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As principais causas de concordatas

ARTIGOS

As principais causas de concordatas

W. J. Huitt Yardley Podolski

Consultor em Administração Econômico - Financeira e membro da Operations Research Society of America

"Aqueles que não querem aprender do passado, estão condenados a vivê-lo novamente." - SANTAYANA.

INTRODUÇÃO* * O autor agradece ao Prof. ANTONIO MASSA, Diretor e Controlador do Grupo IBEC, pela sua colaboração na sintetização dos dados numéricos.

Durante os últimos oito anos, examinamos os Balanços e Contas de Lucros e Perdas de 41 emprêsas que nesse período entraram com petição em juízo, pleiteando a proteção concordatária. Na maioria dos casos tivemos a oportunidade de rever os dados relativos aos 4 ou 5 anos imediatamente precedentes ao ano da petição. Por mais incrível que pareça, a nossa pesquisa não descobriu nenhum caso onde se pudesse culpar diretamente a conjuntura econômica pelo mau estado das emprêsas sob exame. Podemos dizer que aconteceu quase o contrário: as condições econômicas, com possível exceção de dois casos, favoreciam sempre as respectivas operações, independentemente do ramo; foram as emprêsas que arruinaram e corromperam as possibilidades oferecidas pela conjuntura.

É óbvio que nos negócios existem e existirão sempre os períodos de certa estagnação. Quando, porém, êstes não têm um caráter de catástrofe, os nossos estudos provam que há poucas razões para que uma emprêsa entre em completo desequilíbrio operacional e financeiro, ocasionando aos seus proprietários prejuízos irreparáveis, por razões outras que a imperícia dos seus administradores.

CLASSIFICAÇÃO DAS CAUSAS

As principais causas que levaram as emprêsas sob exame a uma situação sem solução foram divididas nas seguintes categorias:

• Incorretos ajustes de um bom plano-base (fator predominante em dois casos). Quando o seu mercado entrou em uma momentânea retração, os dirigentes foram tomados de pânico; os planos foram ajustados sem um completo exame dos possíveis efeitos a longo prazo de tais ajustes.

• O esvaziamento das reservas do capital circulante (fator predominante em oito casos). Em todos os casos examinados a situação podia ser prevista através dos exames de balancetes mensais, e até pelo exame dos balancetes anuais. Em 80% dos casos, os balancetes mensais revelaram as tendências incorretas, dois ou três anos antes da catástrofe. As causas dos problemas eram fáceis de serem saneadas.

• Uma completa desorganização contábil e dados inverídicos sôbre as operações da emprêsa (fator predominante em vinte e três casos).

Existiam manipulações dos dados para evitar pagamento dos encargos tributários, ou para reduzir pelo menos a sua incidência, especialmente quanto ao impôsto de renda. Essas manipulações, naturalmente, visaram à redução dos tributos bem além dos possíveis limites legais. Freqüentemente as manipulações dos dados eram acompanhadas com as retiradas clandestinas e desvio dos fundos para fins particulares dos donos de emprêsas. Como resultado, após um certo tempo de contabilização incorreta, mesmo que dupla em alguns casos, os dirigentes perderam a noção da realidade. Eventualmente, criou-se uma situação e ambiente fantasmagóricos, de onde era sòmente um passo para perda do contrôle sôbre as operações da emprêsa.

• Crescimento descontrolado, onde os dirigentes expandiram a emprêsa além dos limites determinados pelos fundos à sua disposição (fator predominante em três casos).

• Desvio de fundos da emprêsa pelos funcionários graduados e de confiança dos proprietários da emprêsa (fator predominante em três casos).

• Incorretos planos de vendas (fator predominante em dois casos).

As 41 emprêsas examinadas tinham uma característica comum que as unia a um grupo só; essa característica parece ser um denominador comum para tôdas as emprêsas em situação embaraçosa. Os dados e informações, com as quais os dirigentes trabalhavam e nos quais eram baseadas as suas decisões, eram muito confusos e desatualizados.

É difícil acreditar que nos tempos atuais de progresso planejado, possam existir entidades cujos dados sôbre sua vida, isto é, as mais vitais informações, possam ser tratados com tão grande descuido - o que freqüentemente aconteceu - e com desprêzo. Do ponto de vista da informação e comunicação, as emprêsas examinadas estavam perto de uma completa desorganização. Seus respectivos sistemas de contrôle eram quase inexistentes.

ANÁLISE DOS DIRIGENTES

O fato mais surpreendente foi que, em sua grande maioria, os respectivos dirigentes não eram homens ineptos. Com pequenas exceções, todos eram homens bàsicamente inteligentes e possuíam um bom grau de conhecimentos técnicos necessários para os ramos nos quais as emprêsas operavam. É verdade que mais do que freqüentemente os referidos conhecimentos técnicos não eram suficientemente completos para os cargos de dirigentes. Também, em todos os casos não era suficiente o seu preparo psicológico para o exercício do cargo.

Para dar ao leitor uma melhor perspectiva do problema, dedicamos um pouco de espaço ao exame das qualidades características dos homens que dirigiam aquelas quarenta e uma emprêsas.

Os dados e as informações sôbre essa gente não eram fáceis de obter. Entrevistas pessoais eram difíceis, muitas vêzes impossíveis; dados obtidos nem sempre podiam ser verificados e, em sua maioria, foram obtidos de outras fontes que as diretamente envolvidas. Assim, deverão ser êsses dados tratados com uma boa dose de reserva. Servirão, porém, para dar uma idéia geral sôbre o tipo de pessoas que dirigiam as suas operações sem sucesso; mesmo que, pelos motivos já expostos, a análise completa do grupo não tenha podido se realizar.

Quase todos os componentes dêsse grupo eram pessoas enérgicas, cheias de boas idéias, intenções e entusiasmo. Dois ou três eram do tipo "boa vida". Como grupo, porém, apresentavam qualidades positivas. Também, todos eram ativos e trabalhadores. Acontece, porém, que as somas de suas qualidades positivas não compensaram as negativas. Um fato interessante era a idade. Na nossa amostra de quarenta e uma pessoas os limites eram: mínimo de 32 anos e máximo de 61 anos. A distribuição por idade era a seguinte:

até 35 - 2 de 36 a 40 - 14 de 41 a 45 - 13 de 46 a 50 - 5 de 51 a 55 - 3 de 56 a 60 - 3 acima de 60 - 1

A idade média era 44 anos.

