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Da relevância da analise técnica de ações

ARTIGOS

Da relevância da analise técnica de ações

Orlando Figueiredo

Professor do Departamento de Mercadologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas

Até meados de 1970, grande parte do que se convencionou chamar investidores não possuía quase informações a respeito do importante segmento do mercado de capitais conhecido por mercado de ações.

A partir dessa época, no período registrado como o boom da bolsa, os índices técnicos de análise e previsão do comportamento das ações passaram a ser popularizados. As principais bolsas do País passaram a divulgar uma série de índices, com base em dados colhidos nos balanços das empresas e nos números dos pregões.

Com o objetivo de testar a validade desses índices, realizamos uma análise estatística de dois períodos distintos, de 12 meses, caracterizados como um período de alta no mercado (agosto de 1970 a julho de 1971) e um período de baixa (junho de 1971 a maio de 1972).

Os dados referem-se à bolsa de São Paulo e foram extraídos da Revista da Bolsa de Valores de São Paulo.

1. MODELO DE ANALISE

Para cada um dos períodos analisados foi adotado o seguinte procedimento:

1.1 Sete grupos, de 10 ações cada um, foram selecionados no início de cada período de análise.

Estes grupos foram organizados da seguinte forma:

a) seis grupos utilizando seis diferentes índices técnicos;

b) um grupo de escolha inteiramente aleatória.

1.2 Ao fim de cada período, foi computada a lucratividade (período de alta) ou perda (período de baixa) para cada um dos sete grupos selecionados de ações. A lucratividade ou perda foi medida com uma percentagem do preço de aquisição da ação no início de cada período.

1.3 Com base nos dados apresentados, foi realizada uma análise estatística de variância para verificar se as médias de lucratividade ou de perda, de cada um dos grupos selecionados, apresentavam diferenças significativas ou não.

2. ÍNDICES UTILIZADOS (PERÍODO DE ALTA)

Para o período de alta (agosto de 1970 a julho de 1971), foram utilizados os seguintes índices técnicos (as correspondentes amostras de 10 ações para cada índice técnico são apresentadas no anexo 1 anexo 1 ):

Grupo A: ações de empresas com maior valor patrimonial por ação

O valor patrimonial é obtido dividindo-se a soma do capital e das reservas livres pelo número de ações da empresa.

As 10 ações de maior valor patrimonial em agosto de 1970, na bolsa de valores de São Paulo, apresentaram uma média de lucratividade de 280,21% no período de 12 meses encerrado em julho de 1971.

Grupo B: ações de maior índice preço/lucro (P/L)

O índice preço/lucro representa a divisão do preço da ação na época da análise (agosto de 1970) pelo lucro por ação do último exercício.

As 10 ações de maior P/L apresentaram uma média de lucratividade de 384,82% no período de 12 meses encerrado em julho de 1971.

Grupo C: ações de menor índice preço/lucro

As 10 ações de menor P/L apresentaram uma lucratividade de 680,44% no período de 12 meses encerrado em julho de 1971.

Grupo D: ações de maior negociabilidade nos últimos 12 meses

A negociabilidade reflete-se na freqüência em que a ação é transacionada nos pregões da bolsa. O índice mede o número médio de transações nos pregões.

As 10 ações de maior negociabilidade apresentaram uma lucratividade de 388,79% no período de 12 meses encerrado em julho de 1971.

Grupo E: ações que apresentavam maior quociente

Este índice composto é obtido da seguinte forma:

VP = , onde A é patrimônio da empresa e N o número de ações

P/L = , onde P é o preço da ação, L o lucro por ação e N o número de ações

Como se pode observar, quanto maior o patrimônio e o lucro da empresa e quanto menor o número de ações e o preço, tanto melhor seria a ação, do ponto de vista deste índice.

As 10 ações que apresentavam maior quociente revelaram uma lucratividade de 300,71% no período de 12 meses encerrado em julho de 1971.

Grupo F: ações que apresentaram maior quociente

Este é outro índice composto que acrescenta ao anterior (Grupo E) apenas o índice de negociabilidade. Se chamarmos C ao índice de negociabilidade, teremos a seguinte expressão para o índice composto:

As 10 ações que apresentaram maior valor para esse índice tiveram uma lucratividade de 402,09% no período de 12 meses encerrado em julho de 1971.

Grupo G: ações selecionadas aleatoriamente

As 10 ações selecionadas inteiramente ao acaso (através do uso de uma tabela de números aleatórios) apresentaram uma lucratividade de 288,35% no período de 12 meses encerrado em julho de 1971.

Em resumo, os resultados obtidos para cada uma das sete amostras são os seguintes:

3. ÍNDICES UTILIZADOS (PERÍODO DE BAIXA)

Para o período de baixa (junho de 1971 - maio de 1972), foram utilizados os mesmos índices do período de alta, com exceção do índice

Grupo F

que foi eliminado, para dar lugar a um novo índice apresentado na Revista da Bolsa de Valores de São Paulo, o índice de giro.

Este índice mostra a participação percentual de um determinado tipo de ação, em relação ao total de ações do mesmo tipo, de uma empresa. Assim:

Giro =

A decisão de substituir os dois índices decorreu das seguintes observações:

a) o índice

é, num certo sentido, redundante, pois se acha representado nos demais índices;

b) o índice de giro só surgiu em 1971 e achamos conveniente sua utilização, pois se trata de uma variável nova na análise;

c) a manutenção de sete grupos de índices era conveniente do ponto de vista de computação, pois o mesmo programa poderia ser utilizado nos dois casos.

