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Sucessão em Empresas Familiares: Um Olhar a partir do Conceito de Conatus

RESUMO

Objetivo:

objetiva-se, com este artigo, introduzir algumas contribuições do conceito de conatus para a pesquisa sobre sucessão em empresas familiares.

Métodos:

a sucessão tem sido uma das temáticas mais discutidas no campo de estudos sobre empresas familiares. O presente trabalho, de natureza teórica, procura agregar contribuições a essa literatura, compreendendo a dinâmica da sucessão através da exploração do quadro teórico-conceitual desenvolvido por Bourdieu.

Resultados:

o conatus pode ser interpretado como um projeto cultivado pela família e que deve ser perpetuado para e pelas futuras gerações. Assim, a compreensão da sucessão a partir deste conceito permite, dentre outras possibilidades, apreender as particularidades da transmissão do projeto construído pelo fundador para as gerações sucessoras da família, que seriam os responsáveis por perpetuar ou não o conatus.

Conclusão:

o conceito de conatus, posicionado no âmbito do quadro teórico-analítico mais amplo trabalhado por Bourdieu, oferece alternativas para a compreensão e a explicação da sucessão em empresas familiares de uma forma mais consistente e aproximada da realidade observada nesses processos, fornecendo fundamentos que podem contribuir para a elucidação de perspectivas ainda pouco exploradas na literatura sobre esse tipo de organização.

Palavras-chave:
empresa familiar; sucessão; família; Pierre Bourdieu

ABSTRACT

Objective:

the purpose of this paper is to introduce some contributions of the conatus concept to the research of family business succession.

Methods:

succession is one of the most discussed topics in family business research. Hence, this theoretical paper aims to collaborate to the field through the exploration of Bourdieu’s conceptual framework.

Results:

the conatus is a family project that should be perpetuated for and by its future generations. The understanding of succession processes through this concept enables, among other possibilities, the comprehension of elements such as the transmission of a founder’s project to next generations of a business family responsible for the conatus perpetuation.

Conclusion:

the conatus, a concept positioned within Bourdieu’s broader theoretical framework, offers alternatives for understanding and explaining the succession in family businesses in a more consistent, precise way, thus providing analytical foundations that can contribute for deepening our knowledge on still little explored topics in the field.

Keywords:
family business; succession; family; Pierre Bourdieu

INTRODUÇÃO

O campo de pesquisas sobre empresas familiares tem apresentado importante evolução ao longo das últimas décadas (Holt, Pearson, Payne, & Sharma, 2018Holt, D. T., Pearson, A. W., Payne, G. T., & Sharma, P. (2018). Family business research as a boundary-spanning platform. Family Business Review, 31(1), 14-31. https://doi.org/10.1177/0894486518758712
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; Payne, 2020; Sharma, Chrisman, & Gersick, 2012)Chrisman, J. J., Chua, J. H., Pearson, A. W., & Barnett, T. (2012). Family involvement, family influence, and family-centered non-economic goals in small firms. Entrepreneurship Theory and Practice, 36(2), 267-293. https://doi.org/10.1111/j.1540-6520.2010.00407.x
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. As pesquisas sobre esse tipo de organização têm sido conduzidas a partir de uma variedade de temáticas e abordagens teóricas (Short, Sharma, Lumpkin, & Pearson, 2016)Short, J. C., Sharma, P., Lumpkin, G. T., & Pearson, A. W. (2016). Oh, the places we’ll go! Reviewing past, present, and future possibilities in family business research. Family Business Review, 29(1), 11-16. https://doi.org/10.1177/0894486515622294
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. Entre os temas estudados de forma recorrente, destacam-se a sucessão, a interação entre família e empresa, a estratégia, o empreendedorismo, a governança e estruturas de propriedade, as diferenças entre empresas familiares e não familiares, a cultura e o desempenho (Borges, Lescura, & Oliveira, 2012Lescura, C., Brito, M. J., Borges, A. F., & Cappelle, M. C. A. (2012). Representações sociais sobre as relações de parentesco: Estudo de caso em um grupo empresarial familiar. Revista de Administração Contemporânea, 16(1), 98-117. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552012000100007
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; Litz, Pearson, & Litchfield, 2012Litz, R. A., Pearson, A. W., & Litchfield, S. (2012). Charting the future of family business research: Perspectives from the field. Family Business Review, 25(1), 16-32. https://doi.org/10.1177/0894486511418489
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; Sharma, 2004). Esses temas convergem para a constituição de um quadro teórico-analítico amplo e diversificado, que viabiliza a problematização das particularidades estratégicas, gerenciais e organizacionais de empresas familiares.

Nesse cenário, há espaço para a consideração de elementos específicos que contribuem para a compreensão da natureza de organizações familiares. De um lado, verificam-se elementos de natureza empresarial, incluindo a estratégia, o planejamento estratégico, o planejamento da sucessão, a governança, a profissionalização e o desempenho, constituindo variáveis que permitem apreender diferenças em relação a empresas não familiares (De Massis, Kotlar, Campopiano, & Cassia, 2015De Massis, A., Kotlar, J., Campopiano, G., & Cassia, L. (2015). The impact of family involvement on SME’s performance: Theory and evidence. Journal of Small Business Management, 53(4), 924-948. https://doi.org/10.1111/jsbm.12093
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; Jayamohan, Mckelvie, & Moss, 2017)Jayamohan, P., Mckelvie, A., & Moss, T. W. (2017). Blame you, blame me: Exploring attribution differences and impact in family and nonfamily firms. Family Business Review, 30(3), 284-308. https://doi.org/10.1177/0894486517722887
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. De outro lado, verificam-se elementos de natureza familiar, incluindo aspectos vinculados às dinâmicas sociais, emocionais, culturais, simbólicas e às relações familiares, configurando perspectivas para a identificação da heterogeneidade entre diferentes tipos de empresas familiares (Chrisman, Chua, Pearson, & Barnett, 2012Chrisman, J. J., Chua, J. H., Pearson, A. W., & Barnett, T. (2012). Family involvement, family influence, and family-centered non-economic goals in small firms. Entrepreneurship Theory and Practice, 36(2), 267-293. https://doi.org/10.1111/j.1540-6520.2010.00407.x
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; Neubaum, Kammerlander, & Brigham, 2019)Neubaum, D. O., Kammerlander, N., & Brigham, K. H. (2019). Capturing family firm heterogeneity: How taxonomies and typologies can help the field move forward. Family Business Review, 32(2), 106-130. https://doi.org/10.1177/0894486519848512
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.

Entre os tópicos de investigação que concentram a produção científica, a sucessão tem sido a temática mais investigada no campo de estudos sobre empresas familiares (Borges et al., 2012Borges, A. F., & Lima, J. B. (2012). O processo de construção da sucessão empreendedora em empresas familiares: Um estudo multicaso. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, 1(1), 131-154. http://dx.doi.org/10.14211/regepe.v1i1.17
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; Cisneros, Ibanescu, Keen, Lobato-Calleros, & Niebla-Zatarain, 2018Cisneros, L., Ibanescu, M., Keen, C., Lobato-Calleros, O., & Niebla-Zatarain, J. (2018). Bibliometric study of family business succession between 1939 and 2017: Mapping and analyzing authors’ networks. Scientometrics, 117, 919-951. https://doi.org/10.1007/s11192-018-2889-1
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; Daspit, Holt, Chrisman, & Long, 2016)Daspit, J. J., Holt, D. T., Chrisman, J. J., & Long, R. G. (2016). Examining family firm succession from a social exchange perspective: A multiphase, multistakeholder view. Family Business Review, 29(1), 44-64. https://doi.org/10.1177/0894486515599688
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. A maior parte desses estudos possui enfoque em aspectos empresariais, como governança, desempenho, crescimento e fatores de sucesso e fracasso (Borges & Lescura, 2012)Lescura, C., Brito, M. J., Borges, A. F., & Cappelle, M. C. A. (2012). Representações sociais sobre as relações de parentesco: Estudo de caso em um grupo empresarial familiar. Revista de Administração Contemporânea, 16(1), 98-117. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552012000100007
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. No entanto, o assunto ainda demanda novas pesquisas, uma vez que existem elementos críticos desse processo que não foram compreendidos com amplitude e profundidade na literatura (Basco, Calabrò, & Campopiano, 2019Basco, R., Calabrò, A., & Campopiano, G. (2019). Transgenerational entrepreneurship around the world: implications for family business research and practice. Journal of Family Business Strategy, 10(4), 100-249. https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2018.03.004
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; Bizri, 2016)Bizri, R. (2016). Succession in the family business: Drivers and pathways. International Journal of Entrepreneurial Behavior & Research, 22(1), 133-154. https://doi.org/10.1108/IJEBR-01-2015-0020
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.