De certo interêsse podem ser os dados sôbre a vinculação dos dirigentes com as suas respectivas emprêsas.

Como regra, as pessoas pertencentes às três primeiras classes de idade eram excelentes conversadores, com modo de falar muito convincente que fàcilmente inspirava confiança em suas idéias, mas, também, eram muito suscetíveis às influências externas e aos impactos de novidades. Em média, exerceram os seus cargos durante três e meio anos antes do climax dos acontecimentos.

Do ponto de vista do grau de instrução que tinham, os dados tornam-se um pouco embaraçosos. Aqui não seria justo dar a classificação por idade e vinculação com as emprêsas, porque a amostra trata somente de elementos que falharam. A classificação dêste tipo não teria nenhum valor estatístico ou orientativo, por não podermos oferecer os dados sôbre os elementos com mesmo grau de instrução que ocupam posições semelhantes, desempenhando os seus deveres com sucesso contínuo. Mesmo tendo tais dados, o valor dêsse tipo de classificação seria muito relativo.

Entretanto, achamos conveniente relatar as categorias de grau da instrução possuída pelos dirigentes em foco. Isto fazemos porque os resultados da nossa pesquisa neste sentido indica claramente uma ligação de insucesso não com o grau da instrução formal mas com as qualidades do caráter pessoal.

Apuramos cinco graus de instrução possuída pelos componentes da nossa amostra.

Grau A - pessoal com instrução original abaixo da secundária; aprenderam a arte de administração pela prática. (Dois) Grau B - pessoal com instrução original abaixo da secundária; aprenderam a arte de administração pela prática e estudos esporádicos (cursos, leitura) dos assuntos ligados com a administração dos negócios no seu ramo específico. (Nove) Grau C - pessoal com instrução original secundária; administradores pela experiência; não se preocupavam com estudos adicionais para aprofundar os seus conhecimentos. (Onze) Grau D - pessoal com instrução original secundária e cursos técnicos especializados. Freqüentaram e freqüentam os cursos sôbre assuntos ligados com a administração dos negócios no seu ramo específico e fora dêle. (Quatro) Grau E - pessoal com instrução original superior. Todos com um ou mais cursos sôbre assuntos de administração. (Quinze) Entre êles havia as seguintes especialidades: 5 engenheiros, 2 economistas, 2 contabilistas, 6 advogados.

Apesar de diferenças tão grandes em instrução formal original, todos aquêles dirigentes tinham os métodos e maneiras de agir muito semelhantes. Com pouca exceção, caracterizavam-se pela falta de sentido de proporção e tendência de cair nos extremos. Às vêzes, gastavam dinheiro sem nenhum plano e preocupação, às vêzes, faziam economias muito mal calculadas e prejudiciais a longo prazo. Às vêzes, sem coerência alguma, tentavam fazer ambos.

Com duas exceções, não acreditavam em planejamento e a opinião dêles sôbre êste instrumento administrativo era quase padrão. A sua forma, que mais freqüentemente ouvimos, tinha êste teor: "o planejamento no qual se precisa modificar todos os valores todo o tempo, não tem valor; não compensa. Melhor operar de um dia para outro, baseando-se nos dados do momento." Outra opinião, ouvida não menos freqüentemente na maioria dos casos, paralelamente às mesmas fontes era: "não é possível planejar em tempos de inflação!"

Mencionamos acima que a maioria dêles possuia bons conhecimentos técnicos necessários para o ramo no qual a respectiva emprêsa operava. A distribuição dêsses conhecimentos por sete principais matérias de administração era como segue:

Uma comparação das qualidades positivas e negativas, que dominaram dentro da nossa amostra de 41 homens, será em ordem agora.

As qualidades positivas:

• certos conhecimentos técnicos, de acôrdo com a distribuição acima;

• todos dedicavam qualquer quantidade de tempo para as atividades da sua emprêsa;

• todos trabalhavam com entusiasmo;

• os que eram empregados, omitindo três exceções, eram muito leais aos seus empregadores.

Contra isso, temos uma longa lista das qualidades negativas, também de acôrdo com as informações obtidas:

• todos dirigiam as suas respectivas organizações de uma maneira ditatorial, autocrática, sem querer ouvir outras opiniões;

• todos tinham tendências para cair em extremos;

• todos eram orgulhosos e/ou vaidosos;

• todos ficavam apaixonados pelos pequenos problemas, dedicando-lhes uma desproporcional quantidade do seu tempo;

• a grande maioria dêles tinha tendência a perseguir seus funcionários, normalmente variando suas vítimas;

• todos gostavam de misturar os problemas e negócios particulares com os de suas respectivas emprêsas, eventualmente dando preferência aos seus problemas particulares;

• em sua maioria, gostavam de promover os funcionários bajuladores, os quais, eventualmente, ficavam seus mais próximos e fiéis conselheiros;

• os que eram empregados, em sua maioria, tomavam uma atitude muito servil perante os donos das emprêsas;

• em momentos difíceis, todos fàcilmente entravam em pânico.

É difícil imaginar um homem dotado com esta coleção de qualidades negativas, ocupando um cargo de grande responsabilidade, com podêres para decisões dos quais depende a vida da emprêsa, mesmo quando o homem é o dono da organização.

FORMAÇÃO DA MENTALIDADE

Os absurdos cometidos em algumas emprêsas aproximaram-se ao incrível. Os maiores, porém, foram encontrados nas firmas que tentaram evitar pagamento do impôsto de renda, tanto o da firma, como o devido pelos seus proprietários enquanto pessoas físicas.

As manipulações dos dados para abaixar o valor do lucro tributável fizeram com que no fim ninguém soubesse com certeza qual era a verdadeira situação econômico-financeira da emprêsa. O resultado era uma completa perda de contrôle.

