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Uma discussão teórica: ideologia neocapitalista e processo de burocratização

ARTIGOS

Uma discussão teórica: ideologia neocapitalista e processo de burocratização* * Este texto compõe o capítulo 1 da tese de mestrado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Maria de Lourdes Manzini Covre

Professora do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

1. INTRODUÇÃO

Para a compreensão do tema em estudo, a formação e a ideologia do administrador de empresas, necessário se faz uma abordagem da conceituação de ideologia neocapitalista, associada à de burocracia, uma vez que os administradores são ou serão futuros componentes da máquina burocrática e, por conseqüência, incorporadores desta ideologia, da qual, por outro lado, os cursos de administração são centros criadores e prováveis transmissores.

Por ideologia neocapitalista, em uma primeira aproximação, compreende-se um conjunto de doutrinas que ajudam a compor a nova ideologia burguesa, na situação pós-liberal. Essas teorias se propõem como sendo explicações substitutivas à teoria marxista. Apresentam interpretações das transformações estruturais ocorridas na economia capitalista contemporânea em termos de uma solução socializante, e, por este prisma, em graus distintos, a "ótica marxista da luta de classes é obscurecida ou deformada em favor de uma concepção idealista do Estado, da intervenção pública e do planejamento"1 1 Trentin, Bruno. A Ideologia do neocapitalismo. In: Pereira, Luís. Perspectivas do capitalismo moderno. Rio de Janeiro, Zahar, 1971. p. 101-2. O grifo é nosso.

No conjunto destas transformações são apontadas: a ascensão do Estado intervencionista, a influência crescente da burocracia, o desenvolvimento da tecnologia e a conseqüente valorização da função dos técnicos. Torna-se necessário, porém, verificar se as interpretações dadas a estas mudanças dão conta do real, em suas determinações essenciais. Parece-nos que o centro da questão, nas teorias referidas, está na pretensa eliminação da relação de propriedade ou relação de exploração. Assim, com a chamada separação entre propriedade e controle da propriedade, afirmam que se torna impossível falar em classe economicamente dominante, tal como na concepção marxista. O esquema de democratização do capital, ou seja, a distribuição do capital sob forma acionária, e a atuação empresarial burocratizada composta de um quadro gerencial, viriam substituir a contradição principal entre proprietários e não-proprietários. Paralelamente, o Estado intervencionista teria como escopo a realização de uma democracia social, funcionando a ação estatal também no sentido de melhor distribuir a renda social. Desta forma, estaria justificada a sua intervenção na economia e a utilização de técnicas de planejamento, com a finalidade de criar melhores condições de bem-estar coletivo, promovendo-se a justiça social. Portanto, a atuação da burocracia no Estado e na empresa com funções de planejamento e controle, formando uma supraclasse, viria compor este novo contexto social. Acatar tais formulações traz implícita a idéia de que o modo de produção capitalista estaria desmoronando, e torna possível falar no surgimento de outro, o chamado modo de produção tecnocráticos.2 2 Veja Martins, Carlos E. Tecnocracia e capitalismo. São Paulo, Ed. CEBRAP, Brasiliense, 1974. Observe também a crítica a este texto de Luis Alfredo Galvão, em Sociologia imaginária ou imaginação sociológica? (Debate e Crítica, São Paulo, (4) nov. 1974).

Por modo de produção e sua transformação, fixou Marx o seguinte: "na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alterações é necessário sempre distinguir entre a alteração material - que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa - das condições econômicas de produção, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas. Em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito, levando-o às suas últimas conseqüências".3 3 Marx, Karl. Contribución a la crítica de la economia política. Prefácio, p. 37-8. (Comunicación, série B, n. 5).

Há que se discutir se essas transformações constituem uma revolução social nos termos acima ou se exatamente é ao nível dessas teorias que se pode apreender uma nova fase da ideologia dominante. Enfatizamos ainda que são nas formas ideológicas que os homens tomam consciência dos conflitos e das contradições.

Seguindo esta linha de pensamento, afirmamos que a essência do modo de produção capitalista se mantém, uma vez que essas transformações estruturais, embora contraditórias, tornaram-se necessárias para atender ao fim básico do capitalismo, que é o lucro. Na realidade, estas transformações possibilitam melhores condições para a acumulação de capital,4 4 Sweezy, Paul M. Teoria do desenvolvimento capitalista. Rio de Janeiro, Zahar, 1973. Segundo o autor, existem mudanças quantitativas e não qualitativas, havendo persistência e mesmo aumento da taxa de acumulação. "Disso se segue que a centralização em si, reduzindo o número e aumentando o volume dos segmentos, terá o efeito de elevar a taxa de acumulação obtida de um determinado total de mais-valia. O monopólio intensifica esse efeito, transferindo a mais-valia dos capitalistas menores para os maiores" (p. 305-6). "Significa ainda que a economia do trabalho se torna mais do que nunca o objetivo da tecnologia capitalista e que a taxa de introdução de novos métodos será disposta de tal forma que reduzirá ao mínimo a perturbação dos valores de capital existentes. (...) Conseqüentemente, o monopólio intensifica a taxa de fluxo de trabalhadores para o exército da reserva industrial e reduz a saída do capital recém acumulado, proporcionado pelo progresso tecnológico" (p. 307-8). e caracterizam a terceira e última fase do sistema capitalista: a fase monopolista.5 5 Lenine. O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Obras escolhidas. Buenos Aires, Editorial Problemas, 1964. t. 2, p. 433-5. "Há meio século, quando Marx escreveu O Capital, a livre-concorrência era, para a maior parte dos economistas, uma 'lei natural'. A ciência oficial procurou aniquilar, mediante a conspiração do silêncio, a obra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a livre-concorrência engendra a concentração da produção e que esta concentração, num certo grau de seu desenvolvimento, conduz ao monopólio. Agora o monopólio é um fato. (...) Os fatos demonstram que as diferenças entre os diversos países capitalistas, por exemplo no que se refere ao protecionismo e ao livre-cambismo, consistem unicamente em diferenças não-essenciais quanto à forma de monopólios ou ao momento de sua aparição, mas que o engendramento do monopólio pela concentração da produção é uma lei geral e fundamental da fase atual do desenvolvimento capitalista. No que se refere à Europa, pode-se fixar com bastante exatidão o momento em que o novo capitalismo veio substituir definitivamente o velho: princípios do séc. XX. (...) Assim, pois, o resumo da história dos monopólios é este: 1) 1860 a 1880, ponto culminante de desenvolvimento da livre-concorrência. Os monopólios não constituem senão germens apenas perceptíveis; 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais ainda constituem uma exceção, não são ainda sólidos, representam um fenômeno passageiro; 3) Auge de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis convertem-se numa das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo."

Nossa discussão, tendo como núcleo a ideologia neocapitalista, requer a compreensão do processo de burocratização, visto ser este um aspecto da relevância da mesma ideologia. Note-se que a burocracia vem constituir uma camada social que é a expressão mais acabada dessa ideologia na fase capitalista atual.6 6 O exame de determinadas teorias sobre burocracia demonstra isto, conforme veremos. Por outro lado, alguns dados da análise do estudo que empreendemos com relação aos administradores conduzem à mesma conclusão. Da perspectiva de nosso estudo, a abordagem de uma conduz intrinsecamente à apreensão da outra, no sentido de que o corpo burocrático só se constitui como tal se possui uma visão de mundo centrada nesta ideologia, a qual encontra aí sua melhor expressão, conforme já afirmamos.

Genericamente, observa-se uma burocracia estatal composta pelo funcionalismo público, e outra empresarial constituída pela estrutura gerencial. Nesta colocação a burocracia aparece com pertencimento tanto à infra-estrutura (empresas), como à superestrutura (Estado), o que entra em choque com as formulações teóricas mais reconhecidas de burocracia, onde seu pertencimento específico é supra-estrutural.7 7 Formulações teóricas de Poulantzas, N. Poder político y clases sociales en el Estado capitalista. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1972; Althusser, L. Idéologie et appareils idéologiques d'Etat. La Pensée, juin 1970; Gramsci, A. Os Intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1978.

Certos autores afirmam ser indispensável a existência de várias burocracias, isto é, há necessidade de mais de um conceito para cobrir diferentes realidades.8 8 Lefort, C. Que es la burocracia. Ruedo Ibérico, 1970. É uma questão por resolver. De nossa perspectiva, o interesse específico é demarcar teoricamente a burocracia empresarial, situando os administradores e técnicos de empresa no conjunto das relações de classes sociais. Para tanto, necessária faz-se uma análise do conceito de burocracia e de sua conexão com a ideologia pós-liberal burguesa.

Retendo que as transformações estruturais discriminadas pela ideologia neocapitalista se relacionam na realidade ao processo de acumulação capitalista, discorremos de início sobre algumas teorias que a nosso ver compõem ou colaboram para formulação daquela ideologia. Através destas, poder-se-á detectar os traços ideológicos da visão de mundo dos alunos/administradores estudados e sua formação escolar. Esses conceitos são posteriormente recompostos e recolocados em outro nível interpretativo, possibilitando a elaboração teórica da posição real e contraditória de tais administradores.

2. IDEOLOGIA NEOCAPITALISTA, BUROCRACIA E PROCESSO DE BUROCRATIZAÇÃO: UMA COLOCAÇÃO

Na corrente de contribuições que ordenaram o desenvolvimento das teorias próprias da ideologia burguesa pós-liberal, há com efeito destaques de importância considerável na formulação dessa ideologia.

Neste sentido, partimos de Weber, como o teórico clássico da burocracia. Nele está a origem de teorias posteriores que têm vinculação com a ideologia neocapitalista. As colocações weberianas fomentam formulações posteriores distintas, mas que retêm como essencial o desmoronamento da luta de classes. Não se pretende exaurir todos os aspectos dessas teorias, mas enfatizar algumas linhas representativas que, da perspectiva deste trabalho, são pertinentes. Assim, examinamos, do ponto de vista mencionado, as teorias de J. Burnham sobre a sociedade gerencial, de Galbraith sobre a tecnoestrutura, e de Crozier sobre burocracia e disfunção.

2.1 Max Weber

A inspiração para a ideologia neocapitalista está subjacente à riqueza do pensamento weberiano. A burocracia é categoria básica para Weber. Opõe-se em determinado sentido à classe social, encobrindo as relações entre classes, que são substituídas pelo autor em termos de relações de autoridade. Esta burocracia expressa a forma mais nítida de seu tipo ideal: a dominação racional legal, que ele por sua vez vincula ao capitalismo.

A teoria weberiana sobre burocratização dá-nos subsídios para, de certa perspectiva, pensar em um capitalismo industrial em constituição também nos países periféricos, permitindo caracterizar, em parte, um processo de burocratização em formação no Brasil, calcado no chamado controle racional. Dai, pode-se compreender, num determinado sentido, a proliferação de cursos de administração nos últimos 10 anos, visando atender à necessidade de compor uma burocracia especializada, ou seja, de incorporar um contingente técnico-científico crescente, exigido pelo processo do desenvolvimento capitalista.

Para Weber, a categoria explicativa do capitalismo, a racionalidade formal, permite conceber o capitalismo como sistema racional, se pensado em termos de coerência na relação dos meios e dos fins visados. A burocracia surge como expressão dessa racionalidade e caracteriza-se pelo predomínio do formalismo. Daí a necessidade de regulamentos e normas escritas que prevêem os vários processos de relacionamento, informação e decisão na hierarquia burocrática, divisão horizontal e vertical do trabalho e impessoalidade no recrutamento dos quadros. De forma mais sistemática, a burocracia traçada por Weber tem as seguintes características:

1. Atribuições de funcionários fixadas oficialmente por regras ou disposições administrativas.

2. Hierarquia de funções integradas em um sistema de mando, de tal modo que em todos os níveis há uma supervisão dos inferiores pelos superiores.

3. Atividades administrativas manifestadas e baseadas em documentos escritos.

4. As funções pressupondo aprendizado profissional, com treinamento especializado.

5. O trabalho do funcionário exigindo que ele se consagre inteiramente ao cargo que ocupa (dedicação plena e tarefas específicas).

6. Acesso à profissão sendo ao mesmo tempo acesso a uma tecnologia particular (jurisprudência, ciência comercial, ciência administrativa).

Em complementação a estas características, observamos a descrição da posição do funcionário, do burocrata, que consta do seguinte:

1. O cargo é uma profissão (exige conhecimentos especializados, a sua ocupação é um dever específico de fidelidade - a serviço de um fim objetivo, impessoal, e não de uma pessoa, em troca da garantia de uma existência assegurada).

2. O funcionário goza de prestígio social ante o subalterno (prestígio garantido por estatuto especial, que lhe confere certos direitos, consagrados por regulamento).

3. É normalmente nomeado por uma autoridade superior.

4. A estabilidade do emprego é segura, embora nunca se reconheça o "direito de possessão" do cargo.

5. O burocrata recebe remuneração, salário fixo, regular, retiro na velhice por meio de pensão.

6. Correspondendo a ordenação hierárquica das autoridades, o funcionário está colocado em um escalão segundo sua remuneração.9 9 Weber, Max. Economia y sociedad. México, Fondo de Cultura Económica, 1964. v. 2, p. 716-23. Grifo nosso.

Esta burocracia estabelece relações de autoridade, e é a expressão da eficiência, da lógica, da "razão ténica". Seus componentes devem atuar sine ira et studio, escoimados de quaisquer sentimentos, mantendo clara a separação entre o homem e o cargo. É importante ressaltar ainda do pensamento weberiano que "(...) o grande instrumento de superioridade da administração burocrática é este: o saber profissional especializado, cujo caráter imprescindível está condicionado pelos caracteres da técnica e da economia modernas de produção de bens, sendo completamente indiferente que tal produção seja na forma capitalista ou socialista".10 10 Id.ibid. v. 1 ,p. 178.

Esta citação ilustra como o modelo de burocracia weberiano se pretende neutro. A metodologia weberiana, em sua posição inicial, é de motivação subjetiva; parte de juízo de valor, como é o caso da racionalidade formal, mas ao desenvolver-se, no modelo montado de explicação da realidade, reveste-se de neutralidade. Referindo-se a essa perspectiva weberiana, afirma Tragtemberg: "Se os juízos de valor aparecem excluídos da ciência, esta, para não perder seu caráter científico, só justifica a eficácia dos meios, mas não funda a legitimidade dos fins".11 11 Tragtemberg, M. Burocracia e ideologia. São Paulo, Ática, 1974. p. 116.

O modelo weberiano de burocracia permite-nos caracterizar a realidade social do capitalismo, embora seja insuficiente para explicá-la, ou seja, para apreender suas determinações essenciais; ou ainda, se a burocracia é identificada à racionalidade formal, resta a indagação: a quem serve esta racionalidade?

O destaque dado ao saber profissional especializado e a formulação de que o saber técnico é neutro e pode realizar-se tanto sob o socialismo como no capitalismo, importando tão-somente sua eficiência, dá margem à interpretação de que a burocracia tem um poder próprio, podendo ser autônoma e servir a si própria, poder este legitimado pelo conhecimento.

No texto Parlamentarismo e Governo numa Alemanha reconstruída, Weber salienta a incompatibilidade entre burocracia e a atuação parlamentar real. Ressalta o aspecto nocivo à democracia da burocracia a oposição entre a "mente dirigente" e o "espírito em movimento" e a mentalidade do funcionário.12 12 Weber, Max. Parlamentarismo e Governo numa Alemanha reconstruída. São Paulo, Abril, 1974. (Coleção Pensadores). Neste texto, a preocupação do autor parece ser como fazer "parar" a burocracia, como ela é prejudicial à democracia. Suas indagações: "1) Como se poderia preservar qualquer resquício de liberdade 'individualista', em qualquer sentido? Afinal de contas, é uma ilusão flagrante acreditar que sem as conquistas da época do Direito do Homem qualquer um de nós, até mesmo os mais conservadores, poderá continuar vivendo sua vida. 2) Em vista da crescente indispensabilidade da burocracia estatal e de sua correspondente ampliação de poder, como poderá haver qualquer garantia de que permanecerão em existência forças que possam conter e controlar eficazmente a tremenda influência desta camada? Mesmo neste sentido limitado, como será a democracia de todo possível? 3) Uma terceira pergunta, e a mais importante de todas, levanta-se em face de considerações sobre as limitações inerentes à burocracia propriamente dita. Pode ser facilmente notado que a eficiência da burocracia tem limitações definidas no domínio público e governamental, assim como na economia privada. A 'mente' dirigente, o 'espírito em movimento' - aquele do empresário aqui e do político ali - diferem substancialmente da mentalidade do funcionário da administração pública." Esta ambigüidade em Weber é retomada por vários autores. H. Jacoby interpreta-o no sentido de que apesar da "admiração pela precisão do funcionamento da administração burocrática com seu conceito sólido a respeito da própria durabilidade, seu tema principal sempre foi a necessidade de uma resistência à burocratização da sociedade".13 13 Jacoby, Henry. La burocratización del mundo. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1972. p. 223.

