Acessibilidade / Reportar erro

Um Ensaio sobre Crimes Corporativos na Perspectiva Pós-Colonial: Desafiando a Literatura Tradicional

RESUMO

Objetivo:

este ensaio tem por objetivo desafiar, teoricamente, as noções de crimes corporativos desenvolvidas na literatura tradicional, a qual compreende esse fenômeno como uma disfunção social e organizacional, concentrando-se nos seus antecedentes e determinantes.

Argumento do Ensaio:

a premissa básica do ensaio é que crimes corporativos ocorrem em uma dinâmica própria das corporações, a principal força do capitalismo contemporâneo sobre o mundo. Nós recorremos ao pensamento pós-colonial, mais especificamente aos conceitos de necrocapitalismo, uma versão do capitalismo contemporâneo caracterizada pelo imperialismo, que se refere a formas contemporâneas de acumulação, as quais envolvem a subjugação da vida ao poder da morte.

Resultados:

crimes corporativos ocorrem de forma duradoura em contextos de inter-relacionamentos extremamente complexos, incluindo relações entre corporações e governos.

Conclusões:

concluímos ser necessário argumentar contra a normalização dos crimes corporativos no campo dos estudos organizacionais, ao tratá-los como uma disfunção. Os crimes corporativos são configurados em uma cadeia de agentes, incluindo o Estado, envolvendo um conjunto de violações que atentam contra nações.

Palavras-chave:
crimes corporativos; necrocapitalismo; mortes

ABSTRACT

Objective:

this essay aims to theoretically challenge the notions of corporate crimes developed in traditional literature, which understand this phenomenon as a social and organizational dysfunction, focusing on its antecedents and determinants.

Argument:

the basic premise of the essay is that corporate crimes occur in a corporate dynamic, the main force of contemporary capitalism over the world. We use the post-colonial thinking, more specifically the concepts of necrocapitalism, a version of contemporary capitalism characterized by imperialism, which refers to contemporary forms of accumulation, which involve the subjugation of life to the power of death.

Results:

corporate crimes occur on a lasting basis in contexts of extremely complex interrelationships, including relationships between corporations and governments.

Conclusions:

we conclude that it is necessary to argue against the normalization of corporate crimes in the field of organizational studies, when treating them as a dysfunction. Corporate crimes are configured in a chain of agents, including the state, involving a set of violations that attack nations.

Keywords:
corporate crime; necrocapitalism; death

INTRODUÇÃO

A principal força do capitalismo sobre o mundo são as corporações, e seu poder não tem fronteiras, influenciando políticas e ações em nações, regiões e comunidades locais (Key & Malnight, 2010Key, T., & Malnight, T. W. (2010). The influence of the World’s Lagerst 100 economic entities. Global Trends. Strategic Dynamics Global Limited. Recuperado de: https://www.globaltrends.com/product/special-report-corporate-clout-distributed-2012-the-influence-of-the-worlds-largest-100-economic-entities/
https://www.globaltrends.com/product/spe...
; Sklair, 2002)Sklair, L. (2002). Democracy and the transnational capitalist class. International Political Science Review, 23(2), 159-174. https://doi.org/10.1177/000271620258100113
https://doi.org/10.1177/0002716202581001...
, configurando-se em tiranias privadas como Chomsky (2005)Chomsky, N. (2005).Chomsky on Anarchism. Edinburgh: AK Press. refere. Corporações são definidas por Drucker (1993)Drucker, P. (1993). The concept of corporation. New Jersey: Transaction Pub., contrariando a definição de Berle e Means (1932)Berle, A., & Means, G. (1932) The modern corporation and private property. New York: Macmillan., como instituições econômicas e sociais que operam negócios em larga escala (big business), em um sistema de livre iniciativa (free-enterprise) capaz de tornar possível o desenvolvimento de operações em larga escala no âmbito dos transportes, comunicações, distribuição e produção, o que exige grandes quantidades de capital (Carey, 2011).

Corporações estão presentes em todos os lugares e em quase todos os aspectos de nossas vidas e do trabalho. Entretanto, corporações são perigosas para a sociedade, visto que protagonizam crimes corporativos graves contra consumidores, trabalhadores, meio ambiente, comunidades e países; além disso, crimes financeiros corporativos são cometidos por negócios legítimos, que operam em mercados lícitos e transnacionais (Lord, Wingerde, & Campbell, 2018)Lord, N., Wingerde, K.V., & Campbell, L. (2018). Organising the monies of corporate financial crimes via organisational structures: Ostensible legitimacy, effective anonymity, and third-party facilitation.Administrative Sciences,8(2), 1-17. https://doi.org/10.3390/admsci8020017
https://doi.org/10.3390/admsci8020017...
. O capitalismo global é suportado pelas práticas transnacionais, as quais “ultrapassam as fronteiras geográficas do Estado, mas não necessariamente se originam da agência ou atores estatais” (Sklair, 2009Sklair, L. (2009). The transnational capitalist class: Theory and empirical research. In F. Sattler & C. Boyer (Eds.),European economic elites: Between a new spirit of capitalism and the erosion of state socialism (pp. 497-524). Berlin: Duncker & Humblot., p. 498), operando nas dimensões econômica, política e cultural-ideológica.

Crimes produzidos pelas corporações, como, por exemplo, destruição ambiental, corrupção, trabalho escravo, epistemicídios globais, entre outros, são processos presentes nas estruturas sociais, e, portanto, sujeitos a influências e articulações no contexto social, ideológico e institucional no qual ocorrem. E, por isso, constituem-se em um tópico relevante para investigação por parte de pesquisadores de organizações.

As corporações transnacionais, empresas globalmente integradas e organizadas politicamente por uma classe capitalista transnacional, têm suas raízes nos Estados Unidos, espalhando-se pelo mundo com o apoio das relações técnicas e sociais estruturadas com as mídias de massa que se tornaram veículos eficientes para a difusão da ideologia cultural do consumismo global (Sklair, 2012Sklair, L. (2012b) ‘Culture-Ideology of Consumerism’. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-Blackwell encyclopedia of globalization. New York: John Wiley & Sons.a, 2012b).

A terceirização global e a mobilidade de capitais são meios para as corporações transnacionais obterem benefícios, como incentivos ficais e regulatórios, e mão de obra mais barata. Essas corporações têm cadeias de suprimentos também globais, que podem ser alteradas conforme seus interesses; além de terem o poder sobre as prestadoras de serviços especializados e, ainda, de fazer com que subsidiárias se separem de entidades legais de modo a reduzirem os riscos financeiros e legais da controladora (Antonio & Bonanno, 2012)Antonio, R. J., & Bonanno, A. (2012). Roots of capitalism. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-Blackwell encyclopedia of globalization. Oxford: Wiley-Blackwell..

Ao discutir a natureza e a extensão da resistência de movimentos (sindicatos e ativistas ambientais), bem como a resiliência do capitalismo, apesar dessa resistência ativa, no contexto estadunidense, Snider (2020)Snider, L. (2020). Beyond Trump: Neoliberal capitalism and the abolition of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(2), 86-94.https://doi.org/10.1177/2631309X20920837
https://doi.org/10.1177/2631309X2092083...
ressalta a força das corporações e de uma elite capitalista privilegiada para influenciar na regulamentação de leis que ampliem seu poder, que já é imenso. Portanto, segundo a autora, mesmo quando os movimentos ambientais e sindicais conseguem ampliar os seus direitos, sem uma influência econômica, cultural e política forte para pressionar as autoridades, tais direitos não são respeitados.

De modo geral, as pesquisas sobre crimes corporativos foram originadas da literatura da criminologia estadunidense e têm focalizado, principalmente, os antecedentes e suas consequências, como se estes fossem problemas contingentes, ou seja, como disfunções das operações corporativas, e não algo provável que aconteça nas diversas versões do capitalismo moderno em todo o mundo. O entendimento comum de crime corporativo é discutido no trabalho seminal de Sutherland (1956)Sutherland, E. H. (1956) Crime of corporations. In A. K. Cohen, A. Lindesmith, K. Schuessler (Ed.), The Sutherland Papers (pp. 78-96). Bloomington: Indiana University Press., que cunhou o termo white collar crime para se referir aos crimes cometidos por pessoas de respeitabilidade e alto status social no curso de sua ocupação. Desde então, desenvolveu-se um corpo teórico que considera o crime corporativo como algo disfuncional. No entanto, essa perspectiva silencia e negligencia as lutas políticas, econômicas e sociais do passado contra o avanço do capitalismo.

Pesquisas também definem crimes corporativos em termos de sua (i)legalidade, distinguindo os termos para argumentar quanto à impossibilidade de se atribuir às corporações o ato criminal. Isso porque as corporações são consideradas entidades; portanto, falar em criminalidade corporativa desafia o senso de realidade, pois as leis criminais se originaram de princípios individuais e às corporações não podem ser imputadas as mesmas leis e punições (Vining, 2003)Vining, J. (2003). Corporate crime and the religious sensibility. Punishment & Society, 5(3), 313-325. https://doi.org/10.1177/1462474503005003005
https://doi.org/10.1177/1462474503005003...
. Os sistemas legais dos diferentes países reagem à criminalidade corporativa a seu modo e, em muitos países, ainda prevalece a ideia de que corporações não cometem crime; além disso, o papel da lei é ambíguo em relação aos danos corporativos (Haines & Macdonald, 2019)Haines, F., & Macdonald, K. (2019). Grappling with injustice: Corporate crime, multinational business and interrogation of law in context. Theoretical Criminology, 0(0), 1-20. https://doi.org/10.1177/1362480619872267
https://doi.org/10.1177/1362480619872267...
.

Nessa direção, Van Erp e Huisman (2017)Van Erp, J., & Huisman, W. (2017). Corporate Crime. In A. Brisman, E. Carrabine, & N. South (Ed.), Routledge companion to criminological theory and concepts (pp. 248-252). Abingdon: Routledge. definem crime corporativo ou organizacional como “atos ilegais ou prejudicais, cometidos por organizações legítimas ou seus membros, principalmente em benefícios dessas organizações” (Van Erp & Huisman, 2017, p. 249). Todavia, segundo Tombs e Whyte (2020)Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
https://doi.org/10.1177/2631309X19882641...
, ao analisarem como os crimes corporativos, em seus diversos tipos, têm se tornado convencionalizados e normalizados por legislações e regulamentações, estas acabam sendo uma forma de “garantir que o capital, na forma da corporação - continue a se reproduzir independentemente de seus efeitos deletérios sobre a capacidade para a vida humana se reproduzir” (Tombs & Whyte, 2020, p. 18).

Ao focar em desvios de normas legais, o conhecimento produzido sobre os crimes corporativos subalterniza debates pautados pela resistência e pela mobilização na luta contra os abusos das corporações. Essa ideia é subjacente ao pensamento pós-colonial, uma perspectiva que tem sido empregada para analisar questões que envolvem o contexto do imperialismo, do colonialismo e neocolonialismo, ou seja, é um aporte teórico que pode revelar os discursos de diferentes versões do capitalismo em suas formas de dominação e expropriação de bens materiais e imateriais, incluindo o controle sobre a vida.

Nosso objetivo é desafiar, teoricamente, as noções de crimes corporativos desenvolvidas na perspectiva da literatura tradicional, a qual compreende esse fenômeno como uma disfunção organizacional, concentrando-se nos seus antecedentes e determinantes. Nossa premissa básica é que essa literatura coloca os crimes corporativos como uma disfunção das organizações, no entanto, esses ocorrem em uma dinâmica própria das corporações, cujo poder de influência política e econômica parece não ter limites, e que sustentam uma versão do capitalismo destruidor. Crimes corporativos ocorrem de forma duradoura em contextos de inter-relacionamentos extremamente complexos, incluindo relações com governos. Nós buscamos explicá-los a partir de uma perspectiva pós-colonial, recorrendo às noções de necrocapitalismo.

Este ensaio está estruturado da seguinte forma: iniciamos com uma explanação sobre o pós-colonialismo e trazemos as noções de crime corporativo na literatura tradicional. Em seguida, sustentamos nossa premissa com base na perspectiva pós-colonialista, e finalizamos o texto com nossas conclusões.

O PENSAMENTO PÓS-COLONIAL E O CONCEITO DE NECROCAPITALISMO

A abordagem pós-colonial assume diferentes posições (Prasad, 2003Prasad, A. (2003). Postcolonial theory and organizational analysis: A critical reader. New York: Palgrave Macmillan.; Westwood, 2006Westwood, R. (2006). International business and management studies as an orientalist discourse: A postcolonial critique. Critical Perspectives on International Business, 2(2), 91-113. https://doi.org/10.1108/17422040610661280
https://doi.org/10.1108/1742204061066128...
; Young, 2001)Young, R. J. C. (2001). Postcolonialism: An historical introduction. Oxford: Wiley-Blackwell., e é Young (2001) quem busca esclarecer as diferenças semânticas entre os termos ‘pós-colonial’, ‘pós-colonialidade’ e ‘pós-colonialismo’, sugerindo que este último significa um modo de crítica teorizada e elaborada para desafiar as condições de pós-colonialidade. Westwood (2006) descreve o “pós-colonialismo como uma análise da linguagem e do discurso do imperialismo, como uma recuperação das vozes silenciadas daqueles marginalizados e oprimidos através do colonialismo ou uma crítica da noção imposta de Estado-nação, que desmantela os mitos do desenvolvimento” (Westwood, 2006, p. 93).

A teoria pós-colonial abrange uma produção teórica sincrética e posições políticas que geram debates internos, tensões e heterogeneidades dentro do pós-colonialismo, visto que este “criativamente emprega conceitos e perspectivas epistemológicas derivadas de uma variedade de campos de estudos ... bem como de múltiplas abordagens de pesquisa (e.g., variantes do marxismo e neomarxismo, feminismo, psicoanalítica, pós-estruturalista, desconstrução, teoria queer, e assim por diante)” (Prasad, 2003Prasad, A. (2003). Postcolonial theory and organizational analysis: A critical reader. New York: Palgrave Macmillan., p. 7).