Diante disso, tem-se a problemática que motivou a elaboração do presente artigo. A complexidade da sucessão é derivada, entre outras questões, da responsabilidade, depositada no futuro herdeiro, de perpetuação do legado da família. E esse legado carrega aspectos tanto objetivos e materiais como subjetivos e simbólicos imbricados no empreendimento familiar. Esse contexto tem sido explorado por alguns estudos sobre a sucessão em empresas familiares (Blumentritt, 2016Blumentritt, T. P. (2016). Bringing successors into the fold: The impact of founders’ actions on successors. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1261-1267. https://doi.org/10.1111/etap.12245
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; Carr, Chrisman, Chua, & Steier, 2016Carr, J. C., Chrisman, J. J., Chua, J. H., & Steier, L. P. (2016). Family firm challenges in intergenerational wealth transfer. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1197-1208. https://doi.org/10.1111/etap.12240
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; Gagné, Marwick, Pontet, & Wrosch, 2019Gagné, M., Marwick, C., Pontet, S. B., & Wrosch, C. (2019). Family business succession: What’s motivation got to do with it? Family Business Review, in press. https://doi.org/10.1177/0894486519894759
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; Jaskiewicz, Combs, & Rau, 2015Jaskiewicz, P., Combs, J. G., & Rau, S. B. (2015). Entrepreneurial legacy: Toward a theory of how some family firms nurture transgenerational entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 30(1), 29-49. https://doi.org/10.1016/j.jbusvent.2014.07.001
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; Parker, 2016Parker, S. C. (2016). Family firms and the “willing successor” problem. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1241-1259. https://doi.org/10.1111/etap.12242
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; Richards, Kammerlander, & Zellweger, 2019)Richards, M., Kammerlander, N., & Zellweger, T. (2019). Listening to the heart or the head? Exploring the “willingness versus ability” succession dilemma. Family Business Review, 32(4), 330-353. http://dx.doi.org/10.1177/0894486519833511
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. No entanto, esses trabalhos não recorrem a abordagens teóricas mais adequadas à compreensão de elementos de natureza subjetiva, como é o caso do conceito de conatus, explorado por Pierre Bourdieu (2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves..

O conatus pode ser compreendido como um projeto cultivado pela família e que deve ser perpetuado para as futuras gerações. Cumpre destacar que o referido termo, conforme salientado por Bourdieu (2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves., não se resume simplesmente a um projeto de natureza física, material, objetiva - como um patrimônio, uma organização. A noção de conatus apresentada pelo autor contempla os valores, as crenças, os sentimentos e as emoções que estão envolvidos nesse projeto construído e desenvolvido pelos progenitores.

Logo, tomando como base a concepção de conatus, tem-se uma contribuição teórico-analítica em potencial para o avanço e o desenvolvimento de estudos sobre a sucessão em empresas familiares. Trata-se, pois, de passar a reconhecer a importância da sucessão nesse cenário como fundamentada não apenas na continuidade de uma transição formal e de cunho meramente gerencial e patrimonial, mas, essencialmente, na perpetuação de elementos simbólicos que envolvem o projeto familiar.

Bourdieu (2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves. coloca em perspectiva as possibilidades de adesão ou não do herdeiro ao projeto familiar e discorre sobre as discordâncias que podem emergir quando ele não se identifica com o projeto cultivado pelos membros da família. Negar o conatus pode representar um peso muito maior para o predecessor, pois tal negação não se resume simplesmente ao término da organização, podendo levar à morte simbólica dos valores e tradições construídos e cultuados pela família. Assim, a partir do conatus, seria possível compreender melhor a manifestação da sucessão e o modo como ela é endereçada pelos atores envolvidos (progenitor/herdeiro), ressaltando o papel de cada um deles na reprodução do legado familiar (patrimonial e simbólico).

Essa abordagem é relevante, uma vez que permite a exploração de uma lacuna da investigação sobre a sucessão em empresas familiares. Com efeito, há um número expressivo de trabalhos nacionais e internacionais que realizam diálogos entre as teorias de Pierre Bourdieu com os estudos organizacionais (Everett, 2002Everett, J. (2002). Organizational research and the praxeology of Pierre Bourdieu. Organizational Research Methods, 5(1), 56-80. https://doi.org/10.1177/1094428102051005
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; Misoczky, 2003Misoczky, M. C. A. (2003) Implicações do uso das formulações sobre campo de poder e ação de Bourdieu nos estudos. Revista de Administração Contemporânea, 7(spe), 9-30. https://doi.org/10.1590/S1415-65552003000500002
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; Sieweke, 2014Sieweke, J. (2014). Pierre Bourdieu in management and organization studies - A citation context analysis and discussion of contributions. Scandinavian Journal of Management, 30(4), 532-543. https://doi.org/10.1016/j.scaman.2014.04.004
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; Simione & Matos, 2017)Simione, A. A., & Matos, F. (2017). O campo em Bourdieu e a produção científica em administração pública no Brasil. Espacios, 38(11), 1-14. Retrieved from https://www.revistaespacios.com/a17v38n11/a17v38n11p01.pdf
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sem, contudo, fazerem menção às empresas familiares. Mais ainda, também não é possível identificar nas obras de Bourdieu qualquer referência a esses empreendimentos (Queiroz, 2008)Queiroz, V. S. (2008). The good, the bad and the ugly: Estudo sobre pequenas e médias empresas familiares brasileiras a partir da teoria da ação de Bourdieu. Cadernos EBAPE.BR, 6(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512008000100006
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, embora muitas de suas teorias apresentem reflexões sobre a instituição família (Bourdieu, 1996a). Isso demonstra o potencial da aplicação de seu arcabouço teórico-conceitual para compreender a complexidade de tais organizações (James, Hadjielias, Guerrero, Cruz, & Basco, 2020James, A., Hadjielias, E., Guerrero, M., Cruz, A. D., & Basco, R. (2020). Entrepreneurial families in business across generations, contexts, and cultures. Journal of Family Business Management, in press. https://doi.org/10.1108/JFBM-01-2020-0003
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; Kushins & Behounek, 2020)Kushins, E. R., & Behounek, E. (2020). Using sociological theory to problematize family business research. Journal of Family Business Strategy, 11(1), 100-337. https://doi.org/10.1016/j.jfbs.2020.100337
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.

Valendo-se, então, desta constatação, desloca-se aqui a discussão para o processo sucessório dessas empresas. Entre muitas interpretações dadas ao conatus, a atenção recairá no legado material e imaterial desse projeto. Assim, as perguntas que norteiam o presente trabalho são: O que influencia um processo sucessório? O que há de diferente na sucessão das empresas familiares? O modo como o conatus é significado pelos herdeiros interfere na reprodução do projeto familiar? Como acontece esse trabalho de reprodução entre progenitor e herdeiro? Para responder a estes questionamentos, objetiva-se, com este artigo, introduzir algumas contribuições do conceito de conatus para a pesquisa sobre sucessão em empresas familiares. Espera-se discutir alternativas de aplicação do quadro teórico-conceitual desenvolvido por Bourdieu (2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves., demonstrando como a referida concepção pode oferecer caminhos para a compreensão de aspectos particulares da manifestação de processos sucessórios nesse tipo de organização.

Para tanto, o texto é organizado como segue. Primeiro, procura-se discorrer sobre as particularidades dos processos de sucessão, desvelando algumas perspectivas que evidenciam sua face simbólica. Na sequência, alguns conceitos de Pierre Bourdieu são apresentados, de modo a preparar o leitor para a compreensão do conatus. Finalmente, articula-se a abordagem teórica de Bourdieu com os estudos sobre empresas familiares, apresentando de que maneira a concepção de conatus é capaz de auxiliar na compreensão mais complexa do processo sucessório. Por fim, são apresentadas algumas conclusões deste artigo teórico, destacando suas contribuições e apontando possibilidades para estudos futuros.

EMPRESAS FAMILIARES E SEUS PROCESSOS SUCESSÓRIOS

Empresas familiares constituem um tipo particular de organização. Essas organizações são caracterizadas a partir de uma relação de origem, que envolve a dimensão empresarial e a dimensão familiar (Holt et al., 2018)Holt, D. T., Pearson, A. W., Payne, G. T., & Sharma, P. (2018). Family business research as a boundary-spanning platform. Family Business Review, 31(1), 14-31. https://doi.org/10.1177/0894486518758712
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. Essa relação delimita uma dinâmica singular (Powel & Eddleston, 2017), em que se fazem presentes elementos econômicos e sociais na estrutura organizacional (Chrisman et al., 2012)Chrisman, J. J., Chua, J. H., Pearson, A. W., & Barnett, T. (2012). Family involvement, family influence, and family-centered non-economic goals in small firms. Entrepreneurship Theory and Practice, 36(2), 267-293. https://doi.org/10.1111/j.1540-6520.2010.00407.x
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. Lima (1999)Lima, A. P. (1999). Sócios e parentes: Valores familiares e interesses econômicos nas grandes empresas familiares portuguesas. Etnográfica, 3(1), 87-112. Retrieved from https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/11728/1/Vol_iii_N1_87-112.pdf
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afirma que as relações familiares e empresariais se conectam continuamente, originando valores, comportamentos, sentimentos e formas de ação distintos. Diante disso, “a própria expressão ‘empresa familiar’ seria, por si só, um paradoxo” (Queiroz, 2008Queiroz, V. S. (2008). The good, the bad and the ugly: Estudo sobre pequenas e médias empresas familiares brasileiras a partir da teoria da ação de Bourdieu. Cadernos EBAPE.BR, 6(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512008000100006
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, p. 9), estruturado a partir de agentes que interagem sob uma perspectiva dialética, representando perspectivas opostas - família e organização - em sua origem (Combs, Shanine, Burrows, Allen, & Pounds, 2020)Combs, J. G., Shanine, K. K., Burrows, S., Allen, J. S., & Pounds, T. W. (2020). What do we know about business families? Setting the stage for leveraging family science theory. Family Business Review, 33(1), 38-63. https://doi.org/10.1177/0894486519863508
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.