Nos casos citados abaixo não vamos demonstrar como foram forjadas as contas relacionadas com o valor do lucro, por não ser esta técnica ou técnicas importantes para fins dêste artigo. O que é importante, porém, é que justamente essas manipulações constituíram em 80% dos casos o comêço do problema. Foi ali onde se criou uma mentalidade imprecisa e tortuosa. Uma vez arraigada tal mentalidade, restava somente um passo para que o respectivo dirigente se afundasse em uma situação obscura, cheia de círculos viciosos. Nessas situações as pequenas vitórias táticas, especialmente quando eram brilhantes e coroadas com resultados imediatos, apenas confirmavam as opiniões dos seus autores, ou seja, que estavam seguindo o caminho certo e tudo o mais, ao seu redor, estava errado, apesar de que o conjunto dos fatôres, associados à situação, demonstrasse o contrário e indicasse um eventual desastre.

Na confusão e no caos reinante os contornos das perspectivas ficavam ofuscados e sem forma. Chegando com a sua emprêsa ao ponto de tal situação, alguns dos dirigentes perderam-se completamente. Dizemos: "perderam-se", porque não temos outra gentil explicação para o seu comportamento.

GRANDEZA DAS EMPRÊSAS ESTUDADAS

Considerando o valor do faturamento mensal, as emprêsas estudadas podem ser divididas em três grupos básicos:

A. NCr$ 50.000,00 até NCr$ 350.000,00 - 21 emprêsas B. NCr$ 350.000,00 até NCr$ 1.000.000,00 - 13 emprêsas C. acima de NCr$ 1.000.000,00 - 7 emprêsas

EXPLICAÇÃO DA SINTETIZAÇÃO DOS DADOS

Em todos os casos citados abaixo os dados foram corrigidos para anular os efeitos da inflação (deflacionados), para possibilitar e facilitar a comparação dos resultados obtidos nos diferentes períodos. Tomou-se cuidado para não distorcer as situações originais. Estas foram preservadas através da manutenção das relações entre os números relativos a um determinado período. Quanto ao reflexo fiel do grau dos respectivos crescimentos, êste ficou assegurado através de uso dos índices relativos ao ramo específico em que operava cada emprêsa examinada. Os índices usados são os publicados pela Fundação Getúlio Vargas.

Entretanto, mesmo que reflitam fielmente as situações originais, os dados citados abaixo não refletem nem indicam de maneira alguma a grandeza das operações, fonte de sua origem. Isso principalmente porque foi considerado conveniente reduzir a quantidade de casas nos números apresentados.

Simultâneamente com a sintetização dos dados, foi considerado e tratado o ajuste de ativos fixos e dos capitais, que nos anos de 1960 até 1964 eram mantidos contàbilmente nos níveis desproporcionalmente baixos ao seu valor real. Êstes valores foram corrigidos para refletir a realidade.

Por ter que adaptar os dados contábeis e financeiros às necessidades do artigo, os períodos nos quais se desenvolveram os acontecimentos poderiam ser denominados, acadêmicamente, de A, B, C, etc., ou 1, 2, 3,..., n. Entretanto, consideramos imprescindível trazer o leitor à atmosfera psicológica dos períodos examinados. Daí a nossa decisão de preservar nos casos 2, 3 e 4 os anos reais, objeto das respectivas demonstrações financeiras.

Portanto, qualquer semelhança entre os dados numéricos e os dados de qualquer organização, seja existente ou extinta, é pura coincidência.

Caso 1. Fator Predominante: Categoria da Causa III.

Padrão: Extremo

Para melhor justificar o pedido de um empréstimo a longo prazo, vultoso e barato, de um banco oficial, os dirigentes desta emprêsa começaram a construir uma instalação industrial auxiliar, que tinha como objetivo o melhoramento da qualidade de produção. Para impressionar os inspetores do banco e baixar os futuros lucros contábeis, - existentes somente na imaginação dos donos e dirigentes da emprêsa - a instalação foi projetada três vêzes maior do que a necessitada pela capacidade total daquela indústria que podia ser aumentada apenas em 75%. O custo da instalação acabada era orçado em 250. O empréstimo solicitado era de 600. Até o banco conceder o empréstimo, as despesas com a obra - incluindo custo de financiamento - já eram 210, sem a conclusão à vista. Usou-se aqui um dinheiro caríssimo, conseguido de fontes particulares, protegido por severas garantias. O banco, por um motivo ou outro, finalmente concedeu o empréstimo, mas sòmente no valor de 400. Os 200 adicionais ficaram prometidos, sem ser especificada a data da liberação do crédito.

O resultado desta operação era desastroso. Quase um ano depois do comêço da construção e 3 meses antes da operação do empréstimo (Balanço A), as dívidas com relação à obra eram ainda somente 100, dos quais eram gastos efetivamente 50, e o restante eram encargos financeiros. Nesta época foram contratados fundos adicionais a curto prazo e alto custo, para apressar a construção. O total empregado na obra mais os encargos eram 210. Porém, após a obtenção do empréstimo, a diretoria ficou eufórica. Com os 190 restantes compraram-se, em primeiro lugar, carros novos para todos os diretores; depois, foram adquiridas algumas máquinas que não eram verdadeiramente necessárias. Com o saldo pagaram-se algumas velhas contas de matéria-prima, daqueles fornecedores que pararam as suas entregas. As obras da nova instalação ficaram paradas, por se achar cara demais a sua complementação. Nessa altura, o orçamento já tinha de ser ajustado para 320, principalmente por falta de contrôle sôbre os trabalhos.

Enfim, a companhia não melhorou a qualidade da sua produção, não melhorou a situação do seu capital circulante; aumentou o seu passivo a longo prazo com uma quantia de 375 mais os juros, e o passivo a curto prazo aumentou de 25, mais os respectivos juros, o que somado dava aproximadamente, 540, sendo as condições de pagamento: 32 prestações com carência de 120 dias. Além disso, foi imobilizada uma grande parte do estoque das matérias-primas e do estoque de produtos acabados. Apesar de tôda sua ingenuidade o banco protegeu-se bem com penhor mercantil, permitindo, porém, a rotação das mercadorias.