O pensamento pós-colonial oferece novas perspectivas sobre a história do colonialismo e da situação das sociedades pós-coloniais, colocando no centro a crítica às relações desiguais entre o Norte Global e o Sul Global. Na raiz desse pensamento estão, principalmente, autores indianos erradicados no Reino Unido, como Said (1978)Said, E. W. (1978). Orientalism. London: Routledge & Kegan Paul., Bhabha (1994)Bhabha, H. K. (1994). The Location of culture. London: Routledge., Spivak (1999)Spivak, G. C. (1999). A Critique of postcolonial reason. Toward a history of the vanishing present. Cambridge: Harvard University Press. https://doi.org/10.2307/j.ctvjsf541
https://doi.org/10.2307/j.ctvjsf541...
, bem como autores de países periféricos, como Frantz Fanon (1967)Fanon, F. (1967). Black skin, white masks. New York: Grove Press., Mignolo (2000)Mignolo, W. D. (2000). Local histories, global designs. Coloniality, subaltern knowledges, and border thinking. Princeton, NJ: Princeton University Press., Quijano (2000)Quijano, A. (2000). Coloniality of Power, Eurocentrism, and Latin America. Neplanta: Views from South. 1(3), 533-580. http://dx.doi.org/10.36428/revistadacgu.v5i8.278
http://dx.doi.org/10.36428/revistadacgu....
e Dussel (1995)Dussel, E. (1995). The invention of the Americas. Eclipse of “the other” and the myth of modernity. New York: Continuum Publishing. , que, apesar da ruptura com o pensamento pós-colonial, desempenharam papel determinante para a formação de uma consciência anticolonialista e, também, na configuração de um discurso crítico da diferença a partir da perspectiva dos colonizados.

Said (1978)Said, E. W. (1978). Orientalism. London: Routledge & Kegan Paul., por exemplo, desenvolve, a partir da relação entre discurso e poder e inspirado em Michel Foucault, uma crítica da representação do ‘outro’ no âmbito do discurso ocidental. Para o autor, o Ocidente construiu uma imagem do Oriente que se traduz na imposição de uma violência contra o ‘outro’, este tornado invisível pelo próprio discurso que o nomeia. E Spivak (1994)Spivak, G. (1994). Can the subaltern speak? In P Williams, & L. Chrisman (Ed)., Colonial discourse and postcolonial theory: A reader (pp. 66-111). New York: Columbia University Press. aborda o silêncio do colonizado, não de modo a negar a possibilidade da fala do subalterno, mas, sim, com o intuito de mostrar como o lugar de enunciação ocupado por este na relação colonial consiste em um processo de silenciamento e de criação de espaço para o discurso colonial.

A discussão sobre resistência na vertente pós-colonial está presente em Bhabha (1994)Bhabha, H. K. (1994). The Location of culture. London: Routledge., que parte do conceito de fronteira como espaço de articulação para repensar os conceitos de nacionalismo, representação e resistência; em Said (2003)Said, E. W. (2003). Culture and resistance. Conversations with Edward Said. Cambridge: South and Press., que vê a cultura popular como uma forma de resistência; em Ashcroft, Griffiths e Tiffin (2008)Ashcroft, B., Griffiths, G., & Tiffin, H. (2008). Post-colonial studies: The key concepts. London: Routledge., que sugerem que a transformação é o modo mais adequado para atingir a finalidade da resistência; entre outros. Contudo, há aqueles autores, como Young (1999)Young, R. J. C. (1999). Ideologies of the postcolonial. Interventions, 1(1), 4-8. https://doi.org/10.1080/13698019800510021
https://doi.org/10.1080/1369801980051002...
, que rejeitam a resistência como concebida nos estudos pós-coloniais pelo fato de que, desse modo, minam-se as possibilidades de movimentos ativos que intervêm a ponto de provocarem mudanças na ordem social, política, cultural e econômica.

Na análise do colonialismo e neocolonialismo, a teoria pós-colonial coloca os sujeitos do Sul como agentes capazes de responder, resistir e sobreviver sob condições de violência e crueldade. A noção de discurso na teoria pós-colonial ilumina as questões que envolvem o contexto do exercício do poder imperial, e as imbricações mútuas do material e do ideológico. Mir, Mir e Upadhyaya (2003)Mir, R. A., Mir, A., & Upadhyaya, P. (2003). Toward a postcolonial reading of organizational control. In A. Prasad. Postcolonial theory and organizational analysis: A critical reader (pp. 47-76). New York: Palgrave Macmillan.colocam a ideologia da ‘realidade como recurso’ dentro das ‘ideologias do colonizar’ e das ‘ideologias de organizar’, sinalizando para a congruência dos discursos ideológicos que sustentam os padrões de vida locais e organizacionais. Assim, os discursos que sustentam a lógica capitalista mantêm as ideologias corporativas e gerenciais, bem como as formas de dominação e expropriação de bens materiais e imateriais, e o controle sobre a vida.

Os processos históricos que constituem o imperialismo e o colonialismo sustentaram a expansão do capitalismo, visto que ambos representam formas de dominação, acumulação e exploração de territórios, de maneira informal ou formal (Banerjee, 2008)Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
. Esses dois termos, 'imperialismo' e 'colonialismo', embora sejam utilizados como sinônimos, carregam diferenças entre si, as quais Banerjee (2008) reconhece. Por exemplo, o colonialismo envolve a anexação e governo de territórios, o que não consiste em uma condição necessária do imperialismo.

Todavia, Banerjee (2008)Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
entende que a discussão sobre as diferenças dos termos não contribui para o seu propósito, pois o que é fundamental é o processo histórico que os constituem. O colonialismo compreende a dominação e ocupação do espaço físico, de sistemas de conhecimento e da cultura dos nativos de um território (Prasad, 2003)Prasad, A. (2003). Postcolonial theory and organizational analysis: A critical reader. New York: Palgrave Macmillan., incorporando-os a uma perspectiva ocidental e desenvolvendo relações complexas entre colonizado e colonizador que resultam em dependência do primeiro em relação ao segundo (Mbembe, 2003)Mbembe, A. (2003). Necropolitics. Public Culture, 15(1), 11-40. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/39984/summary
https://muse.jhu.edu/article/39984/summa...
. Já o imperialismo envolve a exploração de recursos de uma nação por outra, ocorrendo o controle da soberania política de um território, seja por meio da força, seja por colaboração política ou pela criação da dependência econômica, social ou cultural (Prasad, 2003).

O imperialismo opera por meio de diferentes tipos de poder: o poder institucional (agências); o poder econômico (corporações e Estados-nação); e o poder discursivo que “constrói e descreve noções incontestáveis de desenvolvimento, atraso, economia de subsistência, enquanto impedem a emergência de outras narrativas” (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
, p. 1544).

Banerjee (2008)Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
desenvolve o termo ‘necrocapitalismo’ para se referir a um tipo de capitalismo contemporâneo que subjuga a vida, com base em Agamben (1995Agamben, G. (1995). Homo sacer: Sovereign power and bare life. Stanford: Stanford University Press., 2005), que discute conceitos como Estados de exceção e a transgressão da soberania, e no conceito de necropolítica desenvolvido por Mbembe (2003)Mbembe, A. (2003). Necropolitics. Public Culture, 15(1), 11-40. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/39984/summary
https://muse.jhu.edu/article/39984/summa...
. Esse termo descreve as práticas capitalistas específicas, marginalizadas na literatura de gestão, como “formas contemporâneas de acumulação organizacional que envolvem a desapropriação e a subjugação da vida ao poder da morte” (Banerjee, 2008, p. 1541), como a apropriação do fundo de vida do trabalhador, superexplorando-o mediante tamanho grau de intensidade que leva à exaustão completa e à morte” (Luce, 2013Luce, M. S. (2013). A superexploração da força de trabalho no Brasil: Evidências da história recente. In N. Almeida Filho (Org), Desenvolvimento e dependência: Cátedra Ruy Mauro Marini (pp. 145-166). Brasília, D. F.: Ipea., p. 157).

Extrapolando a noção de necrocapitalismo para o contexto da Covid-19, Jesus (2020)Jesus, D. S. V. (2020). Necropolitics and necrocapitalism: The impact of COVID-19 on brazilian creative economy. Modern Economy, 11(6), 1121-1140. https://doi.org/10.4236/me.2020.116082
https://doi.org/10.4236/me.2020.116082...
discute que a pandemia reforçou a divisão entre aqueles que podem ou não viver, revelando as vidas que são consideradas dispensáveis. Lawreniuk (2020)Lawreniuk, S. (2020). Necrocapitalist networks: COVID-19 and the “dark side” of economic geography. Dialogues in Human Geography.https://doi.org/10.1177/2043820620934927
https://doi.org/10.1177/2043820620934927...
argumenta que, antes de ser um momento de ruptura, essa crise da pandemia expõe, além das tensões e contradições na organização do capitalismo global, a precariedade dos trabalhadores nas redes globais de produção, as quais são infraestruturas necrocapitalistas que otimizam a vida dos consumidores lucrando com a exploração dos trabalhadores. O necrocapitalismo

emerge da interseção da necropolítica e da necroeconomia, como práticas de acumulação em um contexto (pós)colonial, por atores econômicos específicos - corporações transnacionais, por exemplo - que envolvem a desapropriação, morte, tortura, suicídio, escravidão, destruição de meios de subsistência e a administração geral da violência (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
, p. 1546).

Nesse tipo de capitalismo, o imperialismo está presente nas estruturas e processos institucionais, o que pode ser analisado nas relações entre as nações, instituições internacionais e corporações transnacionais. É uma situação em que a soberania é suspensa, isto é, a competência de uma nação ou território para tomar uma decisão (Schmitt, 1992)Schmitt, C. (1992). O Conceito do Político. Petrópolis: Vozes.: “violência, desapropriação e morte que resultam de práticas de acumulação ocorrem em espaços que parecem ser imunes a intervenção legal, jurídica e política, resultando na suspensão da soberania” (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
, p. 1544).

Quando surgem conflitos, é o Estado que deve resolvê-los, decidindo-se sobre eles com o intuito de minar a perturbação da ordem interna, mesmo que para isso tenha que lançar mão da ditadura ou de outro artifício. Todavia, os impérios modernos intervêm em territórios além de suas fronteiras, seja nos processos políticos, seja no gerenciamento do (terceiro) mundo (Cooke, 2004)Cooke, B. (2004). The managing of third world. Organization, 11(5), 603-629. https://doi.org/10.1177/1350508404044063
https://doi.org/10.1177/1350508404044063...
, seja fomentando guerras que levam à “perda de nitidez entre combatentes e não combatentes” (Hobsbawn, 2010Hobsbawn, E. J. (2010). Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Cia. das Letras., p. 23), ao aumento do número de civis mortos e feridos pelos conflitos bélicos, além da perda de autoridade de governos, a privatização dos meios de guerra e a multiplicação dos atores privados no cenário internacional (Hobsbawn, 2010).

A noção schmittiana de soberania, então, remete ao controle legislador sobre um território e, também, sobre o corpo do outro como anexo a esse território, um controle irrestrito, arbitrário e discricionário que possibilita o aniquilamento de atribuições equivalentes nos outros, além da erradicação de sua potência. “A expressão máxima de soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem deve viver e quem deve morrer” (Mbembe, 2003Mbembe, A. (2003). Necropolitics. Public Culture, 15(1), 11-40. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/39984/summary
https://muse.jhu.edu/article/39984/summa...
, p. 11). Não se trata apenas do poder de morte que, por si só, não consiste em soberania, pois esta, em sua fase extrema, é aquela que ‘faz viver ou deixa morrer’, é o domínio da vida enquanto vida que completa a dominação.

Ao atribuir à soberania o poder de decisão sobre a morte, ou seja, de matar ou permitir viver, Mbembe (2003)Mbembe, A. (2003). Necropolitics. Public Culture, 15(1), 11-40. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/39984/summary
https://muse.jhu.edu/article/39984/summa...
apresenta a política como ‘a morte que vive uma vida’, sendo, ainda, a necropolítica a subjugação da vida ao poder da morte, que é o necropoder, isto é, o poder de determinar quem morre. Esses dois termos, ‘necropolítica’ e ‘necropoder’, são discutidos por Mbembe (2003) para dar conta dos modos pelos quais:

armas são empregadas no interesse da destruição de pessoas e na criação de ‘mundos de morte’, novas e únicas formas de existência social nas quais populações estão sujeitas a condições de vida que conferem a elas o status de mortos vivos (Mbembe, 2003Mbembe, A. (2003). Necropolitics. Public Culture, 15(1), 11-40. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/39984/summary
https://muse.jhu.edu/article/39984/summa...
, p. 40).

A relação entre o Estado de exceção e a soberania resulta em uma autoridade de matar não somente controlada pelo Estado, mas sim distribuída pela sociedade.

O Estado de exceção consiste na criação e garantia de uma situação na qual a lei poderá valer, o que é possível pelo poder da soberania (Agamben, 2005)Agamben, G. (2005). State of exception. Chicago: University of Chicago Press., configurando-se, assim, em uma zona cinzenta, em que não se distingue o político e o jurídico, a norma e o vivente. Como exemplos de Estado de exceção contemporâneo, Agamben (2005) cita o Estado nazista e a Baía de Guantánamo, espaços onde a violência, tortura e morte poderiam ocorrer sem qualquer intervenção político-jurídica, pois “o Estado de exceção cria uma zona onde a aplicação da lei é suspensa, mas a lei continua em vigor” (Banerjee, 2008Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
, p. 1544), sendo a soberania que tem o poder de aplicar o Estado de exceção, invocando o poder de decidir sobre o valor da vida sem que isso seja considerado homicídio. Porém, não é o Estado de exceção a anarquia e o caos, pois nesse “subsiste, em sentido jurídico, uma ordem, mesmo que não uma ordem jurídica” e “a existência do Estado mantém, aqui, uma supremacia indubitável sobre a validade da norma jurídica” (Schmitt, 2006Schmitt, C. (2006). Teologia Política. Belo Horizonte: Del Rey., p. 13).