Indagamos se esta ambigüidade no pensamento weberiano não estaria vinculada a uma época de valores contraditórios, visto que Weber vivência o período de desmoronamento da ideologia burguesa liberal e de constituição da nova ideologia burguesa pós-liberal.

Esta ambigüidade permite indagações tais como: uma vez que Weber identifica burocracia à racionalidade formal do capitalismo, não estaria ele no limite, ao ver o "perigo" burocrático, negando o sistema capitalista? Ou a montagem do modelo burocrático, tal como é apresentada, em sua eficiência, durabilidade e neutralidade científica, não é uma forma de pretender diluir a luta de classes?

Essas indagações e outras deixadas pelas fissuras do pensamento weberiano levam-nos a teorias de autores pós-weberianos.

2.2 A sociedade gerencial

Nunca é demais explicitar que, para Weber, "o instrumento capital da superioridade da administração burocrática é a especialização, e a impossibilidade absoluta de dispensá-la é condicionada pela técnica e economia modernas de produção de bens. Pouco importa que esta seja organizada de maneira capitalista ou socialista, pois se o socialismo quer chegar às mesmas realizações, significa que ele será obrigado a aumentar de maneira enorme a importância da burocracia especializada".14 14 Weber, M. Economia y sociedad, t. 1. p. 128. Apud Freund, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro, Forense, 1970.

Isto nos remete à idéia, em Weber, de que a revolução no século XX seria "não dos operários, mas sim dos funcionários",15 15 Weber, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1964. p. 67. aspecto teórico esse explorado por Burnham.

Em The Managerial revolution, James Burnham chega a colocar a burocracia como uma classe social, o que provocou muita polêmica a partir da década de 40. Apesar da fragilidade da teoria, ela deixou sua marca e influências posteriores, Burnham identifica os gerentes a uma nova classe média revolucionária contra o capitalismo, como o fora a burguesia na sua luta contra a aristocracia e contra o feudalismo. Assim se expressa: "Sob esta interpretação, dizer que atualmente uma certa classe social, outra que não a burguesia, está lutando pelo poder e que ganhará esta disputa significa nada mais do que a predição que em um tempo comparativamente curto a sociedade estará organizada de forma nova e diferente, que colocará a classe em questão na posição de classe dominante, que presidirá o poder e o privilégio."16 16 Burnham, James. The Managerial revolution. 2 ed. Bloomington, Indiana University Press, 1960. p. 63.

Segundo o autor, configura-se uma nova ordem social que não é nem capitalista, nem socialista, mas trata-se de uma sociedade gerencial. O poder desta nova classe dominante está fundado no conhecimento e no monopólio da tecnologia. Desenvolve-se a partir da separação entre propriedade e controle dos meios de produção, controle este que estaria passando para os tecnólogos ou gerentes, ou, em termos atuais, para os burocratas especializados.17 17 Vamo-nos utilizar do termo burocracia especializada (que sob o enfoque weberiano parece tautológico, desde que o burocrata é um "especialista"), no sentido mesmo dessa especialização, para diferenciar os graus de burocracia, de "especialistas" e de funcionários comuns ou subalternos. Na medida em que o Estado, nesta nova ordem, tende a ser cada vez mais o proprietário dos meios de produção, e sendo o Estado controlado por estes gerentes, eles teriam o poder econômico.

"Os gerentes exercerão seu controle sobre os meios de produção e ganharão preferência na distribuição dos produtos, não diretamente, mas através de seu controle do Estado, o qual, por sua vez, possuirá e controlará os instrumentos de produção. O Estado, ou seja, as instituições que o compõem serão, se desejarmos colocar desta forma, 'propriedade' dos gerentes. E isto será o bastante para colocá-los na posição de classe dominante."18 18 Burnham, J. op. cit. p. 72.

Nesta nova ordem social, não haveria ideologia do lucro empresarial, substituída por razões técnicas, como maior produtividade e maior eficiência. "Quando estas relações terminarem, a necessidade de lucro terminará também. Com a ajuda da direção estatal centralizada, fluxo financeiro controlado, monopólio estatal do comércio exterior, trabalho compulsório, preços e salários controlados independentemente de qualquer competição livre de mercado, setores da economia ou toda a economia podem ser dirigidas para objetivos outros que não o lucro. A economia gerencial não é mais um sistema de lucro."19 19 Id. ibid. p. 130.

Este Estado gerencial inclui Estados imbuídos de situações e de ideologia distintas, como a Alemanha nazista, a Rússia stalinista e os Estados Unidos sob o New Deal, que não atuam de forma capitalista, porque não buscam o lucro. Assim, afirma: "O Governo não só não tem lucro como, ao contrário, atua normal e adequadamente no mundo contemporâneo naquilo que é prejuízo do ponto de vista capitalista (...). Entretanto, quando se retém que o Governo é agora o maior negócio de todos, na esfera estritamente econômica, bem como em outras, a habilidade por ele demonstrada em continuar atuando com prejuízo é intolerável do ponto de vista do capitalismo e mostra que o funcionamento do Governo na economia é implicitamente o de uma instituição não-capitalista" .20 20 Id. ibid. p. 106-7.

Apesar da formulação simplista de Burnham, cuja crítica está incluída mais adiante, encontramos nesta teoria a formulação-limite da burocracia em termos de uma classe gerencial, um dos traços indicativos da ideologia pós-liberal. As pedras angulares destes traços são a divisão e o controle da propriedade, que propiciam poder aos gerentes; um Estado que assume perdas para o bem da coletividade, haja vista a não-necessidade do lucro; e, ainda, a superioridade de uma administração "racional", "neutra", centrada em um grupo social que se legitima pelo conhecimento.

2.3. A tecnoestrutura

Mais próximo de Weber, cujo enfoque de burocracia está na linha das relações de autoridade,21 21 Destacamos Galbraith. Entretanto, outros autores são também representativos desta linha pós-weberiana, em graus distintos de transferência do enfoque das relações de classe para as relações de autoridade (em diferentes níveis). Por exemplo: Dahrendorf, R. Las clases sociales y su conflito en la sociedad industrial. Madrid, Ediciones Rialph, 1962; Aron, R. Novos temas da sociologia contemporânea, a luta de classes. Lisboa, Ed. Presença, 1964. defrontamo-nos com um destacado expoente da ideologia burguesa pós-liberal. J.K. Galbraith, e com sua teoria de tecnoestrutura, a do poder compensatório.22 22 Galbraith, J. K. A teoria do poder compensatório. In: Capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1964. p. 104. Elabora aí a idéia de um centro de poder do consumidor, como necessidade de uma contrapartida das camadas dominadas para um possível diálogo numa sociedade de empresas gigantes, e que é bem coerente com a nova ideologia burguesa.

A afirmação de Weber de que "o instrumento de superioridade da administração burocrática é o saber profissional especializado" encontra-se enfatizada e explorada em suas teorias.

Sua tecnoestrutura teoricamente também está fundada na "separação entre propriedade do capital e controle da empresa, desde que o empresário não mais existe como pessoa individual na empresa industrial amadurecida",23 23 Galbraith, J.K. O Novo Estado industrial. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1969. p. 81. ou seja, na grande empresa moderna. A teoria estabelece como premissa que o controle emana das mãos dos técnicos, dos especialistas que elaboram e/ou têm acesso à informação e ao poder de decisão. As decisões não são tomadas individualmente, são o resultado do esforço coordenado de um grupo, a partir das inúmeras informações dos diversos técnicos especializados.

Em relação a este tipo de tomada de decisão nas modernas organizações econômicas, manifesta-se o autor: "De modo típico, valem-se do conhecimento científico e especializado, da experiência e das informações acumuladas e do sentido intuitivo de muitas pessoas. Isto é, norteados por outras informações que são reunidas, analisadas e interpretadas por profissionais que utilizam um equipamento altamente técnico. A decisão final será informada apenas se ela se valer sistematicamente de todos aqueles cujas informações são relevantes (...). Adicionalmente, deverá existir um mecanismo para verificar a contribuição de cada pessoa quanto à relevância e fidedignidade, à medida que essa contribuição é aplicada à decisão."24 24 Id. ibid. p. 70-1.

As tomadas de decisão desse tipo, segundo o autor, tornam-se necessárias no contexto atual da grande indústria, porque a produção ligada à alta tecnologia não pode permitir-se erros. Por conseguinte, há necessidade do máximo de eficiência na previsão e planejamento, no sentido de garantir, por exemplo, mão-de-obra, mercado para a produção, etc.

A hierarquia dessa grande empresa vai da junta de presidentes, diretores, chefes de departamentos, etc, aos especialistas, técnicos e outros funcionários. É a este contingente técnico e aos outros funcionários que o autor faz referência especial, em termos de um poder ao qual a própria cúpula estaria submetida. Isto porque, para a tomada de decisões finais, estaria na dependência das informações e conhecimentos daqueles.

"Este último grupo é muito grande, estendendo-se desde o mais graduado dos funcionários da companhia até encontrar-se, no perímetro externo, com os empregados de escritório e fábrica, cuja função é amoldar-se mais ou menos mecanicamente às instruções e à rotina. Este grupo compreende todos aqueles que trazem conhecimentos especializados, talento ou experiência, às tomadas de decisões do grupo. Este, e não a administração, é a inteligência orientadora, o cérebro da empresa. Não existe um nome para todos aqueles que participam das tomadas de decisões em grupo ou para a organização que formam. Proponho chamar a essa organização de tecnoestrutura."25 25 id. ibid. p. 81.

O autor sem dúvida traz uma contribuição, no sentido de refletir-se sobre este contingente técnico, de certa forma autônomo, com determinado poder devido a seu conhecimento especializado, o qual constituiria aquele que verdadeiramente controlaria a grande empresa, respondendo por seu destino, desde que é a sua "inteligência orientadora". Retomamos a discussão dessa teoria em tempo oportuno para verificar a ilusão que ela encerra.

2.4 Burocracia e disfunção

Outros autores pós-weberianos, trabalhando também com relação de autoridade, apreendem a burocracia em termos de disfunções, as quais carecem de soluções em termos de serem geradoras de rotina, de opressão. Nesta linha se encontra Crozier.26 26 Além de Crozier (El Fenómeno burocrático), nesta linha está Merton, R. Burocratic structure and personality. Social Forces, 1940. t. 28.

Referindo-se à ambigüidade do pensamento weberiano, afirma que este fato levou a teoria sociológica de nossa época a conceber a burocracia como um bem por sua racionalidade, ou como um mal que dominará o mundo, tendendo na sua maioria para a segunda posição. Daí resulta o pessimismo sócio-político do século XX quanto à burocracia, sendo citados como exemplos o pensamento de Trotsky, Rosa Luxemburg e W. Mills. Para Crozier, deve-se buscar soluções para a problemática da burocracia, ao invés de tê-la como um mal inevitável. Nota-se, neste sentido, um distanciamento de Weber, o qual, apesar da "admiração" pela burocracia (conforme H. Jacoby), temia o seu avanço.

Crozier critica o modelo weberiano, porque a seu ver a eficácia de uma organização não se resume na combinação de impessoalidade e hierarquia. Há necessidade de que a organização tenha vida, isto é, de que seus subordinados sejam estimulados a tomar posições nas decisões que hão de cumprir. Ao dar ênfase às relações sociais mais pessoais, com estímulo às decisões, revela a face da ideologia de integração à empresa.

Crozier analisa duas grandes empresas francesas, exemplos da moderna organização, altamente racionalizadas, com uma burocracia bem desenvolvida.

Voltado para as características dessas organizações, concentra sua atenção no exame da repartição de poder e nas estratégias usadas pelos indivíduos ou grupos neste empreendimento de luta pelo poder. Observa que em nossa época a função diretiva e as relações de poder deixaram de ser intocáveis. Inclui os próprios operários no corpo burocrático, pelo menos em termos de tendência. Afirma que as organizações modernas revelam alto nível de precisão, como exigência estrutural dos grandes monopólios, e também possuem um sistema burocrático de tendência centralizadora e impessoal que são formas de acabar com o arbítrio e de reduzir os riscos. Declara ao mesmo tempo ser impossível acabar com toda a incerteza. "O protagonista do processo é a racionalização que tem como eixo a incerteza."27 27 Crozier, Michel. El Fenómeno burocrático. Buenos Aires, Amorrotu. v. 2, p. 33. Assim, este mínimo de risco aparece como fator de possível autonomia e jogo de poder no interior do corpo burocrático. (Neste sentido, mesmo os operários dessas grandes organizações poderiam servir-se dela para fazer valer seus interesses.) Processa-se, entretanto, um círculo vicioso, no qual cada uma destas situações de incerteza intensifica a impessoalidade e a centralização.

Segundo o autor, o esquema interpretativo utilizado não se funda nas relações passivas dos agentes, mas em suas reações ativas de busca de poder. Conclui que mesmo que este comportamento burocrático seja ritualista, constitui "um excelente meio de manter nas sociedades modernas certos valores individualistas de um mundo pré-industrial",28 28 Id. ibid. p. 100. o que para o autor parece ser dar sentido ao trabalho, participando de uma obra comum.

Quanto à rigidez da burocracia, diz ser uma forma eficaz de proteger o indivíduo, no sentido de que: "Em uma sociedade e em um momento dado, em que os indivíduos se encontram muito vulneráveis, será necessário, para assegurar-lhes proteção, recorrer a círculos viciosos burocráticos, Donde se pode deduzir que a rigidez tende e tenderá cada vez mais a atenuar-se nas sociedades mais industrializadas, pois os indivíduos estão, nelas, cada vez menos vulneráveis às conseqüências dos conflitos e aos riscos de fracasso por moverem-se em um regime social muito mais ágil e muito mais complexo".29 29 Id. ibid. p. 100.

Em termos comparativos com Weber, apresenta-se como "mais realista que o rei". Retrocede em termos de apreensão da realidade, com a imagem traçada da burocracia como forma de poder moderno positiva para todos, desde que solucionadas as suas disfunções. Em Weber, o fenômeno é mais complexo, tanto assim que dá margem à discussão no sentido de a burocracia ser dominação ou instrumento.

"Em princípio, Max Weber descreveu a burocracia como uma instituição racional e eficaz para o alcance de determinadas metas, que trabalha a favor daqueles que tenham fixado as metas. Mas, por outro lado, assinalou em repetidas ocasiões que a burocracia se anexa cada vez mais às esferas da vida social, independente do dono que tenha. Sua conclusão foi que ainda que a organização burocrática coloque nas mãos de quem dela disponha o poder técnico mais desenvolvido, isto não quer dizer nada sobre o efeito que pode ter a burocracia enquanto tal em suas concepções dentro do quadro social em que opere. Neste sentido utilizou-se da expressão servidor dominante."30 30 Jacoby, H. op. cit. p. 237.

Estão presentes na teoria do fenômeno burocrático de Crozier componentes da chamada filosofia da produtividade, tais como: idéia de co-participação de todos pela distribuição de poder; crítica à impessoalidade (em Weber), no sentido de que se deve estimular os agentes da organização a serem ativos, para que a organização tenha vida; influência nas decisões de poder e detenção de certa autonomia de baixo para cima, devido às incertezas; atuações essas que permitem um tipo de "democracia possível". Esses aspectos tornam o autor um representante eloqüente da ideologia neocapitalista.