Os dados que tiramos dos balanços e das outras fontes de informações sôbre a situação antes e depois da operação nos permitiram reconstruir a imagem da situação da firma em três períodos distintos. Os números que aqui apresentamos foram deflacionados, ou melhor dizendo, corrigidos para compensar o efeito da inflação e permitir uma fácil comparação, mas não representam valores traduzidos em cruzeiros novos. Os dados abaixo refletem três ocasiões:

A - balanço anterior à operação do empréstimo, aproximadamente 3 meses; B - balanço posterior à operação do empréstimo, aproximadamente 1 mês; C - balanço quatro meses antes da concordata.

O lucro apurado para o período A/B era equivalente a 23. Por razões não muito claras a administração não rateou as despesas com o empréstimo. Estas foram logo debitadas a lucros e perdas.

Lucros e Perdas:

Os respectivos fluxos de fundos não apresentamos porque não revelarão muita coisa.

A rentabilidade potencial do capital e reserva na época era de ordem de 21 %.

A análise do balanço A, se êste não estivesse atrasado como de costume, poderia ter alertado a administração. Mas nesse tempo a administração já se encontrava em um estado de estupor mental quanto aos dados histórico-estatísticos. Também o simples alertamento não resolveria o problema. O que a emprêsa e a administração precisavam, na época do balanço A, era o planejamento e uma demonstração dinâmica projetada para o futuro: uma demonstração projetada de fluxo de fundos, baseada nos compromissos já vencidos e vincendos nos seguintes 30 dias, pelo menos.

Examinaremos os dados referentes às finanças, naquele momento e nos próximos 30 dias. As principais contas deveriam ser movimentadas da seguinte maneira:

Os valores das contas a pagar vencidas e vincendas nos próximos 30 dias montaram a 510, somente para as contas dos fornecedores, mais 50 das outras contas a pagar. Dos títulos a pagar, 100 já haviam vencido no mês anterior e não havia mais possibilidade de prorrogação. Nessa conta temos de considerar também a entrada do empréstimo, parte a curto prazo, e do seu custo; como mencionamos, a administração decidiu não amortizar o custo gradativamente. Para manter a produção durante os próximos 30 dias, a emprêsa precisava receber a matéria-prima no valor não superior a 55, sendo os restantes 95 aproveitados do estoque. Uma revisão do programa das vendas podia permitir a venda do estoque dos produtos acabados no valor de 90, no mínimo, obtendo assim a correspondente redução dêste estoque. O movimento nas contas a receber, combinado com a reformulação da política de cobrança, deveria ter permitido uma redução do saldo desta conta em um valor equivalente ou maior que 60. Impostos tinham de ser pagos pontualmente por causa do empréstimo, que havia sido pleiteado num banco oficial. Suponhamos, ainda, que o banco concedesse o empréstimo dentro dos próximos 30 dias. A despesa com a obra, incluindo os encargos do financiamento, devia ter atingido naquele momento 100. Consideraremos, também, que o lucro permanecerá 23, dada a rentabilidade potencial e as reformas da política de negócios. Ficou provado que a emprêsa podia ter dado êste lucro como um mínimo mensal.

Uma administração, mesmo muito irresponsável, vendo êste saldo final das suas disponibilidades, pensaria várias vêzes antes de aplicar qualquer quantia de dinheiro para fins improdutivos. O exame dêsses dados forçaria a parada imediata da construção; forçaria a verificação do esfôrço do setor de vendas, da política do estoque e das cobranças. Para manter o saldo positivo da caixa no fim do período examinado sem embaraçar a emprêsa, seriam feitos novos acordos com alguns dos fornecedores ou outros credores. Suponhamos que conseguíssemos - o que era perfeitamente praticável - uma prorrogação de duplicatas no valor de 50, para vinte ou trinta dias.

Essa prorrogação corrigiria o saldo final de disponibilidades:

Agora, o nosso balanço número 2, trinta dias após o levantamento do balanço A, apresentaria os seguintes resultados:

Os resultados de análise dêste último balanço não seriam muito alentadores, quando feitos sem conhecimento da rentabilidade potencial e da capacidade do mercado consumidor. A emprêsa, nas condições que tinha, calculando o lucro somente na base de 18% do capital, tinha amplas possibilidades de resolver os seus problemas sem usar de concordata. Esta somente prejudicou os credores e, eventualmente, os donos. A concordata não era fraudulenta. Um fluxo de fundos projetado a longo prazo, isto é, 36 meses, confirmou as nossas opiniões.

Para obter os resultados positivos, porém, a emprêsa teria de fazer o seguinte:

• solucionar com seriedade os seus problemas no mercado fornecedor e cumprir pontualmente tôdas as obrigações assumidas;

• reestruturar os seus serviços de cobrança;

• reestruturar o seu setor de vendas e reformular a política para as atividades dêsse setor;

• modificar a política em relação aos estoques.

Os dados dêste último balanço, mesmo apresentando um grande problema, como ponto de partida para o processo de recuperação da emprêsa, mostram uma situação bem melhor que os do balanço A. A situação podia ser melhorada ainda através das soluções laterais cuja discussão, porém, foge ao escopo de um artigo.

O caso acima citado é extremo, mas não é um caso completamente isolado. Ültimamente o autor encontrou dois outros casos, recentes, com a seqüência dos acontecimentos muito semelhante à apresentada.

Caso 2. Fator Predominante: Categoria da Causa 11. Padrão: Prevalecente.

Neste grupo tôdas as emprêsas acusaram um bom nível de negócios e um grau substancial de desenvolvimento.

Tôdas começaram a crescer antes da data dos primeiros balanços que conseguimos examinar, isto é, entre dois e quatro anos antes da concordata; temos neste grupo tanto as emprêsas comerciais como as industriais.

O padrão de desenvolvimento dos acontecimentos difere pouco entre os dois tipos de emprêsa. A diferença principal está no tratamento dos estoques, que não influi sôbre os dados e análise dos mesmos para nossos fins.