Todavia, a soberania tem sido transgredida (Banerjee, 2008)Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
, pois as fronteiras de territórios e nações, a despeito das noções de independência e suprema autoridade dos Estados-nação, têm sido transgredidas por ‘formações imperiais’ - uma condição para o necrocapitalismo - e um colonialismo que representa “um Estado de exceção permanente, em que a soberania torna-se um exercício de poder fora da lei” (Banerjee, 2008, p. 1545), em que as corporações transnacionais parecem operar com impunidade (Pearce & Tombs, 1999)Pearce, F., & Tombs, S. (1999). Toxic capitalism: Corporate crime and the chemical industry. Toronto: Canadian Scholars’ Press.. E é o poder de colonização que vai permitir a exibição do poder de morte frente àqueles destinados a permanecer vivos, sendo então a soberania não apenas o poder de morte sobre o colonizado, mas sim sua derrota psicológica e moral, e sua transformação em audiência da exibição do poder de morte, uma violência física, psicológica e moral.

A transgressão da soberania na Era Pós-Colonial ocorre na esteira das políticas neoliberais e do entrelaçamento de governos, agências e corporações transnacionais que regulam a economia, o mercado e o sistema sociocultural de territórios periféricos, ficando a soberania política subserviente à soberania econômica da corporação. É nesse contexto que o necrocapitalismo se caracteriza: na criação de Estados de exceção onde os direitos democráticos são confinados à esfera política, e a violência, a coerção e assassinatos ocorrem. Ainda, práticas que caracterizam o necrocapitalismo negam às pessoas o acesso a recursos que são essenciais para sua saúde e vida (Banerjee, 2008)Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
.

Nesta seção, buscamos enfatizar como o pensamento pós-colonial permite revelar como práticas do capitalismo contemporâneo são capazes de organizar suas formas de acumulação envolvendo violência, desapropriação e a subjugação da vida ao poder da morte. Em seguida, trazemos o desenvolvimento das noções de crimes corporativos nas teorias organizacionais, na literatura corrente tradicional.

A LITERATURA TRADICIONAL SOBRE CRIMES CORPORATIVOS

A origem dos estudos sobre crimes corporativos é atribuída ao conceito de white collar crime utilizado pela primeira vez por Edwin Sutherland, em 1939, em seu discurso presidencial na American Society of Sociology (Braithwaite, 1989Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
https://doi.org/10.1080/0741882890009025...
; Strader, 2002)Strader, J. K. (2002). Introduction to white collar crime. In J. K. Strader. Understanding white collar crime. (Cap. 1, pp. 1-13). New York: LexisNexis., quando esse definiu o termo como “um crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e de alto status social no curso de sua ocupação” (Sutherland, 1949, p. 9).

A pesquisa de Clinard (1979)Clinard, M. B. (1979). Illegal Corporate Behavior. Washington, D. C.: Department of Justice. é o primeiro estudo, depois de Sutherland (1940Sutherland, E. H. (1940). White-collar criminality. American Sociological Review, 5(1), 1-12. https://doi.org/10.2307/2083937
https://doi.org/10.2307/2083937...
, 1944), realizado em larga escala sobre as corporações e suas violações às leis. Esse estudo consiste em uma investigação empírica, de 582 corporações norte-americanas, concentrada na análise de suas estruturas e no contexto em que as atividades ilegais ocorreram, durante os anos de 1975 e 1976, e traz a seguinte definição para o termo: “um crime organizacional que ocorre no contexto do complexo e variado conjunto de relacionamentos e inter-relacionamentos estruturados entre o corpo de diretores, executivos, e gerentes de um lado e empresas-mãe, divisões corporativas e subsidiárias de outro” (Clinard, 1979, p. 17).

A definição de Braithwaite (1984)Braithwaite, J. (1984). Corporate crime in the pharmaceutical industry. London: Routledge and Kegan Paul. sobre crime corporativo inclui não só atos que violam as leis criminais, mas também violações civis e administrativas: “uma conduta de uma corporação, ou de empregado agindo em favor de uma corporação, a qual é prescrita e punível por lei” (Braithwaite, 1984, p. 6). Essa definição tem a concordância de vários autores (Daboub, Rasheed, Priem, & Gray, 1995)Daboub, A. J., Rasheed, A. M. A., Priem, R. L., & Gray, D. A. (1995). Top management team characteristics and corporate illegal activity. Academy of Management Review, 20(1), 138-170. http://doi.org/10.2307/258890
http://doi.org/10.2307/258890...
, pois, segundo estes, quando as corporações se envolvem em práticas moralmente inaceitáveis não prescritas pela ausência de leis sobre essas atividades, novas leis e regulamentações podem surgir para evitar sua reincidência. Porém, os autores não levam em consideração a capacidade de influência das corporações para escapar das leis.

A posição de Clinard e Quinney (1973)Clinard, R., & Quinney, R. (1973). Criminal behavior systems: A typology. New York: Holt, Rinehart & Winston. muda a configuração dos conceitos ao categorizar o white collar crime em dois tipos: crimes corporativos - aqueles cometidos em benefício da corporação; e crimes ocupacionais - aqueles cometidos contra a corporação em benefício daquele que comete o crime. No entendimento desses autores, o white collar crime abrange não só crimes cometidos pela corporação, mas também aqueles cometidos contra ela, como os crimes ocupacionais em que, usualmente, mas não necessariamente, a corporação é a única vítima.

Um aspecto sempre presente nas discussões do crime corporativo é a ilegalidade ou não do ato praticado. Baucus e Dworkin (1991)Baucus, M. S., & Dworkin, T.M. (1991). What Is Corporate Crime? It Is Not Illegal Corporate Behavior. Law & Policy, 13(3), 231-244. https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991.tb00068.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991...
chamam a atenção para o modo como os pesquisadores utilizam os termos ‘crime corporativo’ e ‘comportamento corporativo ilegal’, sem explicar a escolha para sua utilização. Segundo os autores, um grupo de pesquisadores utiliza o termo ‘crime corporativo’ como referência a qualquer tipo de atividade ilegal, enquanto outros colocam o primeiro como um tipo restrito dentro do segundo.

Porém, outros autores entendem essa relação de modo diferente, como, por exemplo, Geis (1991)Geis, G. (1991). White collar crime. What is it? Current Issues in Criminal Justice, 3(1),1-17. https://doi.org/10.1080/10345329.1991.12036504
https://doi.org/10.1080/10345329.1991.12...
, que considera o white collar crime um comportamento ilegal, e Daboub, Rasheed, Priem e Gray (1995)Daboub, A. J., Rasheed, A. M. A., Priem, R. L., & Gray, D. A. (1995). Top management team characteristics and corporate illegal activity. Academy of Management Review, 20(1), 138-170. http://doi.org/10.2307/258890
http://doi.org/10.2307/258890...
, que utilizam os termos ‘atividade corporativa ilegal’, ‘crime organizacional’ e corporate wrongdoing de forma intercambiável, sem fazer qualquer distinção entre eles, haja vista que, para esses autores, o que define a atividade ilegal corporativa é a identidade do beneficiário, ou seja, se o ato é cometido em favor da corporação.

Discordando das duas formas de utilização dos dois termos, Baucus e Dworkin (1991)Baucus, M. S., & Dworkin, T.M. (1991). What Is Corporate Crime? It Is Not Illegal Corporate Behavior. Law & Policy, 13(3), 231-244. https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991.tb00068.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991...
apresentam a sua distinção, a qual está centrada no fato de que, no caso do crime corporativo, “os tribunais decidiram que a firma cometeu um ato criminal” (Baucus & Dworkin, 1991, p. 234). Quanto ao comportamento corporativo ilegal, que para Baucus e Near (1994) pode ser intencional ou não, os autores o descrevem como “violações de leis administrativas e civis, decididas por uma variedade de procedimentos tais como consentimentos, decretos, assentamentos, julgamentos contra a empresa ou multas” (Baucus & Near, 1994, p. 234).

O foco da distinção entre os dois termos, para Baucus (1994)Baucus, M. S. (1994). Pressure, opportunity and predisposition: A multivariate model of corporate illegality. Journal of Management. 20(4), 699-721. https://doi.org/10.1016/0149-2063(94)90026-4
https://doi.org/10.1016/0149-2063(94)900...
, Baucus e Dworkin (1991) e Baucus e Near (1994), está na condenação da corporação pela corte criminal, no caso do crime corporativo, o que é ponto de divergência entre vários autores, incluindo Sutherland. Esses autores desenvolvem seus argumentos de que o crime corporativo não é o mesmo que comportamento ilegal a partir das diferenças entre os dois termos, valendo-se de três dimensões, quais sejam: (a) a aplicação das leis e o modo como os casos são resolvidos diferem (as decisões são influenciadas pelos méritos do caso, como limitações do orçamento e de informações disponíveis, o poder da corporação e se a agência reguladora deve manter ou renunciar ao controle sobre o caso); (b) os fatores causais levam a tipos diferentes de transgressão corporativa (e.g., Baucus, 1994; Baucus & Dworkin, 1991; Baucus & Near, 1994; Clinard, 1979)Clinard, M. B. (1979). Illegal Corporate Behavior. Washington, D. C.: Department of Justice. e (c) os propósitos e as consequências das atividades são diferentes.

Já o conceito formulado por Kramer (1984)Kramer, R. C. (1984). Corporate criminality: The development of an Idea. In E. Hochstedler (Ed), Corporation as Criminal (pp. 13-37). Beverly Hills: Sage Publications. coloca em foco questões fundamentais para a sua compreensão: a intencionalidade ou não do crime corporativo; são as decisões corporativas e gerenciais que causam os crimes e não a má conduta ou negligência do indivíduo; e, principalmente, a sua ligação estreita com a obtenção de benefícios para a corporação: “atos criminais (de omissão ou comissão) que são resultado de ações tomadas deliberadamente (ou negligência culposa) por aqueles que ocupam posições na estrutura da organização como executivos ou gerentes” (Kramer, 1984, p. 18). Essas decisões têm como base a organização e são “tomadas em acordo com os objetivos normativos (principalmente lucro corporativo), procedimentos operacionais padrão, e normas culturais da organização - e são destinadas a beneficiar a própria corporação” (Kramer, 1984, p. 18).

Michalowski e Kramer (2007)Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-corporate crime and criminological inquiry. In: H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime. (Cap. 2, pp. 200-219). New York: Springer. propõem uma denominação que confere aos crimes corporativos uma característica que escapa das conceituações habituais: state-corporate crime: “ações ilegais ou socialmente prejudiciais que ocorrem quando uma ou mais instituições de governança política perseguem um objetivo em cooperação direta com uma ou mais instituições de produção e distribuição econômica” (Michalowski & Kramer, 2007, p. 270). O foco desse conceito reside nas relações interorganizacionais desviantes que têm como participantes agências do governo e corporações de negócios, as quais agem dentro do sistema capitalista, com consequências prejudiciais.

O state-corporate crime ocorre de duas formas distintas: quando corporações contratadas pelo governo engajam-se em práticas desviantes, ou têm a aprovação do governo para tal; e quando as instituições regulatórias governamentais falham em restringir as atividades de negócios desviantes. Como exemplo de crimes facilitados pelo Estado, têm-se as reversões regulatórias da agenda neoliberal do governo Trump, que facilitam crimes contra a saúde pública, visto que elas enfraquecem ou removem regulamentos que limitam ameaças à saúde pública, o que pode incentivar as empresas do setor ao engajamento de práticas prejudiciais (Michalowski & Brown, 2020)Michalowski, R., & Brown, M. (2020). Poisoning for profit: Regulatory rollbacks, public health, and state-facilitated corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(2), 113-122.https://doi.org/10.1177/2631309X20919694
https://doi.org/10.1177/2631309X20919694...
, além de exporem as fraquezas das forças opositoras ao capitalismo neoliberal global (Snider, 2020)Snider, L. (2020). Beyond Trump: Neoliberal capitalism and the abolition of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(2), 86-94.https://doi.org/10.1177/2631309X20920837
https://doi.org/10.1177/2631309X2092083...
.

Ainda que tenha gerado debates, discussões e controvérsias, o conceito de crime corporativo mais aceito, comumente, é estreitamente legalista, ou seja, aquele cujo processo obteve condenação da empresa (Mokhiber, 1995)Mokhiber, R. (1995). Crimes corporativos. São Paulo: Scritta, Página Aberta.. Entretanto, há de se considerar que essa concepção de crimes corporativos oculta as consequências que as suas vítimas sofrem e, ainda, acaba por consentir que esses são acontecimentos inevitáveis, acidentes e, portanto, não prescindem de esforços para iluminar caminhos que levem à sua evitação. Ainda, essa concepção não considera que a lógica corporativa, por se basear na busca desenfreada por melhores resultados, torna os crimes corporativos inevitáveis.