3. BUROCRACIA, IDEOLOGIA NEOCAPITALISTA E CLASSE SOCIAL

Trata-se de desmistificar, neste item, a autonomia da burocracia, tal como pretendida em graus diversos pelos teóricos antes examinados. Decorre que esta pretensa "autonomia", na forma colocada, é um dos traços mesmos da ideologia neocapitalista. Neste sentido, realizamos preliminarmente a análise crítica dos aspectos mais importantes da "nova" ideologia burguesa, e, em seguida, ainda que de forma incipiente, caberá discutir e questionar sobre a posição real da burocracia no conjunto das relações sociais básicas.

3.1 Uma primeira premissa crítica básica: colocação de classe social

As teorias sociedade gerencial, tecnoestrutura e burocracia livre de suas disfunções utilizam-se de categorias que, antes de explicar a realidade, a encobrem.

A existência de uma burocracia especializada é uma realidade e o aumento crescente de sua influência na sociedade contemporânea é um fato. É preciso averiguar o que significa este poder e delimitar o seu âmbito decisório. A colocação de que este poder é "neutro", "apolítico", porque fundado no conhecimento, traz implícita a possibilidade de uma posição histórica autônoma, situação essa que precisa ser revista e reelaborada em termos de sua posição no conjunto das relações sociais básicas.

A burocracia weberiana explica uma faceta do sistema capitalista, mas não abrange todo o sistema. Como objeto da teoria gerencial, não é classe social, nem sujeito da história, tal como a pretende inadequadamente Burnham. Há que colocá-la mais como uma categoria social, conforme veremos adiante, e com tal não possui sustentação para uma posição histórica autônoma, que é a condição de classe social. Enquanto categorias teóricas de Galbraith e Crozier, apresentam um grau de autonomia também irreal, "socializante", e constituem expressão das mais elaboradas da ideologia burguesa pós-liberal.

A nosso ver, apesar da insuficiência da teoria de classes marxista, presente nos debates acirrados entre estruturalistas e historicistas, ainda não se encontrou outro instrumento mais eficaz de explicação da realidade social capitalista.

De momento, acatamos a posição de Stavenhagen, de que não podemos confundir uma posição ocupacional (a dos gerentes, tecnólogos) com uma posição de classe. Só podemos definir classe diante do processo de produção, isto é, relativo ao antagonismo capital-trabalho. Realmente, ao nível ocupacional, está havendo a ascensão de uma "nova classe média", se pensada em termos de estratificação em geral. Entretanto, classe social só pode ser definida numa teoria de classes, isto è, em relação aos meios de produção, e neste sentido "representam as contradições internas fundamentais do sistema e são forças que levam à transformação radical deste. A base do antagonismo, da contradição está (...) na posição diferencial das classes com respeito aos meios de produção e que permite que a mais-valia produzida por uma delas seja apropriada pela outra".31 31 Stavenhagen, R. Estratificação e estrutura de classes. In: Luckács, G. et alii. Estrutura de classes e estratificação social. Rio de Janeiro, Zahar, 1969. p. 134.

Portanto, burocratas, gerentes e tecnólogos não constituem classe social, não têm a autonomia pretendida, mas configuram uma categoria. Trata-se, de início de não identificá-los a uma classe social. Por outro lado, também é insuficiente confiná-los a uma categoria profissional, conforme a formulação de Stavenhagen (pelo menos no texto acima). Recolocá-los em seu devido papel na dinâmica das relações de classe é o problema que abordaremos adiante. Para compor uma formulação teórica, aceitamos de momento a de Poulantzas de que "por categorias sociais podemos entender, mais particularmente, conjuntos sociais como efeitos pertinentes', que podem tornar-se, como Lenine demonstrou, em forças sociais cujo traço distintivo repousa na sua relação específica e sobredeterminada com outras estruturas além das econômicas; (este) é nomeadamente o caso da burocracia, nas suas relações com o Estado".32 32 Poulantzas, N. Poder político y clases sociales en el Estado capitalista. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno. p. 98.

3.2 Crítica à ideologia da co-participação

Wright Mills é um pós-weberiano que incorporou alguns aspectos da teoria das classes sociais, no nível das relações de dominação. A interpretação que faz dessa categoria gerencial, burocrática até onde se estende seu poder decisório, pelo menos na hierarquia empresarial, alcança um certo teor explicativo. As relações de autoridade, tal como colocadas por Crozier e Galbraith, encontram aqui certa recolocação.

Segundo Mills, os white collars estão dispostos em diferentes posições na hierarquia organizacional, graduados de acordo com o seu cargo, o qual lhes confere diferentes graus de poder para tomar iniciativas, planejar e executar tanto o próprio trabalho como o dos outros, mas sempre dependentes de níveis superiores.

O interesse está em saber a que nível participam das decisões. O autor refere-se a participação em dois níveis, quais sejam: o nível de produção e o das decisões políticas da empresa. Nos escalões referentes ao processo de produção as decisões são mais autônomas, e aí encontra-se meia aproximação com a tecnoestrutura de Galbraith. Entretanto, as decisões de maior importância, as referentes aos interesses da corporação ao nível macroestrutural, são de âmbito dos escalões de cúpula. O importante está em que o processo de mobilização nos primeiros assemelha-se ao de burocratização, isto é, tempo de trabalho e eficiência, enquanto nos segundos os elementos dos escalões da cúpula são escolhidos por sua relação com a propriedade.

Sob esta interpretação, estaria definida uma posição dos gerentes e de outros membros da burocracia organizacional diante da contradição capital-trabalho. Autores como W. Mills,33 33 Mills, W. A Nova classe média. Rio de Janeiro, Zahar, 1969. P. Baran,34 34 Baran, P. A. & Sweezy, Paul M. Capitalismo monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1966. P. Sweezy35 35 Sweezy, P. Ensaios sobre o capitalismo e o socialismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. cap. 2. definem-se pró-capital. Trata-se de assalariados de alto nível servindo ao capital, e neste sentido estaria desmistificada a neutralidade do poder burocrático. A racionalidade formal serviria a um grupo social que não os próprios burocratas, dispostos numa ascensão racional até níveis decisórios extremados, Seguindo a linha de pensamento desses teóricos, poder-se-ia afirmar que, na realidade, a burocracia especializada, dotada de administração racional, constitui a forma mais bem acabada de exploração e de maximização de lucros por aqueles que detêm o capital. A separação da propriedade e o controle dos meios de produção significaram maior eficiência da ação empresarial e maior concentração do poder de propriedade, no qual várias empresas compartilham da mesma direção e poucos manobram várias corporações, utilizando-se do conhecimento fornecido por esta hierarquia gerencial.

Observa Mills que, neste estágio do capitalismo, a "propriedade não se situa tanto sobre coisas possuídas, mas no domínio da experiência e na manipulação dos que não as possuem", e que "a gerência é o ethos dos altos círculos - concentrar o poder em poucas mãos, e dar aos subordinados a impressão de que eles também participam (...), mantendo um controle rígido sobre os outros, mas não os dominar, e sim às suas experiências".36 36 Mills, W. op. cit. p. 100-1.

Esta elaboração teórica de Mills tem um mérito indiscutível no que diz respeito à crítica da ideologia da co-participação da maioria dos funcionários da empresa, traço ideológico tão caro a Crozier como a Galbraith.

Por outro lado, sua idéia da relação desigual nas hierarquias organizacionais, estendida ao nível macroestrutural, revela sua concepção de elite do poder, entendida como sendo os "altos" da organização, formada pela elite empresarial, militar e política em que "a sociedade se torna um entrelaçamento complicado de hierarquias públicas e privadas e, em sua base, setores cada vez mais numerosos são controlados e manobrados".37 37 Id. ibid. p. 97. Postura semelhante à de Mills é encontrada no texto de Duverger As Modernas tecnodemocracias. (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975), onde este relaciona burocracia com as novas oligarquias. Afirma ter Galbraith elaborado a melhor proposta dos neoliberais para explicar a estrutura ocidental e a nova oligarquia econômica. Critica-o em termos de que "minimizou o papel dos capitalistas na tecnoestrutura", pois eles continuam a ter a última palavra, e a tecnoestrutura não foi considerada a não ser dentro de cada empresa. Afirma: "as tecnoestruturas deste primeiro nível estão mais ou menos coordenadas e relacionadas com um segundo nível por uma espécie de tecnoestrutura superior constituída pelos grupos dirigentes das firmas gigantes, dos holdings, das sociedades financeiras, dos bancos comerciais, que detêm o controle da maioria das empresas importantes. Existe mesmo um terceiro nível, formado pelos principais acionistas de um conjunto de firmas gigantes, de holdings, de sociedades financeiras, de bancos comerciais associados a seus 'experts', 'conselheiros' e administradores. Esta tecnoestrutura suprema corresponde, na oligarquia do neocapitalismo, aos príncipes de sangue da antiga aristocracia".

Endossamos Mills nesta sua abordagem crítica à ideologia da co-participação na empresa; entretanto, é discutível seu conceito de elite do poder, cuja crítica mais específica será feita oportunamente. Por ora, para que haja coerência com a perspectiva deste trabalho, há que se recuperar, de certa forma, o conceito de classe social. A crítica que Sweezy faz ao autor serve-nos neste sentido. Ele se expressa nos seguintes termos, depois de ir reduzindo os três "grandes domínios", dos políticos, dos militares e das companhias, ao último: "(...) os fatos simplesmente não se ajustam à teoria de Mills, de três (ou duas) elites que se reúnem para formar uma elite geral. O que temos nos Estados Unidos é uma classe dominante, com suas raízes profundamente crivadas no 'aparelho de apropriação', que é o sistema de companhias. Para compreender esta classe dominante - sua metafísica, seus objetivos e sua moral - precisamos estudar não certos 'domínios' da vida norte-americana, definidos como forem, mas todo o sistema do capitalismo monopolista".38 38 Sweezy, P. op. cit. p. 211-2.

3.3. Uma crítica mais sistemática dos traços básicos da ideologia neocapitalista

Estas teorias referentes à ideologia neocapitalista, com seu aspecto "socializante", servem para escamotear o domínio do capital monopolista.39 39 Não se trata de uma nova ideologia, mas sim da reformulação de pressupostos da ideologia liberal burguesa que melhor legitimem os interesses do capital, na sua fase monopolista. Luis Pereira, em Capitalismo, notas teóricas. (Livr. Duas Cidades, p. 54), afirma: "a especificidade da ideologia neocapitalista, distinta da liberal, está centrada na concepção de que a história (inclusive e sobretudo a economia) precisa ser dirigida". Nesta "nova" qualificação destaca três elementos: a intervenção estatal na economia, o fortalecimento dos técnicos (agentes macro ordenadores) e o reconhecimento dos chamados direitos sociais. André Vachet, em L'Idéologie libérale (Edition Anthropos), especifica a ideologia liberal, em seu conteúdo lógico, o que nos permite inferir um posicionamento para a "nova" ideologia burguesa. Afirma que a ideologia liberal tem sua existência firmada na imbricação ou na relação orgânica entre seus três fundamentos lógicos: o naturalismo, o individualismo e o racionalismo. O racionalismo (expressão do que é artificial, de construção abstrata, de regularidades, do cálculo formal) encontra sua plenitude porque norteado por valores humanos do naturalismo (espontaneidade, emoção, posse, felicidade contra fins transcendentais) e pelo individualismo (liberdade individual sobre a estrutura coletiva). Entretanto, estes três fundamentos estariam em tensão permanente, desde que são categorias que se opõem. Tendem a levar a um impasse histórico real, e a recair em um dos três fundamentos. Inferimos nós que, na etapa capitalista monopolista, a quebra da relação orgânica destes três fundamentos é mais que evidente. Sua ênfase se dá no racionalismo, o qual, despido dos outros elementos, se centra na "razão técnica", e como conseqüência temos a importância em nossa época da técnica, da atuação burocrática e do Estado planejador como novas formas de legitimação do poder dominante. Estas teses, de uma racionalidade superior, de uma tecnologia, quer maquinária, quer organizatória neutra", falseiam a irracionalidade no que concerne à vida humana e, no dizer de Marcuse, encobrem que "o a priori tecnológico é um a priori político".40 40 Marcuse, H. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar. 1967. p. 150.

Poderíamos dizer que Weber negligencia que este "a priori tecnológico é um a priori político" ao identificar "racionalidade formal" com capitalismo, e se distancia de seu diálogo com Marx, em que este enfoca o oposto, ou seja, que a economia contemporânea é basicamente irracional, "irracionalidade que resulta de uma contradição entre o progresso tecnológico racional das forças produtivas e as cadeias da propriedade privada, do lucro privado e da anarquia da produção".41 41 Gerth, H. & Mills, W. Max Weber: ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar. 1971. p. 66.

Em nosso estudo, o que podemos buscar em Weber e em seu modelo de burocracia são as características e pressupostos teóricos que permitam classificar, de certa perspectiva, a nossa burocracia em formação, o nosso administrador em formação e o grau de "racionalidade formal" alcançado no atual estágio de desenvolvimento brasileiro, na faixa que demarcamos. Isto significa que as teorias de Weber e dos outros autores representantes mais diretos da ideologia neocapitalista são instrumentos pelos quais podemos delimitar o nível de incorporação, pelos nossos administradores, dessa ideologia burguesa pós-liberal. Subjacente, permanece o diálogo com Marx, quanto à explicação da atuação, quanto aos fins desta burocracia especializada, quanto à consciência que pode ter a mesma da nossa realidade social, e quanto ao papel histórico que vem assumindo ou pode assumir na sociedade brasileira.

Pelo fato de que estas teorias explicitam os próprios traços ideológicos passíveis de compor a visão de nosso administrador em estudo, é que discorremos sobre um mínimo de suas posturas teóricas. Por outro lado, procuramos contrapormo-nos a tais "teorias", buscando conceitos que nos auxiliem a compor uma posição em face desta ideologia e da burocracia. Posição esta que retenha, em última instância, que o capitalismo se define pelo seu sistema de propriedade, e que as contradições deste têm na ideologia um campo importante para a tomada de consciência do conflito.

Ao utilizarmos ideologia, fazemo-lo como "forma de consciência social", correspondente a uma estrutura econômica determinada,42 42 Veja, nas páginas 43-44, nota 3, citação de Marx. Também destacamos o seguinte de The German Ideology. Marx, K. & Engels, F. Moscow, Progress Publishers, 1968. p. 37): "A estrutura social e o Estado nascem continuamente do processo vital de indivíduos determinados, mas não são idênticos às representações que estes indivíduos, ou outros, deles se façam; antes são idênticos à sua existência real, pela qual agem, produzem materialmente, pela qual são ativos sem limites, pressuposições e condições materiais determinados independentemente de sua vontade (...). É evidente que (...) as representações são expressões conscientes - reais ou ilusórias - de suas ligações e atividades reais, de sua produção econômica e de sua organização social e política. " bem como no sentido gramsciano de "cimento" que une toda estrutura social e permeia as relações sociais, seja na infra-estrutura - as relações de produção, ou na superestrutura - as relações de poder, no sentido de manter o predomínio da classe dominante, como visão de mundo organizativa desta classe.43 43 O sentido de ideologia para Gramsci fica melhor esclarecido ao final desta exposição, p. 59-60. Neste sentido, podemos apreender a ideologia neocapitalista. A burocracia especializada, como expressão dessa ideologia, atua nos dois níveis: no primeiro, como componente do quadro gerencial da empresa, e principalmente no segundo, no Estado,44 44 Ficamos com a noção de Estado de Gramsci, ou seja: sociedade política + sociedade civil, e suas funções de hegemonia e coerção. Em Porttelli, H. Gramsci y el bloque histórico. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1973. cap. 1. a cujas outras funções específicas foram acrescidas a intervenção pública e o planejamento.