O caso mais comum era o da emprêsa que começou a desenvolver-se quatro anos antes da sua demise. Crescia com o mercado. Os seus dirigentes eram rápidos a perceber que o mercado podia ser explorado não somente em tôda sua extensão, mas ainda com boa lucratividade. Suas compras eram muito bem dirigidas. O lucro era calculado com cuidado. No comêço de 1964 a emprêsa era considerada como uma das mais fortes, embora naquele tempo já costumasse atrasar um pouco as liquidações das suas obrigações. Os fornecedores, porém, davam à firma qualquer nível de crédito pedido. Entretanto, em fins de 1964, subitamente e surpreendendo todo mundo, a emprêsa pediu concordata. O seu passivo quirográfico somava alguns bilhões de cruzeiros velhos.

Analisaremos os seus balanços e as principais demonstrações de movimento das contas na seguinte ordem:

1. Lucros e Perdas 2. Estoques de Matéria-Prima 3. Estoques de Produtos Acabados 4. Contas a Pagar - Matéria-Prima 5. Contas a Pagar - Outras 6. Contas a Receber 7. Títulos a Pagar 8. Fluxos de Fundos 9. Balanços

Todos os valores foram recalculados para corrigir os efeitos da inflação existente nos respectivos períodos e assim facilitar o estudo e comparação dos dados.

Os fluxos acima demonstram claramente a gradual acumulação das dívidas e estranha política referente aos estoques. Êste comportamento pode ser justificado somente pelo mêdo que os dirigentes da emprêsa tinham da violenta desvalorização da moeda nacional durante todo o ano de 1963. Como a administração explicava os acontecimentos, o único meio de proteger a sua emprêsa era acumular os estoques.

Os balanços de 1962, 1963 e 1964, e os respectivos fluxos de fundos, demonstram que foram feitas certas operações cujo registro foi realizado em contas correntes. As operações eram triangulares. Os donos precisavam mais dinheiro do que a emprêsa podia fornecer naquele momento. A firma, então tomou um empréstimo a longo prazo, reemprestando o dinheiro imediatamente a seus donos. A emprêsa emitiu notas promissórias a favor do financiador; os donos emitiram as notas promissórias a favor da emprêsa. Esta operação chegou a ser muito onerosa às três partes, porque na época da concordata foi transformada em uma dívida a curto prazo. Os credores da emprêsa foram obrigados a esperar muito tempo para receber o seu dinheiro; os donos que utilizaram o dinheiro foram obrigados pela justiça ao pagamento de juros; a emprêsa teve de suportar tôdas as desagradáveis conseqüências decorrentes da má administração financeira.

As adições ao ativo fixo foram uma grande fonte de renda adicional e clandestina dos donos da emprêsa. Sôbre tôdas as despesas ligadas com a obra os donos recebiam comissões. As comissões eram pagas tanto pela firma construtora, como pelos fornecedores do equipamento e, finalmente, pela própria emprêsa. Como as comissões não eram contabilizadas corretamente, os seus beneficiários ficaram livres dos encargos tributários.

O acúmulo de disponibilidades em fins de 1962, foi resultado do descuido da administração da emprêsa na aplicação dos fundos, de um lado; de outro lado, êsse alto nível foi o resultado da intransigente política de cobrança, seguida durante o ano de 1962. Tanto a primeira como a segunda causa foram crimes administrativos. O nível da caixa permaneceu alto durante vários meses, entretanto, o pagamento das diversas contas e impostos chegou a ser atrasado, o que ocasionou pagamentos de juros aos fornecedores e multas nos impostos. Quanto à política da cobrança, esta era muito brutal e custou à emprêsa mais do que 20% de clientes relativamente grandes e poderosos. Como conseqüência da perda dêsses clientes a emprêsa teve, em seguida, problema com a colocação no mercado de um volume de produção correspondente aos referidos clientes. Infelizmente, isso foi conseguido numa parte do mercado onde a qualidade era menos importante do que o preço. A colocação dessa parte da produção foi conseguida em pequenos lotes espalhados geogràficamente. Assim, além do aumento das despesas de vendas, aumentaram também as despesas de embalagem e fretes.

Tanto pelos balanços, como pelas diversas contas e pelos fluxos de fundos, pode-se ver que a emprêsa era dirigida de uma maneira empírica, sem qualquer plano. Os balancetes eram sempre atrasados três, quatro, ou mais meses, principalmente porque os donos-dirigentes consideravam que os dados contábeis eram precisos somente por causa das exigências fiscais e/ou legais. No caso dessa emprêsa, nem os dados apresentados à justiça eram corretos. Depois da petição original, a emprêsa foi obrigada a apresentar na justiça várias correções do balanço.

Mesmo que os dados numéricos eventualmente comprovassem a culpa da administração, a opinião desta era de que foram os empregados que conduziram a emprêsa à ruína.

Na época, a rentabilidade potencial do capital e reservas dessa emprêsa estava entre 90 e 100%, entretanto, sem grande esfôrço, podia ser mantido, fàcilmente, perto de 85%, de acôrdo com o mercado de então. Durante o primeiro ano do regime concordatário, o mercado ainda melhorou e o grau da rentabilidade potencial subiu até 120%, caindo posteriormente para mais ou menos 105%. Ao momento da concordata, as obrigações da emprêsa eram bem grandes, considerando os valores usados e o tamanho das operações das firmas brasileiras. Equivaleram a quase duas vêzes o seu capital e reservas reais. Êsse cálculo não considera os prazos dessas obrigações porque ao tempo da concordata êsses já eram todos curtos. Assim, do ponto de vista de caixa, a situação era desastrosa. Considerando, porém, o grau da rentabilidade potencial do capital, a situação podia ser solucionada com relativa facilidade, mas nunca em regime concordatário. Infelizmente, os donos não tentaram disciplinar o seu comportamento às necessidades da emprêsa, nem tentaram conscientemente verificar a verdadeira situação econômico-financeira da emprêsa. Finalmente, quando a situação começou a ficar grave, entraram em pânico.

Caso 3. Fator Predominante: Categoria da Causa VI/II. Padrão: Prevalecente.

