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Diversidade sexual e trabalho

RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS

Diversidade sexual e trabalho

Kary Emanuelle Reis Coimbra * * Endereço: Kary Emanuelle Reis Coimbra Rua Borges, 184, Bairro Jaraguá, Belo Horizonte/MG, 31270-150.

E-mail: kary.kk@hotmail.com Universidade Federal de Minas Gerais – CEPEAD/UFMG Belo

Maria Ester de Freitas e Marcelo Dantas (Orgs.). São Paulo: Cengage Learning, 2011. 379 p. ISBN: 978-85-221-1102-2.

Com temática marcante nos estudos organizacionais e amplo conteúdo acerca dos contextos social, econômico e cultural relacionado à divisão sexual do trabalho na sociedade contemporânea, a obra Diversidade Sexual e Trabalho, sob organização de Maria Ester de Freitas e Marcelo Dantas, traz uma coleção de doze textos sólidos sobre o tema. Produzida por pesquisadores ligados às áreas de gênero, relações de trabalho e poder e cultura nas organizações, esta obra apresenta diversas pesquisas realizadas em organizações brasileiras, estando estruturada em duas partes. (a) Orientação sexual e trabalho, com textos mais abrangentes sobre orientação sexual. (b) Um agir sexual no trabalho, com casos profissionais acerca de sexo, gênero e orientação sexual relativamente ao trabalho.

Uma das discussões pertinentes na obra remonta ao papel atual da mulher no mercado de trabalho. Designadas antigamente apenas para assumir a ordem do lar e o bem-estar da família, às mulheres era negado o direito de trabalhar, cabendo aos homens o sustento da família, o chamado trabalho produtivo. Logo na infância as meninas tinham uma educação diferenciada: ao brincar de casinha e cuidar de bebês, assumiam desde cedo o papel social posterior da vida adulta. Com as revoluções feministas e a mudança na conjuntura econômica da família, as mulheres iniciaram seu percurso de inserção ou competição no mercado de trabalho dominado pelos homens. Mas mudar essa história não foi tarefa muito fácil.

Em um dos textos se elucida a sexomorfização do trabalho intelectual e da Ciência com a predominância masculina na contribuição científica no Século XX. Naquela época, muitas mulheres cientistas brilhantes foram ofuscadas por estereótipos socioculturais, pois o papel da mulher ainda estava centrado na condição biológica de ser mãe e trabalhadora do lar. Ainda é possível encontrar um tratamento diferenciado entre homens e mulheres, no que se refere ao conhecimento intelectual – principalmente nas escolas – sendo uma das possíveis soluções para a desconstrução desse contexto a figura dos professores que, responsáveis pela difusão de conhecimentos a crianças e jovens, poderiam voltar-se contra a reprodução de antigos padrões e formulação de uma sociedade mais igualitária.

Outro obstáculo abordado na obra é o teto de vidro, que constitui a dificuldade de ascensão hierárquica da mulher no universo corporativo, fruto da masculinização do trabalho. Ao longo da história, algumas mulheres chegaram a desenvolver um comportamento mais masculinizado, para competirem de igual para igual com os homens, o que remete à questão do ser e parecer ser dentro das organizações. Para conseguirem cargos de direção, muitas vezes essas mulheres eram obrigadas a escolher a vida pessoal e constituir família, ou abrir mão dessa opção em prol da realização profissional de alcançar uma cadeira na alta gerência.

Entretanto, aos poucos, práticas tradicionalistas vão cedendo espaço à reconfiguração da sociedade, quanto à divisão sexual do trabalho. Homens e mulheres invertem seus papéis e é possível visualizar isso em cenários como a cozinha e a polícia. A mudança no significado simbólico da cozinha, antes um lugar esquecido, localizado nos fundos da casa e reservado aos empregados, é hoje um ambiente com arquitetura sofisticada, substituindo a sala no papel de interação e sociabilidade da casa, sendo espaço de disputa entre as mulheres e os grandes chefs homens da culinária. O inverso ocorre na atmosfera hierárquica e viril da polícia, que também se torna palco de uma mudança de paradigmas, quando as mulheres ultrapassam as barreiras da masculinidade hegemônica, enfrentando a fragilidade física e a sensibilidade para exercerem uma profissão caracteristicamente masculina.

Quando o assunto é o universo gay, esta mudança de paradigmas ainda enfrenta forte resistência social quanto à participação de transgêneros no mercado de trabalho. Nesta obra se ilustra que, de forma marginal, a sociedade classificou determinadas profissões (cabeleireiro ou esteticista) nas quais a atuação profissional de homossexuais é tolerada. Este estigma social acaba por limitar a capacidade técnica e intelectual do indivíduo homossexual apenas por sua condição, excluindo-o de núcleos profissionais outros que o contratariam caso não fosse homossexual. Nesse sentido, as organizações também têm grandes responsabilidades no sentido de dissolver comportamentos preconceituosos no ambiente de trabalho, a começar pelos próprios gestores. Dessa forma o desenvolvimento de uma pedagogia gay no ambiente de trabalho torna-se fundamental para combater diretamente práticas de preconceito, visando a um ambiente saudável e livre de estigmas.

A questão da diversidade ainda é palco para discussões. Raça, etnia, idade, obesidade, orientação sexual e deficiência são exemplos de apenas algumas minorias que lutam pelo fim do preconceito e mudança de valores conservacionistas, especialmente na esfera do trabalho. Em Diversidade Sexual e Trabalho esses conceitos são expostos de maneira real, por meio da vivência dessas minorias no mercado de trabalho – especificamente mulheres e homossexuais. Imbuídos pelo desejo de que a sociedade encare gênero e trabalho com novo olhar essa situação, os autores trazem uma reunião de textos provocativos, que prendem a atenção do leitor e o estimulam a explorar a realidade e refletir sobre a divisão sexual do trabalho na contemporaneidade.

A leitura desta obra é voltada, então, para a reflexão dos indivíduos e da sociedade como um todo sobre ações conservadoras que não combinam mais com a conjuntura hodierna de mudanças e diversidade. Para alcançar a igualdade de gênero e quebrar paradigmas tradicionais ainda vigentes, faz-se necessário um processo de desconstrução desses valores em todos os âmbitos: na família, na escola, na comunidade, na política e na organização, uma vez que é na prática conjunta da sociedade que a edificação de novos conceitos acontece.

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    Endereço: Kary Emanuelle Reis Coimbra Rua Borges, 184, Bairro Jaraguá, Belo Horizonte/MG, 31270-150.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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