Esta ideologia neocapitalista apresenta-se como a expressão de uma "revolução",45 45 Queremos ressaltar afirmações de alguns autores que nos informam sobre esta "revolução". Afirma Lefèbvre (Introdução à modernidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969. p. 274) que esta revolução que monetariza e caricaturiza a revolução total é a própria revolução tecnocrata. Esclarecemos melhor. A "crise" da sociedade burguesa ou ainda do capitalismo liberal, que atinge seu apogeu nas guerras mundiais, teria por caminho levar à revolução, isto é, ao socialismo. O fascismo é uma forma encontrada pela burguesia para reter o processo. De tal forma, afirma Elias Diaz (Estado de direito e sociedade democrática. Lisboa, Iniciativas Editoras), que o saldo da "crise" em termos de Welfare State, sociedade de consumo e, concomitantemente, a atuação dos "tecnocratas" e o império da técnica, são de resíduo fascista. Daí o ethos autoritário de pós-guerra, e a predominância da personalidade autoritária (intolerante, conformista e dogmática) em detrimento da personalidade democrática. (Barbú, Z. Psicologia de la democracia y de la ditadura, Buenos Aires, Paidós), e também dos especialistas sine ira et studio, e mesmo de uma nova humanidade, o espécime "cibernantropo" de que diz Lefèbvre, imitador do autônomo, em substituição ao "antropos" (Lefèbvre, H. Contra os tecnocratas. Portugal, Moraes Ed., p. 194). O "cibernantropo" admira o autônomo, lamenta-se de suas fraquezas humanas, orienta-se pela racionalidade técnica: é "uma caricatura de autogestão". e tem elaborados traços distingüíveis em ambos os níveis estruturais, conforme vistos nas teorias comentadas, não sendo mais que uma "nova" ideologia burguesa. Os seus criadores seriam realmente aquilo que Gamsci denomina intelectuais orgânicos,46 46 Gramsci, A. Os intelectuais e a organização de cultura. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1978. Os intelectuais não têm uma ligação direta com a classe dominante, são seus funcionários na superestrutura e, em sua maior parte, se originam das classes auxiliares. O exemplo claro está em Croce, que, como afirma Gramsci, nunca pertenceu a nenhum partido, nunca teve uma atuação política direta, e no entanto pode ser considerado como o intelectual orgânico da ascensão do capitalismo italiano. ainda da própria classe burguesa. Embora expressem os interesses do grande capital, não estiveram ou estão ligados diretamente a este, mas sim a certas forças culturais, e constituem "não somente aquelas forças culturais que eram e são a expressão subalterna do grande capital, mas que se antecederam a estes interesses, e foram por isso criticados".47 47 Há que se observar o temor que o New Deal provocou em seu início como um temor ao socialismo. Afirma Trentin que A Aliança Técnica, a Tecnocracia (constituídas entre 1921 e 1929) e, num plano mais científico, a escola do Trend of Economics (1924) reúnem homens de orientações, origens e níveis tão diversos como T. Veblen, H. Scott e S. Chase, J.M. Clark, R. Tgwell, S. Slichter e Georges Soule. Entre estes homens e seus escritos existiam, porém, pontos comuns e sobretudo preocupações comuns. E é nestas que encontramos a essência das doutrinas neocapitalistas atuais, assim como a irremediável contradição que conferiu ambivalência política a todas as experiências políticas que essas doutrinas influenciaram, a começar pela política do New Deal. Trentin, B. op. cit. p. 112. Há que se pensar que "as ideologias burguesas se desenvolveram no curso de processos inicialmente combatidos pelos centros de decisão existentes, que são conservadores por natureza".48 48 Id.ibid. p. 119.

Observemos mais uma vez, e de forma mais sintética, estes traços ideológicos.

Ao nível econômico, desmoronam-se as relações de produção capitalista, desde que a posse privada dos meios de produção perdem o seu significado real, com a separação da direção e da propriedade da empresa, bem como com a qualificação gradual da mão-de-obra e sua incorporação numa espécie de "nova classe", na composição de uma empresa "cooperativista". Infunde-se à indústria um novo sentimento de responsabilidade social, que caminha paralelo à não-necessidade de lucro.

Ao nível político, as relações de poder também sofrem um abalo, em termos de ser um Estado capitalista, que representa os interesses fundamentais da classe burguesa. O desenvolvimento do Estado intervencionista, ou seja, a intervenção governamental em âmbitos diversos, como planejamento econômico, serviços de bem-estar, de instituições de defesa dos consumidores, a par da revitalização dos sindicatos em novas bases e com novas funções, cria a imagem de um Estado que reduz a importância tradicional da riqueza privada e assegura a supremacia da justiça social, e de uma "nova democracia".

Detenhamo-nos na perspectiva ideológica do nível econômico, que diz respeito a uma participação crescente dos técnicos e operários qualificados na direção da empresa, devido a:

1. Separação do controle e da propriedade da empresa.

2. Um novo tipo de empresa "esclarecida" que pode dispensar o lucro.

Esta tese da co-participação refere-se à "ideologia da integração do trabalhador na empresa, que se apega ao desenvolvimento de novos tipos de relação entre dirigentes e trabalhadores, no quadro de novos sistemas de organização e de remuneração do trabalho, ou à promoção dos trabalhadores a uma 'corresponsabilidade' na persecução de objetivos da produção da empresa capitalista, ou, finalmente, à transformação dos trabalhadores em poupadores e co-acionistas".49 49 Id. ibid. p. 108.

Em parte, já observamos criticamente este traço da ideologia da co-participação. Trata-se, na realidade, de formas de manter a alienação operaria e de aumentar a sua exploração com as novas conquistas da tecnologia. Elabora-se a chamada "filosofia da produtividade",50 50 Os antecedentes desta "filosofia da produtividade" podem ser encontrados em teóricos da chamada teoria da administração, Taylor, Fayol, mas principalmente Élton Mayo, com sua Escola das Relações Humanas. Veja-se, neste sentido, Tragtenberg, Maurício, op. cit. p. 72-89. de economizar o tempo de trabalho, de prender o operário à empresa.

Um conceito imprescindível para a compreensão deste fenômeno é o de mais-valia relativa; dada a sua importância, transcrevemos alguns excertos do próprio Marx.

"Suponhamos agora uma jornada de trabalho cuja extensão e cuja repetição em trabalho necessário e em trabalho excedente sejam dadas. As linhas a-c, ou seja a-b-c, representam, por exemplo, um dia de trabalho de 12 horas; o segmento a-b, 2 horas de trabalho excedente. Como aumentar a produção de mais-valia, isto é, como prolongar o trabalho excedente, sem prolongar a-c ou independentemente de qualquer prolongamento de a-c? (...) A extensão do trabalho excedente de b-c para b'-c', de 2 para 3 horas, é evidentemente impossível, se ao mesmo tempo não for contraído o trabalho necessário de a-b para a'-b', de 10 para 9 horas. À prolongação do trabalho excedente corresponderá a redução do trabalho necessário, ou parte do tempo de trabalho que o trabalhador até agora utilizava realmente em seu benefício transforma-se em tempo de trabalho para o capitalista. O que muda não é a duração da jornada de trabalho, mas seu modo de repartir-se em trabalho necessário e trabalho excedente (...). Com o valor desses meios de subsistência tem-se o valor de sua força de trabalho, e dado o valor de sua força de trabalho tem-se a duração diária do trabalho necessário. Obtém-se a magnitude do trabalho excedente, subtraindo-se da jornada de trabalho o tempo de trabalho necessário. (...) Dada a duração do dia de trabalho, o prolongamento do trabalho excedente tem de ser decorrência de se haver contraído o tempo do trabalho necessário, e não o contrário, essa contração ser uma decorrência do prolongamento do trabalho excedente. Em nosso exemplo, o valor da força de trabalho deve diminuir realmente (...) (de modo que) se produza em 9 horas a mesma quantidade de meios de subsistência que antes se produzia em 10. Isto, porém, é impossível sem aumentar a produtividade do trabalho (...). É mister que se transformem as condições técnicas e sociais do processo de trabalho, a fim de aumentar a força produtiva do trabalho. Só assim pode cair o valor da força de trabalho e reduzir-se a parte do dia de trabalho necessária para produzir esse valor. Chamo de mais-valia absoluta a produzida pelo prolongamento do dia de trabalho e de mais-valia relativa a decorrente da contração do tempo de trabalho necessário e da correspondente alteração na relação quantitativa entre ambas as partes componentes da jornada de trabalho (...). O valor de uma mercadoria não é determinado apenas pela quantidade de trabalho que lhe dá a última forma, mas também pela quantidade de trabalho contida em seus meios de produção (...). Poupança de trabalho por meio de desenvolvimento da produtividade do trabalho não tem como fim atingir, na produção capitalista, a redução da jornada de trabalho. Seu objetivo é apenas reduzir o tempo de trabalho requerido para produzir determinada quantidade de mercadoria. Que o trabalhador produza agora, em uma hora, 10 vezes mais mercadorias que antes, precisando de 10 vezes menos tempo de trabalho para produzir cada unidade, não impede de nenhum modo que o capitalista continue fazendo-o trabalhar 12 horas, para produzir, nessas 12 horas, 1.200 unidades, em vez das 120 anteriores. Sua jornada de trabalho pode mesmo ser simultaneamente prolongada, de modo a produzir, em 14 horas, 1.400 unidades. "51 51 Marx, Karl. O Capital. Rio de Janeiro, Civ. Bras. 1971, livro 1, v. 1. p. 359-69.

A exata dimensão do conceito acima deixa mais transparente as formulações da ideologia neocapitalista. Sob estas formulações e proposições encontram-se os meios de programar melhor, num certo período médio, os custos da produção e os custos do trabalho, no qual a previsão do salário aparece como fator básico da grande empresa.52 52 A exploração da mais-valia se intensifica com a concentração econômica. Há "transferência da mais-valia dos capitalistas menores para os maiores" e o uso crescente da tecnologia, como economia de trabalho, aumenta o exército da reserva industrial, e é retido o capital auferido pelo progresso tecnológico. Sweezy, P. op. cit. p. 306-7. Neste sentido, registra-se uma tendência a "remunerar a força de trabalho não em função de seu valor, mas sobretudo em função de sua integração na organização de produção, no interior da empresa. Tende-se, assim, a remunerar não o valor da força de trabalho mas a sua capacidade de rendimento; não o custo individual e social exigíveis para a formação da força de trabalho, mas o trabalho que esta fornece em função das necessidades cambiantes da empresa".53 53 Trentin, B. op. cit. p. 103.

Afirma Trentin que surge assim uma nova forma de remuneração, que é a dos "postos de trabalho", que implica a destruição da qualificação profissional. Em suma, a ideologia da divisão entre controle e propriedade da empresa pretende a superação do conflito entre classes pela subtração do salário às leis do mercado.

Para poder fazer operar a sua teoria do lucro, Trentin foi elaborar a teoria de uma empresa "sem capitalistas",54 54 Id.ibid. p. 115. que acaba com aqueles que "recebem lucros, e aqueles que recebem salários", colocando-os sob o mesmo título de repartição de ganhos de uma empresa cooperativista, de atuação de um corpo gerencial burocrático, que é outra faceta do mesmo fenômeno.

Examinemos criticamente este aspecto da ideologia. De início esses gerentes, burocratas que "controlam" a empresa, tendem a estar próximos aos proprietários em termos de aspirações, por respeito às instituições de propriedade e a outros valores sociais (até mesmo pela formação semelhante, ou a mesma procedência escolar). Mas isto não constitui o essencial. O rebatimento desta tese da empresa "pensante", cooperativa, que "pode dispensar o lucro", está na própria lógica econômica do mercado, ou seja, "as decisões dos administradores terão de ser justificadas em termos de mercado, assim como a falência no mercado frustrará todo tipo de ambição pessoal, e ameaçará privar os administradores de sua função administrativa".55 55 Blackburn, Robin. O Novo capitalismo. Trad. Rattner, H. p. 6. mimeogr. Observe-se também, neste sentido, Baran P. & Sweezy, Paul M. Capitalismo monopolista, cap. A Sociedade anônima gigante. Rio de Janeiro, Zahar, 1966. Ainda com referência à caracterização de empresa "moderna" e ao tipo de administração que ela comporta, Marx faz três observações em relação à sociedade por ações: 1) Uma enorme expansão da escala de produção e das empresas, que eram impossíveis para os capitais individualmente (...). 2) Capital (...) está aqui diretamente dotado da forma de capital social em contraposição ao capital privado, e suas empresas assumem a forma de empresas sociais em contraposição às empresas individuais. É a abolição do capital como propriedade privada dentro dos limites da própria produção capitalista. 3) A transformação do capitalista atual num simples gerente, administrador do capital de outras pessoas, e dos proprietários do capital em meros donos, meros capitalistas do dinheiro. Apud Sweezy, P. op. cit. p. 287-8.

Na realidade o modo de administrar "moderno", em suas determinações últimas, não difere de seus anteriores. A busca ao lucro era primordial, como o é atualmente, e a oposição produtividade-lucratividade não tem sentido. Vincula-se a colocação na nova ideologia da diferença entre as empresas geridas profissionalmente e as administradas pelo proprietário, em termos de oposição entre duas formas de distribuição de lucro. Nesta colocação confere-se às primeiras maior ênfase na distribuição dos dividendos, em atendimento ao acionista, e maior interesse demonstrado pelo bem-estar do empregado e da comunidade. Nas segundas, haveria uma opção de distribuição de dividendos menores, devido a um maior investimento na empresa e que diz respeito ao seu crescimento.

Na verdade, benefícios extra-salariais e de bem-estar para a comunidade podem ser uma necessidade do capital, ou uma forma de prender o empregado especializado à empresa. Ao mesmo tempo, há necessidade de, a longo prazo, se distribuir grande parte do lucro aos acionistas, porque de outro modo a reinversão dos lucros na companhia, aumentando o seu valor, eleva em conseqüência o valor das ações.

Enfim, "numa economia capitalista, o crescimento nunca se poderá opor como meta à acumulação do capital e à realização de lucros. (...) O administrador 'moderno' responsável terá provavelmente como meta um lucro 'razoável', ao invés de sua maximização a curto prazo. Com este procedimento, não estará ignorando as pressões do mercado, nem agindo de modo tão diferente de seus predecessores do século XIX. Os dividendos não podem ser demasiadamente baixos, pois futuramente se tornará difícil atrair compradores para as ações e o administrador 'responsável' presumivelmente desejará que exista uma ampla margem de segurança entre a sua empresa e as ameaças de uma tomada de controle ou o tribunal de insolvência".56 56 Blackburn, R. op. cit. p. 8-9.

Neste sentido, conforme Marx, são as leis do capitalismo que se impõem às determinações individuais.

"O capitalismo sujeita todos os capitalistas individuais às leis imanentes da produção capitalista como leis externas coercitivas. A competição força-o continuamente a estender seu capital a fim de mantê-lo (...). Empenhado fanaticamente em conseguir a expansão do valor, ele (o capitalista) impele inexoravelmente os seres humanos à produção pela própria produção, proporcionando o desenvolvimento da produtividade social e a criação daquelas condições materiais de produção que podem, sozinhas, constituir bases reais de um tipo superior de sociedade, cujo principal fundamento é o desenvolvimento livre e integral de cada indivíduo (...) aquilo que no avarento assume o aspecto de mania, é no capitalista o resultado do mecanismo social do qual ele é apenas a roda da direção."57 57 Marx, K. El Capital. Buenos Aires, Fondo de Cult. 1964. v. 1, seção 3, p. 499.

Em suma, mais do que nunca a humanidade poderia viver o "reino da abundância", graças aos conhecimentos tecnológicos alcançados, mas encontra-se presa às cadeias das leis do mercado capitalista. Desta forma, aqueles conhecimentos e a gerência profissional do capital resultam na forma mais adequada de acumular, e refletem de modo mais eficaz a racionalidade de mercado do que a administração anterior.

"O lucro permanece não somente o produto de uma relação de exploração e, portanto, uma contradição permanente entre capacidade de produção e capacidade de consumo, como também a medida - e, ao mesmo tempo, o limite - da eficiência capitalista, do ponto de referência necessário para a avaliação da rentabilidade. (...) (Enfim), o critério da produtividade máxima substituiria aquele da rentabilidade máxima."58 58 Trentin, B. op. cit. p. 117.

Paralelamente, esta ideologia reivindica um planejamento por parte do Estado que mantenha o equilíbrio dos vários poderes (sindicatos, partidos, etc), de forma a forçar e a assegurar estas condições de produtividade máxima, de processo de acumulação a longo prazo.

Em conclusão, esta nova ideologia burguesa, vista do ponto de vista crítico, assume e exprime a contradição básica do desenvolvimento capitalista - aquele existente entre o desenvolvimento das forças produtivas e a natureza das relações de produção. Ela procura dar uma "interpretação superficial e falsa dessa contradição e propõe uma solução que se revela, no limite, como utópica e reacionária. Entretanto, exprime também a tentativa de vastas camadas de 'intelectuais da produção', de técnicos, no sentido de adquirirem uma autonomia cultural e ideológica, bem como uma autonomia política diante do sistema" .59 59 Id. ibid. p. 119.