Cumpre destacar ainda o papel da sucessão como uma particularidade organizacional e elemento distintivo de empresas familiares. De modo geral, autores da área têm apontado que a sucessão é comumente regulada por aspectos que configuram um processo composto por etapas cumulativas. Esses processos envolvem a própria criação da empresa familiar, a definição de um planejamento da sucessão, o estabelecimento de critérios para a seleção, socialização e preparação de potenciais sucessores, e a delimitação de mecanismos de governança para viabilizar a transição geracional (Daspit et al., 2016Daspit, J. J., Holt, D. T., Chrisman, J. J., & Long, R. G. (2016). Examining family firm succession from a social exchange perspective: A multiphase, multistakeholder view. Family Business Review, 29(1), 44-64. https://doi.org/10.1177/0894486515599688
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; Teston & Filippim, 2016)Teston, S. F., & Filippim, E. S. (2016). Perspectivas e desafios da preparação de sucessores para empresas familiares. Revista de Administração Contemporânea, 20(5), 524-545. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac2016150033
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. No entanto, Carr, Chrisman, Chua e Steier (2016)Carr, J. C., Chrisman, J. J., Chua, J. H., & Steier, L. P. (2016). Family firm challenges in intergenerational wealth transfer. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1197-1208. https://doi.org/10.1111/etap.12240
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também sugerem que a interação entre membros de diferentes gerações é baseada em um conjunto mais amplo de valores, sentimentos e emoções, que impõem desafios sobre a dinâmica e sobre a efetividade desses processos.

Ao envolver a transferência da gestão e da propriedade entre diferentes gerações de uma família (Carr et al., 2016)Carr, J. C., Chrisman, J. J., Chua, J. H., & Steier, L. P. (2016). Family firm challenges in intergenerational wealth transfer. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1197-1208. https://doi.org/10.1111/etap.12240
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, a sucessão pode ser visualizada como um processo socialmente construído (Borges & Lima, 2012)Borges, A. F., & Lima, J. B. (2012). O processo de construção da sucessão empreendedora em empresas familiares: Um estudo multicaso. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, 1(1), 131-154. http://dx.doi.org/10.14211/regepe.v1i1.17
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, baseado na junção da esfera organizacional com a esfera familiar (Litz, 2008)Litz, R. A. (2008). Two sides of a one-sided phenomenon: Conceptualizing the family business and business family as a möbius strip. Family Business Review, 21(3), 217-236. https://doi.org/10.1177/08944865080210030104
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. Trata-se de um processo contínuo, dinâmico, que começa com o nascimento dos sucessores e que considera diferentes aspectos da empresa familiar e da família na empresa, tais como os fatores gerenciais, familiares, culturais, sociais e estratégicos (Lambrecht, 2005)Lambrecht, J. (2005). Multigenerational transition in family businesses: A new explanatory model. Family Business Review, 18(4), 267-282. https://doi.org/10.1111/j.1741-6248.2005.00048.x
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. Além disso, a sucessão contempla uma transferência ideológica, uma mudança na estrutura de poder que promove a emergência de novos jogos e relações para a organização (Brockhaus, 2004Brockhaus, R. H. (2004). Family business succession: Suggestions for future research. Family Business Review, 17(2), 165-177. https://doi.org/10.1111/j.1741-6248.2004.00011.x
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; Tucker, 2011)Tucker, J. (2011). Keeping the business in the family and the family in business: What is the legacy? Journal of Family Business Management, 1(1), 65-73. https://doi.org/10.1108/20436231111122290
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.

Sharma (2004)Sharma, P. (2004). An overview of the field of family business studies: Current status and directions for the future. Family Business Review, 17(1), 1-36. https://doi.org/10.1111/j.1741-6248.2004.00001.x
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destaca que a sucessão envolve três perspectivas centrais, associadas ao desejo de sobrevivência da empresa, ao comprometimento de manutenção da empresa no âmbito da família, e à possibilidade de a geração sucessora dar continuidade ao projeto instituído pela geração predecessora. Por um lado, os membros da família objetivam a sobrevivência da empresa, buscando o crescimento da organização e a inserção de novas práticas de gestão, inovações e estratégias (Zellweger, Nason, & Nordqvist, 2012)Zellweger, T. M., Nason, R. S., & Nordqvist, M. (2012). From longevity of firms to transgenerational entrepreneurship of families: Introducing family entrepreneurial orientation. Family Business Review, 25(2), 136-155. https://doi.org/10.1177/0894486511423531
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, pois ela se constitui como fonte e provimento de recursos. Por outro, a família deseja que a empresa tenha continuidade ao longo do tempo, pois, além do aspecto econômico, existe também uma ligação emocional para com a organização (Litz, 2008)Litz, R. A. (2008). Two sides of a one-sided phenomenon: Conceptualizing the family business and business family as a möbius strip. Family Business Review, 21(3), 217-236. https://doi.org/10.1177/08944865080210030104
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. Essa relação, revestida ao mesmo tempo de aspectos racionais e simbólicos, leva ao desejo de manutenção da empresa no âmbito da família (De Massis, Chua, & Chrisman, 2008)De Massis, A., Chua, J. H., & Chrisman, J. J. (2008). Factors preventing intra-family succession. Family Business Review, 21(2), 183-199. https://doi.org/10.1111/j.1741-6248.2008.00118.x
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. A manutenção desse controle envolveria a intenção de a geração predecessora transmitir a empresa para membros de futuras gerações, bem como a intenção de a geração sucessora integrar e assumir papéis na condução dos negócios, garantindo, assim, a continuidade da organização (Jaskiewicz et al., 2015)Jaskiewicz, P., Combs, J. G., & Rau, S. B. (2015). Entrepreneurial legacy: Toward a theory of how some family firms nurture transgenerational entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 30(1), 29-49. https://doi.org/10.1016/j.jbusvent.2014.07.001
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.

A partir dessa perspectiva, a sucessão na empresa familiar assume um caráter gerencial, passando a ser objeto de ações de planejamento, com a entrada gradativa dos herdeiros na organização (Teston & Filippim, 2016)Teston, S. F., & Filippim, E. S. (2016). Perspectivas e desafios da preparação de sucessores para empresas familiares. Revista de Administração Contemporânea, 20(5), 524-545. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac2016150033
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. Nota-se que, quando o predecessor transfere a empresa para seu(s) sucessor(es), ela pode ser reposicionada estrategicamente, assumindo novos enfoques gerenciais e expandindo seu campo de atuação. Entretanto, esse processo pode se dar de modo inesperado e repentino, por motivo de falecimento, acidente ou doença, obrigando o predecessor a se afastar da condução dos negócios (Lodi, 1998)Lodi, J. B. (1998). A empresa familiar. São Paulo: Pioneira.. Nesse caso, a organização pode sofrer com a falta de preparação e capacitação do(s) sucessor(es), fato que pode contribuir para a descontinuidade do negócio. Portanto, verifica-se a necessidade de se adotar ações para planejar a sucessão e preparar a geração sucessora para o desafio de garantir a sobrevivência do empreendimento (Teston & Filippim, 2016).

Um sujeito que merece destaque no processo sucessório é o fundador (De Massis, Sieger, Chua, & Vismara, 2016)De Massis, A., Sieger, P., Chua, J. H., & Vismara, S. (2016). Incumbents’ attitude toward intrafamily succession: An investigation of its antecedents. Family Business Review, 29(3), 278-300. https://doi.org/10.1177/0894486516656276
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, pois é ele quem molda a cultura organizacional, mediante suas próprias crenças e valores (Pereira, Vieira, Garcia, & Roscoe, 2013)Pereira, A. C. S., Vieira, A., Garcia, F. C., & Roscoe, M. T. A. (2013). Desconstrução do mito e sucessão do fundador em empresas familiares. Revista de Administração Contemporânea, 17(5), 518-535. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552013000500002
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. Apesar de ser uma figura soberana nas empresas familiares, o fundador pode ter que se ausentar da gestão a qualquer momento em razão das próprias condições humanas, ou mesmo vir a falecer. Isso não implica, necessariamente, o término da gestão organizacional, visto que há possibilidade de prosseguimento das atividades do empreendimento sob a responsabilidade de novos dirigentes. Contudo, a morte representa um evento crítico na história da organização, pois resulta tanto em alterações no universo simbólico quanto em modificações nas relações de trabalho. É possível dizer que a morte do fundador representa para os integrantes da organização uma ruptura com a velha ordem, acompanhada de certo receio e angústia. Esses agentes irão transitar de uma situação de conforto para uma nova condição, caracterizada por incertezas e instabilidade, já que possivelmente será necessária uma reestruturação organizacional, com a realocação de funcionários, a fim de que eles assumam novos papéis e responsabilidades (Lourenço & Ferreira, 2012)Lourenço, C. D. S., & Ferreira, P. A. (2012). Cultura organizacional e mito fundador: Um estudo de caso em uma empresa familiar. Gestão & Regionalidade, 28(84), 61-76. https://doi.org/10.13037/gr.vol28n84.1630
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Assim como o fundador representa uma das peças-chave na sucessão, o herdeiro também é essencial nesse processo, uma vez que a interação entre ambos pode gerar inúmeros tipos de implicações e interferências sobre a gestão e a condução das atividades da empresa familiar (Blumentritt, 2016)Blumentritt, T. P. (2016). Bringing successors into the fold: The impact of founders’ actions on successors. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1261-1267. https://doi.org/10.1111/etap.12245
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. Não obstante, nem sempre a entrada do sucessor na organização acontece de forma tranquila, pois assumir o projeto familiar pode não ser o desejo do herdeiro (Parker, 2016)Parker, S. C. (2016). Family firms and the “willing successor” problem. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1241-1259. https://doi.org/10.1111/etap.12242
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. Os sucessores podem se encontrar no dilema de assumir a empresa da família ou seguir carreira profissional fora do negócio, desvencilhando-se do empreendimento familiar (Flores & Grisci, 2012Flores, J. E. Jr., & Grisci, C. L. I. (2012). Dilemas de pais e filhos no processo sucessório de empresas familiares. Revista de Administração, 47(2), 325-337. Retrieved from https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0080210716302321
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; Richards et al., 2019)Richards, M., Kammerlander, N., & Zellweger, T. (2019). Listening to the heart or the head? Exploring the “willingness versus ability” succession dilemma. Family Business Review, 32(4), 330-353. http://dx.doi.org/10.1177/0894486519833511
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. Desse modo, um dos elementos fundamentais no processo sucessório é analisar se e como os possíveis herdeiros se identificam com o projeto familiar e se possuem o desejo de perpetuá-lo para as próximas gerações (Gagné et al., 2019)Gagné, M., Marwick, C., Pontet, S. B., & Wrosch, C. (2019). Family business succession: What’s motivation got to do with it? Family Business Review, in press. https://doi.org/10.1177/0894486519894759
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. É necessário que o sucessor esteja envolvido afetivamente com o sentido de dar continuidade à organização (Jaskiewicz et al., 2015)Jaskiewicz, P., Combs, J. G., & Rau, S. B. (2015). Entrepreneurial legacy: Toward a theory of how some family firms nurture transgenerational entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 30(1), 29-49. https://doi.org/10.1016/j.jbusvent.2014.07.001
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. Portanto, é válido que o fundador empreenda o esforço de educar os herdeiros, respeitando também os seus desejos pessoais, de modo a prepará-los para assumir futuramente a direção dos negócios.