No caso da emprêsa a ser discutida agora, as vendas eram boas em 1961 e 1962. Entretanto, já em fins de 1962 o mercado começou a se retrair. Seus concorrentes começaram a vender bem abaixo dos preços que ela mantinha. Para se defender, os dirigentes elaboraram um nôvo plano de vendas que equiparou os seus preços com o daqueles. O plano era simples: um desconto especial, bem justificado. O lucro era cuidadosamente bem calculado para evitar qualquer surprêsa. No comêço de 1963 os vendedores foram autorizados a vender os produtos de acôrdo com o nôvo plano.

As vendas melhoraram, mas não muito; ficaram longe do ponto desejado pela administração da emprêsa, porque a concorrência reagiu logo, oferecendo os prazos muito além dos oferecidos pela emprêsa discutida. Os donos e dirigentes, após esperar algumas semanas para sentir melhor o mercado, autorizaram também a venda nas condições iguais às da concorrência.

O mercado respondeu muito bem agora. A fábrica ficou de nôvo lotada de pedidos. Após alguns meses entretanto, apareceu o problema de caixa. Começou a faltar dinheiro. Para melhorar um pouco a sua situação financeira, a emprêsa solicitou e recebeu um empréstimo a curto prazo, no mercado financeiro então existente.

Tanto a extensão dos prazos das Vendas, como a falta de contrôle sôbre a qualidade das mesmas, adicionada à tomada do empréstimo a curto prazo, fizeram com que, já em fins do mesmo ano, a emprêsa ficasse repentinamente em uma situação financeira insustentável. Após várias semanas de tentativas para contornar a situação, os donos decidiram pedir concordata. Em sua petição obrigaram-se ao pagamento integral dos débitos.

Comparando-a com as outras, essa emprêsa tinha alguns setores bem organizados. Graças a êsses setores, a análise dos dados e a determinação da causa do desastre não era muito difícil. Especialmente bem funcionavam os setores de faturamento e contrôle de duplicatas. O trabalho dêles era excelente. O setor de cobrança já era menos eficiente, mas conhecia muito bem a clientela da emprêsa. A qualidade dêsses setores está refletida em demonstrações numéricas que serão citadas abaixo.

Como nos outros casos, os valores em tôdas essas demonstrações foram corrigidos e deflacionados. Do jôgo dos dados foi eliminado o Impôsto de Consumo, bem como os dados irrelevantes, que não podiam influir na situação ou recuperação da emprêsa. Cumpre ainda ressaltar que, na emprêsa sob exame, todos os dados citados eram preparados com um atraso médio de 130 dias.

Os balanços correspondentes aos mesmos períodos apresentam também características muito inquietantes.

O balanço de junho de 1963 já demonstra uma perda de contrôle sôbre as Contas a Receber; junto com a Demonstração de Lucros e Perdas para o mesmo período dá motivo para uma séria preocupação. Êsse comportamento de Contas a Receber exigiria normalmente uma minuciosa análise. Graças ao pessoal que controlou o movimento de duplicatas era possível reconstruir as respectivas situações.

As análises acima revelam as causas da má situação financeira. Estas, porém, não eram as únicas que conduziram a emprêsa à concordata. Para uma emprêsa que chegou a um ponto tão crítico financeiramente, a situação dos estoques deveria ser mais cuidadosamente tratada.

Os estoques de matéria-prima eram compostos de 7 grupos. Os grupos V, VI e VII podiam ser obtidos com bastante rapidez, eram de pequeno valor, relativamente, representando cêrca de 3% do valor total da matéria-prima usada mensalmente. O grupo I deveria ser encomendado com antecedência de 3 a 5 meses e os pedidos tinham de ser relativamente grandes, equivalentes a até 12 vêzes o consumo mensal médio. Os grupos II e III deveriam ser encomendados com antecedência de 45 dias. Os materiais do grupo IV podiam ser obtidos dentro de 15 a 30 dias, os fornecedores, porém, queriam pedidos equivalentes ao consumo de 3 meses. Em janeiro de 1964 as firmas fornecedoras começaram a segurar as entregas exigindo liquidação dos débitos, apontando em cartórios os títulos atrasados, e ameaçando protestar os títulos aceitos pela emprêsa.

Em 31 de janeiro de 1964 a situação dos estoques de matéria-prima era a seguinte:

Na mesma época, começaram a vencer os títulos relativos ao empréstimo. As tentativas de obter as prorrogações ou conseguir um nôvo financiamento não deram resultado.

A situação de caixa para o mês de fevereiro de 1964 era como segue:

É interessante notar que a 31 de janeiro de 1964, quer dizer alguns dias antes da petição ser entregue na justiça, o deficit de caixa era estimado pelos donos e dirigentes da emprêsa em 400 aproximadamente. Assim foi apresentado na petição. Alguns dias depois foi corrigido para 1.400. Somente os peritos dos fornecedores conseguiram apurar a posição verdadeira, mas isso após muitos dias de trabalho da reconciliação das contas.

Caso 4. Fator Predominante: Categoria da Causa 111/IV Padrão: Extremo. (Desconhecimento do valor dos dados econômico-financeiros; ignorância de conceitos de administração; desejo de sonegação).

A emprêsa industrial foi desenvolvida gradativamente a partir de pequena indústria caseira até o ponto de empregar entre duzentos e trezentos operários. Os donos administravam a emprêsa, sendo um dêles o primeiro mandatário que, gradualmente, tomou conta de tôdas as operações, ficando os demais desinteressados pela emprêsa.

No início do nôvo regime, em 1961, tudo parecia andar bem. O nôvo dono era uma pessoa dinâmica, queria expandir a emprêsa e colocá-la em um dos primeiros lugares, dentre as emprêsas do ramo. Ao mesmo tempo queria também desfrutar, pessoalmente e logo, dos resultados da expansão antes de consolidá-la. Seguiram-se as viagens ao exterior, grandes recepções, participações e outros empreendimentos, grande projeção do nome da firma para o âmbito nacional através de publicidade intensa e muito cara. Considerava também que a emprêsa auferia lucros bastante elevados e decidiu usá-los imediatamente para o seu fim particular, ou seja, compra de várias propriedades. Como os fundos imediatamente disponíveis não eram suficientes, usou créditos bancários e vários financiamentos, dos quais alguns eram tomados pela firma diretamente, enquanto outros eram por ela garantidos.