Estudos sobre crimes corporativos foram originados no campo da sociologia jurídica e da criminologia, tendo ganhado interesse de estudiosos das organizações, e nesse campo, inicialmente, desenvolveram-se a partir de uma abordagem individual, ou em um nível micro de análise, a qual não produziu explicações suficientes para as práticas cometidas no contexto das corporações (Braithwaite, 1989Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
https://doi.org/10.1080/0741882890009025...
; Daboub et al., 1995Daboub, A. J., Rasheed, A. M. A., Priem, R. L., & Gray, D. A. (1995). Top management team characteristics and corporate illegal activity. Academy of Management Review, 20(1), 138-170. http://doi.org/10.2307/258890
http://doi.org/10.2307/258890...
; Gorsira, Steg, Denkers, & Huisman, 2018Gorsira, M., Steg, L., Denkers, A., & Huisman, W. (2018). Corruption in organizations: Ethical climate and individual motives.Administrative Sciences. 8, 1-19. https://doi.org/10.3390/admsci8010004
https://doi.org/10.3390/admsci8010004...
; Mon, 2002Mon, W. (2002). Causal factors of corporate crime in Taiwan: Qualitative and quantitative findings. International Journal of Offender therapy and Comparative Criminology, 46(2), 183-205. https://doi.org/10.1177/0306624X02462005
https://doi.org/10.1177/0306624X02462005...
; Szwajkowski, 1985Szwajkowski, E. (1985). Organizational illegality: Theoretical integration and illustrative application. The Academy of Management Review, 10(3), 558-567. https://doi.org/10.2307/258136
https://doi.org/10.2307/258136...
; Szwajkowski, 1992; Van Akkeren & Buckby, 2017)Van Akkeren, J., & Buckby, S. (2017). Perceptions on the causes of individual and fraudulent co-offending: Views of forensic accountants.Journal of Business Ethics 146 383-404. https://doi.org/10.1007/s10551-015-2881-0
https://doi.org/10.1007/s10551-015-2881-...
. Dividindo opiniões sobre a orientação para as pesquisas, uma abordagem macro dos crimes corporativos emergiu, na década de 1960; todavia, a abordagem individual voltou a ser bastante utilizada nos anos 1990 por diversos criminologistas (Gottfredson & Hirschi, 1990Gottfredson, M. R., & Hirschi, T. (1990) A general theory of crime. Stanford, CA: Stanford University Press.; Grasmick, Tittle, Bursik, & Arneklev, 1993Grasmick, H. G., Tittle, C. R., Bursik, R. J., & Arneklev, B. J. (1993). Testing the core empirical implication of Gottfredson and Hirschi’s general theory of crime. Journal of Research in Crime and Delinquency, 30(1), 5-29. https://doi.org/10.1177/0022427893030001002
https://doi.org/10.1177/0022427893030001...
; Herbert, Green, & Larragoite, 1998)Herbert, C. L., Green, G. S., & Larragoite, V. (1998). Organizational offending: A comment on reed and yeager. Criminology, 36(4), 867-885. https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.1996.tb01211.x
https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.1996...
com argumentos de que as organizações constituem-se no centro das oportunidades para que os crimes ocorram, entretanto, a decisão de cometer ou não o crime é do indivíduo.

Esse argumento orientou pesquisas sobre o comportamento oportunista como causa de crimes corporativos (Arantes, 2011Arantes, R. B. (2011). The Federal Police and the Ministério Público. In T. Power, & M. Taylor (Eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability (pp. 184-217). Notre Dame: University of Notre Dame.; Lacerda, Motta, & Santos, 2019Lacerda, L. P., Motta, R. G., & Santos, N. M. B. F. D. (2019). Uma análise do crime corporativo de corrupção a partir da teoria dos custos de transação.Pensamento & Realidade, 34(3), 78-91. https://doi.org/10.23925/2237-4418.2019v34i3p78-91
https://doi.org/10.23925/2237-4418.2019v...
; Van Akkeren & Buckby, 2017)Van Akkeren, J., & Buckby, S. (2017). Perceptions on the causes of individual and fraudulent co-offending: Views of forensic accountants.Journal of Business Ethics 146 383-404. https://doi.org/10.1007/s10551-015-2881-0
https://doi.org/10.1007/s10551-015-2881-...
. No entanto, nas palavras de Van Erp (2018)Van Erp, J. (2018). The organization of corporate crime: Introduction to Special Issue of Administrative Sciences. Administrative Sciences, 8(3), 1-12. https://www.mdpi.com/2076-3387/8/3/36
https://www.mdpi.com/2076-3387/8/3/36...
, “o problema dos crimes corporativos transcende o nível micro da ‘maçã podre’ individual” (Van Erp, 2018, p. 36). As abordagens biológicas e psicológicas também não foram suficientes para explicar os antecedentes dos crimes corporativos, o que demandou uma busca pelas abordagens interacionistas para prover o conhecimento acerca do modo pelo qual os indivíduos se engajam em crimes no contexto corporativo.

Os estudiosos defensores da abordagem macro (Benson & Cullen, 1998Benson, M. L., & Cullen, F. T. (1998). Combating corporate crime: Local prosecutors at work. Boston: Northeastern University Press.; Braithwaite, 1989Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
https://doi.org/10.1080/0741882890009025...
; Fisse & Braithwaite, 1993Fisse, B., & Braithwaite, J. (1993). Corporations, crime and accountability. New York: Cambridge University Press.; Vaughan, 2007)Vaughan, D. (2007) Beyond macro- and micro-levels of analysis, organizations, and the cultural fix. In H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 1, pp. 3-23). New York: Springer. enfatizam que o crime corporativo é cometido por organizações ou por grupos de indivíduos, portanto, o comportamento ilegal das corporações não pode ser explicado pelas teorias de crime aplicáveis aos indivíduos, mas deve ser visto, sim, como um comportamento organizacional que reflete as forças institucionais. Vaughan (2007) argumenta quanto à necessidade de não só fazer uma conexão entre os níveis micro e macro para explicar a criminalidade corporativa, mas também investigar as organizações como um nível intermediário nesse processo.

Ampliando a análise da criminalidade corporativa, Vaughan (2007)Vaughan, D. (2007) Beyond macro- and micro-levels of analysis, organizations, and the cultural fix. In H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 1, pp. 3-23). New York: Springer. inclui o nível meso, o qual corresponde às organizações complexas e formais, e que conecta o nível macro (forças institucionais) e o nível micro (microprocessos que afetam decisões e ações individuais). Dessa maneira, enfatizando o papel que as organizações e a cultura desempenham na mediação das influências macro e micro, a autora propõe que os crimes corporativos devam ser analisados a partir desses três níveis, de modo que o comportamento humano (nível micro) seja entendido como uma ação situada diante de forças institucionais e organizacionais.

As abordagens integrativas surgiram do esforço intelectual de sociólogos e criminologistas que, por diferentes caminhos, recorreram à teoria organizacional como suporte para analisar a criminalidade corporativa, como Clinard (1983)Clinard, M.B. (1983). Corporate ethics and crime: The role of middle management. Beverly Hills: Sage., Clinard e Yeager (1980), Cohen (1977)Cohen, A. K. (1977). The concept of criminal organization. British Journal of Criminology, 17(2), 97-111. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/23636355
https://www.jstor.org/stable/23636355...
, Finney e Lesieur (1982)Finney, H. C., & Lesieur, H. R. (1982). A contingency theory of organizational crime. In S. B. Bacharab (Ed.), Research in the Sociology of Organizations (pp. 255-299). Greenwich: JAI. , Szwajkowski (1985Szwajkowski, E. (1985). Organizational illegality: Theoretical integration and illustrative application. The Academy of Management Review, 10(3), 558-567. https://doi.org/10.2307/258136
https://doi.org/10.2307/258136...
, 1992), Coleman (1987)Coleman, J. W. (1987). Toward an integrated theory of white-collar crime. The American Journal of Sociology, 93(2), 406-439. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/2779590
https://www.jstor.org/stable/2779590...
, Baucus e Near (1994)Baucus, M. S. (1994). Pressure, opportunity and predisposition: A multivariate model of corporate illegality. Journal of Management. 20(4), 699-721. https://doi.org/10.1016/0149-2063(94)90026-4
https://doi.org/10.1016/0149-2063(94)900...
, Baucus (1994), Vaughan (2007)Vaughan, D. (2007) Beyond macro- and micro-levels of analysis, organizations, and the cultural fix. In H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 1, pp. 3-23). New York: Springer., Michalowski e Kramer (2007)Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-corporate crime and criminological inquiry. In: H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime. (Cap. 2, pp. 200-219). New York: Springer., Gorsira, Steg, Denkers e Huisman (2018)Gorsira, M., Steg, L., Denkers, A., & Huisman, W. (2018). Corruption in organizations: Ethical climate and individual motives.Administrative Sciences. 8, 1-19. https://doi.org/10.3390/admsci8010004
https://doi.org/10.3390/admsci8010004...
, entre outros, haja vista que, diferentemente dos crimes nas ruas, a criminalidade corporativa não prescinde do conhecimento da natureza das organizações.

Esse aspecto é contestado por Braithwaite (1989)Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
https://doi.org/10.1080/0741882890009025...
, que considera um erro assumir que o crime corporativo seja tão diferente do crime individual a ponto de requerer paradigmas diferentes para análise. Não que Braithwaite (1989) rejeite a ideia de que as teorias sobre crimes organizacionais sejam derivadas da teoria organizacional. Esse autor pondera que a integração de duas importantes tradições que explicam os crimes dos impotentes e crimes dos poderosos, quais sejam, a análise marxista de Bonger e a teoria da associação diferencial de Sutherland, seja suficiente para explicar os crimes corporativos.

A integração dessas duas perspectivas, as quais Braithwaite (1989)Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
https://doi.org/10.1080/0741882890009025...
não vê como incompatíveis, resulta na ligação entre a teoria da oportunidade e a teoria das subculturas. A criação da oportunidade para praticar o crime ocorre quando surgem obstáculos para a realização, de forma legítima, das aspirações e/ou objetivos valorizados pela sociedade. Essas aspirações são diferentes conforme os grupos, fazendo surgir as subculturas.

Transpondo esse pensamento para a criminalidade corporativa, Braithwaite (1989)Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
https://doi.org/10.1080/0741882890009025...
apresenta duas proposições para o que seria uma teoria do crime organizacional: (a) o crime organizacional ocorre quando uma organização (ou uma divisão) se depara com obstáculos às oportunidades legítimas para realizar seus objetivos; e (b) o crime organizacional ocorre quando oportunidades ilegítimas para realizar os objetivos da organização estão disponíveis para os atores organizacionais. Nesse sentido, as subculturas transmitem o conhecimento sobre o modo pelo qual os diversos atores organizacionais podem, juntos, trabalhar para quebrar as leis e, assim, alcançar os objetivos organizacionais ou do grupo.

Essas proposições de Braithwaite (1989)Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
https://doi.org/10.1080/0741882890009025...
vão ao encontro do que propõem Needleman e Needleman (1979)Needleman, M. L., & Needleman, C. (1979). Organizational crime: Two models of criminogenesis. The Sociological Quarterly, 20(4), 517-528. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/4106061
https://www.jstor.org/stable/4106061...
sobre a origem dos crimes corporativos. Esses autores concordam com a ideia de que o comportamento criminal, no âmbito das corporações, não pode ser analisado apenas como um desvio pessoal, mas, sim, deve ser pensado como um produto das relações entre os membros de determinados sistemas organizacionais, com o que concordam Gorsira et al. (2018)Gorsira, M., Steg, L., Denkers, A., & Huisman, W. (2018). Corruption in organizations: Ethical climate and individual motives.Administrative Sciences. 8, 1-19. https://doi.org/10.3390/admsci8010004
https://doi.org/10.3390/admsci8010004...
, ao sugerirem que o crime de corrupção não é um processo isolado ou uma questão individual, pois, assim como um clima organizacional ético pode influenciar as normas pessoais e sociais dos funcionários, o oposto pode incentivar a corrupção.

Sem fazer referência à influência da cultura, Needleman e Needleman (1979)Needleman, M. L., & Needleman, C. (1979). Organizational crime: Two models of criminogenesis. The Sociological Quarterly, 20(4), 517-528. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/4106061
https://www.jstor.org/stable/4106061...
afirmam que nos sistemas organizacionais, cujas características econômica, legal, organizacional e normativa influenciam a geração da atividade criminosa, independentemente do grau de motivação pessoal dos indivíduos envolvidos, a criminalidade corporativa constitui-se em uma atividade legítima daquele sistema.

Reconhecendo que grande parte da literatura que investiga a origem da criminalidade corporativa focaliza nos sistemas cujas estruturas organizacionais a estimulam, Needleman e Needleman (1979)Needleman, M. L., & Needleman, C. (1979). Organizational crime: Two models of criminogenesis. The Sociological Quarterly, 20(4), 517-528. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/4106061
https://www.jstor.org/stable/4106061...
descrevem dois modelos de criminogenesis no que concerne às organizações: o primeiro, denominado de crime-coercive system, refere-se aos sistemas que impelem os membros à prática da atividade criminosa em benefício da organização (e indiretamente, em benefício desses membros); e o segundo, crime-facilitative system, consiste em sistemas organizacionais que facilitam e encorajam a prática do crime, pelas suas condições estruturais, incentivos e oportunidades. Ao contrário do primeiro modelo, em que a atividade criminosa é essencial ao negócio, no segundo, a atividade criminal é algo indesejável, mas é um custo inevitável ao negócio. Nesse sentido, Pierce (2015)Pierce, J. R. (2015). Reexamining the cost of corporate criminal prosecutions. Journal of Management, 44(3), 892-918.https://doi.org/10.1177/0149206315594845
https://doi.org/10.1177/0149206315594845...
entende que o combate ao crime corporativo deve começar pela eliminação de incentivos perversos, como as remunerações variáveis pelo desempenho, ressaltando a natureza funcionalista da abordagem.

Tanto as proposições de Braithwaite (1989)Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
https://doi.org/10.1080/0741882890009025...
como a de Needleman e Needleman (1979)Needleman, M. L., & Needleman, C. (1979). Organizational crime: Two models of criminogenesis. The Sociological Quarterly, 20(4), 517-528. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/4106061
https://www.jstor.org/stable/4106061...
indicam a robustez dos argumentos de Vaughan (2007)Vaughan, D. (2007) Beyond macro- and micro-levels of analysis, organizations, and the cultural fix. In H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 1, pp. 3-23). New York: Springer. a respeito da inclusão de um nível de ligação entre os níveis micro e macro para a análise dos crimes no âmbito das organizações. Essa autora dispensa uma ênfase às organizações e à cultura como um nível mediador das influências micro e macro, adotando uma perspectiva interacionista, segundo a qual a interação emerge em configurações socialmente organizadas e, portanto, as ações humanas não podem ser vistas isoladas do contexto sócio-histórico em que ocorrem.