A posição dessa burocracia, que vimos tentando delinear, se apresenta sob a perspectiva infra-estrutural, em sua atuação nas empresas privadas e públicas, eivada da contradição básica do sistema. Contradição esta que lhe permeia o comportamento e a consciência - de busca de autonomia e de presa do sistema - que revela o seu nível de alienação.

A discussão crítica sobre a ideologia neocapitalista é imprescindível para posicionarmos nosso objeto de análise - os administradores em formação/cursos de administração - desde que, enquanto ideologia dominante, ela permeia as relações sociais, quer ao nível superestrutural ou infra-estrutural. Quanto à posição e à atuação da burocracia na superestrutura, a problemática de um planejamento por parte do Estado, que se remete à sua posição em relação ao sistema social global, ou no conjunto das classes sociais, é o que discutiremos a seguir.

4. LOCALIZAÇÃO DA BUROCRACIA NA DINÂMICA DAS CLASSES SOCIAIS

Até então, vimo-nos referindo à burocracia da empresa utilizando-nos de autores nos quais não se evidencia distinção entre burocracias. Por outro lado, autores como Poulantzas, Althusser e Gramsci deixam claro que o caráter específico da burocracia é seu pertencimento à supra-estrutura. Enfocam o estudo da burocracia e do processo de burocratização como fenômenos "políticos", que explicam por meio de determinadas categorias teóricas por eles criadas.

Sob esse prisma, os administradores em formação que vamos focalizar, que são ou serão participantes de uma burocracia, estão deslocados teoricamente. Como administradores, fazem parte da burocracia organizacional (para usar uma nomenclatura) e pertencem à infra-estrutura, ou seja, ao mundo da produção. Neste sentido, é de indagar-se: participam da burocracia? Pertencem a uma burocracia?

Em Weber, o conceito, com toda a sua caracterização, refere-se tanto à burocracia estatal como à empresarial. Pode-se concluir que são duas dimensões do mesmo fenômeno? Esta é uma questão em aberto.

Cremos válida a discussão nos termos dos autores acima, na consideração da burocracia como fenômeno político, por dois motivos:

1. Por uma pertinência direta à outra faceta de nosso objeto, os cursos de administração. Visto que, como esclarecimento teórico, estes se constituem, conforme afirmamos antes, em transmissores prováveis e possíveis criadores da ideologia neocapitalista. Quem cria e veicula teoria e ideologia nestes cursos que formam administradores são professores, coordenadores, etc. Enfim, um corpo de intelectuais. São componentes de uma categoria social, nos termos de Gramsci - "funcionários da classe dominante na superestrutura". Eis que a compreensão da escola de administração de empresas, situada que está na superestrutura, nos remete à discussão de pelo menos algumas destas formulações teóricas.

2. De forma indireta, pelos administradores situados na máquina burocrática empresarial. Ou seja, há que se pensar no possível entrelaçamento das duas dimensões burocráticas: estatal e empresarial, o qual vai desde possíveis pressões da burocracia empresarial na orientação da filosofia da universidade, da escola em geral, a formas mais amplas. Formas estas que estão na dependência da dinâmica do poder entre as classes sociais básicas. Ambas as dimensões burocráticas são expressões da ideologia dominante - burguesa pós-liberal - e sofrem as contradições específicas da mesma. Ambas podem conjuntamente participar do mesmo destino histórico, ou seja, sua possível transformação em forças sociais.

Uma vez aceitos estes motivos, indaga-se:

a) por que a "ótica marxista da luta de classes é obscurecida ou deformada em favor de uma concepção idealista de Estado, de intervenção pública e de planejamento"?

b) por que sob a ótica da luta de classes e de uma revolução socialista se instautou uma "nova" ideologia burguesa, e uma "revolução deformada", a pretensa revolução tecnocrática? Qual é o papel da burocracia no contexto global?

4.1 Burocracia ou burocracias?

Poulantzas defende a unidade da burocracia, e neste sentido critica Whight Mills, quando este classifica a burocracia como os "altos" das cúpulas organizacionais, por sua ligação com a propriedade, conforme foi referido anteriormente.

Assevera que é por uma reação crítica à teoria marxista ao nível político que surgem as teorias das elites (em diferentes níveis, Burnham, W. Mills e outros), referentes ao problema do determinismo econômico. Aqui se insere a crítica específica a W. Mills, em termos da substituição de classe dominante por elite do poder. Para Mills, classe dominante é uma expressão cheia de conotações indesejáveis.

"'Classe' é um termo econômico; 'dominante', é político. A expressão encerra, portanto, a teoria de que uma classe econômica domina politicamente. Essa explicação simplista pode não ser por vezes autêntica, mas não desejamos tê-la implícita nos termos que usamos para definir nossos problemas. Procuramos formular as teorias explicitamente, usando expressões de sentido mais preciso e unilateral. A expressão 'classe dominante', com suas conotações políticas habituais, não atribui autonomia bastante à ordem política e seus representantes, e nada diz sobre os militares. É perceptível, a esta altura, que não consideramos adequada a opinião simplista de que os homens da alta economia tomam, unilateralmente, todas as decisões de importância nacional. Sustentamos que o 'determinismo econômico', deve ser complementado pelos determinismos 'político' e 'militar'. Pois que os altos agentes de cada um desses domínios têm freqüentemente um apreciável grau de autonomia, e somente pelos processos complexos da coalizão tomam e põem em prática as decisões mais importantes. São essas as razões principais pelas quais preferimos 'elite do poder' e não 'classe dominante' como frase caracterizadora das altas rodas quando consideradas em termos de poder."60 60 Mills, W. A Elite do poder. Rio de Janeiro, Zahar. p. 328.

Poulantzas critica Mills colocando que, se ele pretendia apreender as relações da burocracia no nível especificamente político, não o conseguiu. Os "altos" das várias hierarquias constituem um centro unificador, que seria o do grupo de rendas altas e portanto "essa concepção que queria superar o chamado determinismo econômico marxista e examinar o funcionamento autônomo da burocracia parece precisamente diluir o problema em um sobredeterminismo econômico".61 61 Poulantzas, N. op. cit. p. 431.

Cremos que, se Mills não apreendeu o especificamente político da burocracia, suas reformulações teóricas não estão entretanto invalidadas para se compreender a diversificação burocrática dentro da organização empresarial. E ainda há que observar que se Mills tende a um "sobredeterminismo econômico", como o acusa Poulantzas, este, por sua vez, não consegue livrar-se de certa tendência ao voluntarismo, conforme veremos.

Estas teorias das elites, segundo Poulantzas, têm uma concepção de Estado como mero instrumento da classe dominante. Assim sendo, não lhes é possível apreender a certa autonomia que a burocracia possui em relação a esta classe. Também confundem "poder de Estado" com "aparelho de Estado", tomando este como fundamento do poder, o que, em conseqüência conferiria um poder próprio à burocracia de Estado.

Explicita Poulantzas que o específico da burocracia é sua ligação com a classe política, em termos de aparelho de Estado, e não de poder de Estado. Neste sentido, ela é a própria expressão dos interesses políticos da classe dominante ou de fração dela. A sua relativa autonomia está na dependência do lugar do Estado no conjunto de forças de uma formação social e de suas relações complexas com as classes ou frações de classes. Retomamos, em parte, esta discussão mais à frente.

Enfatizando o problema da unidade e coesão dessa categoria social que é a burocracia, argumenta Poulantzas que as teorias das "elites políticas" concebem a burocracia em termos de uma pluralidade de fontes de poder. "Acaso poder-se-á dizer que os 'altos sindicalistas', o 'alto pessoal' de todos os partidos políticos importantes, os 'altos gerentes' dos monopólios, os 'altos burocratas' do Estado - que constituem, segundo estas teorias, categorias dirigentes ao mesmo título - apresentam uma unidade política?"62 62 Id. ibid. p. 430

Por outro lado, encontramos em Lefort63 63 Lefort. C. op. cit. p. 227 e seg. posição oposta a uma só conceituação de burocracia. Chama atenção para o fato de que um só conceito nem sempre vem cobrir todos os tipos de burocracia. Neste sentido, caracteriza a burocracia do Estado, a burocracia das organizações e a burocracia do partido de massa.

Enfim, como ficamos em nossa análise dos administradores, da nossa burocracia ligada às organizações que basicamente estão vinculados a empresas privadas ou estatais, ou seja, que são "agentes" da infra-estrutura?

O próprio Poulantzas fornece uma possível indicação, através do que denomina "homologias" do burocratismo. Segundo o autor, o burocratismo ou burocratização e a burocracia são fenômenos próprios do Estado capitalista, e neste sentido diz que se coloca no nível dos clássicos (Marx, Lenine, Engels),64 64 Poulantzas, N. op. cit. p. 458. Valendo-se das colocações da burocratização feitas por Marx, Engels, Gramsci, Lenine e Weber, chegam a uma definição geral seguinte: "o burocratismo representa uma organização hierárquica, por delegação de poder, do aparelho de Estado, que tem efeitos particulares sobre o seu funcionamento. É, em regra geral, correlativo: 1) Da axiomatização do sistema jurídico em regras - leis abstratas, gerais, formais e estritamente regulamentadas, distribuindo os domínios de atividade e de competência (Engels, Weber). 2) Da concentração das funções e da centralização administrativa do aparelho (Marx, Engels, Gramsci). 3) Do caráter impessoal das funções do aparelho de Estado (Marx, Weber). 4) Do modo de retribuição dessas funções através de remunerações fixas (Marx, Weber). 5) Do modo de recrutamento dos funcionários por cooptação ou designação a partir do topo ou ainda a partir de um sistema particular de concurso (Marx, Weber). 6) Da separação entre a vida privada do funcionário e a sua função pública, a sua 'repartição' (Marx, Weber). 7) Duma ocultação sistemática do saber do aparelho, ou seja, do segredo burocrático relativamente às classes (Marx, Engels, Lenine, Weber). 8) Duma ocultação do saber no próprio interior do aparelho, guardando as suas cúpulas as chaves da ciência (Lenine)". em que "o fenômeno burocrático é um fenômeno especificamente político (...). Evidentemente que, localizado no conjunto de uma formação capitalista, ele apresenta homologias, sob o seu aspecto de burocratismo como modelo normativo ideológico de organização, com organização nos diversos setores dessa formação: empresas - organização de trabalho, domínio cultural - 'burocratização da cultura', etc. (...) Essas homologias são devidas, nesse caso, à dominância dum modelo ideológico sobre o conjunto".65 65 Poulantzas, N. op. cit. p. 450-6.

Portanto, para Poulantzas, é o burocratismo que "atribui à burocracia, no funcionamento do aparelho de Estado, o seu caráter de unidade, e assim a constitui como categoria específica: é ele, fusão da ideologia dominante e das estruturas do Estado capitalista, que permite à burocracia, a despeito das divergências de pertencimento de classe das suas diversas camadas, funcionar como categoria social"66 66 ld. ibid. p. 459.

Enfim, como possível saída teórica, ficamos com a explicação de que, a partir da "dominância do modelo ideológico sobre o conjunto", a burocratização se estende às organizações de toda a sociedade. Há entretanto que se ressalvar do autor que não se verifica, de nossa perspectiva, distinção entre duas regiões na superestrutura: uma ideológica e outra jurídico-política, mas sim a existência de apenas uma, distinguindo-se aí as dimensões ideológicas e jurídico-política.67 67 Veja Pereira, L. op. cit. p. 40.

Refletindo sobre burocracia e ideologia, há que se pensar que a ideologia dominante é "vivenciada" e propagada de forma intensa através da burocracia (na sua atuação nos vários aparelhos, e em outras esferas), e a burocracia só existe a partir da incorporação dessa ideologia.

Cabe ainda enfocar como se realiza a relação orgânica entre burocracia e as classes sociais, ou de que forma ela surge como expressão máxima dessa ideologia dominante.

4.2 Burocracia e classes sociais

Numa primeira aproximação crítica do fenômeno burocrático, colocando a relação burocracia e classes sociais, recorremos a Stavenhagen para definir uma teoria das classes sociais. A seu ver, a burocracia referida em termos da ascendência de novas camadas médias confinava-se à categoria profissional, o que é insuficiente na presente discussão, qual seja, a busca da vinculação orgânica entre burocracia e classes sociais.

Por outro lado, as formulações teóricas de Poulantzas a esse respeito também são insuficientes para o que objetivamos. Retomemos a sua definição de categoria social, que é dada "como conjuntos com 'efeitos pertinentes', que podem tornar-se, conforme Lenine, em forças sociais cujo traço distintivo repousa na sua relação específica e sobredeterminada com outras estruturas além das econômicas; este é nomeadamente o caso da burocracia, nas suas relações com o Estado, e dos intelectuais nas suas relações com o ideológico."

Firma o autor que, como categoria, a questão da burocracia não tem lugar específico nas relações (quer como classe, quer como fração de classe) que definem as classes ao nível das relações de produção. Estamos acordes quanto à afirmação de não haver "um impacto direto no engendramento da burocracia por fatores econômicos". Mas há que existir, da nossa perspectiva, um tipo de vínculo indireto entre sua formação e as relações de produção.

Por sua origem de classe não é possível compreendê-la, desde que o autor esclarece que a burocracia enquanto categoria específica tem ela própria pertencimento de classe, mas que o seu funcionamento particular não depende deste pertencimento de classe, antes do funcionamento concreto do Estado e da posição deste no conjunto das relações complexas de classes e de frações de classes, referidas em última análise à fração hegemônica.68 68 Cremos que a variável "origem de classe" não deve ser totalmente descartada. Há, sim, que se reter a mesma como mais uma variável que, embora não-determinante, no conjunto é explicativa.

O que parece ser a sua indicação mais próxima dessa relação está explícito no conceito de efeitos pertinentes.

"Pode-se dizer que esta presença (a de classe social) existe quando a relação com as relações de produção, o lugar no processo de produção se reflete sobre os outros níveis pelos efeitos pertinentes. Estes 'efeitos pertinentes', aliás, podem ser localizados tanto nas estruturas políticas e ideológicas, quanto nas relações sociais, políticas e ideológicas de classe. Designar-se-á por 'efeitos pertinentes' o fato de que o reflexo do lugar no processo de produção sobre os outros níveis constituirá um elemento novo, que não pode ser inserido no quadro típico que estes níveis apresentariam sem este elemento. Assim, este elemento transforma os limites dos níveis (de estruturas ou de luta de classe) nos quais ele se reflete pelos efeitos pertinentes, e não pode ser inserido numa simples variação destes limites."69 69 Poulantzas, N. op. cit. p. 90.

A compreensão deste conceito nos remete a problemática maior da teoria do autor, que é a separação entre o domínio das estruturas e o domínio das práticas. O conceito dos efeitos pertinentes diz respeito aos reflexos "inovadores" e a um domínio de um sobre o outro, mas não permite maiores esclarecimentos para o que objetivamos. Está preso à limitação teórica mais ampla, limitação esta referente à separação entre práticas e estruturas, em que as classes sociais e a luta de classes ficam alijadas das estruturas, para se situarem nas práticas. A burocracia, como categoria social que tem seu relacionamento específico com a classe dominante, em termos de seu aparato de Estado, também está restrita ao domínio das práticas.

"O problema é muito importante: as classes expressam sempre práticas de classe e estas práticas não são estruturas: a prática política não é a superestrutura do Estado, nem a prática econômica as relações de produção. E ainda mais exatamente, a classe social é um conceito que indica os efeitos do conjunto das estruturas, da matriz de um modo de produção ou de uma formação social sobre os agentes que constituem os seus apoios: esse conceito indica, pois, os efeitos da estrutura global no domínio das relações sociais. Neste sentido, se a classe é um conceito, não designa uma realidade que possa ser situada nas estruturas. Designa o efeito de um conjunto de estruturas dadas, conjunto que determina as relações sociais como relações de classe. O que quer dizer que a classe social não pode ser vista teoricamente como uma estrutura regional ou parcial da estrutura, a título, por exemplo, de que as relações de produção, o Estado ou a ideologia constituem efetivamente suas estruturas regionais. E isto não porque o efeito das estruturas - a classe - não possa constituir uma estrutura, ou porque a classe é o "concreto empírico" - o grupo - enquanto as estruturas são seu conceito: mas porque entre o conceito de classe, que expressa relações sociais, e os conceitos que expressam estruturas não existe homogeneidade teórica."70 70 Id. ibid. p. 75-6.