A partir disso, torna-se fundamental compreender as empresas familiares, especialmente o processo sucessório, através de um prisma abrangente, que possibilite envolver elementos além da esfera financeira, econômica, administrativa, e que, sobretudo, ofereça respaldo para compreender seus aspectos simbólicos, a estrutura parental e as relações entre os agentes (Lescura, Brito, Borges, & Cappelle, 2012)Lescura, C., Brito, M. J., Borges, A. F., & Cappelle, M. C. A. (2012). Representações sociais sobre as relações de parentesco: Estudo de caso em um grupo empresarial familiar. Revista de Administração Contemporânea, 16(1), 98-117. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552012000100007
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.

De fato, esse campo de estudos tem apontado para a realização de pesquisas que valorizem a sucessão a partir de aspectos subjetivos. Esses tópicos de investigação incluem o papel de predecessores em delimitar simbolicamente o referido processo (De Massis et al., 2016De Massis, A., Sieger, P., Chua, J. H., & Vismara, S. (2016). Incumbents’ attitude toward intrafamily succession: An investigation of its antecedents. Family Business Review, 29(3), 278-300. https://doi.org/10.1177/0894486516656276
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; Dou, Su, Shengxiao, & Holt, 2020)Dou, J., Su, E., Shengxiao, L., & Holt, D. T. (2020). Transgenerational entrepreneurship in entrepreneurial families: What is explicitly learned and what is successfully transferred? Entrepreneurship and Regional Development, in press. https://doi.org/10.1080/08985626.2020.1727090
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, a intenção de sucessores em fazer parte da empresa familiar (Gagné et al., 2019Gagné, M., Marwick, C., Pontet, S. B., & Wrosch, C. (2019). Family business succession: What’s motivation got to do with it? Family Business Review, in press. https://doi.org/10.1177/0894486519894759
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; Parker, 2016)Parker, S. C. (2016). Family firms and the “willing successor” problem. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1241-1259. https://doi.org/10.1111/etap.12242
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e a forma como estes assimilam e ressignificam a transição geracional (Blumentritt, 2016Blumentritt, T. P. (2016). Bringing successors into the fold: The impact of founders’ actions on successors. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1261-1267. https://doi.org/10.1111/etap.12245
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; Richards et al., 2019)Richards, M., Kammerlander, N., & Zellweger, T. (2019). Listening to the heart or the head? Exploring the “willingness versus ability” succession dilemma. Family Business Review, 32(4), 330-353. http://dx.doi.org/10.1177/0894486519833511
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. Há também o envolvimento e a influência da família sobre a sucessão (Chrisman et al., 2012Chrisman, J. J., Chua, J. H., Pearson, A. W., & Barnett, T. (2012). Family involvement, family influence, and family-centered non-economic goals in small firms. Entrepreneurship Theory and Practice, 36(2), 267-293. https://doi.org/10.1111/j.1540-6520.2010.00407.x
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; Powel & Eddleston, 2017) e os fatores culturais e emocionais que limitam a efetividade desses processos (De Massis et al., 2008), entre outras possibilidades. Assim, a sucessão não deve ser compreendida apenas a partir de uma perspectiva estratégica empresarial, mas também por uma lógica subjetiva, própria do meio familiar (Chrisman et al., 2012; Lescura et al., 2012Lescura, C., Brito, M. J., Borges, A. F., & Cappelle, M. C. A. (2012). Representações sociais sobre as relações de parentesco: Estudo de caso em um grupo empresarial familiar. Revista de Administração Contemporânea, 16(1), 98-117. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552012000100007
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; Queiroz, 2008)Queiroz, V. S. (2008). The good, the bad and the ugly: Estudo sobre pequenas e médias empresas familiares brasileiras a partir da teoria da ação de Bourdieu. Cadernos EBAPE.BR, 6(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512008000100006
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, movimento que pode contribuir de forma importante para o debate mais amplo da pesquisa sobre empresas familiares. Portanto, neste trabalho, um dos elementos a serem explorados refere-se à instância familiar e às relações intergeracionais, a fim de buscar situar o papel da família como um dos elementos centrais, não apenas para a dinâmica organizacional, mas para toda a sucessão, o que inclui os significados atribuídos pelos herdeiros ao conatus familiar.

A CONCEPÇÃO DE CONATUS

O conceito de conatus foi apresentado por Pierre Bourdieu em um de seus artigos - “As contradições da herança” - publicado originalmente em 1993Bourdieu, P. (1993). La misère du monde. Paris: Seuil., na obra La misère du monde (Bourdieau, 1993). Para melhor compreensão da ideia de conatus, faz-se necessário perpassar, ainda que de forma breve, por outros conceitos explorados na obra do sociólogo.

O constructo teórico de Pierre Bourdieu fundamenta-se nos conceitos de campo e habitus. São conceitos que devem ser compreendidos separadamente, embora seja importante entender como eles se articulam. O campo é tratado por Bourdieu (1996b; 2004) como uma estrutura social relativamente autônoma com regras próprias de funcionamento que só apresentam sentido para aquele contexto específico, isto porque as lógicas que dinamizam o corpus e as instituições dos diferentes campos são muito distintas. Portanto, como um microcosmo, o campo apresenta-se relativamente autônomo, visto que possui leis próprias. Entretanto, na qualidade de macrocosmo, ele é submetido às leis sociais, o que significa que o campo não se encontra completamente isento dos fatores externos.

Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b; 2009) trata dos diferentes tipos de capital, entendendo que eles são alvo de disputas entre os agentes sociais que atuam nos campos. Para Bourdieu (2004), cada campo possui formas específicas de capital. Nesse sentido, entende-se que existem diferentes tipos de capital (social, cultural, simbólico), visto que a legitimidade dos indivíduos na sociedade não ocorre somente através de posses financeiras, ou seja, do capital econômico. Há outras maneiras de legitimação que são valorizadas socialmente, como o conhecimento e as relações sociais, mas que, no entanto, não se pautam em elementos de natureza material.

A noção de habitus complementa o estruturalismo dinâmico, tratado por Bourdieu. O habitus constitui um sistema de disposições inconscientes que é fruto da inculcação de estruturas objetivas e que tende a reproduzir práticas ajustadas a essas estruturas (Bourdieu, 2007a). Em outras palavras, o habitus pode ser entendido como um corpo socializado ao longo da história que incorporou as estruturas do mundo ou de um setor particular desse mundo como, por exemplo, de um dado campo. Assim, ao mesmo tempo que o habitus pode ser compreendido como uma estrutura estruturada, ele opera também como uma estrutura estruturante, ao reproduzir aquilo que foi incorporado pelo agente (Bourdieu, 1996b; 2007b; 2009). Essas disposições inconscientes operam em atos de conhecimento prático e estímulos convencionais dos agentes, e também direciona estratégias sem cálculo racional ou uma posição explícita de finalidade. O habitus está intrínseco ao agente, arraigado em sua estrutura subjetiva, e pode ser externalizado, objetivado, através do estilo de vida, das escolhas, das práticas rotineiras, no modo de visualizar e interpretar a realidade (Bourdieu, 1996b; 2007b).

Entre os agentes que constituem um campo, há o exercício do poder simbólico. Trata-se de um tipo de poder invisível, um poder quase mágico, que permite obter o equivalente ao que seria obtido pela força física ou econômica. É uma forma de poder que só é exercida quando existe uma cumplicidade entre aqueles que o exercem e aqueles que estão sujeitos a tal poder. Assim, o poder simbólico é “capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio de energia” (Bourdieu, 2009Bourdieu, P. (2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil., p. 15), e a imposição de modo naturalizado desse ponto de vista dominante ocorre mediante um processo denominado de violência simbólica.

Para que a violência simbólica seja exercida, é necessário que um trabalho anterior, quase invisível, seja realizado. Nesse processo, os agentes sentem a imposição, a obrigatoriedade de ter que prestar determinada obediência sem, no entanto, contestar a questão da obediência, isto é, sujeitam-se aos dominados de modo naturalizado. As relações apresentam-se de modo muito apropriado, pois não se consegue pensar em outra forma de funcionamento, já que essa maneira foi a única apresentada ao sujeito. Portanto, a violência simbólica só se instaura na cumplicidade daqueles que a sofrem, inclusive nas relações domésticas (Bourdieu, 1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b).