Para defender a necessidade de investigar o modo pelo qual as influências macro e micro se relacionam de modo a compreender que a ação humana é situada, Vaughan (2007)Vaughan, D. (2007) Beyond macro- and micro-levels of analysis, organizations, and the cultural fix. In H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 1, pp. 3-23). New York: Springer. se sustenta em três desenvolvimentos teóricos, sendo o primeiro deles a vasta literatura que debate as relações entre estrutura e agência (Pierce, 2015)Pierce, J. R. (2015). Reexamining the cost of corporate criminal prosecutions. Journal of Management, 44(3), 892-918.https://doi.org/10.1177/0149206315594845
https://doi.org/10.1177/0149206315594845...
. O segundo é a inclusão da cultura como um mediador nessas relações, ou seja, a cultura é a ligação entre a posição do indivíduo em uma estrutura e as práticas interpretativas, os significados e a ação em nível local, como mostram os estudos de Lin (2019)Lin, J. 2019. “Corporate crime control in China: An observation from culture perspective”.Journal of Money Laundering Control, 22(3), 472-479. https://doi.org/10.1108/JMLC-09-2018-0058
https://doi.org/10.1108/JMLC-09-2018-005...
na China e de Van Rooij e Fine (2018)Van Rooij, B., & Fine, A. (2018). Toxic corporate culture: Assessing organizational processes of deviancy.Administrative Science, 8(3),1-38. https://doi.org/10.3390/admsci8030023
https://doi.org/10.3390/admsci8030023...
, que falam de uma cultura organizacional tóxica.

Por último, como terceiro desenvolvimento teórico, Vaughan (2007)Vaughan, D. (2007) Beyond macro- and micro-levels of analysis, organizations, and the cultural fix. In H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 1, pp. 3-23). New York: Springer. se refere a duas outras teorias que, em conjunto, reforçam a importância do papel das organizações e da cultura na ação situada: o novo institucionalismo (Dimaggio & Powell, 1991)Dimaggio, P., & Powell, W. (1991). The new institutionalism in organisational analysis. Chicago: Chicago University Press. e a ação econômica e estrutura social de Granovetter (1985)Granovetter, M. (1985). Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, 91(3), 481-510. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/2780199
https://www.jstor.org/stable/2780199...
.

Esses dois aportes teóricos rejeitam o determinismo da perspectiva da escolha racional (Dimaggio & Powell, 1991Dimaggio, P., & Powell, W. (1991). The new institutionalism in organisational analysis. Chicago: Chicago University Press.; Granovetter, 1985)Granovetter, M. (1985). Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, 91(3), 481-510. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/2780199
https://www.jstor.org/stable/2780199...
e colocam as organizações como centro, lançando, assim, as bases para ir além dos níveis macro e micro no sentido de compreender como essas são, ao mesmo tempo, receptores, transmissores e geradores de cultura e história. De um lado, a corrente do novo institucionalismo argumenta que as normas culturais constituem os atores sociais (Estado, organizações, profissões e indivíduos) que definem os objetivos legítimos a serem alcançados e, portanto, afetam a ação e a criação de significado no nível local.

Por outro lado, Granovetter (1985)Granovetter, M. (1985). Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, 91(3), 481-510. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/2780199
https://www.jstor.org/stable/2780199...
explica que a ação econômica está incrustrada nas estruturas das relações sociais, apontando para a relativa autonomia e/ou dependência entre a ação econômica e ação social e os modelos culturais e institucionais constituídos, pois os agentes econômicos (indivíduos ou organizações) são influenciados pelos contextos sociais.

Tais desenvolvimentos teóricos dirigem sua atenção para o modo como a vida social é organizada, enfatizando (Vaughan, 2007)Vaughan, D. (2007) Beyond macro- and micro-levels of analysis, organizations, and the cultural fix. In H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 1, pp. 3-23). New York: Springer. o caráter situado do comportamento do indivíduo. Para avançar na análise fundamentada na articulação dos níveis macro e micro para se compreender o comportamento humano como uma ação situada, Vaughan (2007) propõe uma elaboração teórica que integra abordagens da teoria organizacional e teorias de crime para a análise da criminalidade corporativa: a determinação cultural e a normalização do desvio. Como as forças institucionais e organizacionais limitam as alternativas de escolha dos indivíduos, as normas e valores institucionalizados na sociedade, na indústria e na organização constituem-se em fatores causais para a ocorrência ou não dos crimes corporativos. Nessa perspectiva, a cultura é um antecedente do crime corporativo (Lin, 2019Lin, J. 2019. “Corporate crime control in China: An observation from culture perspective”.Journal of Money Laundering Control, 22(3), 472-479. https://doi.org/10.1108/JMLC-09-2018-0058
https://doi.org/10.1108/JMLC-09-2018-005...
; Macaulay, 2011)Macaulay, F. (2011). Federalism and state criminal Justice systems. In T. Power, & M. Taylor (Eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability (pp. 218-249). Notre Dame: University of Notre Dame Press..

As pesquisas que se orientam para a análise de crimes corporativos compreendem, de modo geral, os fatores determinantes para sua ocorrência, os quais podem ser interpretados como intencionais (deliberados) ou por negligência (Grabosky & Braithwaite, 1987Grabosky, P., & Braithwaite, J. (1987). Corporate crime in Australia. Canberra: Australian Institute of Criminology. https://www.aic.gov.au/publications/tandi/tandi5
https://www.aic.gov.au/publications/tand...
; Payne, 2012)Payne, B. K. (2012). White-collar crime. The essentials. Georgia: Sage Publications.. Essas abordagens se orientam, também, por níveis diferentes para estabelecer hipóteses ou suposições teóricas quanto a esses fatores, sendo alguns deles coincidentes.

É possível vislumbrar três abordagens teóricas principais para o estudo do crime corporativo: (a) a teoria da associação diferencial de Sutherland, que considera o nível individual da ação; (b) a teoria organizacional, que considera a origem dos crimes corporativos na busca pelo desempenho superior, na ênfase dos objetivos corporativos e nos procedimentos e padrões operacionais - portanto, fatores institucionais e organizacionais, como ausência de controles internos, influenciam a ocorrência ou não do crime corporativo (Amorim, Cardozo, & Vicente, 2012Amorim, E. C., Cardozo, M. A., & Vicente, E. F. R. (2012). Os impactos da implementação de controles internos, auditoria e compliance no combate e prevenção à lavagem de dinheiro no Brasil.Enfoque Reflexão Contábil, 31(3), 23-35. https://doi.org/10.4025/enfoque.v31i3.15616
https://doi.org/10.4025/enfoque.v31i3.15...
; Baucus & Dworkin, 1991Baucus, M. S., & Dworkin, T.M. (1991). What Is Corporate Crime? It Is Not Illegal Corporate Behavior. Law & Policy, 13(3), 231-244. https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991.tb00068.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991...
; Baucus & Near, 1994; Coleman, 1987Coleman, J. W. (1987). Toward an integrated theory of white-collar crime. The American Journal of Sociology, 93(2), 406-439. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/2779590
https://www.jstor.org/stable/2779590...
; Mon, 2002Mon, W. (2002). Causal factors of corporate crime in Taiwan: Qualitative and quantitative findings. International Journal of Offender therapy and Comparative Criminology, 46(2), 183-205. https://doi.org/10.1177/0306624X02462005
https://doi.org/10.1177/0306624X02462005...
; Ramos, 2010Ramos, P. R. A. (2010). Corrupção na Administração Pública e crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores.Revista Mineira de Contabilidade, 4(40), 14-22. Retrieved from https://revista.crcmg.org.br/index.php?journal=rmc&page=article&op=view&path%5B%5D=338&path%5B%5D=146
https://revista.crcmg.org.br/index.php?j...
; Silva, Marques, & Teixeira, 2011Silva, J. L. R., Marques, L. F. B., & Teixeira, R. (2011). Prevenção à lavagem de dinheiro em instituições financeiras: Avaliação do grau de aderência aos controles internos. BASE - Revista de Administração e Contabilidade da UNISINOS, 8(4), 300-310. https://doi.org/10.4013/base.2011.84.03
https://doi.org/10.4013/base.2011.84.03...
; Szwajkowski, 1985)Szwajkowski, E. (1985). Organizational illegality: Theoretical integration and illustrative application. The Academy of Management Review, 10(3), 558-567. https://doi.org/10.2307/258136
https://doi.org/10.2307/258136...
; e (c) a abordagem político-econômica ou radical, que considera estar a origem do crime relacionada com a estrutura política e econômica do capitalismo, cuja presença nos estudos da criminalidade corporativa é ainda tímida. Nessa perspectiva, as características da sociedade capitalista interagem com o nível de ação organizacional e individual, influenciando a ocorrência do crime corporativo (Michalowski & Kramer, 2007)Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-corporate crime and criminological inquiry. In: H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime. (Cap. 2, pp. 200-219). New York: Springer..

Essas abordagens divergem em vários aspectos, porém a conversação entre paradigmas diferentes pode trazer contribuições importantes para o campo, considerando a potencialidade de perspectivas integradas para a análise de um fenômeno multidisciplinar, como é o caso dos crimes corporativos. Michalowski e Kramer (2007)Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-corporate crime and criminological inquiry. In: H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime. (Cap. 2, pp. 200-219). New York: Springer. propõem um framework analítico para integrar a teoria do crime organizacional, que liga os três níveis de análise (individual, organizacional e institucional) a três catálises para a ação, quais sejam: motivo ou pressões para desempenho; estrutura de oportunidade; e a operacionalidade do controle. A proposição é de que o crime corporativo resulta da combinação de pressões para atingir os objetivos organizacionais, disponibilidade e atratividade percebida de meios ilegítimos para agir e a ausência de controle social efetivo. Isso elimina as possibilidades de avançar para explicações mais amplas sobre a atuação das corporações como força do capitalismo.

Nesta seção, mostramos que a análise da criminalidade corporativa, com base em diversos modelos teóricos da literatura tradicional, procura abranger o máximo de variáveis organizacionais, institucionais e individuais. Todavia, ainda que se reconheça que os esforços desses autores no sentido de integrar os diferentes níveis tenham originado contribuições relevantes para o conhecimento sobre a criminalidade corporativa, poucos são os resultados que apontam para além desses fatores, o que torna as explicações parciais e incompletas para um fenômeno produzido por corporações, a principal força do capitalismo.

Esta seção do ensaio concentrou-se na literatura tradicional desenvolvida sobre crimes corporativos e ainda predominante no campo da criminologia, apesar de um grupo robusto de pesquisadores da criminologia crítica se engajar em questões relacionadas aos crimes dos poderosos (Bittle, 2018)Bittle, S. (2018). Steven bittle on crimes of the powerful. Corporate Crime Reporter, 40(13 ). Retrieved fromhttps://www.corporatecrimereporter.com/news/200/steven-bittle-crimes-powerful/
https://www.corporatecrimereporter.com/n...
. Os acadêmicos críticos que pesquisam crimes corporativos, como Tombs e Whyte (2020)Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
https://doi.org/10.1177/2631309X19882641...
, que problematizam a atuação do Estado na produção e reprodução de crimes corporativos, argumentam que estes não devem ser normalizados nem convencionalizados na sociedade capitalista.

No entanto, mesmo que se observe uma tendência de crescimento da criminologia crítica, Bittle (2018)Bittle, S. (2018). Steven bittle on crimes of the powerful. Corporate Crime Reporter, 40(13 ). Retrieved fromhttps://www.corporatecrimereporter.com/news/200/steven-bittle-crimes-powerful/
https://www.corporatecrimereporter.com/n...
reconhece que o foco das pesquisas no campo recai nos tipos tradicionais de crimes, e não na perspectiva de que os crimes corporativos são problemas estruturais originados na sociedade capitalista.

DESAFIANDO A LITERATURA CORRENTE: CRIMES CORPORATIVOS PARA ALÉM DO CARÁTER LEGAL E DISFUNCIONAL

Nesta seção, nós desenvolvemos nosso argumento de que os crimes corporativos ocorrem de forma duradoura em contextos de inter-relacionamentos extremamente complexos, incluindo relações de corporações e governos. Como visto na seção anterior, a literatura sobre crimes corporativos os coloca como um fenômeno disfuncional nas organizações/corporações, o que nós examinamos criticamente neste ensaio, chamando atenção para duas premissas centrais da literatura tradicional: (a) os crimes corporativos são definidos como desvios ou disfunções de nível individual, organizacional e institucional e (b) os crimes corporativos são definidos em termos de sua legalidade, ou seja, são aqueles puníveis por lei. Essas premissas são predominantes na orientação das pesquisas sobre o tema e ofuscam questões importantes, levando à denominação de crimes corporativos como acidentes ou fatalidades.

A história recente nos mostra que as corporações estão envolvidas em crimes corporativos que matam em larga escala, tal como genocídios o fazem. Nós podemos pensar no caso de Bhopal, na Índia, em 1984, que matou mais de 3.000 pessoas, além de deixar mais de 50 mil pessoas incapacitadas para trabalhar (Walters, 2009)Walters, R. (2009). Bhopal, corporate crime and harms on the powerfull. Global Social Policy. 9(3), 324-327. https://doi.org/10.1177/14680181090090030205
https://doi.org/10.1177/1468018109009003...
. Rompimentos de barragens da Vale, em Bento Rodrigues e Brumadinho, que contabilizaram, até então, 19 e 254 mortes, respectivamente. A indústria do cigarro que mata 7 milhões de fumantes por ano. O trabalho escravo contemporâneo que atinge 46 milhões de pessoas. A indústria bélica que segue fornecendo armas para conflitos, produzindo bilhões de balas e milhões de armas cada vez mais sofisticadas, com um gasto de um trilhão e meio de dólares em armamento, enquanto uma pessoa é atingida por uma bala por segundo.

A ponderação de Sklair (2009)Sklair, L. (2009). The transnational capitalist class: Theory and empirical research. In F. Sattler & C. Boyer (Eds.),European economic elites: Between a new spirit of capitalism and the erosion of state socialism (pp. 497-524). Berlin: Duncker & Humblot. sobre a emergência de uma classe capitalista transnacional que age como uma classe dominante global, apoiada na ideologia cultural do consumismo orientado pelo lucro, sugere que essa mesma classe “trabalha conscientemente para ofuscar os efeitos das crises centrais do capitalismo global: (a) a criação simultânea do aumento da pobreza e da riqueza, dentro e entre países, criando uma polarização de classes; e (b) a crise de insustentabilidade ecológica do sistema capitalista global” (Sklair, 2009, p. 498).