Em outro texto, em que trata de classes sociais,71 71 Poulantzas, N. As classes sociais. Estudos Cebrap 3, São Paulo, Ed: Cebrap, jan. 1973. há um certo avanço, entretanto, também com restrições. Ao definir nas relações de classes a posição dos "técnicos", assalariados portadores de conhecimento, "trabalhadores não-produtivos", ressalta que somente os critérios econômicos não são suficientes para definir uma posição de classe.

Critica a posição de Marx como ambígua para classificá-los, denominando-os "aristocracia operária" - "(...) a ciência tenderia a fazer parte das forças produtivas, e os técnicos deveriam por via indireta do trabalhador coletivo ser considerados como fazendo parte da classe operária" (Fundamento da crítica da economia política) - ou como não fazendo parte da classe operária.

(...) ciência não é uma força produtiva: sua aplicação tão-somente entra no processo de produção. Estas aplicações ademais não contribuem senão para o aumento e a realização da mais-valia e não para a sua produção direta" (O Capital).72 72 Poulantzas, N. As classes... cit. p. 11-2.

O autor opta pela segunda posição, em que afirma não serem produtores de mais-valia diretamente, mas auxiliares na retenção do sobretrabalho.

Em termos de sua adscrição de classe afirma também que o critério econômico não é suficiente, fazendo-se necessários critérios políticos e ideológicos, ou seja, pertencer ou não à "aristocracia operária" depende da efetiva prática política, depende da sua consciência de classe. Neste sentido indaga: "qual é sua consciência de classe e qual é sua posição política concreta no seio da empresa? Com efeito, do ponto de vista da divisão do trabalho, esse grupo tem, em geral, uma posição ambígua, porque duplicada: contribuindo cada vez mais para a produção da mais-valia, esse grupo está, ao mesmo tempo, revestido de uma 'autoridade' especial na vigilância do processo de trabalho".73 73 Poulantzas, N. As classes... cit. p. 17.

Em suma, há um avanço teórico, desde que as categorias possuem adscrição de classe (aristocracia operária é uma camada especial, mas é uma camada especial da classe operária, ou pequena burguesia, uma fração da classe burguesa). Afirma que "os 'intelectuais' ou 'burocracia' são (...) categorias sociais particulares, mas têm uma adscrição de classe burguesa ou pequeno-burguesa".74 74 Poulantzas, N. As classes... cit. p. 23.

Entretanto, a ênfase dada pelo autor à necessidade de critérios ideológicos e políticos para definir pertencimento de classe revela sua tendência voluntarista. E, neste sentido, encontra críticas pertinentes como a de que "A identidade proposta pela categoria social é, em si mesma, ideológica; são outros critérios que devem explicar sua divisão interna (pela adscrição de classe). Não obstante, Poulantzas privilegia o ideológico (ideologia de Estado) para conceituar a categoria social, e o mesmo critério para distinguir distintas adscrições de classes. Enfim, se podemos nos contentar com uma conceituação apenas teórica de categoria, o problema da adscrição de classe é eminentemente concreto, supõe a análise do processo histórico."75 75 Fernandes, Heloisa. Política e segurança. São Paulo, Alfa-Omega, 1974. p. 23.

Observe-se também Fernando Henrique Cardoso, colocando como é falso o problema da separação, ou autonomia, ou autonomia relativa do econômico em face do político, e que o autor (Poulantzas), na tentativa de eliminar o "economicismo" e o "historicismo", tende ao "ideologismo" e ao "politicismo", afirmando que "A classe não é um atributo que se define por critérios, por mais sutis que eles sejam, ainda que incorporem 'dimensões' políticas e ideológicas (...); é preciso compreender as classes por seu lugar na divisão social do trabalho. Esta resulta, por sua vez, do processo social de produção que, nas sociedades capitalistas (utilizando-se da frase de Poulantzas), 'significa, ao mesmo tempo e num mesmo movimento, divisão em classes, exploração e luta de classes'."76 76 Cardoso. F. H. Althusserianismo ou marxismo. A propósito do conceito de classes em Poulantzas, comentários em Estudos Cebrap 3, São Paulo, 1973. p. 84.

Dentro dos limites teóricos descritos, Poulantzas marca relativa autonomia da burocracia, decorrente da relativa autonomia do Estado, de forma a agir, por vezes, aparentemente contra os interesses da classe dominante, mas, na realidade sem atingir o seu poder político. Lefort também ressalta esta relativa autonomia da burocracia (para ele a do Estado, desde que aborda "várias burocracias"), em sua relação com a classe dominante. Afirma: "A burocracia está 'normalmente' a serviço da classe dominante, posto que a administração dos assuntos públicos no marco de um dado regime supõe sempre a preservação de seu estatuto, sua manutenção, mas como ela mesma não é uma simples seção dessa classe, pode operar contra alguns de seus interesses, pelo pouco que um equilíbrio das forças sociais lhe permita, e adquirir portanto uma autonomia relativa. A configuração das relações sociais dita-lhe sempre os limites de seu poder. É, em uma palavra, um corpo especial na sociedade. Especial porque o que caracteriza a sua função é a manutenção da estrutura estabelecida".77 77 Lefort, C. op. cit. p. 228.

Não nos apresenta também este autor um esquema explicativo claro de como se realiza essa ligação, embora destaque que o "que caracteriza sua função seja a manutenção da estrutura estabelecida".

Uma dimensão explicativa, que da perspectiva deste trabalho possibilitaria empreender a vinculação orgânica entre burocracia e classes sociais, está nas formulações de Gramsci. É preciso transfigurar a burocracia em intelectuais,78 78 Gramsci. op. cit. p. 7. Os intelectuais em Gramsci não têm a concepção vulgar do intelectual; a sua noção ampliada não está limitada ao conceito do "grande intelectual". "Quais são os limites 'máximos' da acepção de 'intectual'? É possível encontrar um critério unitário para caracterizar igualmente todas as diversas e variadas atividades intelectuais e para distingui-las, ao mesmo tempo e de modo essencial, das dos outros agrupamentos sociais? O erro metodológico mais difundido, ao que me parece, consiste em se ter buscado este critério de distinção no que é intrínseco às atividades intelectuais, ao invés de buscá-lo no conjunto de relações no qual estas atividades estão inseridas (e portanto, os grupos que se personificam) (...) Todos os homens são intelectuais. Poder-se-ia dizer: mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais. Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais, na realidade, faz-se referência tão-somente à função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se em consideração a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional específica. Se é na elaboração intelectual, ou no esforço muscular-nervoso. Isto significa que, em se falando de intelectuais, é impossível falar de não-intelectuais, porque não existem não-intelectuais. Mas a própria relação entre o esforço de elaboração intelecto-cerebral e o esforço muscular-nervoso não é sempre igual. Por isso, existem graus diversos de atividade específica intelectual e não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Concluindo: todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, artista, homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção de mundo, para promover novas maneiras de pensar". tal como os entende o autor. Os intelectuais distinguem-se como agentes sociais da superestrutura, em sua função de organizar a dominação de uma classe.

Não se constituem em um grupo autônomo,79 79 A colocação de autonomia dos intelectuais está presente na proposição mannheimiana da "síntese das perspectivas" e que constitui o oposto da formulação de Gramsci. Mannheim, K. Ideologia y utopia. Madrid. Aguillar, 1958. embora possuam certa autonomia em relação à classe que representam. Estão mais vinculados a classes sociais específicas no mundo da produção. As categorias de intelectuais mais importantes e as mais complexas constituem-se a partir das classes fundamentais ao nível econômico.

"Cada grupo social, ao nascer no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria conjunta e organicamente uma ou mais categorias de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não somente no campo econômico, como também no social e no político."80 80 Gramsci. op. cit. p. 3. "Os empresários - se não todos, pelo menos uma elite deles - devem possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo o seu complexo organismo de serviços, inclusive o estatal, em vista da necessidade de criar as condições mais favoráveis à expansão da própria classe; ou, pelo menos, devem possuir a capacidade de escolher os 'prepostos' (empregados especializados) a quem confiar esta atividade organizativa nas relações gerais exteriores à fábrica. Pode-se observar que os intelectuais 'orgânicos' que cada nova classe cria consigo e elabora em seu desenvolvimento progressivo são, no mais das vezes, 'especializações' de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social novo que a nova classe deu à luz"81 81 Id. ibid. p.4. "Formam-se assim, historicamente, certas categorias especializadas para o exercício da função intelectual, em conexão com todos os grupos sociais, mas em especial com os mais importantes, e sofrem elaborações mais extensas e complexas em conexão com o grupo social dominante."82 82 Id. ibid. p. 8-9. Em termos gramscianos, eles são os "funcionários da superestrutura", ou seja, "os intelectuais são os 'comissários' do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia e do governo político".83 83 Id. ibid. p. 11.

Enfim, constituem-se em uma categoria social, como já dissemos, e possuem uma autonomia relativa com referência ao grupo dominante a que estão vinculados; em parte por sua origem social, já que em sua maioria são das classes auxiliares (portanto com "certa" autonomia estrutural), e basicamente porque como "funcionários" da superestrutura não são meros agentes passivos da classe que representam, assim como a superestrutura não é mero reflexo da infra-estrutura. Sua relação com o mundo de produção é "mediatizada", como veremos.

Eles se distinguem por serem os que elaboram, difundem e veiculam a ideologia que permite a manutenção da estrutura, e desta forma realizam o vínculo entre infra-estrutura e superestrutura, a serviço da classe que representam e com a qual mantêm uma vinculação social íntima.

Para melhor esclarecer, remetemo-nos primeiro à sua noção de "bloco histórico": "a estrutura e a superestrutura formam um 'bloco histórico', isto é, o conjunto complexo, contraditório e discordante das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção (...). O raciocínio se baseia na necessária reciprocidade entre estrutura e superestrutura (reciprocidade que é precisamente o processo dialético real)".84 84 Gramsci, A. El Materialismo histórico y la filosofía de Benedetto Croce. Buenos Aires, Nueva Visión, 1973, p. 46-7. Por outro lado, "a relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como é o caso nos grupos sociais fundamentais, mas é 'mediatizada', em diversos graus, por todo o contexto social e pelo conjunto da superestrutura, do qual os intelectuais são precisamente os 'funcionários'. Poder-se-ia mediar a 'organicidade' dos diversos estratos intelectuais, sua mais ou menos estreita conexão com um grupo fundamental, fixando-se uma graduação das funções e das superestruturas de baixo para cima (da base estrutural para cima)".85 85 Gramsci, A. Os Intelectuais... cit. p. 10.

Ao nível político deste bloco histórico, isto é, em sua superestrutura, destacam-se os conceitos da sociedade civil e da sociedade política, ou seja, a sua noção de Estado ampliado desdobra-se em SC e SP. A sociedade política aparece como o Estado no sentido estrito, o que exerce o monopólio da coerção, e a sociedade civil, como o exercício da hegemonia.

"Por enquanto pode-se fixar dois grande 'planos' superestruturais: o denominado 'sociedade civil' (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de 'privados') e o da 'sociedade política ou Estado', aos quais correspondem a função de 'hegemonia' que o grupo dominante exerce em toda sociedade e aquela de 'domínio direto' ou de comando, que se expressa precipuamente no Estado e no governo 'jurídico'. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os 'comissários' do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político: 1) no consenso 'espontâneo' dado pelas grandes massas da população a orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce 'historicamente' do prestígio (e, portanto, da confiança) que o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) no aparato da coerção estatal que assegura 'legalmente' a disciplina dos grupos que não 'consentem' nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo."86 86 Gramsci, A. Os Intelectuais... cit. p. 10-11.

É dado destaque pelo autor ao nível da sociedade civil. É neste nível que se elabora e se funde a ideologia dominante e que se configura como um "modo de vida", como a "cultura", pois esta ideologia se manifesta desde a sua concepção mais elaborada, que é a filosófica, transpondo-se no senso comum, na religião, etc. Gramsci enfatiza a hegemonia ou direção cultural, ou seja, a atuação da sociedade civil, desde que é esta que permite uma explicação do domínio da classe fundamental, sem ser pelo mecanismo fatalista do economicismo. O aparato essencial da hegemonia da classe dominante está no monopólio intelectual.

Para este fim, deve-se criar um bloco ideológico, desenvolvendo uma verdadeira "política" em relação aos intelectuais de outras camadas, de forma a atraí-los, torná-los subordinados. Neste bloco ideológico é fundamental a atuação dos intelectuais orgânicos, que são os intelectuais-chave da hegemonia, que devem ser os criadores mais diretamente responsáveis pela elaboração de uma concepção filosófica geral (ideologia) e também pela formulação de um programa escolar. Mediante este esquema, a classe fundamental age hegemonicamente em relação às classes auxiliares e às classes subalternas.

A ideologia, aqui, tem por pedra angular uma filosofia que é transmitida a várias camadas sociais, em termos de senso comum, folclore, etc, no sentido de manter a estrutura social. Ela aparece, por vezes, com o sentido de "cimento" que mantém a coesão do corpo social. Cremos que o conceito de ideologia do autor extravasa a interpretação que lhe confere Poulantzas como sendo a de "ocultar as contradições reais, reconstruir, no plano imaginário, um discurso relativamente coerente que sirva de horizonte ao 'vivido' dos agentes, dando forma às suas representações segundo as relações reais e inserindo-as na unidade das relações de uma formação."87 87 Poulantzas, N. Poder político... cit. p. 265.

Na realidade, esta "ideologia historicamente orgânica", nos termos de Gramsci, é criada, veiculada pelos denominados intelectuais orgânicos, e transforma-se em instrumento que torna possível àqueles exercerem a função de dirigir e de organizar subalternamente a sociedade, de manipular as massas segundo uma concepção de mundo da classe fundamental, com todas as contradições implícitas da mesma.

Em síntese, o conceito de hegemonia, tal como aparece em Gramsci, é o que melhor explicita a vinculação entre intelectuais (burocracia) e classes sociais, especificamente com a classe dominante. É o exercício da função de hegemonia, em especial (bem como da função coercitiva), que torna os intelectuais "funcionários da classe dominante na superestrutura", ou seja, que permite o domínio político dessa classe dominante. Há que se reter que esta hegemonia refere-se exatamente à "direção ideológica" da sociedade. Daí se poder apreender a ligação intrínseca entre ideologia e intelectuais (burocracia), em que aquela existe na medida em que é criada, veiculada a outras camadas, por estes intelectuais. E estes (os intelectuais) persistem enquanto exercerem estas funções supra-estruturais, principalmente a de hegemonia.

5. CONCLUSÃO

A definição teórica do objeto de estudo em questão é complexa e defronta-se com vazios da própria teoria sociológica. A definição da burocracia "em específico" serve-nos em parte. Define-se como categoria social, e está referida, ao nível superestrutural, pelo que vimos, por Poulantzas e por Gramsci. Para aquele, a burocracia tem sua especificidade no fato de servir como "aparelho" de Estado da classe dominante. Para este, os burocratas, se transfigurados em intelectuais no sentido que o autor lhe confere, exercem funções de Estado - hegemônicas ou coercitivas - na defesa dos interesses da classe ou fração de classe hegemônica, como "funcionários da classe dominante na superestrutura", realizando o vínculo orgânico entre infra e supra-estrutura. Enquanto componente desta categoria social possuem certa autonomia, devido a pertencimentos de classes distintas, mas sobretudo por não possuírem uma ligação mecânica com a classe que representam, assim como a superestrutura não é simples reflexo da infra-estrutura. Há que enfatizar, aí, o conceito de hegemonia. Este permite o domínio da classe fundamental, sem ser pelo relacionamento imediato com o econômico, mas no sentido de os intelectuais serem seus "funcionários na superestrutura", ou seja, seus representantes e defensores de interesses de classe, com função de "direção ideológica". Isto nos permite situar uma face do nosso objeto de estudo: os cursos de administração na escola de administração de empresas como organismos pertinentes a esta "direção ideológica", a esta hegemonia. Serve-nos também para compreender o processo de burocratização em geral na sociedade brasileira.