Em fins de 1963 a emprêsa estava comprometida muito além das suas possibilidades máximas de amortização. Naquele tempo, também, começaram a se fazer sentir as primeiras dificuldades financeiras.

A reação do dono era pouco original. Êle chegou à convicção - aliás, comum entre todos irresponsáveis dirigentes - de que o culpado das suas dificuldades era o govêrno e, naturalmente, a inflação. Estranhamente, considerava os dois fatôres, isto é, o govêrno e a inflação, como não interdependentes.

Indagado na época, afirmava que as vendas mensais eram, em média, equivalentes a 350; que o seu lucro era de ordem de 30% do valor de vendas; que aquêle lucro era suficiente para liquidar tôdas as suas obrigações em seis meses; que a liquidação dos seus débitos era dificultada pelas crescente taxa de juros e despesas financeiras. Até pouco tempo antes do dia da petição concordatária, argumentava hàbilmente com todo mundo, banqueiros, financistas, fornecedores, citando dados numéricos sôbre as suas operações, raramente não podendo dar uma resposta coerente. Entretanto, a verdade sôbre todos os dados por êle citados era que todos eram nada mais que um produto da sua imaginação, modelada um pouco pelos conhecimentos adquiridos durante os longos anos da sua convivência com as operações da emprêsa. A sua contabilidade não conseguia fornecer a mais simples demonstração de qualquer conta sem fazer um levantamento completo cada vez que a informação era pedida, e as únicas demonstrações rotineiras eram o balanço anual e a correspondente demonstração da conta de lucros e perdas.

Bastante interessantes eram as suas explicações e justificações relativas aos atrasos de contabilização dos dados: a contabilização executada uma vez por ano permite manipular as contas para suprimir ou reduzir contàbilmente o lucro tributável. Assim, era melhor atrasar o mais possível o registro dos dados.

Em tempo relativamente curto a emprêsa perdeu completamente o seu potencial gerador dos fundos disponíveis, enquanto os de fora tornaram-se mais difíceis de conseguir. Eventualmente, no início de 1964, o faturamento começou a ser feito "a ordem", quer dizer, antes da mercadoria ser produzida. Daqui era somente um passo para fabricação de duplicatas e promissórias "frias". Tudo isso sem nenhum contrôle. O final da história tornou-se muito desagradável para o dono, para a emprêsa, e naturalmente, para os seus credores.

No fundo dêste caso, ao lado da óbvia ignorância administrativa, existia também o fator da inerente desonestidade. Todos os bens particulares eram comprados em nome dos familiares do dono da emprêsa. As transações de compra tiveram lugar quando não havia ainda nenhum sinal de desastre iminente.

O que se destacava neste caso - e o que era verdadeiramente surpreendente - era a enorme credulidade das emprêsas de financiamento e dos bancos. O grau da falta das precauções por parte dos bancos e financiadores, quanto à extensão de créditos, era chocante.

Os especuladores particulares que fizeram empréstimos à emprêsa também ficaram grandemente prejudicados. Nesses círculos, porém, nos anos 1960-1964, era costumeiro não usar melhores garantias do que notas promissórias ou duplicatas, porque a tomada das garantias mais sólidas obrigatòriamente fazia o investidor vulnerável à fiscalização do impôsto de renda e conseqüente pagamento dêste tributo.

Mostramos abaixo quatro balanços anuais recalculados para refletir a realidade, deflacionados e sintetizados para os fins dêste artigo. Também, as demonstrações de várias contas com os dados preparados da mesma maneira.

Não foi possível obter os dados para a demonstração de lucros e perdas correspondente ao período que vai de dezembro de 1963 à data da concordata. Entretanto, já o período de 1960 a 1963 permite fazer uma análise interessantíssima. Olhando os dados monetários pode-se verificar que, sob a nova administração, entre 1960 e 1962, as atividades da emprêsa cresceram de aproximadamente 43%. Em 1963 houve um pequeno decréscimo de 5%, mais ou menos. Até aqui, tudo parecia bem.

Examinemos agora os dados da mesma demonstração, porém, em função dos valores de vendas.

Desde logo verifica-se uma anomalia administrativa. O custo de vendas, que em 1960 era da ordem de 56%, em 1961 chegou ao nível de 61%, crescendo em anos subseqüentes e atingindo 65% em 1963. Isso, apesar do aumento de volume de produção e aumento das facilidades fabris. A causa dêste fenômeno era a crescente desorganização da produção.

Suponhamos que os outros aumentos eram decorrentes do esfôrço do desenvolvimento da emprêsa. Isso, apesar de as despesas com a publicidade e financiamentos terem sido multiplicadas três vêzes no primeiro caso e quase dez vêzes no segundo.

Examinemos agora o movimento das contas de Lucros Suspensos, Reservas, e Adiantamentos, reconstruído abaixo. Êste demonstra que as retiradas de fundos pelo dono eram pesadas.

Já os dados relativos ao lucro, vendas e custos, revelam uma falta de contrôle administrativo e inexistência de um plano financeiro racional. Uma análise simples, não sofisticada, dos balanços anuais evidencia-o mais claramente.

Depreende-se dos dados acima que não era necessário recorrer à análise pormenorizada. Não seriam necessários os balanços mensais para se saber que a emprêsa não estava andando bem. Os dados estavam indicando claramente que a situação da emprêsa estava se deteriorando. No Ativo Circulante Líquido observa-se em 1961 um decréscimo de 38%. No mesmo ano, a Liquidez Geral acusa uma queda de mais de 100%, descendo abaixo do índice 1,0. Quanto à situação financeira, já em 1960 não era muito boa, demonstrando um deficit de 50 - um alerta, sinalizando a catástrofe mais de três anos antes do acontecimento. Além de tudo isso, na mesma época, anos de 1960 e 1961, pediram concordata ou faliram quatro firmas do mesmo ou associado ramo no qual operava a emprêsa examinada.