O desafio conceitual a que nos propomos repousa nas questões: Esses eventos não estão previstos em lei para serem considerados crimes corporativos? São disfunções de um sistema que não opera de forma adequada? São assassinatos em massa ou genocídios? Genocídios são assassinatos em massa “cometidos com a intenção de destruir, o todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (Kelly, 2012Kelly, M. J. (2012). Prosecuting corporations for genocide under international law. Harvard Law and Policy Review, 6(2), 339-367. Retrieved from https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2151510
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
, p. 357). Enquanto genocídio refere-se à intencionalidade e qualidade, o assassinato em massa refere-se à escala e quantidade. O genocídio é uma destruição organizada, usualmente pelo Estado, que frequentemente utiliza grupos, muitas vezes informais, ou milícias para negar sua responsabilidade. Grupos e milícias são treinados e armados para executar planos de assassinatos em massa (Stokes & Gabriel, 2010)Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010) Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
https://doi.org/10.1177/1350508409353198...
e isso ocorre com a cumplicidade de corporações (Stel, 2014)Stel, N. (2014). Business in genocide: Understanding the how and why of corporate complicity in genocides. In Maastricht School of Management. Working Paper n. 2014/28, 5 September 2014. Retrieved from http://web2.msm.nl/RePEc/msm/wpaper/MSM-WP2014-28.pdf
http://web2.msm.nl/RePEc/msm/wpaper/MSM-...
.

Nosso argumento segue na direção do pensamento pós-colonial, como de Banerjee (2006Banerjee, S. B. (2006). Live and let die: Colonial sovereignties and the deathworlds of neocapitalism.Borderlands, 5(1). Retrieved from http://www.borderlands.net.au/vol5no1_2006/banerjee_live.htm
http://www.borderlands.net.au/vol5no1_20...
, 2008), que fala de práticas capitalistas que envolvem a subjugação da vida pelo poder da morte. A versão contemporânea do capitalismo potencializa o que Scheper-Hughes (1996)Scheper-Hughes, N. (1996). Small wars and invisible genocides. Social Science & Medicine 43(5), 889-900. https://doi.org/10.1016/0277-9536(96)00152-9
https://doi.org/10.1016/0277-9536(96)001...
chamou de genocídio invisível ou pequenas guerras para se referir às “formas cotidianas de violência e sofrimento no Terceiro Mundo” (Scheper-Hughes, 1996, p. 889). Porém, genocídios invisíveis ou pequenas guerras não são invisíveis porque estão escondidos ou longe das nossas vistas, mas, sim, porque mesmo estando bem diante dos nossos olhos, são difíceis de serem percebidos por estarem naturalizados.

Marcas mundiais do setor de vestuário operam com o fornecimento de confecções de Bangladesh, pelos preços competitivos conseguidos às custas da superexploração dos trabalhadores e das péssimas condições de infraestrutura. Os resultados são trágicos: em 2005, mais de 100 trabalhadores foram mortos em virtude de um colapso de uma fábrica têxtil, nos arredores de Dacca; em 2006, pelo menos 142 trabalhadores morreram e mais de 500 ficaram incapacitados no colapso de fábricas em Dhaka e Chittagong; em 2010, houve o desmoronamento em um edifício de quatro andares, o que deixou mais de 25 mortos; em 2012, 13 pessoas foram mortas na queda de uma ponte em construção em Chittagong; e no mesmo ano, 110 pessoas foram mortas em um incêndio em uma fábrica de vestuário em Dacca (Muhammad, 2011)Muhammad, A. (2011). Wealth and deprivation: Ready-made garments industry in Bangladesh. Economic & Political Weekly, 20(34), 23-28. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/23017787
https://www.jstor.org/stable/23017787...
.

No desabamento de um edifício em 2013, mesmo depois de alertas de colapso, em Bangladesh, o qual abrigava confecções têxteis, mais de 200 pessoas foram mortas e mais de 1.000 ficaram feridas. As condições de trabalho das fábricas de roupas fornecedoras de grandes marcas mundiais (como GAP, H&M, Walmart, Target, Adidas, Benetton, e outras) colocam milhares de trabalhadores em risco, mesmo depois do acordo feito com as empresas para realizar reformas com vistas a oferecer segurança ao trabalhador.

Um relatório elaborado pelo Fórum Internacional de Direitos Trabalhistas, o Consórcio de Direitos do Trabalhador, a Campanha Roupas Limpas e a Rede de Solidariedade Maquila apontam que 120 mil operários das 62 fábricas que produzem artigos para o Walmart não têm sistemas de saída de incêndio seguras; fábricas que fornecem roupas para a GAP e empregam 55 mil pessoas têm saídas de incêndio comprometidas. As grandes empresas internacionais não pressionavam os donos das fábricas de roupas e não contribuíram com o pagamento dos reparos (Rushe, 2016; White, 2017)White, G. B. (2017 May 3). What’s changed since more than 1,110 people died in bangladesh’s factory collapse? The Atlantic. Retrieved from https://www.theatlantic.com/business/archive/2017/05/rana-plaza-four-years-later/525252/
https://www.theatlantic.com/business/arc...
.

Todos esses números de mortos e feridos são subestimados, além de não estarem listados todos os casos ocorridos nas fábricas de confecções em virtude das condições perigosas a que são submetidos os trabalhadores dessa indústria e também de outras, como o caso de fabricantes de eletrônicos, como celulares e notebooks, cuja produção utiliza o cobalto, o que faz um grande número de vítimas. Trata-se da superexploração do trabalho descrita nas proposições de Marini (2017)Marini, R. M. (2017). A dialética da dependência. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, 9(3), 325-356. https://doi.org/10.9771/gmed.v9i3.24648
https://doi.org/10.9771/gmed.v9i3.24648...
, que a caracteriza pela “intensificação do trabalho, a prolongação da jornada de trabalho e a expropriação de parte do trabalho necessário ao operário para repor sua força de trabalho” (Marini, 2017, p. 334), uma forma de exploração que despreza o valor da força de trabalho.

A dinâmica desses eventos tem forte influência político-ideológica do neoliberalismo, o que faz expandir o domínio do capital privado, ou seja, de corporações globais poderosas, e aumenta a exploração de recursos e trabalhadores do Sul, os quais são desafiados a reivindicar direitos humanos, obrigados a aceitar salários ínfimos e a trabalhar em condições de trabalho precárias. A política neoliberal, ao endossar essas práticas corporativas, subjuga a vida e destrói modos de vida, criando Estados de exceção nas regiões em desenvolvimento, como a América Latina (Banerjee, 2008)Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
, Índia, entre outras, configurando-se, ainda, no gerenciamento do (terceiro) mundo (Cooke, 2004)Cooke, B. (2004). The managing of third world. Organization, 11(5), 603-629. https://doi.org/10.1177/1350508404044063
https://doi.org/10.1177/1350508404044063...
por parte do Norte Global.

Corporações transnacionais baseadas no Norte Global engajam-se em uma rede de interdependência com as economias do Sul, configurando os termos do comércio global, dominando mercados, produção e trabalho (Matos, 2012)Matos, C. (2012). Mass Media. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-Blackwell encyclopedia of globalization. Oxford: Wiley-Blackwell.. As relações econômicas funcionam dentro da exploração de um modelo de dependência que promove uma mentalidade capitalista nos países periféricos (Marini, 2017)Marini, R. M. (2017). A dialética da dependência. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, 9(3), 325-356. https://doi.org/10.9771/gmed.v9i3.24648
https://doi.org/10.9771/gmed.v9i3.24648...
, mantendo-os em uma contínua posição de dependência (Matos, 2012), sendo a produção de países periféricos apropriada pelos países do Norte Global por meio de corporações transnacionais (Frank, 1978)Frank, A.G. (1978). Dependent accumulation and underdevelopment. New York: Palgrave Macmillan..

Além de as corporações transnacionais pagarem os salários mais baixos possíveis para os trabalhadores de países periféricos, as agências reguladoras do sistema global, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, muitas vezes exigem que os governos reduzam gastos e programas de direitos sociais para redução da pobreza. A globalização frequentemente força a migração em massa, geralmente para favelas ou áreas de alta vulnerabilidade social, aumentando a violência, a pobreza e a criminalidade (Langman, 2012)Langman, L. (2012). Oppression. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-Blackwell encyclopedia of globalization. Oxford: Wiley-Blackwell..

Na perspectiva de campos de luta, Haines e Macdonald (2019)Haines, F., & Macdonald, K. (2019). Grappling with injustice: Corporate crime, multinational business and interrogation of law in context. Theoretical Criminology, 0(0), 1-20. https://doi.org/10.1177/1362480619872267
https://doi.org/10.1177/1362480619872267...
examinaram a ambivalência criminológica em relação às leis como essencial para o controle do crime corporativo e também como facilitador dos crimes corporativos. Nessa perspectiva, em que leis operam não só como ferramentas para influenciar as regras contestadas, mas também como regras que regem as lutas regulatórias, a lei progressiva no controle de danos aos negócios no Norte Global pode ser considerada uma transferência de regras legais no Sul.

Para atrair investimentos estrangeiros e corporações transnacionais, países periféricos oferecem isenções e redução de impostos e implementam leis trabalhistas e ambientais flexíveis (Jorgenson, 2012)Jorgenson, A. K. (2012). Climate change. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-blackwell encyclopedia of globalization. Oxford: Wiley-Blackwell.. De maneira mais ampla, as atividades políticas das corporações transnacionais influenciam no modo como as democracias trabalham com questões econômicas, trabalhistas, saúde, meio ambiente, segurança (Sklair, 2002)Sklair, L. (2002). Democracy and the transnational capitalist class. International Political Science Review, 23(2), 159-174. https://doi.org/10.1177/000271620258100113
https://doi.org/10.1177/0002716202581001...
, podendo se constituir em uma ameaça à democracia.

Esses eventos ilustram a exclusão que Bauman (2005)Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar Editores. chamou de ‘vidas desperdiçadas’ por meio da construção da ordem, do progresso econômico e da globalização. O autor fala de uma ‘população excedente’, que seria uma espécie de refugo humano:

vidas indignas de serem vividas, das vítimas dos projetos de construção da ordem, seus membros não são ‘alvos legítimos’ excluídos da proteção da lei por ordem do soberano. São, em vez disso, ‘baixas colaterais’, não intencionais e não planejadas, do progresso econômico (Bauman, 2005Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar Editores. , p. 53).

Essa população perfaz um contingente excluído do progresso econômico alcançado pelo capitalismo em um processo que uma quantidade reduzida de pessoas “é necessária para compor os novos mecanismos de trabalho, em geral mais dinâmicos e menos robustos” (Bauman, 2005Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar Editores. , p. 53).

É nesse sentido que também caminha a tese de Bauman (1998)Bauman, Z. (1998). Modernidade e holocausto. Rio de Janeiro: Zahar Editores. quanto ao Holocausto ser um evento decorrente do triunfo da racionalidade moderna sobre a ética. A perfeição das execuções, o cumprimento da ordens, o bom funcionamento do sistema para exterminar judeus tornaram-se objeto da avaliação sistemática e burocrática do governo nazista.

Dois conceitos encontrados na literatura sobre crimes corporativos foram desenvolvidos no sentido de contrariar o conceito funcionalista corrente na literatura tradicional: necrocorporação ou organizações que matam (Medeiros & Alcadipani, 2017)Medeiros, C. R. O., & Alcadipani, R. (2017). Organizações que matam: Uma reflexão a respeito de crimes corporativos.Organizações & Sociedade, 24(80), 39-52. https://doi.org/10.1590/1984-9230802
https://doi.org/10.1590/1984-9230802...
e organizações assassinas (Stokes & Gabriel, 2010)Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010) Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
https://doi.org/10.1177/1350508409353198...
. A necrocorporação descreve aquela corporação, transnacional ou não, que se utiliza do poder discursivo-institucional, econômico e ideológico para intervir na sociedade e ‘subjugar a vida ao poder da morte’ com suas práticas visando à acumulação e, consequentemente, coloca o lucro e suas operações acima da vida. Trata-se de um conceito restrito àquela(s) corporação(es) que se engaja(m) de forma efetiva nas práticas necrocapitalistas, dentre elas, o crime corporativo cometido por corporações ou em seu benefício, que colocam o lucro e seus objetivos acima da vida, resultando, assim, em danos à vida e na morte.

O conceito de organizações assassinas - killing organizations (Stokes & Gabriel, 2010)Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010) Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
https://doi.org/10.1177/1350508409353198...
compreende as organizações no contexto de genocídios, um tema, na visão desses autores, também negligenciado nas disciplinas de administração e nos estudos organizacionais, situando-se no lado sombrio das organizações, já que “corporações podem ser direta ou indiretamente envolvidas em negócios de genocídios” (Stokes & Gabriel, 2010, p. 474). Em torno desse conceito, os autores argumentam que o genocídio não é apenas um fenômeno acidental, sendo também uma produção planejada, organizada e controlada para exterminar um número grande de pessoas e, para tal, recursos devem ser disponibilizados, ações devem ser coordenadas, informações devem ser compartilhadas e indivíduos devem ser motivados para desempenhar várias tarefas a ele associadas.