As seguintes perdas médias foram observadas no período de baixa, em cada uma das amostras de 10 ações (as ações componentes de cada uma das amostras são apresentadas no anexo 2 anexo 2 ):

4. ANÁLISE DE VARIÂNCIA

Foi testada a hipótese nula, ou seja, a de que todas as médias (de lucratividade e de perda) obtidas são iguais.

u1 = u2= u3 = ...... uK

A hipótese alternativa é a de que pelo menos duas das médias, em cada período de análise, não são iguais.

Os resultados obtidos na análise de variância são apresentados nas tabelas 1 e 2 para os dois períodos analisados.

O teste F de Snedecor possibilita-nos as seguintes conclusões:

a) para o período de alta

Estatística F = 1,45

De acordo com a tabela do anexo 3 para o nível de confiança de 1%, F00,1 = 3,118 para 6 e 63 graus de liberdade. Como 1,45 < 3,118, a hipótese nula tem que ser aceita. Isto significa que, em média, a utilização de qualquer dos índices técnicos adotados para a seleção de 10 ações para investimento, redundaria em uma mesma taxa de lucratividade. O mesmo resultado seria obtido através de uma seleção aleatória de 10 ações.

b) para o período de baixa

Estatística F = 6,84

Adotando o mesmo procedimento exposto, verifica-se que o F calculado é maior do que o F0,01 para 6 e 63 graus de liberdade, ou seja: 6,84 > 3,118.

Isto significa que a hipótese nula tem que ser rejeitada. Podemos afirmar que, em média, a seleção de amostras de 10 ações através dos índices usados não produz perdas iguais.

5. CONCLUSÕES

5.1 Em princípio, a análise estatística nos permite concluir que, num período de alta, a análise técnica de ações não é de muita valia para a seleção de um portfolio de ações. Em períodos de baixa, aparentemente, a análise técnica permite reduzir a perda com a utilização adequada dos índices técnicos.

É interessante observar, para o período de baixa, a ordem crescente das perdas médias observadas e os respectivos índices técnicos:

Aparentemente o índice apresenta características que o diferenciam dos demais em termos de diminuição do prejuízo médio em um período de baixa na bolsa. Curiosamente, o critério de menor P/L na seleção de ações leva ao maior prejuízo médio entre os sete grupos observados.

5.2 Não devemos, entretanto, descartar a análise técnica de ações como instrumento de previsão de lucratividade na aplicação. Pelo menos duas qualificações fazem-se necessárias:

a) a fragilidade dos índices pode ser simplesmente um reflexo da fragilidade dos números apresentados nos balanços e demonstrações de lucros e perdas. Se as informações fornecidas são propositadamente distorcidas, não se pode culpar a análise técnica pelos resultados apresentados;

b) a análise do índice preço/lucro, com base no lucro apresentado no último exercício é particularmente criticável. O que interessa ao investidor é o lucro projetado ou pelo menos uma estimativa razoável desse lucro. Essa informação, infelizmente, não é fornecida nem pelas empresas nem pelos departamentos técnicos das bolsas.

5.3 O fato de que uma carteira baseada em critérios técnicos tenha uma lucratividade semelhante à de uma carteira aleatória pode ser resultante de uma certa sincronização que parece existir no mercado brasileiro de ações. Na opinião de Josif Sancovsky, da Associação Brasileira de Analistas do Mercado de Capitais (Abamec), "... primeiro sobem (ou descem) as blue-chips, pouco depois as ações de segunda linha e, finalmente, as demais. No fim, e com apenas uma diferença de tempo, todas as ações seguem a mesma tendência".

ANEXO 3

Modelo teórico de análise de variância

O modelo utilizado neste trabalho é o da análise de variância convencional e com amostras de igual tamanho.

O que se pretende no modelo é testar a hipótese de que as médias de k populações normais são iguais, a partir de amostras independentes de tamanho n extraídas das k populações e presumindo que as populações têm variâncias iguais.

Modelo:

xij = ui + eij, com i = 1, 2..., K e j = 1, 2...n

Os símbolos eij representam componentes aleatórios com distribuições normais idênticas N (0, σ)

Hipóteses

Hipótese nula: todas as médias são iguais ou

u1 = u2 = ... uk

Hipótese alternativa: pelo menos duas das médias não são iguais

Cálculos

a) Termo de correção

C =

b) Soma dos quadrados entre amostras

SQA =

c) Soma dos quadrados

SQT =

- C

d) Soma dos quadrados do erro

SQE = SQT - SQA

e) Tabela de análise de variância

f) Estatística F

F =

Teste

Rejeitar a hipótese nula ao nível de significância a se F > Fα; aceitar a hipótese nula ou reservar julgamento se F< Fα.Fα é obtida na Tabela de Distribuição F de Snedecor apresentada a seguir para α = 1%.

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  • 1 Declarações prestadas à revista Exame, n. 72, p. 70. ago. 1973.

anexo 1

anexo 2

  • 1
    5.4 Os resultados da análise reforçam a idéia de que a chamada análise técnica tem um valor relativo e que deve ser acompanhada por uma observação das tendência de mercado, avaliação estrutural dos ramos de atividade e do desempenho passado e principalmente futuro da empresa considerada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1974
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