Para encerrar a nossa dissertação sôbre êste caso voltamos a um interessante aspecto das demonstrações de lucros e perdas. Examinando as demonstrações preparadas em função de vendas observa-se um decréscimo das despesas de vendas e administração. Normalmente, esta seria uma tendência muito louvável em qualquer emprêsa. Na emprêsa examinada, a despesa que em 1960 representava 32% do valor de vendas, em 1963 chegou a representar sòmente 21,3%. Vale agora examinar os dados monetários.

Durante o período em exame, as despesas com as vendas mantinham-se numa ligeira ascensão; não proporcional ao crescimento das vendas - como tivemos a possibilidade de verificar - porém suficiente para o aumento que tiveram. A esta altura, observamos que a publicidade usada não deve ser tomada em conta, porque servia apenas para colocar o nome da emprêsa no âmbito nacional, projetando socialmente o dono da emprêsa.

Entretanto, as despesas com a administração, apesar do crescente volume da produção e vendas, foram mantidas quase estacionárias, acusando ainda um pequeno decréscimo monetário já nos anos de 1961 e 1962. O decréscimo foi conseguido através da demissão de alguns funcionários e admissão de outros menos categorizados, de menor responsabilidade profissional, porém mais baratos.

Foi mencionada acima a atitude do dono da emprêsa quanto aos dados e informações sôbre as atividades desta. De certa maneira, o tratamento econômico do setor responsável pelo registro e fornecimento dêsses dados era uma conseqüência lógica daquela atitude.

Eventualmente o setor ficou com um baixo nível profissional, não podendo dar conta do trabalho causado pelo aumento do movimento. De outro lado, a sua função ficou totalmente desvirtuada no momento em que o setor foi forçado a ocupar-se com a emissão de títulos "frios".

CONCLUSÃO

A Emprêsa. O nosso estudo é um a mais que confirma a validade de tais conceitos clássicos da boa administração como:

• todos os dados sôbre as operações e situação da emprêsa devem estar sempre em ordem, atualizados, e com seu registro em dia;

• a realidade e veracidade dos dados registrados é imprescindível para administração consciente da emprêsa;

• os problemas devem ser avaliados a luz da realidade e sua solução deve ser obtida em tempo hábil para tomada das decisões corretas;

• as decisões não devem ser deixadas à sorte e ao sabor do tempo;

• as bases usadas para tomada das decisões devem ser reais. As decisões podem variar de uma simples correção dos defeitos das operações ou de soluções de simples problemas, até a modificação de tôda política operacional da emprêsa ou a sua liquidação;

• qualquer emprêsa deve existir em função do seu ambiente cujo comportamento deve ser constantemente observado pelos dirigentes da mesma. Os planos e tôda a vida da emprêsa devem ser sempre adaptados às condições do ambiente, especialmente àquelas condições que, a longo prazo, representam a estruturabase do ambiente.

Das considerações anteriores segue que os principais fatôres que podem destruir qualquer emprêsa, são os seguintes:

• falta de planejamento;

• falta de dados e informações;

• dirigentes irresponsáveis;

• falta de contrôle e, em certos casos, de boa auditoria.

Os Dirigentes. Nenhum dos dirigentes, componentes desta amostra, se preocupava com a criação de uma equipe de especialistas que poderiam ser os seus mais próximos colaboradores, em se tratando de emprêsas maiores. Dos que dirigiam as emprêsas pequenas, nenhum se preocupava com a formação de seus substitutos imediatos. Quase sem exceção, êsses dirigentes eram assessorados por indivíduos ineficientes ou totalmente ignorantes, porém, bajuladores.

Considerando o fato de que a amostra estudada era muito pequena, dificilmente podemos insistir no seu valor estatístico. Mas como as qualidades encontradas alinham-se ao longo de certos conceitos gerais da psicologia, podemos emitir uma opinião provisória sôbre os indivíduos, componentes da nossa amostra. Segue que os tipos que possuem os traços de caráter, ou melhor, os indivíduos que psicologicamente se enquadrassem nas mesmas categorias nas quais se enquadram os quarenta e um homens da nossa amostra, não deveriam ser empossados nos cargos de grande responsabilidade e confiança.

Sob pressão dos acontecimentos, os indivíduos dotados daquelas qualidades deixam de raciocinar fria e logicamente e se deixam dirigir ou controlar pelos fatôres ou acontecimentos que deveriam ter sob seu pleno contrôle.

Considerações Finais. Seria ridículo pretender ou deixar a impressão de que com uma boa administração uma emprêsa possa existir eternamente, dentro do mesmo ambiente, com a mesma estrutura. Evidentemente isto não é possível. A emprêsa é um organismo, um sistema, e como qualquer outro organismo ou sistema deve obedecer às leis que regem a sua existência e a do seu ambiente. A diferença, porém, entre as leis que regem a vida da emprêsa e a vida dos organismos vivos é que as primeiras, em sua grande maioria, foram concebidas pelo homem. Assim, a existência da emprêsa depende quase totalmente das decisões dos dirigentes.

Quando a existência da emprêsa perde o objetivo, deve ser tomada uma das seguintes alternativas:

• estudo e estabelecimento de novos objetivos que permitam a continuação da existência da emprêsa;

• liquidação das atividades da mesma.

Ambas as medidas devem ser tomadas em tempo hábil, bem antes que a situação comece a forçar a decisão. Tanto a primeira como a segunda alternativas devem ser préplanejadas para não ocasionar prejuízo. Qualquer que seja a decisão, deve ser ela tomada com base nos dados verídicos e atualizados.

Não tendo por fôrça promotora fatôres tais como desastres ou desarranjos econômicos muito súbitos e de enorme grandeza, não há justificação para uma emprêsa chegar a situações que exigem a proteção concordatária. E quando se fala de desastres, podemos admitir como justificação somente aquêles contra os quais não há meios de previsão ou proteção.

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    O autor agradece ao Prof. ANTONIO MASSA, Diretor e Controlador do Grupo IBEC, pela sua colaboração na sintetização dos dados numéricos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1968
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