Em consonância com a ideia anterior, Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b) afirma que um dos elementos da violência simbólica é a transfiguração das relações de dominação em relações afetivas, ou melhor, a transformação do poder em carisma, uma espécie de encantamento afetivo do submisso pelo dominado. Essa relação de amor, afeição, apresenta-se de modo claro entre agentes ligados pelo aspecto geracional. Isso remete à reflexão de que um poder exercido de pai/mãe para com o(a) filho(a) se configura pela violência simbólica, na qual o agente, socializado desde a infância a aceitar as ordens estabelecidas pelo(s) seu(s) responsável(eis), sujeita-se às imposições que lhe são colocadas. Mesmo discordando dessas imposições, os submetidos, muitas vezes, aceitam-nas de modo natural, visto a existência de um vínculo afetivo.

Bourdieu (2007Bourdieu, P. (2007b). Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.b) comenta ainda ser ilusório acreditar que a violência simbólica pode ser superada somente por meio da consciência e da vontade. A violência simbólica se exprime de maneira eficaz porque a sua essência está imbuída de afetividade e admiração, especialmente em casos em que existem relações de parentesco. Essas relações muitas vezes são confundidas com atos de respeito, afeição, amor, o que possibilita, de maneira naturalizada, a subjugação do dominado ao dominante (Bourdieu, 2007b).

O autor lembra que o mundo é socialmente construído e que, nesse processo de construção, hierarquias são criadas e reproduzidas, assim como as estruturas familiares, resultando em uma violência expressamente simbólica (Schubert, 2018)Schubert, D. J. (2018). Sofrimento/violência simbólica. In M. Grenfell, Pierre Bourdieu: Conceitos fundamentais (Vol 1., Chap. 11, pp. 234-252). Petrópolis: Vozes.. A doxa contribui para a reprodução das instituições, estruturas e hierarquias, uma vez que está associada às experiências e predisposições relacionais inconscientes que são herdadas. São opiniões e percepções compartilhadas e inquestionáveis, intimamente ligadas ao campo e ao habitus que se tornaram naturais e autoevidentes entre os agentes. Aqueles que estão submetidos à doxa não questionam sua legitimidade, nem a legitimidade daqueles que a exercem (Deer, 2018)Deer, C. (2018). Doxa. In M. Grenfell, Pierre Bourdieu: Conceitos fundamentais (Vol 1., Chap. 7, pp. 155-193). Petrópolis: Vozes..

Outro conceito importante na compreensão do conatus é o espírito da família, tratado por Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b). A família possui um espírito de coletividade, que produz uma visão específica de mundo, fruto da cultura que foi desenvolvida e que é transmitida entre as gerações. Os valores que são cultuados no interior de uma família são tidos como sagrados pelos seus membros que buscam sempre, de algum modo, mantê-los vivos através de um trabalho de perpetuação (Bourdieu, 1996b). A família, para Bourdieu (1996b), surge como um nonos, uma visão tácita que todos possuem. Isso porque o espírito da família é inculcado através de um trabalho de socialização que se dá desde a infância. Esse processo auxilia na construção do habitus dos agentes que, posteriormente, irá influenciar nos seus modos de pensar, agir, expressar-se, etc.

A família pode ser compreendida como um produto de um trabalho longo, um trabalho de natureza simbólica e prática, que visa a instituir, de maneira duradoura, em cada um dos membros de sua estrutura, comportamentos e sentimentos direcionados a assegurar a sua integração e perpetuação ao longo da história. Esse trabalho da família transforma “a obrigação de amar em disposição amorosa” (Bourdieu, 1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b, p. 130) e possibilita a criação do espírito da família, que produz práticas de generosidade, dádivas, devotamento, gentilezas.

A família apresenta-se como um instrumento de acumulação e transferência de diferentes tipos de capital. Para Bourdieu, “ela é o ‘sujeito’ principal das estratégias de reprodução” (Bourdieu, 1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b, p. 131), e isto se torna claro, de maneira objetiva, através da transmissão do nome de família. A reprodução acontece por meio de uma ação pedagógica, decorrente de uma autoridade pedagógica que possui como propósito estabelecer uma comunicação com condições de produzir instauração e perpetuação (Bourdieu & Passeron, 2010). É interessante analisar que o pai impõe, de maneira declarada, um poder para com seu filho no processo de transmissão do nome. Entretanto, esse poder não é fruto necessariamente de sua vontade, mas sim de uma tradição cultural, entendendo que o ato de transmissão nominal impõe a ideia de fazer parte de um corpo unido, de uma família que influencia nas decisões e comportamentos de seus membros.

Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b) enaltece ainda a importância da preservação do patrimônio material como, por exemplo, a própria casa, como um elemento simbólico de representação de perpetuação familiar. Bourdieu (1996b) aponta que as famílias extensas podem estar fortemente integradas não apenas pela:

... afinidade dos habitus, mas também pela solidariedade dos interesses, isto é, tanto pelo capital quanto para o capital, o capital econômico, evidentemente, mas também o capital simbólico (o nome) e, sobretudo, talvez, o capital social (que sabemos ser a condição e o efeito de uma gestão bem-sucedida do capital coletivo dos membros da unidade doméstica). Nas corporações, por exemplo, a família tem um papel considerável, não apenas na transmissão, mas também na gestão do patrimônio econômico, especialmente através das ligações de negócios que são também, com frequência, ligações familiares (Bourdieu, 1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b, p. 133).

Pode-se dizer que a família apresenta uma lógica distinta da lógica econômica, calculista. Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b)ressalta que a economia doméstica se distancia de todas as relações econômicas, pois possui uma dinâmica pautada no amor. Entretanto, isso não quer dizer que a família não possa ser corrompida pela lógica calculista. O autor comenta que o patrimônio, ao mesmo tempo que une os integrantes da família para garantir sua perpetuação, pode incitar a competição entre eles, acarretando até mesmo o afastamento entre os herdeiros. Nesse sentido, a solidariedade, o amor, a cumplicidade, a confiança e a afeição entre os membros podem ser corroídos pelo “verme do cálculo” (Bourdieu, 1996b, p. 175). A família, portanto, para manter seu equilíbrio, deve lutar para que a lógica do amor prevaleça sobre todas as outras, pois será por meio dessa lógica que essa instituição alcançará seu principal objetivo: a união de seus membros e a continuidade de seu legado.

Em meio às questões familiares, emerge o conatus, importante conceito na compreensão da perpetuação do legado familiar. Segundo Fuller (2018)Fuller, S. (2018). Conatus. In M. Grenfell, Pierre Bourdieu: Conceitos fundamentais (Vol 1., Chap. 10, pp. 221-233). Petrópolis: Vozes., “apesar de conatus não aparecer com frequência no corpus de Bourdieu, ele se conforma à sua teorização mais geral” (Fuller, 2018, p. 221). Tal termo foi explorado por muitos filósofos, tais como Espinosa, Descartes e Leibniz, atribuindo-lhe diferentes significados. Já Bourdieu, lembrando os seus trabalhos sobre estratégias matrimoniais, resgata o conceito de conatus como “pulsão da família” (Fuller, 2018, p. 225) como um projeto instituído pela família e que deve ser perpetuado para as futuras gerações.

Entretanto, vale mencionar que o conatus não se resume simplesmente a um projeto de natureza física, material e objetiva, como um patrimônio ou uma organização. Na compreensão do termo, Bourdieu (2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves. agrega os valores, as crenças, os sentimentos, que estão envolvidos nessa obra construída pelos progenitores. A importância da sucessão nesse cenário fundamenta-se não apenas na continuidade de uma estrutura material, mas, essencialmente, na perpetuação de elementos simbólicos que envolvem o projeto familiar. Herdar, para Bourdieu (2010), corresponde a perpetuar o conatus, aceitar-se fazer instrumento dócil desse projeto de reprodução.

Desse modo, Bourdieu (2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves. discute o fenômeno da sucessão, tratando especificamente da relação entre pais e filhos no processo de perpetuação da linhagem e da herança. A transferência de um patrimônio, de um legado, geralmente ocorre de modo turbulento e até conflituoso, pois envolve aspectos de natureza material e imaterial, incluindo afetos, rivalidades e toda forma de sentimento.

Os pais se apresentam centrais nesse processo, pois a sucessão nada mais é que a continuidade daquilo que foi construído pelos progenitores. Entretanto, para que a perpetuação ocorra, muitas vezes, o herdeiro necessita distinguir-se deles, superá-los e, em certo sentido, negá-los: “tal operação não ocorre sem problemas, tanto para o(s) pai(s) que deseja(m) e não deseja(m) essa operação assassina, quanto para o filho (ou filha) que se encontra diante de uma missão dilacerante” (Bourdieu, 2010Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves., p. 231). Assim, a sucessão pode ser compreendida como a transposição de um sonho, de um projeto de vida construído pelo progenitor, que deposita no seu futuro herdeiro a responsabilidade de perpetuar o conatus:

O pai é o lugar e o instrumento de um ‘projeto’ (ou melhor de um conatus) que está inscrito em suas disposições herdadas (Bourdieu, 1997, p. 588, tradução modificada). A questão é que essas disposições são transmitidas inconscientemente como ‘todo um modo de ser’. Herdá-las é perpetuá-las. Nesse caso o filho está preso no ‘dilema’ de satisfazer a expectativa da herança de seu pai enquanto define seu próprio ‘ser no mundo’: preservar o ‘projeto’ genealógico de seu pai ou definir o seu próprio. Não surpreende que o potencial de conflito esteja sempre presente; especialmente quando o filho não se identifica com o desejo de seu pai e se recusa a ser ‘herdado pela herança (Fuller, 2018Fuller, S. (2018). Conatus. In M. Grenfell, Pierre Bourdieu: Conceitos fundamentais (Vol 1., Chap. 10, pp. 221-233). Petrópolis: Vozes., p. 225).

Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b) salienta que a família é um corpo animado pelo desejo de perpetuação do conatus. Para dar continuidade ao seu ser social com todos os seus poderes e privilégios, a família cria “estratégias de reprodução, estratégias de fecundidade, estratégias matrimoniais, estratégia de herança, estratégias econômicas e, por fim, estratégias educativas” (Bourdieu, 1996b, p. 36). Nesse contexto, o espírito da família cria uma espécie de vontade transcendente que se manifesta de forma coletiva, levando seus membros a agir como parte de um corpo unido (Bourdieu, 1996b). Assim, existe uma tentativa de integração entre os parentes de modo a possibilitar que os valores instituídos naquela estrutura sejam transmitidos de geração para geração.

No processo sucessório, os herdeiros são os substitutos de seus progenitores e são encarregados de realizar um ideal “mais ou menos irrealizável” (Bourdieu, 2010Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves., p. 232). Bourdieu (2010) relata ainda que é muito comum encontrar casos em que os pais projetam em seus filhos os seus mais profundos desejos, exigem-lhes conquistas impossíveis ou que nem sempre coadunam com as suas expectativas. “Essa é uma das principais fontes de contradições e sofrimentos: muitas pessoas sofrem continuamente devido ao descompasso entre suas realizações e as experiências dos pais, que elas não conseguem nem satisfazer, nem repudiar” (Bourdieu, 2010, p. 233). Nesse sentido, entende-se a sucessão como um processo delicado, na medida em que estão em jogo os anseios de pais e filhos, gerando conflitos, angústias, frustrações.

O herdeiro denominado de fracassado é aquele que se desvirtua do projeto familiar que lhe foi imposto. Não perpetuar o legado familiar traduz-se, na ótica bourdieusiana, em matar simbolicamente, em seu próprio princípio, o projeto construído pelos pais. Negar o conatus compreende, no sentido mais dramático, abdicar uma missão, que se materializa na rejeição da herança. Portanto, a família apresenta-se como principal responsável pelo sofrimento de seus próprios integrantes, pois os maiores mal-estares vivenciados nesse espaço são frequentemente desenvolvidos no seu interior (Bourdieu, 2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves..

A CONTRIBUIÇÃO DO CONCEITO DE CONATUS PARA A ANÁLISE DE PROCESSOS SUCESSÓRIOS

Nesta seção, busca-se compreender de que maneira o conceito de conatus pode auxiliar nas pesquisas sobre sucessão em empresas familiares. Trata-se, pois, de resgatar concepções centrais ao quadro teórico apresentado por Bourdieu, especialmente a ideia de doxa, violência simbólica, reprodução e espírito da família. Tais conceitos estão estreitamente ligados à ideia de conatus e, consequentemente, ao entendimento do referido processo nas empresas familiares.

Como visto anteriormente, o espaço social é constituído por diferentes campos que são dinamizados pelos agentes que lutam pela apropriação dos diversos capitais. Com efeito, as empresas familiares, por serem um tipo particular de organização, encontram-se imersas em vários campos. Dois deles apresentam relevante influência no seu funcionamento - o campo econômico e o campo familiar (Queiroz, 2008)Queiroz, V. S. (2008). The good, the bad and the ugly: Estudo sobre pequenas e médias empresas familiares brasileiras a partir da teoria da ação de Bourdieu. Cadernos EBAPE.BR, 6(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512008000100006
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. A integração entre esses dois campos, com suas leis e regras distintas, demarca a gestão dessas empresas de um modo peculiar, imprimindo e reforçando toda a dinâmica da relação entre família e empresa (Chrisman et al., 2012Chrisman, J. J., Chua, J. H., Pearson, A. W., & Barnett, T. (2012). Family involvement, family influence, and family-centered non-economic goals in small firms. Entrepreneurship Theory and Practice, 36(2), 267-293. https://doi.org/10.1111/j.1540-6520.2010.00407.x
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; Powel & Eddleston, 2017).

Contudo, a própria empresa familiar pode ser considerada como um campo. Segundo Thiry-Cherques (2006)Thiry-Cherques, H. R. (2006) Pierre Bourdieu: A teoria na prática. Revista de Administração Pública, 40(1), 27-53. https://doi.org/10.1590/S0034-76122006000100003
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, a liberdade de demarcação do campo é dada pelo próprio exemplo de Bourdieu, que trabalhou com uma variedade enorme de campos (científico, literário, de poder, religioso, jurídico, construção civil, economia regional, pintura, educação superior, político, econômico, do jornalismo, produção intelectual, produção cultural, ciência política, marketing, alta-costura, história em quadrinhos, arte, física, etc.) segmentados de acordo com sua própria lógica e interesses específicos.

Bourdieu (2005)Bourdieu, P. (2005). O campo econômico. Política e Sociedade, 4(6), 15-17. Retrieved from https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/1930
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, em seu artigo O campo econômico, esclarece que, no momento em que o pesquisador entra na “caixa preta que constitui a empresa” (Bourdieu, 2005, p. 41), é possível encontrar nela uma estrutura, a do campo da empresa, que possui regras próprias de funcionamento, relações de força e disputas de capital. Complementando essa ideia, na obra Os usos sociais da ciência, Bourdieu (2004), ao analisar uma instituição de pesquisa, o INRA - Institut National de la Recherche Agronomique (em Paris), considera-a como um campo, dada a sua lógica particular e relativa autonomia.

Além disso, cumpre destacar que as empresas familiares estão envolvidas pelo campo de poder, uma vez que esses empreendimentos se constituem em espaços caracterizados por disputas e rivalidades, tanto de ordem financeira como de ordem sentimental. Assim, verifica-se que a dinamização das empresas familiares ocorre por meio da disputa por diferentes tipos de capital (Bourdieu, 1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b; 2009). Os agentes, para conquistar legitimidade no espaço em que estão inseridos, jogam na busca da obtenção de capital econômico, cultural, social e simbólico. Reconhecer que, nas empresas familiares, os agentes disputam por outras formas de capital (além do econômico) possibilita fazer uma análise mais detalhada desses empreendimentos, abarcando os aspectos sociais, emocionais e simbólicos (Daspit et al., 2016)Daspit, J. J., Holt, D. T., Chrisman, J. J., & Long, R. G. (2016). Examining family firm succession from a social exchange perspective: A multiphase, multistakeholder view. Family Business Review, 29(1), 44-64. https://doi.org/10.1177/0894486515599688
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.

Na investigação das empresas familiares, o habitus apresenta-se como um elemento essencial para entender o processo de incorporação pelos agentes das crenças, das histórias, dos códigos e da cultura, que, certamente, trará implicações para o processo sucessório. Como as esferas familiar e empresarial encontram-se imbricadas, não existe, de maneira precisa, uma segregação entre os valores cultivados na família e os que são cultivados na organização (Lima, 1999Lima, A. P. (1999). Sócios e parentes: Valores familiares e interesses econômicos nas grandes empresas familiares portuguesas. Etnográfica, 3(1), 87-112. Retrieved from https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/11728/1/Vol_iii_N1_87-112.pdf
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; Queiroz, 2008)Queiroz, V. S. (2008). The good, the bad and the ugly: Estudo sobre pequenas e médias empresas familiares brasileiras a partir da teoria da ação de Bourdieu. Cadernos EBAPE.BR, 6(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512008000100006
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. Assim, pelo habitus, torna-se possível entender a socialização dos agentes, o processo de inculcação de determinados valores que possibilitarão, inclusive, garantir a perpetuação geracional de um empreendimento familiar. Bourdieu (2007Bourdieu, P. (2007b). Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.a) aponta que o princípio orientador da escolha vocacional de muitos agentes é o habitus. O habitus tende a “produzir práticas e, por esta via, carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas” (Bourdieu, 2007a, p. 202). Desse modo, para Bourdieu (2007b), nunca se sabe quem faz a escolha a rigor, se o agente ou a instituição.

O habitus facilita o envolvimento dos agentes com os diferentes campos. Quando o agente cria um vínculo com um campo, surge o que Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b; 2007b) denomina de ilusio, ou seja, o sentido do jogo. Nas empresas familiares, a ilusio é estabelecida pelos indivíduos quando eles se envolvem com o negócio e lutam pela sua perpetuação ao longo de gerações. Pode-se dizer que, nesses empreendimentos, o envolvimento é mais intenso do que em outras empresas, em razão de os valores organizacionais estarem mesclados com os familiares (Chrisman et al., 2012Chrisman, J. J., Chua, J. H., Pearson, A. W., & Barnett, T. (2012). Family involvement, family influence, and family-centered non-economic goals in small firms. Entrepreneurship Theory and Practice, 36(2), 267-293. https://doi.org/10.1111/j.1540-6520.2010.00407.x
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; De Massis et al., 2015)De Massis, A., Kotlar, J., Campopiano, G., & Cassia, L. (2015). The impact of family involvement on SME’s performance: Theory and evidence. Journal of Small Business Management, 53(4), 924-948. https://doi.org/10.1111/jsbm.12093
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.

A ação pedagógica, expressa pela violência, é manifestada de modo sutil, invisível, e com a cumplicidade entre os agentes envolvidos, pois essa forma de expressão de poder é comum em relações de parentesco. Como já tratado, nas estruturas familiares é comum a prática da obediência dos mais novos com relação aos mais velhos, dos sucessores em relação aos predecessores (De Massis et al., 2016De Massis, A., Sieger, P., Chua, J. H., & Vismara, S. (2016). Incumbents’ attitude toward intrafamily succession: An investigation of its antecedents. Family Business Review, 29(3), 278-300. https://doi.org/10.1177/0894486516656276
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; Kubíček & Machek, 2020)Kubíček, A., & Machek, O. (2020). Intrafamily conflicts in Family businesses: a systematic review of the literature and agenda for future research. Family Business Review, 33(2), 194-227. https://doi.org/10.1177/0894486519899573
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. Nesses casos, a obediência pouco é contestada, dado que essa relação é legitimada pela sociedade e é vista de modo naturalizado pelos agentes. As pessoas que estão ligadas pela relação parental estão envolvidas pela afetividade, amor, carinho, admiração, ou seja, elementos essenciais para não explicitar qualquer tipo de dominação.