Embora Stokes e Gabriel (2010)Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010) Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
https://doi.org/10.1177/1350508409353198...
caminhem em terreno diferente, eles associam o genocídio com as práticas referidas por Mbembe (2003)Mbembe, A. (2003). Necropolitics. Public Culture, 15(1), 11-40. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/39984/summary
https://muse.jhu.edu/article/39984/summa...
como necropolítica, e com o necrocapitalismo, como proposto por Banerjee (2008)Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
https://doi.org/10.1177/0170840607096386...
, argumentando não ser esse um fenômeno raro ou excepcional, haja vista que pode assumir diferentes formas, como a privação “das comunidades de sua dignidade e orgulho e dos meios de manter suas tradições e práticas e de sustentar seu ambiente natural” (Stokes & Gabriel, 2010, p. 462). As organizações assassinas são aquelas envolvidas na produção de mortes em larga-escala, e diz respeito a práticas corporativas que, embora não sejam classificadas como genocídios, “levam à desapropriação, abusos de direitos humanos, poluição ambiental, migração forçada do povo e a destruição de modos de pensar, agir e crer” (Stokes & Gabriel, 2010, p. 477).

Ao fazerem a analogia entre organizações e genocídios, Stokes e Gabriel (2010)Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010) Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
https://doi.org/10.1177/1350508409353198...
não pretendem comparar as qualidades ontológicas de um e outro, ou mesmo à violência experimentada entre as vítimas de um e outro. Todavia, eles argumentam que o genocídio contém lições importantes para a teoria organizacional, levantando questões centrais sobre organização, gestão, logística, ética, poder, hierarquia e resistência, visto que nele estão envolvidas, além do Estado e agências, organizações comerciais e corporações. A preocupação com o fato de o crime corporativo estar ou não previsto em lei, ou seja, com a culpabilidade legal, não deve obscurecer os estudiosos para não compreenderem o contexto em que as corporações operam. Uma maior atenção deve ser dirigida às relações de cumplicidade entre corporações e atores estatais.

Embora esses conceitos tenham nos inspirado para compreender crimes corporativos, consideramos que é preciso avançar um pouco mais na busca de explicações de como as corporações atuam na produção da morte. Esses conceitos traduzem eventos muito amplos e requerem, para sua análise, um arcabouço conceitual que dê conta de esferas muito além da corporação, como as diversas versões do capitalismo contemporâneo e seus desdobramentos.

CONCLUSÕES

Neste ensaio, nós desafiamos as noções da literatura tradicional em torno dos crimes corporativos e discutimos como o capitalismo contemporâneo produz crimes corporativos, não sendo, portanto, uma disfunção corporativa, mas uma consequência das diversas versões do capitalismo contemporâneo - a definição deve excluir a questão da lei. Nós chamamos atenção para uma questão importante, embora não tenha tido muita atenção por parte de pesquisadores organizacionais: potencialmente, os crimes corporativos produzidos pelo capitalismo moderno são guiados pela intenção humana e podem resultar em assassinatos em massa. Nós desenvolvemos um entendimento alternativo sobre os crimes corporativos para além da perspectiva originalmente desenvolvida na literatura estadunidense, o que requer uma abordagem teórica diferente.

Em vez de ver crimes corporativos na perspectiva funcionalista - uma visão prevalecente na literatura tradicional sobre a temática -, nós sugerimos lançar um olhar para as perdas das sociedades democráticas, as quais se originam das dinâmicas assimétricas produzidas pelas corporações poderosas com a participação do Estado.

Crimes corporativos são produzidos nas operações corporativas como parte delas e não como algo externo a elas. Não se resumem em uma disfunção do sistema que opera na produção de bens e serviços, mas, sim, são parte inerente de uma versão do capitalismo contemporâneo em que vidas são desperdiçadas e ‘mundos da morte são criados’. Apesar de o crime corporativo ser visto, na literatura corrente, como resultado de uma combinação de pressões para atingir objetivos organizacionais, essa literatura não explica a destruição causada pela relação entre o Estado e corporações, uma relação em que a autoridade para matar do Estado é distribuída para a sociedade.

Historicamente, é por meio de privilégios especiais concedidos às corporações que estas obtêm poder político e leis regulatórias que as favorecem, monopolizam ou cartelizam mercados e se transformam em instituições poderosas. Portanto, a definição estritamente legalista de crime corporativo oculta o caráter destruidor do capitalismo. Da mesma forma, o conceito de state-corporate crime desenvolvido na literatura, ao colocar que se trata de um crime iniciado ou facilitado pelo Estado, também oculta essa questão reforçando o discurso neoliberal.

O ensaio traz contribuições teóricas para os estudos organizacionais. Nós abordamos um fenômeno (crime corporativo) de uma maneira alternativa ao que vinha sendo abordada teoricamente, ou seja, nós usamos as lentes do pós-colonialismo, diferentemente das teorias críticas já utilizadas, e contrastamos com a literatura tradicional. Além disso, o ensaio chama atenção sobre um fenômeno já conhecido, mas de forma aprimorada para o campo dos estudos organizacionais, oferecendo uma visão contrária à narrativa que busca justificar os processos de colonização. Examinar os crimes corporativos considerando que estes podem ter os mesmos resultados de um genocídio ou assassinatos em massa permite-nos vislumbrar a mútua constituição e copresença de fenômenos micro e macro.

Também, nossa abordagem para crimes corporativos ajuda a repensar as definições do Estado para o que seja crime corporativo, as quais devem ser abandonadas e substituídas por definições que levem em conta os direitos humanos, haja vista a capacidade de as corporações influenciarem a elaboração e aplicação das leis segundo seus interesses. Assim como os pesquisadores da criminologia crítica, nós consideramos necessário argumentar contra a normalização dos crimes corporativos no campo dos estudos organizacionais, ao tratá-los como uma disfunção.

Nós enfatizamos como os crimes corporativos são configurados em uma cadeia de agentes, incluindo o Estado, envolvendo um conjunto de violações que atentam contra nações. Este ensaio também suporta esforços para repensar um número de questões relacionadas em uma perspectiva particularmente recente nos estudos organizacionais. Finalmente, nossa abordagem encoraja-nos a examinar a problemática imposição de teorias que celebram irregularidades e desvios como constitutivos de um regime que valoriza mais a morte do que vida, o que consiste em uma crescente área de interesse para os estudos organizacionais.

  • Financiamento
    Os autores agradecem ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), #309943/2018-3 e #438742/2018-4 pelo apoio financeiro.
  • Verificação de Plágio
    A RAC mantém a prática de submeter todos os documentos aprovados para publicação à verificação de plágio, mediante o emprego de ferramentas específicas, e.g.: iThenticate.
  • Direitos Autorais
    A RAC detém os direitos autorais deste conteúdo.
  • Método de Revisão por Pares
    Este conteúdo foi avaliado utilizando o processo de revisão por pares duplo-cego (double-blind peer-review). A divulgação das informações dos pareceristas constantes na primeira página e do Relatório de Revisão por Pares (Peer Review Report) é feita somente após a conclusão do processo avaliativo, e com o consentimento voluntário dos respectivos pareceristas e autores.
  • Disponibilidade dos Dados
    A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.
  • Pareceristas:
    Carlos Denner dos Santos Jr (Universidade de BrasÍlia, Brasil) Um dos indivíduos revisores optou por não ter sua identidade divulgada.
  • Relatório de Revisão por Pares:
    O Relatório de Revisão por Pares está disponível neste link externo.