Por outro lado, os administradores, como componentes ou futuros componentes da burocracia empresarial, só podem ser pensados neste nível marginalmente, em seus possíveis entrelaçamentos com as burocracias estatais, de participação do mesmo destino histórico. Enquanto administradores propriamente ditos se constituem em agentes da infra-estrutura, atuando nas empresas privadas e públicas, e assim sendo, são definidos por suas relações com o processo de produção. Aí também, embora os possamos colocar como "assalariados de alto nível" (Sweezy, Stavenhagen, Trentin e outros), fica-se com a questão de se "assalariado produtivo" ou "assalariado não-produtivo", "trabalhador não-direto". As obras de Marx também não são claras quanto a esse aspecto. Nos Fundamentos da crítica à economia política, e também no capítulo 4 (inédito) de O Capital, a idéia do trabalhador coletivo88 88 Marx, K. El Capital. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1974. p. 79. Livro 1, cap. 4 (inédito). nos leva a enquadrá-los como "trabalhador produtivo"; em O Capital propriamente dito, colocamo-lo como "não-produtivo". É uma questão em aberto.

Quanto a um conceito de burocracia, referido a situações distintas, como ficam situados os administradores entre estas duas concepções, enquanto componentes de uma burocracia (conceito supra-estrutural) e atuando na infra-estrutura? De momento, também acatamos Poulantzas, ainda que com as ressalvas colocadas, com sua explicação das "homologias do fenômeno de burocratização". Por esta via, estes administradores, constituindo uma burocracia de organização, participam da classificação burocracia pelas "homologias" do burocratismo, ou seja, pela extensão da ideologia dominante em toda sociedade, com seus traços, dentre os quais está um modelo de organização que é o da burocratização. Esta é outra questão em aberto.

Essa ideologia dominante é exatamente a ideologia neocapitalista, de que nossos administradores são incorporadores, e sobre cujos traços mais específicos procuramos discutir, em termos de poder colocar tais administradores (técnicos, engenheiros, etc) no conjunto de relações de classes como portadores da função do capital, ou como sendo por seu intermédio, do corpo gerencial, que se extrai de forma mais eficaz a mais-valia, mas especificamente a mais-valia relativa, dadas as condições tecnológicas.

Cremos que a forma de vinculação histórica desse nível de burocracia (na infra-estrutura) e da burocracia de Estado vai depender da intensidade da ideologia dominante e da situação concreta de cada formação social específica, e há que apreender, em cada uma dessas situações históricas, as contradições que caracterizam a posição desses administradores.

Em síntese, no capítulo 2, em que objetivamos compreender o processo de burocratização global na sociedade brasileira, e no 3, na apreensão teórica da formação do administrador, o conceito de burocracia aparece mais amiudamente no seu sentido específico - superestrutural. Nos capítulos seguintes, em que lidamos mais com a ideologia do administrador em si, aparece mais no sentido estrito, de burocracia empresarial.

Quanto ao uso da ideologia neocapitalista, empregamo-la em todo o texto não como uma "nova" ideologia, mas como a ideologia burguesa, adaptada à etapa monopolista do capital, cujas especificidades nos referimos. Primordialmente pelo predomínio da "razão técnica" - na empresa; técnica maquinaria, corpo gerencial ou técnica organizatória; e no Estado, ênfase no planejamento, ou seja, uso de técnicas sociais várias. É um tipo de "racionalidade" criada por um tipo de intelectual específico, basicamente o que Gramsci denomina de intelectual "orgânico" e legitimadora do domínio do capitalismo monopolista.