O espírito da família, tratado por Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b), garante que a instituição familiar funcione como um corpo unido, movido por práticas de solidariedade e cordialidade. Esse corpo unido busca perpetuar-se de modo a manter vivos os valores cultivados na família ao longo de gerações. Há, nesse aspecto em particular, uma aproximação interessante com o que atualmente é discutido no campo de estudos sobre empresas familiares em torno do papel e da influência dos valores familiares sobre o negócio. A presença da família na empresa é o que muitas vezes alimenta o desejo de continuidade do negócio (Combs et al., 2020)Combs, J. G., Shanine, K. K., Burrows, S., Allen, J. S., & Pounds, T. W. (2020). What do we know about business families? Setting the stage for leveraging family science theory. Family Business Review, 33(1), 38-63. https://doi.org/10.1177/0894486519863508
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. Assim, conforme Bourdieu (1996b), o patrimônio material é, de certo modo, um elemento de representação simbólica da perduração familiar.

Nas associações entre as abordagens teóricas de Pierre Bourdieu e a lógica das empresas familiares, o conatus emerge como um conceito potencial para a melhor compreensão dos processos sucessórios que ocorrem nessas empresas. Tal associação possibilita compreender a sucessão sob uma perspectiva mais complexa, especialmente do ponto de vista do herdeiro. Nesse caso, o sentimento de pertença ao projeto e a sensação de obrigatoriedade à perpetuação do legado familiar são inculcados desde a infância pelos progenitores, mediante práticas de educação (Bourdieu, 2010).

A violência simbólica acontece por meio de uma ação pedagógica realizada por uma autoridade pedagógica que, por sua legitimidade, realiza um “trabalho de inculcação que deve durar o bastante para produzir uma informação durável; isto é, um habitus como produto da interiorização” (Bourdieu & Passeron, 2010Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves., p. 53). Esse trabalho pedagógico de reprodução pode ser evidenciado nas relações parentais e no processo de educação que não somente transmite os valores familiares, mas também possui a finalidade de despertar no herdeiro o interesse pela organização quando se tem uma empresa ligada ao nome da família. A ação pedagógica realizada pela autoridade pedagógica (progenitor) pode acontecer desde a tenra infância, a fim de criar um sentimento de pertencimento ao legado familiar.

Corroborando o exposto, Blumentritt (2016)Blumentritt, T. P. (2016). Bringing successors into the fold: The impact of founders’ actions on successors. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1261-1267. https://doi.org/10.1111/etap.12245
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e Parker (2016)Parker, S. C. (2016). Family firms and the “willing successor” problem. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1241-1259. https://doi.org/10.1111/etap.12242
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apontam que, em empreendimentos familiares, é comum os pais integrarem os filhos desde suas infâncias no dia a dia da empresa. Desse modo, no processo de socialização do sucessor, é natural que o cotidiano da organização passe a fazer parte do seu imaginário, possibilitando uma transmissão dos valores construídos e cultivados pela família empresária. É nesses contatos iniciais do sucessor com a organização que se começa a construir um sentido de identificação e de necessidade de perpetuação do conatus. Em consonância, Kets de Vries (1993) aponta que, em vários momentos, a empresa influencia a identidade dos membros da família, que a veem como reflexo deles mesmos.

Cria-se, portanto, no campo da empresa familiar, uma doxa que, segundo Deer (2018)Deer, C. (2018). Doxa. In M. Grenfell, Pierre Bourdieu: Conceitos fundamentais (Vol 1., Chap. 7, pp. 155-193). Petrópolis: Vozes., legitima quem a exerce e não pode ser questionada por aqueles submetidos a ela. Assim, assumir os negócios da família é uma regra colocada ao herdeiro desde antes do momento da sucessão. Nesse sentido, nos estudos sobre sucessão, o ponto de vista do herdeiro deve ser analisado com especial atenção, visto que ele deve ser visto como peça fundamental para uma transição bem-sucedida e para a continuidade da organização (Parker, 2016)Parker, S. C. (2016). Family firms and the “willing successor” problem. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1241-1259. https://doi.org/10.1111/etap.12242
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. Se, por um lado, é relevante avaliar questões que envolvem a habilidade técnica e gerencial do sucessor (Teston & Filippim, 2016)Teston, S. F., & Filippim, E. S. (2016). Perspectivas e desafios da preparação de sucessores para empresas familiares. Revista de Administração Contemporânea, 20(5), 524-545. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac2016150033
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, por outro, é igualmente fundamental investigar o sentido que o herdeiro atribui ao projeto familiar, ou seja, qual a importância dada por ele à perpetuação material e simbólica desse conatus.

Com relação às discordâncias advindas da sucessão, nota-se que elas podem ocorrer entre as disposições do herdeiro e as obrigatoriedades que lhes são impostas. Nesse processo, é fundamental que o herdeiro se sinta de fato identificado com o projeto instituído pelos familiares (Blumentritt, 2016)Blumentritt, T. P. (2016). Bringing successors into the fold: The impact of founders’ actions on successors. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1261-1267. https://doi.org/10.1111/etap.12245
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. Caso contrário, pode haver contradições relacionadas ao comprometimento do futuro sucessor, que, muitas vezes, só assume o negócio familiar por falta de opção de trabalho ou por exigência dos pais (Parker, 2016)Parker, S. C. (2016). Family firms and the “willing successor” problem. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1241-1259. https://doi.org/10.1111/etap.12242
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. O plano de sucessão deve estar atrelado ao comprometimento de predecessores e sucessores com o negócio da família, bem como à capacidade de transmiti-lo para as futuras gerações (Gilding, Gregory, & Cosson, 2015Gilding, M., Gregory, S., & Cosson, B. (2015). Motives and outcomes in family business succession planning. Entrepreneurship Theory and Practice, 39(2), 299-312. http://doi.org/10.1111/etap.12040
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; Umans, Lybaert, Steijvers, & Voordeckers, 2020)Umans, I., Lybaert, N., Steijvers, T., & Voordeckers, W. (2020). Succession planning in family firms: Family governance practices, board of directors, and emotions. Small Business Economics, 54(1), 189-207. http://doi.org/10.1007/s11187-018-0078-5
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.

Blumentritt (2016)Blumentritt, T. P. (2016). Bringing successors into the fold: The impact of founders’ actions on successors. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1261-1267. https://doi.org/10.1111/etap.12245
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aponta que os sucessores são geralmente pressionados a escolher a mesma carreira desenvolvida pelos pais. Isso pode ser traduzido pela incessante busca da perpetuação familiar (Carr et al., 2016Carr, J. C., Chrisman, J. J., Chua, J. H., & Steier, L. P. (2016). Family firm challenges in intergenerational wealth transfer. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1197-1208. https://doi.org/10.1111/etap.12240
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; Jaskiewicz et al., 2015)Jaskiewicz, P., Combs, J. G., & Rau, S. B. (2015). Entrepreneurial legacy: Toward a theory of how some family firms nurture transgenerational entrepreneurship. Journal of Business Venturing, 30(1), 29-49. https://doi.org/10.1016/j.jbusvent.2014.07.001
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. Rossato e Cavedon (2004)Rossato, F. J. Neto, & Cavedon, N. R. (2004). Empresas familiares: Desfilando seus processos sucessórios. Cadernos EBAPE.BR, 2(3), 1-16. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512004000300007
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relatam que o fato de os sucessores começarem a trabalhar ainda muito jovens, de permanecerem muito tempo juntos dos pais, reflete um sentimento de seguir aquilo que lhes foi traçado, como se fosse uma missão. Porém, ao mesmo tempo que esses herdeiros sentem prazer no que fazem e estão identificados com o negócio, transpassam certa frustração, porque não tiveram outra escolha que não fosse a perpetuação do negócio da família.

Machado (2003)Machado, H. V. (2003). A identidade e o contexto organizacional: Perspectivas de análise. Revista de Administração Contemporânea, 7(spe), 51-73. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552003000500004
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explica que, na tentativa de dar continuidade ao projeto familiar, o indivíduo, muitas vezes, passa a renunciar aos seus próprios valores, relegando sua liberdade e seus anseios pessoais, para se integrar e ser bem aceito em um determinado grupo. Nesses casos, os sucessores darão continuidade a um projeto por sentirem-se na obrigação de manter um legado construído ao longo de anos que, certamente, está imbuído de sentimentos e de uma tradição geracional. A negação dos próprios valores pode se iniciar desde a infância, segundo Bourdieu (2007Bourdieu, P. (2007b). Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.b), uma vez que a socialização ocorre por meio de uma transação permanente, “na qual a criança admite renúncias e sacrifícios em troca de provas de reconhecimento, de consideração ou de admiração” (Bourdieu, 2007b, p. 203).

Outra situação verificada é quando o próprio fundador assume que a sua figura é insubstituível (Pereira et al., 2013)Pereira, A. C. S., Vieira, A., Garcia, F. C., & Roscoe, M. T. A. (2013). Desconstrução do mito e sucessão do fundador em empresas familiares. Revista de Administração Contemporânea, 17(5), 518-535. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552013000500002
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. Nesse caso, o predecessor pode inconscientemente menosprezar o filho, tentando desacreditá-lo de sua capacidade em perpetuar os negócios da família com esperada competência. Assim, pode-se criar uma expectativa muito grande, tornando o sucessor inseguro e impotente para dar continuidade a um projeto que foi cuidadosamente idealizado e construído (Kets de Vries, 1993).

