenuantes” (Giron et al., 2012Giron, M. N., Fonsêca, T. C., Berardinelli, L. M. M., & Penna, L. H. G. (2012). Repercussions of the climacteric among nurses: An exploratory study. Online Brazilian Journal of Nursing, 11(3), 736-750. doi: 10.5935/1676-4285.20120048
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, p. 746). Em Fonsêca et al. (2014)Fonsêca, T. C., Giron, M. N., Berardinelli, L. M. M., & Penna, L. H. G. (2014). Quality of life of climacteric nursing professionals. Rev Rene, 15(2), 214-223. doi: 10.15253/2175-6783.2014000200005
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, vemos extratos de dados, como abaixo, que iluminam ainda mais esses desafios:

Eu penso [que a menopausa] influencia tudo. Até mesmo na relação com o paciente, na relação com a equipe, eu sou muito animada, muito ansiosa e durante esse período eu comecei a ficar duas vez ou mais o que eu já sou. E às vezes eu não tenho nem tempo para parar, para providenciar assistência para a minha equipe. Assim, há dias que você pensa que vai conseguir fazer as coisas e você fica mais cansada e não faz. Porque você quer ver tudo ao mesmo tempo e não consegue ver nada de qualidade (Esmeralda).

Voltei à terapia justamente por isso, para não interferir nas minhas próprias relações. Porque com meus pacientes não tive problema. Eu tive que resolver tudo isso para não causar constrangimentos aos meus colegas (Água-Marinha). (pp. 217-218)

Há alguns temas intrigantes acerca dos problemas que a menopausa pode criar para mulheres brasileiras no trabalho. No entanto, este estudo volta-se para a qualidade de vida de mulheres de maneira mais ampla e, com isso, o contexto laboral não é o foco central. O número de entrevistadas é também baixo, mesmo para um projeto qualitativo.

De modo geral, os dados sugerem um padrão misto em termos de gênero no contexto do emprego no Brasil. Por exemplo, há uma discrepância salarial de gênero de 23% (Prusa & Picanço, 2019Prusa, A., & Picanço, L. (Eds.). (2019). A Snapshot of the Status of Women in Brazil, 2019. Washington, USA: Brazil Institute - Wilson Center.), o que endureceu a legislação de igualdade salarial de gênero em 2017 para introduzir requisitos acerca de medidas de delação e de punição por descumprimento. Mulheres no Brasil, como em muitas outras nações do mundo, são também mais propensas a trabalhar em serviços que são, frequentemente, de baixo status e precariamente remunerados, como educação, saúde, serviços sociais, vendas, reparos e serviço doméstico. Adicionalmente, 47% delas trabalham no setor informal do país (Silva, 2019Silva, M. C. (2019). Contemporary racism, sexism, and slave labor. In: Prusa, A. and Picanço, L. (eds) A Snapshot of The Status of Women in Brazil 2019, Washington, DC.: Wilson Center, pp. 28-31.), o que significa que falta segurança no emprego e direitos trabalhistas. Por outro lado, mulheres representam 39% dos gestores nos setores público e privado e são o grupo com o maior nível de educação no País (Silva, 2019Silva, M. C. (2019). Contemporary racism, sexism, and slave labor. In: Prusa, A. and Picanço, L. (eds) A Snapshot of The Status of Women in Brazil 2019, Washington, DC.: Wilson Center, pp. 28-31.). De modo similar, e de maneira significativa para meus propósitos aqui, as estatísticas do segundo trimestre de 2021 sugerem que 38% das mulheres no Brasil com idades entre 50 e 64 estão empregadas, cenário que tem se mantido relativamente estável desde 2018 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2021Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2021). PNAD Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. On-line. Retrieved from https://www.ibge.gov.br
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). Esse é, claro, também o grupo com a maior tendência de experienciar os sintomas da menopausa.