  • 2 Veja Martins, Carlos E. Tecnocracia e capitalismo. São Paulo, Ed. CEBRAP, Brasiliense, 1974. Observe também a crítica a este texto de Luis Alfredo Galvão, em Sociologia imaginária ou imaginação sociológica? (Debate e Crítica, São Paulo, (4) nov. 1974).
  • 3 Marx, Karl. Contribución a la crítica de la economia política. Prefácio, p. 37-8. (Comunicación, série B, n. 5).
  • 4 Sweezy, Paul M. Teoria do desenvolvimento capitalista. Rio de Janeiro, Zahar, 1973.
  • 5 Lenine. O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Obras escolhidas. Buenos Aires, Editorial Problemas, 1964. t. 2, p. 433-5.
  • 7 Formulações teóricas de Poulantzas, N. Poder político y clases sociales en el Estado capitalista. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1972; Althusser, L. Idéologie et appareils idéologiques d'Etat. La Pensée, juin 1970;
  • Gramsci, A. Os Intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1978.
  • 8 Lefort, C. Que es la burocracia. Ruedo Ibérico, 1970.
  • 9 Weber, Max. Economia y sociedad. México, Fondo de Cultura Económica, 1964. v. 2, p. 716-23.
  • 11 Tragtemberg, M. Burocracia e ideologia. São Paulo, Ática, 1974. p. 116.
  • 12 Weber, Max. Parlamentarismo e Governo numa Alemanha reconstruída. São Paulo, Abril, 1974. (Coleção Pensadores).
  • 13 Jacoby, Henry. La burocratización del mundo. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1972. p. 223.
  • 14 Weber, M. Economia y sociedad, t. 1. p. 128. Apud Freund, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro, Forense, 1970.
  • 15 Weber, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1964. p. 67.
  • 16 Burnham, James. The Managerial revolution. 2 ed. Bloomington, Indiana University Press, 1960. p. 63.
  • 21 Destacamos Galbraith. Entretanto, outros autores são também representativos desta linha pós-weberiana, em graus distintos de transferência do enfoque das relações de classe para as relações de autoridade (em diferentes níveis). Por exemplo: Dahrendorf, R. Las clases sociales y su conflito en la sociedad industrial. Madrid, Ediciones Rialph, 1962; Aron, R. Novos temas da sociologia contemporânea, a luta de classes. Lisboa, Ed. Presença, 1964.
  • 23 Galbraith, J.K. O Novo Estado industrial. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1969. p. 81.
  • 27 Crozier, Michel. El Fenómeno burocrático. Buenos Aires, Amorrotu. v. 2, p. 33.
  • 32 Poulantzas, N. Poder político y clases sociales en el Estado capitalista. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno. p. 98.
  • 33 Mills, W. A Nova classe média. Rio de Janeiro, Zahar, 1969.
  • 34 Baran, P. A. & Sweezy, Paul M. Capitalismo monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1966.
  • 35 Sweezy, P. Ensaios sobre o capitalismo e o socialismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. cap. 2.
  • 40 Marcuse, H. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar. 1967. p. 150.
  • 41 Gerth, H. & Mills, W. Max Weber: ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar. 1971. p. 66.
  • 45 Queremos ressaltar afirmações de alguns autores que nos informam sobre esta "revolução". Afirma Lefèbvre (Introdução à modernidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969. p. 274) que esta revolução que monetariza e caricaturiza a revolução total é a própria revolução tecnocrata. Esclarecemos melhor. A "crise" da sociedade burguesa ou ainda do capitalismo liberal, que atinge seu apogeu nas guerras mundiais, teria por caminho levar à revolução, isto é, ao socialismo. O fascismo é uma forma encontrada pela burguesia para reter o processo. De tal forma, afirma Elias Diaz (Estado de direito e sociedade democrática. Lisboa, Iniciativas Editoras),
  • que o saldo da "crise" em termos de Welfare State, sociedade de consumo e, concomitantemente, a atuação dos "tecnocratas" e o império da técnica, são de resíduo fascista. Daí o ethos autoritário de pós-guerra, e a predominância da personalidade autoritária (intolerante, conformista e dogmática) em detrimento da personalidade democrática. (Barbú, Z. Psicologia de la democracia y de la ditadura, Buenos Aires, Paidós),
  • e também dos especialistas sine ira et studio, e mesmo de uma nova humanidade, o espécime "cibernantropo" de que diz Lefèbvre, imitador do autônomo, em substituição ao "antropos" (Lefèbvre, H. Contra os tecnocratas. Portugal, Moraes Ed., p. 194).
  • 46 Gramsci, A. Os intelectuais e a organização de cultura. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1978.
  • 51 Marx, Karl. O Capital. Rio de Janeiro, Civ. Bras. 1971, livro 1, v. 1. p. 359-69.
  • 55 Blackburn, Robin. O Novo capitalismo. Trad. Rattner, H. p. 6. mimeogr. Observe-se também, neste sentido, Baran P. & Sweezy, Paul M. Capitalismo monopolista, cap. A Sociedade anônima gigante. Rio de Janeiro, Zahar, 1966.
  • 57 Marx, K. El Capital. Buenos Aires, Fondo de Cult. 1964. v. 1, seção 3, p. 499.
  • 60 Mills, W. A Elite do poder. Rio de Janeiro, Zahar. p. 328.
  • 71 Poulantzas, N. As classes sociais. Estudos Cebrap 3, São Paulo, Ed: Cebrap, jan. 1973.
  • 75 Fernandes, Heloisa. Política e segurança. São Paulo, Alfa-Omega, 1974. p. 23.
  • 84 Gramsci, A. El Materialismo histórico y la filosofía de Benedetto Croce. Buenos Aires, Nueva Visión, 1973, p. 46-7.
  • 88 Marx, K. El Capital. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1974. p. 79. Livro 1, cap. 4 (inédito).
  • *
    Este texto compõe o capítulo 1 da tese de mestrado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
  • 1
    Trentin, Bruno. A Ideologia do neocapitalismo. In: Pereira, Luís.
    Perspectivas do capitalismo moderno. Rio de Janeiro, Zahar, 1971. p. 101-2. O grifo é nosso.
  • 2
    Veja Martins, Carlos E.
    Tecnocracia e capitalismo. São Paulo, Ed. CEBRAP, Brasiliense, 1974. Observe também a crítica a este texto de Luis Alfredo Galvão, em
    Sociologia imaginária ou imaginação sociológica? (Debate e Crítica, São Paulo, (4) nov. 1974).
  • 3
    Marx, Karl.
    Contribución a la crítica de la economia política. Prefácio, p. 37-8. (Comunicación, série B, n. 5).
  • 4
    Sweezy, Paul M.
    Teoria do desenvolvimento capitalista. Rio de Janeiro, Zahar, 1973. Segundo o autor, existem mudanças quantitativas e não qualitativas, havendo persistência e mesmo aumento da taxa de acumulação. "Disso se segue que a centralização em si, reduzindo o número e aumentando o volume dos segmentos, terá o efeito de elevar a taxa de acumulação obtida de um determinado total de mais-valia. O monopólio intensifica esse efeito, transferindo a mais-valia dos capitalistas menores para os maiores" (p. 305-6). "Significa ainda que a economia do trabalho se torna mais do que nunca o objetivo da tecnologia capitalista e que a taxa de introdução de novos métodos será disposta de tal forma que reduzirá ao mínimo a perturbação dos valores de capital existentes. (...) Conseqüentemente, o monopólio intensifica a taxa de fluxo de trabalhadores para o exército da reserva industrial e reduz a saída do capital recém acumulado, proporcionado pelo progresso tecnológico" (p. 307-8).
  • 5
    Lenine. O Imperialismo, fase superior do capitalismo.
    Obras escolhidas. Buenos Aires, Editorial Problemas, 1964. t. 2, p. 433-5. "Há meio século, quando Marx escreveu
    O Capital, a livre-concorrência era, para a maior parte dos economistas, uma 'lei natural'. A ciência oficial procurou aniquilar, mediante a conspiração do silêncio, a obra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a livre-concorrência engendra a concentração da produção e que esta concentração, num certo grau de seu desenvolvimento, conduz ao monopólio. Agora o monopólio é um fato. (...) Os fatos demonstram que as diferenças entre os diversos países capitalistas, por exemplo no que se refere ao protecionismo e ao livre-cambismo, consistem unicamente em diferenças não-essenciais quanto à forma de monopólios ou ao momento de sua aparição, mas que o engendramento do monopólio pela concentração da produção é uma lei geral e fundamental da fase atual do desenvolvimento capitalista. No que se refere à Europa, pode-se fixar com bastante exatidão o momento em que o novo capitalismo veio substituir definitivamente o velho: princípios do séc. XX. (...) Assim, pois, o resumo da história dos monopólios é este: 1) 1860 a 1880, ponto culminante de desenvolvimento da livre-concorrência. Os monopólios não constituem senão germens apenas perceptíveis; 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais ainda constituem uma exceção, não são ainda sólidos, representam um fenômeno passageiro; 3) Auge de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis convertem-se numa das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo."
  • 6
    O exame de determinadas teorias sobre burocracia demonstra isto, conforme veremos. Por outro lado, alguns dados da análise do estudo que empreendemos com relação aos administradores conduzem à mesma conclusão.
  • 7
    Formulações teóricas de Poulantzas, N.
    Poder político y clases sociales en el Estado capitalista. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1972; Althusser, L.
    Idéologie et appareils idéologiques d'Etat. La Pensée, juin 1970; Gramsci, A.
    Os Intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1978.
  • 8
    Lefort, C.
    Que es la burocracia. Ruedo Ibérico, 1970.
  • 9
    Weber, Max.
    Economia y sociedad. México, Fondo de Cultura Económica, 1964. v. 2, p. 716-23. Grifo nosso.
  • 10
    Id.ibid. v. 1 ,p. 178.
  • 11
    Tragtemberg, M.
    Burocracia e ideologia. São Paulo, Ática, 1974. p. 116.
  • 12
    Weber, Max.
    Parlamentarismo e Governo numa Alemanha reconstruída. São Paulo, Abril, 1974. (Coleção Pensadores). Neste texto, a preocupação do autor parece ser como fazer "parar" a burocracia, como ela é prejudicial à democracia. Suas indagações: "1) Como se poderia preservar qualquer resquício de liberdade 'individualista', em qualquer sentido? Afinal de contas, é uma ilusão flagrante acreditar que sem as conquistas da época do Direito do Homem qualquer um de nós, até mesmo os mais conservadores, poderá continuar vivendo sua vida. 2) Em vista da crescente indispensabilidade da burocracia estatal e de sua correspondente ampliação de poder, como poderá haver qualquer garantia de que permanecerão em existência forças que possam conter e controlar eficazmente a tremenda influência desta camada? Mesmo neste sentido limitado, como será a democracia de todo possível? 3) Uma terceira pergunta, e a mais importante de todas, levanta-se em face de considerações sobre as limitações inerentes à burocracia propriamente dita. Pode ser facilmente notado que a eficiência da burocracia tem limitações definidas no domínio público e governamental, assim como na economia privada. A 'mente' dirigente, o 'espírito em movimento' - aquele do empresário aqui e do político ali - diferem substancialmente da mentalidade do funcionário da administração pública."
  • 13
    Jacoby, Henry.
    La burocratización del mundo. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1972. p. 223.
  • 14
    Weber, M.
    Economia y sociedad, t. 1. p. 128. Apud Freund, Julien.
    Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro, Forense, 1970.
  • 15
    Weber, M.
    Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1964. p. 67.
  • 16
    Burnham, James. The Managerial revolution. 2 ed. Bloomington, Indiana University Press, 1960. p. 63.
  • 17
    Vamo-nos utilizar do termo burocracia especializada (que sob o enfoque weberiano parece tautológico, desde que o burocrata é um "especialista"), no sentido mesmo dessa especialização, para diferenciar os graus de burocracia, de "especialistas" e de funcionários comuns ou subalternos.
  • 18
    Burnham, J. op. cit. p. 72.
  • 19
    Id. ibid. p. 130.
  • 20
    Id. ibid. p. 106-7.
  • 21
    Destacamos Galbraith. Entretanto, outros autores são também representativos desta linha pós-weberiana, em graus distintos de transferência do enfoque das relações de classe para as relações de autoridade (em diferentes níveis). Por exemplo: Dahrendorf, R.
    Las clases sociales y su conflito en la sociedad industrial. Madrid, Ediciones Rialph, 1962; Aron, R.
    Novos temas da sociologia contemporânea, a luta de classes. Lisboa, Ed. Presença, 1964.
  • 22
    Galbraith, J. K. A teoria do poder compensatório. In:
    Capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1964. p. 104. Elabora aí a idéia de um centro de poder do consumidor, como necessidade de uma contrapartida das camadas dominadas para um possível diálogo numa sociedade de empresas gigantes, e que é bem coerente com a nova ideologia burguesa.
  • 23
    Galbraith, J.K.
    O Novo Estado industrial. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1969. p. 81.
  • 24
    Id. ibid. p. 70-1.
  • 25
    id. ibid. p. 81.
  • 26
    Além de Crozier
    (El Fenómeno burocrático), nesta linha está Merton, R.
    Burocratic structure and personality. Social Forces, 1940. t. 28.
  • 27
    Crozier, Michel.
    El Fenómeno burocrático. Buenos Aires, Amorrotu. v. 2, p. 33.
  • 28
    Id. ibid. p. 100.
  • 29
    Id. ibid. p. 100.
  • 30
    Jacoby, H. op. cit. p. 237.
  • 31
    Stavenhagen, R. Estratificação e estrutura de classes. In: Luckács, G. et alii.
    Estrutura de classes e estratificação social. Rio de Janeiro, Zahar, 1969. p. 134.
  • 32
    Poulantzas, N.
    Poder político y clases sociales en el Estado capitalista. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno. p. 98.
  • 33
    Mills, W.
    A Nova classe média. Rio de Janeiro, Zahar, 1969.
  • 34
    Baran, P. A. & Sweezy, Paul M.
    Capitalismo monopolista. Rio de Janeiro, Zahar, 1966.
  • 35
    Sweezy, P.
    Ensaios sobre o capitalismo e o socialismo. Rio de Janeiro, Zahar, 1965. cap. 2.
  • 36
    Mills, W. op. cit. p. 100-1.
  • 37
    Id. ibid. p. 97. Postura semelhante à de Mills é encontrada no texto de Duverger
    As Modernas tecnodemocracias. (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975), onde este relaciona burocracia com as novas oligarquias. Afirma ter Galbraith elaborado a melhor proposta dos neoliberais para explicar a estrutura ocidental e a nova oligarquia econômica. Critica-o em termos de que "minimizou o papel dos capitalistas na tecnoestrutura", pois eles continuam a ter a última palavra, e a tecnoestrutura não foi considerada a não ser dentro de cada empresa. Afirma: "as tecnoestruturas deste primeiro nível estão mais ou menos coordenadas e relacionadas com um segundo nível por uma espécie de tecnoestrutura superior constituída pelos grupos dirigentes das firmas gigantes, dos
    holdings, das sociedades financeiras, dos bancos comerciais, que detêm o controle da maioria das empresas importantes. Existe mesmo um terceiro nível, formado pelos principais acionistas de um conjunto de firmas gigantes, de
    holdings, de sociedades financeiras, de bancos comerciais associados a seus
    'experts', 'conselheiros' e administradores. Esta tecnoestrutura suprema corresponde, na oligarquia do neocapitalismo, aos príncipes de sangue da antiga aristocracia".
  • 38
    Sweezy, P. op. cit. p. 211-2.
  • 39
    Não se trata de uma nova ideologia, mas sim da reformulação de pressupostos da ideologia liberal burguesa que melhor legitimem os interesses do capital, na sua fase monopolista. Luis Pereira, em
    Capitalismo, notas teóricas. (Livr. Duas Cidades, p. 54), afirma: "a especificidade da ideologia neocapitalista, distinta da liberal, está centrada na concepção de que a história (inclusive e sobretudo a economia) precisa ser dirigida". Nesta "nova" qualificação destaca três elementos: a intervenção estatal na economia, o fortalecimento dos técnicos (agentes macro ordenadores) e o reconhecimento dos chamados direitos sociais. André Vachet, em
    L'Idéologie libérale (Edition Anthropos), especifica a ideologia liberal, em seu conteúdo lógico, o que nos permite inferir um posicionamento para a "nova" ideologia burguesa. Afirma que a ideologia liberal tem sua existência firmada na imbricação ou na relação orgânica entre seus três fundamentos lógicos: o naturalismo, o individualismo e o racionalismo. O racionalismo (expressão do que é artificial, de construção abstrata, de regularidades, do cálculo formal) encontra sua plenitude porque norteado por valores humanos do naturalismo (espontaneidade, emoção, posse, felicidade contra fins transcendentais) e pelo individualismo (liberdade individual sobre a estrutura coletiva). Entretanto, estes três fundamentos estariam em tensão permanente, desde que são categorias que se opõem. Tendem a levar a um impasse histórico real, e a recair em um dos três fundamentos. Inferimos nós que, na etapa capitalista monopolista, a quebra da relação orgânica destes três fundamentos é mais que evidente. Sua ênfase se dá no racionalismo, o qual, despido dos outros elementos, se centra na "razão técnica", e como conseqüência temos a importância em nossa época da técnica, da atuação burocrática e do Estado planejador como novas formas de legitimação do poder dominante.
  • 40
    Marcuse, H.
    Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar. 1967. p. 150.
  • 41
    Gerth, H. & Mills, W.
    Max Weber: ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar. 1971. p. 66.
  • 42
    Veja, nas páginas 43-44, nota 3, citação de Marx. Também destacamos o seguinte de
    The German Ideology. Marx, K. & Engels, F. Moscow, Progress Publishers, 1968. p. 37): "A estrutura social e o Estado nascem continuamente do processo vital de indivíduos determinados, mas não são idênticos às representações que estes indivíduos, ou outros, deles se façam; antes são idênticos à sua existência real, pela qual agem, produzem materialmente, pela qual são ativos sem limites, pressuposições e condições materiais determinados independentemente de sua vontade (...). É evidente que (...) as representações são expressões conscientes - reais ou ilusórias - de suas ligações e atividades reais, de sua produção econômica e de sua organização social e política. "
  • 43
    O sentido de ideologia para Gramsci fica melhor esclarecido ao final desta exposição, p. 59-60.
  • 44
    Ficamos com a noção de Estado de Gramsci, ou seja: sociedade política + sociedade civil, e suas funções de hegemonia e coerção. Em Porttelli, H.
    Gramsci y el bloque histórico. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1973. cap. 1.
  • 45
    Queremos ressaltar afirmações de alguns autores que nos informam sobre esta "revolução". Afirma Lefèbvre
    (Introdução à modernidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969. p. 274) que esta revolução que monetariza e caricaturiza a revolução total é a própria revolução tecnocrata. Esclarecemos melhor. A "crise" da sociedade burguesa ou ainda do capitalismo liberal, que atinge seu apogeu nas guerras mundiais, teria por caminho levar à revolução, isto é, ao socialismo. O fascismo é uma forma encontrada pela burguesia para reter o processo. De tal forma, afirma Elias Diaz
    (Estado de direito e sociedade democrática. Lisboa, Iniciativas Editoras), que o saldo da "crise" em termos de Welfare State, sociedade de consumo e, concomitantemente, a atuação dos "tecnocratas" e o império da técnica, são de resíduo fascista. Daí o
    ethos autoritário de pós-guerra, e a predominância da personalidade autoritária (intolerante, conformista e dogmática) em detrimento da personalidade democrática. (Barbú, Z.
    Psicologia de la democracia y de la ditadura, Buenos Aires, Paidós), e também dos especialistas
    sine ira et studio, e mesmo de uma nova humanidade, o espécime "cibernantropo" de que diz Lefèbvre, imitador do autônomo, em substituição ao "antropos" (Lefèbvre, H.
    Contra os tecnocratas. Portugal, Moraes Ed., p. 194). O "cibernantropo" admira o autônomo, lamenta-se de suas fraquezas humanas, orienta-se pela racionalidade técnica: é "uma caricatura de autogestão".
  • 46
    Gramsci, A.
    Os intelectuais e a organização de cultura. Rio de Janeiro, Civ. Bras., 1978. Os intelectuais não têm uma ligação direta com a classe dominante, são seus funcionários na superestrutura e, em sua maior parte, se originam das classes auxiliares. O exemplo claro está em Croce, que, como afirma Gramsci, nunca pertenceu a nenhum partido, nunca teve uma atuação política direta, e no entanto pode ser considerado como o intelectual orgânico da ascensão do capitalismo italiano.
  • 47
    Há que se observar o temor que o New Deal provocou em seu início como um temor ao socialismo. Afirma Trentin que A Aliança Técnica, a Tecnocracia (constituídas entre 1921 e 1929) e, num plano mais científico, a escola do Trend of Economics (1924) reúnem homens de orientações, origens e níveis tão diversos como T. Veblen, H. Scott e S. Chase, J.M. Clark, R. Tgwell, S. Slichter e Georges Soule. Entre estes homens e seus escritos existiam, porém, pontos comuns e sobretudo preocupações comuns. E é nestas que encontramos a essência das doutrinas neocapitalistas atuais, assim como a irremediável contradição que conferiu ambivalência política a todas as experiências políticas que essas doutrinas influenciaram, a começar pela política do New Deal. Trentin, B. op. cit. p. 112.
  • 48
    Id.ibid. p. 119.
  • 49
    Id. ibid. p. 108.
  • 50
    Os antecedentes desta "filosofia da produtividade" podem ser encontrados em teóricos da chamada teoria da administração, Taylor, Fayol, mas principalmente Élton Mayo, com sua Escola das Relações Humanas. Veja-se, neste sentido, Tragtenberg, Maurício, op. cit. p. 72-89.
  • 51
    Marx, Karl.
    O Capital. Rio de Janeiro, Civ. Bras. 1971, livro 1, v. 1. p. 359-69.
  • 52
    A exploração da mais-valia se intensifica com a concentração econômica. Há "transferência da mais-valia dos capitalistas menores para os maiores" e o uso crescente da tecnologia, como economia de trabalho, aumenta o exército da reserva industrial, e é retido o capital auferido pelo progresso tecnológico. Sweezy, P. op. cit. p. 306-7.
  • 53
    Trentin, B. op. cit. p. 103.
  • 54
    Id.ibid. p. 115.
  • 55
    Blackburn, Robin.
    O Novo capitalismo. Trad. Rattner, H. p. 6. mimeogr. Observe-se também, neste sentido, Baran P. & Sweezy, Paul M.
    Capitalismo monopolista, cap. A Sociedade anônima gigante. Rio de Janeiro, Zahar, 1966. Ainda com referência à caracterização de empresa "moderna" e ao tipo de administração que ela comporta, Marx faz três observações em relação à sociedade por ações: 1) Uma enorme expansão da escala de produção e das empresas, que eram impossíveis para os capitais individualmente (...). 2) Capital (...) está aqui diretamente dotado da forma de capital social em contraposição ao capital privado, e suas empresas assumem a forma de empresas sociais em contraposição às empresas individuais. É a abolição do capital como propriedade privada dentro dos limites da própria produção capitalista. 3) A transformação do capitalista atual num simples gerente, administrador do capital de outras pessoas, e dos proprietários do capital em meros donos, meros capitalistas do dinheiro. Apud Sweezy, P. op. cit. p. 287-8.
  • 56
    Blackburn, R. op. cit. p. 8-9.
  • 57
    Marx, K.
    El Capital. Buenos Aires, Fondo de Cult. 1964. v. 1, seção 3, p. 499.
  • 58
    Trentin, B. op. cit. p. 117.
  • 59
    Id. ibid. p. 119.
  • 60
    Mills, W.
    A Elite do poder. Rio de Janeiro, Zahar. p. 328.
  • 61
    Poulantzas, N. op. cit. p. 431.
  • 62
    Id. ibid. p. 430
  • 63
    Lefort. C. op. cit. p. 227 e seg.
  • 64
    Poulantzas, N. op. cit. p. 458. Valendo-se das colocações da burocratização feitas por Marx, Engels, Gramsci, Lenine e Weber, chegam a uma definição geral seguinte: "o burocratismo representa uma organização hierárquica, por delegação de poder, do aparelho de Estado, que tem efeitos particulares sobre o seu funcionamento. É, em regra geral, correlativo: 1) Da axiomatização do sistema jurídico em regras - leis abstratas, gerais, formais e estritamente regulamentadas, distribuindo os domínios de atividade e de competência (Engels, Weber). 2) Da concentração das funções e da centralização administrativa do aparelho (Marx, Engels, Gramsci). 3) Do caráter impessoal das funções do aparelho de Estado (Marx, Weber). 4) Do modo de retribuição dessas funções através de remunerações fixas (Marx, Weber). 5) Do modo de recrutamento dos funcionários por cooptação ou designação a partir do topo ou ainda a partir de um sistema particular de concurso (Marx, Weber). 6) Da separação entre a vida privada do funcionário e a sua função pública, a sua 'repartição' (Marx, Weber). 7) Duma ocultação sistemática do saber do aparelho, ou seja, do segredo burocrático relativamente às classes (Marx, Engels, Lenine, Weber). 8) Duma ocultação do saber no próprio interior do aparelho, guardando as suas cúpulas as chaves da ciência (Lenine)".
  • 65
    Poulantzas, N. op. cit. p. 450-6.
  • 66
    ld. ibid. p. 459.
  • 67
    Veja Pereira, L. op. cit. p. 40.
  • 68
    Cremos que a variável "origem de classe" não deve ser totalmente descartada. Há, sim, que se reter a mesma como mais uma variável que, embora não-determinante, no conjunto é explicativa.
  • 69
    Poulantzas, N. op. cit. p. 90.
  • 70
    Id. ibid. p. 75-6.
  • 71
    Poulantzas, N. As classes sociais.
    Estudos Cebrap 3, São Paulo, Ed: Cebrap, jan. 1973.
  • 72
    Poulantzas, N.
    As classes... cit. p. 11-2.
  • 73
    Poulantzas, N.
    As classes... cit. p. 17.
  • 74
    Poulantzas, N.
    As classes... cit. p. 23.
  • 75
    Fernandes, Heloisa.
    Política e segurança. São Paulo, Alfa-Omega, 1974. p. 23.
  • 76
    Cardoso. F. H. Althusserianismo ou marxismo. A propósito do conceito de classes em Poulantzas, comentários em
    Estudos Cebrap 3, São Paulo, 1973. p. 84.
  • 77
    Lefort, C. op. cit. p. 228.
  • 78
    Gramsci. op. cit. p. 7. Os intelectuais em Gramsci não têm a concepção vulgar do intelectual; a sua noção ampliada não está limitada ao conceito do "grande intelectual". "Quais são os limites 'máximos' da acepção de 'intectual'? É possível encontrar um critério unitário para caracterizar igualmente todas as diversas e variadas atividades intelectuais e para distingui-las, ao mesmo tempo e de modo essencial, das dos outros agrupamentos sociais? O erro metodológico mais difundido, ao que me parece, consiste em se ter buscado este critério de distinção no que é intrínseco às atividades intelectuais, ao invés de buscá-lo no conjunto de relações no qual estas atividades estão inseridas (e portanto, os grupos que se personificam) (...) Todos os homens são intelectuais. Poder-se-ia dizer: mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais. Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais, na realidade, faz-se referência tão-somente à função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se em consideração a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional específica. Se é na elaboração intelectual, ou no esforço muscular-nervoso. Isto significa que, em se falando de intelectuais, é impossível falar de não-intelectuais, porque não existem não-intelectuais. Mas a própria relação entre o esforço de elaboração intelecto-cerebral e o esforço muscular-nervoso não é sempre igual. Por isso, existem graus diversos de atividade específica intelectual e não se pode separar o
    homo faber do
    homo sapiens. Concluindo: todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um filósofo, artista, homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção de mundo, para promover novas maneiras de pensar".
  • 79
    A colocação de autonomia dos intelectuais está presente na proposição mannheimiana da "síntese das perspectivas" e que constitui o oposto da formulação de Gramsci. Mannheim, K.
    Ideologia y utopia. Madrid. Aguillar, 1958.
  • 80
    Gramsci. op. cit. p. 3.
  • 81
    Id. ibid. p.4.
  • 82
    Id. ibid. p. 8-9.
  • 83
    Id. ibid. p. 11.
  • 84
    Gramsci, A.
    El Materialismo histórico y la filosofía de Benedetto Croce. Buenos Aires, Nueva Visión, 1973, p. 46-7.
  • 85
    Gramsci, A.
    Os Intelectuais... cit. p. 10.
  • 86
    Gramsci, A.
    Os Intelectuais... cit. p. 10-11.
  • 87
    Poulantzas, N.
    Poder político... cit. p. 265.
  • 88
    Marx, K.
    El Capital. México, Argentina, Espanha, Siglo Veinteuno, 1974. p. 79. Livro 1, cap. 4 (inédito).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1980
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