Existe uma grande expectativa dos dirigentes de que suas empresas continuem a ser administradas por parentes, mais especificamente por seus descendentes diretos. Nesse sentido, cabe ao fundador despertar no futuro herdeiro o interesse em dar continuidade aos negócios da família (Cadieux, 2007Cadieux, L. (2007). Succession in small and medium-sized family businesses: Toward a typology of predecessor roles during and after instatement of the successor. Family Business Review, 20(2), 95-109. https://doi.org/10.1111/j.1741-6248.2007.00089.x
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; De Massis et al., 2016)De Massis, A., Sieger, P., Chua, J. H., & Vismara, S. (2016). Incumbents’ attitude toward intrafamily succession: An investigation of its antecedents. Family Business Review, 29(3), 278-300. https://doi.org/10.1177/0894486516656276
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. Nessa perspectiva, Lambretch (2005) aponta que um dos problemas referentes às empresas familiares corresponde à escolha e preparação de membros da família como sucessores da organização. Essa escolha geralmente é predeterminada pela família, sendo que tais sujeitos escalados ao cargo são incentivados desde a infância a inserir-se na lógica dos negócios familiares, representando papéis outorgados a eles que podem ou não coadunar com suas próprias escolhas pessoais e profissionais.

Teston e Filippim (2016)Teston, S. F., & Filippim, E. S. (2016). Perspectivas e desafios da preparação de sucessores para empresas familiares. Revista de Administração Contemporânea, 20(5), 524-545. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac2016150033
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ressaltam que os fundadores da empresa se preocupam com a vocação profissional do sucessor. Para tanto, muitos sucedidos investem em programas de preparação do herdeiro para dar continuidade à empresa, envolvendo cursos de graduação, atividades de orientação vocacional, acompanhamento psicológico, entre outros. Essas ações podem representar uma maneira de inculcar nos herdeiros a necessidade de perpetuação do empreendimento familiar. Diante de tantos investimentos, o futuro sucessor, muitas vezes, não encontra outra saída senão assumir o projeto construído pelos familiares.

Na ótica bourdieusiana, essas ações corresponderiam a uma forma de violência simbólica, pois a dominação geralmente apresenta-se revestida de afetividade, generosidade, sentimentos comuns ao espaço familiar. Bourdieu (1996Bourdieu, P. (1996b). Razões práticas: Sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus.b) esclarece que, especialmente no relacionamento entre gerações, é comum o reconhecimento da dívida em relação ao autor do ato generoso. Nesse sentido, o herdeiro, mesmo que não apresente o desejo em dar continuidade à empresa familiar, percebe que a sucessão corresponderia a um ato de gratidão perante os investimentos e o carinho concedidos pelos seus pais.

Em contrapartida, evidencia-se que, na atualidade, é mais comum os filhos optarem por um caminho diferente daquele traçado pelos pais (Parker, 2016)Parker, S. C. (2016). Family firms and the “willing successor” problem. Entrepreneurship Theory and Practice, 40(6), 1241-1259. https://doi.org/10.1111/etap.12242
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. Contudo, verifica-se que renegar um projeto familiar ainda é uma questão complexa, pois quando o herdeiro assume um caminho distinto, ele mata simbolicamente, em sua origem, o projeto parental (Bourdieu, 2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves..

Diante dos elementos apresentados, buscou-se apontar a importância do conatus na sucessão das empresas familiares. Um elemento-chave nesse processo é entender qual é o significado atribuído pelos herdeiros a esse projeto familiar. Também é importante compreender como foi o trabalho pedagógico realizado com os sucessores e se esse trabalho foi capaz de inculcar nos agentes o sentimento de pertencimento ao conatus. Pode parecer, num primeiro momento, que o ato de preparar o herdeiro com relação às suas habilidades administrativas consiste no elemento central para garantir uma sucessão tranquila e bem-sucedida. Entretanto, com este artigo, pretende-se argumentar que a sucessão dessas organizações envolve aspectos distintos daqueles presentes em empresas não familiares. E que, talvez, a raiz dessa distinção esteja no conatus e no sentido que ele possui para herdeiros. Ao assumir a peculiaridade da sucessão, revela-se a necessidade de estudos sociológicos a respeito desses processos, haja vista que a família se apresenta como um elemento central nessa discussão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivou-se, com este artigo teórico, introduzir algumas contribuições do conceito de conatus para a pesquisa sobre sucessão em empresas familiares. Para tanto, foram discutidas perspectivas conceituais pertinentes ao quadro teórico-analítico desenvolvido por Bourdieu (2010)Bourdieu, P., & Passeron, J. C. (2010). A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves., demonstrando como a referida concepção pode oferecer caminhos para a compreensão de aspectos particulares da manifestação de processos sucessórios nesse tipo de organização.

Pierre Bourdieu, ao longo de sua trajetória acadêmica, desenvolveu inúmeros trabalhos, cuja contribuição atinge diferentes campos do saber, tais como educação, moda, comunicação, política, cultura, arte, literatura. Este trabalho procurou explorar o potencial de contribuição teórica do autor para o estudo da sucessão em empresas familiares, a partir do resgate da noção de conatus. Advoga-se pela necessária investigação de empresas familiares, de modo mais amplo, e de processos de sucessão, de modo mais específico, por meio de abordagens alternativas àquelas usualmente exploradas no campo de estudos. Trata-se, pois, de reconhecer e valorizar, efetivamente, a constatação de que a gestão desses empreendimentos -e os processos sucessórios a eles vinculados - contempla questões de natureza econômica e estratégica, mas também de caráter afetivo, emocional e simbólico. Abarca aspectos empresariais e familiares.

A aplicação da concepção de conatus nos estudos sobre sucessão envolve a exploração da dinâmica particular presente na interação entre família e empresa no decorrer desses processos, mas não se restringe a ela. Do ponto de vista empírico, há diversas questões a serem consideradas e que podem ser amplamente e profundamente influenciadas pelas nuances e particularidades do conatus, o que reforça a relevância da problematização desse quadro teórico-conceitual bourdieusiano no contexto de organizações familiares.

Entre essas questões, estão a escolha de sucessores, a sua socialização (que pode acontecer em uma perspectiva bastante interessante de socialização primária e secundária no ambiente organizacional familiar) e a construção da legitimidade desses sucessores na organização. Há também a complexidade da interação entre membros de gerações predecessoras e gerações sucessoras na condução estratégica e gerencial do empreendimento, a construção de sua autonomia e de sua posição de liderança (com espaço para introdução de inovações e ações empreendedoras na empresa). E, por fim, vislumbra-se a interpretação e atuação em face da cultura da empresa familiar, a complexidade das relações de gênero intra e intergerações da família empresária e o próprio planejamento da sucessão e da governança entre os aspectos que podem ser estudados pela perspectiva proposta.

Os tópicos mencionados acima formam um conjunto de temáticas que convergem para a configuração de uma agenda de pesquisas futuras sobre diferentes possibilidades de manifestação do conatus em processos sucessórios. Essas questões permitem observar o potencial que a noção de conatus assume para o desvelamento de múltiplas perspectivas de análise sobre a sucessão e para o surgimento de um olhar diferenciado sobre a natureza e a lógica de seu funcionamento e das organizações onde ela ocorre.

Outra sugestão de estudo envolve a aplicação empírica das articulações apresentadas neste artigo teórico, observando os significados atribuídos ao conatus por membros de diferentes gerações em empresas familiares inseridas em uma diversidade de contextos, setores, portes, países e regiões. Mais ainda, seguindo o caminho trilhado por Queiroz (2008)Queiroz, V. S. (2008). The good, the bad and the ugly: Estudo sobre pequenas e médias empresas familiares brasileiras a partir da teoria da ação de Bourdieu. Cadernos EBAPE.BR, 6(1), 1-17. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-39512008000100006
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e as considerações feitas neste artigo, sugere-se que trabalhos futuros explorem outros conceitos tratados por Bourdieu, averiguando como as concepções de campo, habitus, violência simbólica, doxa, entre outras, podem auxiliar na compreensão da natureza dúbia, complexa e conflituosa de empresas familiares.

Diante do exposto, do ponto de vista teórico, o conceito de conatus, posicionado no âmbito do quadro teórico-analítico mais amplo trabalhado por Bourdieu, oferece alternativas para a compreensão e a explicação da sucessão em empresas familiares de uma forma mais consistente, fornecendo fundamentos específicos que podem contribuir para a elucidação de perspectivas ainda pouco exploradas na literatura. Problematizar os processos sucessórios à luz das contribuições de Bourdieu, considerando os ‘dilemas’ enfrentados pelo sucessor, faz-se importante, pois a longevidade das empresas familiares esbarra, constantemente, na pulsão pela perpetuação, no desejo ou não de conduzir o projeto (conatus) para as próximas gerações da família empresária. Justifica-se, portanto, a relevância de trazer para os estudos organizacionais discussões sociológicas e/ou antropológicas que incluam as relações de parentesco de uma forma mais ampla e que envolvam a dinâmica da interação entre família e organização, de uma forma mais específica, para auxiliar os pesquisadores na compreensão desse fenômeno complexo que é a sucessão na empresa familiar.

  • Financiamento
    Os autores agradecem o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
  • Pareceristas:
    Alexandre Rosa (Universidade Federal do Espírito Santo, CCAE, Brasil) Denize Grzybovski (Universidade de Passo Fundo, Brasil)
  • Relatório de Revisão por Pares:
    O Relatório de Revisão por Pares está disponível neste link externo.
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Editado por

Editor-chefe:

Wesley Mendes-Da-Silva (Fundação Getulio Vargas, EAESP, Brasil)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2020
  • Revisado
    07 Jul 2020
  • Aceito
    14 Jul 2020
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