O que podemos extrapolar, então, é que muitas mulheres brasileiras enfrentam situações desafiadoras no cenário laboral e que estão mais propensas a trabalhar em empregos de baixo estrato e malremunerados, frequentemente no setor informal, voltando-se para a prestação de serviços a terceiros. Como sugeri acima, a baixa condição socioeconômica tem sido assinalada como um fator de risco em termos de sintomas da menopausa no Brasil. Analogamente, resultados de outros lugares no mundo indicam que sintomas visíveis como fluxos intensos durante a menstruação, ondas de calor, esquecimento ou irritabilidade representam dificuldades pontuais no trabalho quando se está interagindo com outras pessoas regulamente (Atkinson, Carmichel, & Duberley, 2021Atkinson, C., Carmichael, F., & Duberley, J. (2021). The menopause taboo at work: Examining women’s embodied experiences of menopause in the UK police force. Work, Employment and Society, 35(4), 657-676. doi: 10.1177%2F0950017020971573
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; Butler, 2020Butler, C. (2020). Managing the menopause through ‘abjection work’: When boobs can become embarrassingly useful, again. Work, Employment and Society, 34(4), 696-712. doi: 10.1177%2F0950017019875936
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; Jack, Riach, & Bariola, 2019Jack, G., Riach, K., & Bariola, E. (2019). Temporality and gendered agency: Menopausal subjectivities in women's work. Human Relations, 72(1), 122-143. doi: 10.1177/0018726718767739
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; Kittel, Mansfield, & Voda, 1998; Kronenberg, 1990Kronenberg, F. (1990). Hot flashes: Epidemiology and physiology. Annals of New York Academy of Science, 592, 52-86. doi: 10.1111/j.1749-6632.1990.tb30316.x
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) - como sempre ocorre nos casos de prestação de serviços. Também sabemos que os locais de trabalho podem tornar os sintomas piores, especialmente quando próximos a alta temperatura, umidade, ambientes secos ou malventilados, ruídos, falta de acesso à água potável refrigerada, uniformes ou roupas de trabalho pesados, restritivos e/ou sintéticos e instalações sanitárias precárias, bem como atividades fisicamente exigentes (Griffiths, Cox, Griffiths, & Wong, 2006Griffiths, A., Cox, S., Griffiths, R., & Wong, V. (2006). Women police officers: Ageing, work & health. Report for the British Association of Women Police Officers, Institute of Work, Health and Organisations, University of Nottingham, UK.; High & Marcellino, 1994High, R. V., & Marcellino, P. A. (1994). Menopausal women and the work environment. Social Behaviour and Personality, 22(4), 347-354. doi: 10.2224/sbp.1994.22.4.347
https://doi.org/10.2224/sbp.1994.22.4.34...
; Jack et al., 2014Jack, G., Pitts, M., Riach, K., Bariola, E., Schapper, J., & Sarrel, P. (2014). Women, work and the menopause: Releasing the potential of older professional women. Final project report, La Trobe University. On-line. Retrieved from https://womenworkandthemenopause.com/final-project-pdf-download/
https://womenworkandthemenopause.com/fin...
; Kopenhager & Guidozzi, 2015Kopenhager, T., & Guidozzi, F. (2015). Working women and the menopause. Climacteric, 18(3), 372-375. doi: 10.3109/13697137.2015.1020483
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; Putnam & Bochantin, 2009Putnam, L. L., & Bochantin, J. (2009). Gendered bodies: Negotiating normalcy and support. Negotiation and Conflict Management Research, 2(1), 57-73. doi: 10.1111/j.1750-4716.2008.00028.x
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). Para mulheres que trabalham no setor informal, esses entraves são especialmente problemáticos devido à ausência de proteção trabalhista em tal contexto.

Dada a importância da abordagem biopsicossocial, bem como os resultados por mim revisados, que sugerem muitas especificidades nas experiências de mulheres brasileiras em suas condições de trabalho durante a menopausa, o momento parece ser propício para estudos mais aprofundados por pesquisadores de Gestão e de Estudos Organizacionais que investiguem as relações entre a menopausa e os empregos nesse contexto. Essas pesquisas poderiam, por exemplo, explorar:

  • os sintomas que mulheres brasileiras assinalaram como mais prejudiciais no trabalho e se há aspectos específicos nos espaços laborais que tornam tais sintomas mais difíceis de gerenciar;

  • se essas experiências variam de acordo com a ocupação, localização geográfica, idade, níveis de autonomia no trabalho, etnia, se trabalham no setor formal ou informal, se se identificam como portadoras de deficiência;

  • suas experiências de compartilhar qualquer problema relacionado à menopausa no trabalho e qual o tipo de resposta que elas obtiveram ou quais suas razões para não compartilhar;

  • até que ponto a menopausa tem causado qualquer mudança em suas vidas profissionais - por exemplo, deixar de trabalhar, redução de carga horária, mudança de ocupação etc.;

  • qual tipo de suporte elas sentem que poderia ser benéfico no trabalho para amenizar quaisquer desafios causados pela menopausa;

  • se a filiação sindical é um fator atenuante dessas experiências;

  • suas estratégias de enfrentamento em torno dos sintomas da menopausa no trabalho.

Em conclusão, a literatura de base anglófona sobre a menopausa no contexto laboral ainda é bastante pequena e, certamente, muito menor do que a literatura sobre a menopausa em si. A pesquisa anglófona do Sul Global também é muito limitada. Os pesquisadores organizacionais no Brasil têm, portanto, uma oportunidade genuína de lançar luz sobre um fenômeno que é, em geral, pouco pesquisado e que pode criar uma série de dificuldades para mulheres trabalhadoras de meia-idade.

NOTA

  • Neste artigo, quando necessário, eu uso mulher, mulheres, ela e dela como marcadores, mas é importante lembrar que alguns homens transgênero e outras pessoas que se identificam como gênero diverso poderão também experienciar a menopausa.
  • Texto traduzido para o português por Luis Paulo Nallime revisado pela RAE

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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