REFERÊNCIAS

  • Agamben, G. (1995). Homo sacer: Sovereign power and bare life Stanford: Stanford University Press.
  • Agamben, G. (2005). State of exception Chicago: University of Chicago Press.
  • Amorim, E. C., Cardozo, M. A., & Vicente, E. F. R. (2012). Os impactos da implementação de controles internos, auditoria e compliance no combate e prevenção à lavagem de dinheiro no Brasil.Enfoque Reflexão Contábil, 31(3), 23-35. https://doi.org/10.4025/enfoque.v31i3.15616
    » https://doi.org/10.4025/enfoque.v31i3.15616
  • Antonio, R. J., & Bonanno, A. (2012). Roots of capitalism. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-Blackwell encyclopedia of globalization Oxford: Wiley-Blackwell.
  • Arantes, R. B. (2011). The Federal Police and the Ministério Público. In T. Power, & M. Taylor (Eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability (pp. 184-217). Notre Dame: University of Notre Dame.
  • Ashcroft, B., Griffiths, G., & Tiffin, H. (2008). Post-colonial studies: The key concepts London: Routledge.
  • Banerjee, S. B. (2006). Live and let die: Colonial sovereignties and the deathworlds of neocapitalism.Borderlands, 5(1). Retrieved from http://www.borderlands.net.au/vol5no1_2006/banerjee_live.htm
    » http://www.borderlands.net.au/vol5no1_2006/banerjee_live.htm
  • Banerjee, S. B. (2008). Necrocaptalism. Organization Studies, 29(12), 1541-1563. https://doi.org/10.1177/0170840607096386
    » https://doi.org/10.1177/0170840607096386
  • Baucus, M. S. (1994). Pressure, opportunity and predisposition: A multivariate model of corporate illegality. Journal of Management, 20(4), 699-721. https://doi.org/10.1016/0149-2063(94)90026-4
    » https://doi.org/10.1016/0149-2063(94)90026-4
  • Baucus, M. S., & Dworkin, T.M. (1991). What Is Corporate Crime? It Is Not Illegal Corporate Behavior. Law & Policy, 13(3), 231-244. https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991.tb00068.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1467-9930.1991.tb00068.x
  • Baucus, M. S., & Near, J. P. (1994). Can illegal corporate behavior be predicted? An event history analysis. The Academy of Management Journal, 34(1), 9-36. https://doi.org/10.2307/256300
    » https://doi.org/10.2307/256300
  • Baucus, M. S. (1994). Pressure, opportunity and predisposition: A multivariate model of corporate illegality. Journal of Management 20(4), 699-721. https://doi.org/10.1016/0149-2063(94)90026-4
    » https://doi.org/10.1016/0149-2063(94)90026-4
  • Bauman, Z. (1998). Modernidade e holocausto Rio de Janeiro: Zahar Editores.
  • Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas Rio de Janeiro: Zahar Editores.
  • Benson, M. L., & Cullen, F. T. (1998). Combating corporate crime: Local prosecutors at work Boston: Northeastern University Press.
  • Berle, A., & Means, G. (1932) The modern corporation and private property New York: Macmillan.
  • Bhabha, H. K. (1994). The Location of culture London: Routledge.
  • Bittle, S. (2018). Steven bittle on crimes of the powerful. Corporate Crime Reporter, 40(13 ). Retrieved fromhttps://www.corporatecrimereporter.com/news/200/steven-bittle-crimes-powerful/
    » https://www.corporatecrimereporter.com/news/200/steven-bittle-crimes-powerful/
  • Braithwaite, J. (1984). Corporate crime in the pharmaceutical industry London: Routledge and Kegan Paul.
  • Braithwaite, J. (1989). Criminological theory and organizational crime. Justice Quarterly, 6(3), 333-358. https://doi.org/10.1080/07418828900090251
    » https://doi.org/10.1080/07418828900090251
  • Carey JR., C. W. (2011). An Essay from 19th Century U.S. Newspapers Corporations and Big Business Retrieved from: https://www.gale.com/binaries/content/assets/gale-us-en/primary-sources/newsvault/gps_newsvault_19thcentury_usnewspapers_corporations_essay.pdf
    » https://www.gale.com/binaries/content/assets/gale-us-en/primary-sources/newsvault/gps_newsvault_19thcentury_usnewspapers_corporations_essay.pdf
  • Chomsky, N. (2005).Chomsky on Anarchism Edinburgh: AK Press.
  • Clinard, M. B. (1979). Illegal Corporate Behavior Washington, D. C.: Department of Justice.
  • Clinard, M.B. (1983). Corporate ethics and crime: The role of middle management Beverly Hills: Sage.
  • Clinard, M. B., & Yeager, P. C. (1980). Corporate Crime New York: Free Press.
  • Clinard, R., & Quinney, R. (1973). Criminal behavior systems: A typology New York: Holt, Rinehart & Winston.
  • Cohen, A. K. (1977). The concept of criminal organization. British Journal of Criminology, 17(2), 97-111. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/23636355
    » https://www.jstor.org/stable/23636355
  • Coleman, J. W. (1987). Toward an integrated theory of white-collar crime. The American Journal of Sociology, 93(2), 406-439. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/2779590
    » https://www.jstor.org/stable/2779590
  • Cooke, B. (2004). The managing of third world. Organization, 11(5), 603-629. https://doi.org/10.1177/1350508404044063
    » https://doi.org/10.1177/1350508404044063
  • Daboub, A. J., Rasheed, A. M. A., Priem, R. L., & Gray, D. A. (1995). Top management team characteristics and corporate illegal activity. Academy of Management Review, 20(1), 138-170. http://doi.org/10.2307/258890
    » http://doi.org/10.2307/258890
  • Dimaggio, P., & Powell, W. (1991). The new institutionalism in organisational analysis Chicago: Chicago University Press.
  • Drucker, P. (1993). The concept of corporation New Jersey: Transaction Pub.
  • Dussel, E. (1995). The invention of the Americas Eclipse of “the other” and the myth of modernity New York: Continuum Publishing.
  • Fanon, F. (1967). Black skin, white masks New York: Grove Press.
  • Finney, H. C., & Lesieur, H. R. (1982). A contingency theory of organizational crime. In S. B. Bacharab (Ed.), Research in the Sociology of Organizations (pp. 255-299). Greenwich: JAI.
  • Fisse, B., & Braithwaite, J. (1993). Corporations, crime and accountability New York: Cambridge University Press.
  • Frank, A.G. (1978). Dependent accumulation and underdevelopment. New York: Palgrave Macmillan.
  • Geis, G. (1991). White collar crime. What is it? Current Issues in Criminal Justice, 3(1),1-17. https://doi.org/10.1080/10345329.1991.12036504
    » https://doi.org/10.1080/10345329.1991.12036504
  • Gorsira, M., Steg, L., Denkers, A., & Huisman, W. (2018). Corruption in organizations: Ethical climate and individual motives.Administrative Sciences 8, 1-19 https://doi.org/10.3390/admsci8010004
    » https://doi.org/10.3390/admsci8010004
  • Gottfredson, M. R., & Hirschi, T. (1990) A general theory of crime Stanford, CA: Stanford University Press.
  • Grabosky, P., & Braithwaite, J. (1987). Corporate crime in Australia Canberra: Australian Institute of Criminology. https://www.aic.gov.au/publications/tandi/tandi5
    » https://www.aic.gov.au/publications/tandi/tandi5
  • Granovetter, M. (1985). Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, 91(3), 481-510. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/2780199
    » https://www.jstor.org/stable/2780199
  • Grasmick, H. G., Tittle, C. R., Bursik, R. J., & Arneklev, B. J. (1993). Testing the core empirical implication of Gottfredson and Hirschi’s general theory of crime. Journal of Research in Crime and Delinquency, 30(1), 5-29. https://doi.org/10.1177/0022427893030001002
    » https://doi.org/10.1177/0022427893030001002
  • Haines, F., & Macdonald, K. (2019). Grappling with injustice: Corporate crime, multinational business and interrogation of law in context. Theoretical Criminology, 0(0), 1-20. https://doi.org/10.1177/1362480619872267
    » https://doi.org/10.1177/1362480619872267
  • Herbert, C. L., Green, G. S., & Larragoite, V. (1998). Organizational offending: A comment on reed and yeager. Criminology, 36(4), 867-885. https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.1996.tb01211.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.1996.tb01211.x
  • Hobsbawn, E. J. (2010). Globalização, democracia e terrorismo São Paulo: Cia. das Letras.
  • Jesus, D. S. V. (2020). Necropolitics and necrocapitalism: The impact of COVID-19 on brazilian creative economy. Modern Economy, 11(6), 1121-1140. https://doi.org/10.4236/me.2020.116082
    » https://doi.org/10.4236/me.2020.116082
  • Jorgenson, A. K. (2012). Climate change. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-blackwell encyclopedia of globalization Oxford: Wiley-Blackwell.
  • Kelly, M. J. (2012). Prosecuting corporations for genocide under international law. Harvard Law and Policy Review, 6(2), 339-367. Retrieved from https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2151510
    » https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2151510
  • Key, T., & Malnight, T. W. (2010). The influence of the World’s Lagerst 100 economic entities Global Trends. Strategic Dynamics Global Limited. Recuperado de: https://www.globaltrends.com/product/special-report-corporate-clout-distributed-2012-the-influence-of-the-worlds-largest-100-economic-entities/
    » https://www.globaltrends.com/product/special-report-corporate-clout-distributed-2012-the-influence-of-the-worlds-largest-100-economic-entities/
  • Kramer, R. C. (1984). Corporate criminality: The development of an Idea. In E. Hochstedler (Ed), Corporation as Criminal (pp. 13-37). Beverly Hills: Sage Publications.
  • Lacerda, L. P., Motta, R. G., & Santos, N. M. B. F. D. (2019). Uma análise do crime corporativo de corrupção a partir da teoria dos custos de transação.Pensamento & Realidade, 34(3), 78-91. https://doi.org/10.23925/2237-4418.2019v34i3p78-91
    » https://doi.org/10.23925/2237-4418.2019v34i3p78-91
  • Langman, L. (2012). Oppression. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-Blackwell encyclopedia of globalization Oxford: Wiley-Blackwell.
  • Lawreniuk, S. (2020). Necrocapitalist networks: COVID-19 and the “dark side” of economic geography. Dialogues in Human Geographyhttps://doi.org/10.1177/2043820620934927
    » https://doi.org/10.1177/2043820620934927
  • Lin, J. 2019. “Corporate crime control in China: An observation from culture perspective”.Journal of Money Laundering Control, 22(3), 472-479. https://doi.org/10.1108/JMLC-09-2018-0058
    » https://doi.org/10.1108/JMLC-09-2018-0058
  • Lord, N., Wingerde, K.V., & Campbell, L. (2018). Organising the monies of corporate financial crimes via organisational structures: Ostensible legitimacy, effective anonymity, and third-party facilitation.Administrative Sciences,8(2), 1-17. https://doi.org/10.3390/admsci8020017
    » https://doi.org/10.3390/admsci8020017
  • Luce, M. S. (2013). A superexploração da força de trabalho no Brasil: Evidências da história recente. In N. Almeida Filho (Org), Desenvolvimento e dependência: Cátedra Ruy Mauro Marini (pp. 145-166). Brasília, D. F.: Ipea.
  • Macaulay, F. (2011). Federalism and state criminal Justice systems. In T. Power, & M. Taylor (Eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability (pp. 218-249). Notre Dame: University of Notre Dame Press.
  • Marini, R. M. (2017). A dialética da dependência. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, 9(3), 325-356. https://doi.org/10.9771/gmed.v9i3.24648
    » https://doi.org/10.9771/gmed.v9i3.24648
  • Matos, C. (2012). Mass Media. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-Blackwell encyclopedia of globalization Oxford: Wiley-Blackwell.
  • Mbembe, A. (2003). Necropolitics. Public Culture, 15(1), 11-40. Retrieved from https://muse.jhu.edu/article/39984/summary
    » https://muse.jhu.edu/article/39984/summary
  • Medeiros, C. R. O., & Alcadipani, R. (2017). Organizações que matam: Uma reflexão a respeito de crimes corporativos.Organizações & Sociedade, 24(80), 39-52. https://doi.org/10.1590/1984-9230802
    » https://doi.org/10.1590/1984-9230802
  • Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-corporate crime and criminological inquiry. In: H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 2, pp. 200-219). New York: Springer.
  • Michalowski, R., & Brown, M. (2020). Poisoning for profit: Regulatory rollbacks, public health, and state-facilitated corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(2), 113-122.https://doi.org/10.1177/2631309X20919694
    » https://doi.org/10.1177/2631309X20919694
  • Mignolo, W. D. (2000). Local histories, global designs Coloniality, subaltern knowledges, and border thinking Princeton, NJ: Princeton University Press.
  • Mir, R. A., Mir, A., & Upadhyaya, P. (2003). Toward a postcolonial reading of organizational control. In A. Prasad. Postcolonial theory and organizational analysis: A critical reader (pp. 47-76). New York: Palgrave Macmillan.
  • Mokhiber, R. (1995). Crimes corporativos São Paulo: Scritta, Página Aberta.
  • Mon, W. (2002). Causal factors of corporate crime in Taiwan: Qualitative and quantitative findings. International Journal of Offender therapy and Comparative Criminology, 46(2), 183-205. https://doi.org/10.1177/0306624X02462005
    » https://doi.org/10.1177/0306624X02462005
  • Muhammad, A. (2011). Wealth and deprivation: Ready-made garments industry in Bangladesh. Economic & Political Weekly, 20(34), 23-28. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/23017787
    » https://www.jstor.org/stable/23017787
  • Needleman, M. L., & Needleman, C. (1979). Organizational crime: Two models of criminogenesis. The Sociological Quarterly, 20(4), 517-528. Retrieved from https://www.jstor.org/stable/4106061
    » https://www.jstor.org/stable/4106061
  • Payne, B. K. (2012). White-collar crime. The essentials Georgia: Sage Publications.
  • Pearce, F., & Tombs, S. (1999). Toxic capitalism: Corporate crime and the chemical industry Toronto: Canadian Scholars’ Press.
  • Pierce, J. R. (2015). Reexamining the cost of corporate criminal prosecutions. Journal of Management, 44(3), 892-918https://doi.org/10.1177/0149206315594845
    » https://doi.org/10.1177/0149206315594845
  • Prasad, A. (2003). Postcolonial theory and organizational analysis: A critical reader New York: Palgrave Macmillan.
  • Quijano, A. (2000). Coloniality of Power, Eurocentrism, and Latin America. Neplanta: Views from South 1(3), 533-580. http://dx.doi.org/10.36428/revistadacgu.v5i8.278
    » http://dx.doi.org/10.36428/revistadacgu.v5i8.278
  • Ramos, P. R. A. (2010). Corrupção na Administração Pública e crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores.Revista Mineira de Contabilidade, 4(40), 14-22. Retrieved from https://revista.crcmg.org.br/index.php?journal=rmc&page=article&op=view&path%5B%5D=338&path%5B%5D=146
    » https://revista.crcmg.org.br/index.php?journal=rmc&page=article&op=view&path%5B%5D=338&path%5B%5D=146
  • Rushe, D. (2016, december 24). Bangladesh: a etiqueta da tragédia. The Guardian Retrieved from https://www.theguardian.com/world/2016/nov/21/bangladesh-garment-factories-safety-alliance-rana-plaza-report
    » https://www.theguardian.com/world/2016/nov/21/bangladesh-garment-factories-safety-alliance-rana-plaza-report
  • Said, E. W. (1978). Orientalism London: Routledge & Kegan Paul.
  • Said, E. W. (2003). Culture and resistance. Conversations with Edward Said Cambridge: South and Press.
  • Scheper-Hughes, N. (1996). Small wars and invisible genocides. Social Science & Medicine 43(5), 889-900. https://doi.org/10.1016/0277-9536(96)00152-9
    » https://doi.org/10.1016/0277-9536(96)00152-9
  • Schmitt, C. (1992). O Conceito do Político Petrópolis: Vozes.
  • Schmitt, C. (2006). Teologia Política Belo Horizonte: Del Rey.
  • Silva, J. L. R., Marques, L. F. B., & Teixeira, R. (2011). Prevenção à lavagem de dinheiro em instituições financeiras: Avaliação do grau de aderência aos controles internos. BASE - Revista de Administração e Contabilidade da UNISINOS, 8(4), 300-310. https://doi.org/10.4013/base.2011.84.03
    » https://doi.org/10.4013/base.2011.84.03
  • Sklair, L. (2002). Democracy and the transnational capitalist class. International Political Science Review, 23(2), 159-174. https://doi.org/10.1177/000271620258100113
    » https://doi.org/10.1177/000271620258100113
  • Sklair, L. (2009). The transnational capitalist class: Theory and empirical research. In F. Sattler & C. Boyer (Eds.),European economic elites: Between a new spirit of capitalism and the erosion of state socialism (pp. 497-524). Berlin: Duncker & Humblot.
  • Sklair, L. (2012a). Transnational Capitalist Class. In G. Ritzer (Ed.), The Wiley‐Blackwell encyclopedia of globalization New York: John Wiley & Sons.
  • Sklair, L. (2012b) ‘Culture-Ideology of Consumerism’. In G. Ritzer (Ed.),Wiley-Blackwell encyclopedia of globalization New York: John Wiley & Sons.
  • Snider, L. (2020). Beyond Trump: Neoliberal capitalism and the abolition of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(2), 86-94.https://doi.org/10.1177/2631309X20920837
    » https://doi.org/10.1177/2631309X2092083
  • Spivak, G. (1994). Can the subaltern speak? In P Williams, & L. Chrisman (Ed)., Colonial discourse and postcolonial theory: A reader (pp. 66-111). New York: Columbia University Press.
  • Spivak, G. C. (1999). A Critique of postcolonial reason Toward a history of the vanishing present Cambridge: Harvard University Press. https://doi.org/10.2307/j.ctvjsf541
    » https://doi.org/10.2307/j.ctvjsf541
  • Stel, N. (2014). Business in genocide: Understanding the how and why of corporate complicity in genocides In Maastricht School of Management. Working Paper n. 2014/28, 5 September 2014. Retrieved from http://web2.msm.nl/RePEc/msm/wpaper/MSM-WP2014-28.pdf
    » http://web2.msm.nl/RePEc/msm/wpaper/MSM-WP2014-28.pdf
  • Stokes, P., & Gabriel, Y. (2010) Engaging with genocide: The challenge for organization and management studies. Organization, 17(4), 461-480. https://doi.org/10.1177/1350508409353198
    » https://doi.org/10.1177/1350508409353198
  • Strader, J. K. (2002). Introduction to white collar crime. In J. K. Strader. Understanding white collar crime (Cap. 1, pp. 1-13). New York: LexisNexis.
  • Sutherland, E. H. (1940). White-collar criminality. American Sociological Review, 5(1), 1-12. https://doi.org/10.2307/2083937
    » https://doi.org/10.2307/2083937
  • Sutherland, E. H. (1944). Is “White collar crime” Crime? American Sociological Review, 10(2), Annual Meeting Papers (1945 April), 132-139. http://faculty.washington.edu/matsueda/courses/371/Readings/White%20Collar%20Crime.pdf
    » http://faculty.washington.edu/matsueda/courses/371/Readings/White%20Collar%20Crime.pdf
  • Sutherland, E. H. (1949) White-collar crime New York: Holt, Rinehart & Winston.
  • Sutherland, E. H. (1956) Crime of corporations. In A. K. Cohen, A. Lindesmith, K. Schuessler (Ed.), The Sutherland Papers (pp. 78-96). Bloomington: Indiana University Press.
  • Szwajkowski, E. (1985). Organizational illegality: Theoretical integration and illustrative application. The Academy of Management Review, 10(3), 558-567. https://doi.org/10.2307/258136
    » https://doi.org/10.2307/258136
  • Szwajkowski, E. (1992). Accounting for organizational misconduct. Journal of Business Ethics, 11(5-6), 401-411. https://doi.org/10.1007/BF00870552
    » https://doi.org/10.1007/BF00870552
  • Tombs, S., & Whyte, D. (2020). The shifting imaginaries of corporate crime. Journal of White Collar and Corporate Crime, 1(1), 16-23https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
    » https://doi.org/10.1177/2631309X19882641
  • Van Akkeren, J., & Buckby, S. (2017). Perceptions on the causes of individual and fraudulent co-offending: Views of forensic accountants.Journal of Business Ethics 146 383-404. https://doi.org/10.1007/s10551-015-2881-0
    » https://doi.org/10.1007/s10551-015-2881-0
  • Van Erp, J. (2018). The organization of corporate crime: Introduction to Special Issue of Administrative Sciences. Administrative Sciences, 8(3), 1-12. https://www.mdpi.com/2076-3387/8/3/36
    » https://www.mdpi.com/2076-3387/8/3/36
  • Van Erp, J., & Huisman, W. (2017). Corporate Crime. In A. Brisman, E. Carrabine, & N. South (Ed.), Routledge companion to criminological theory and concepts (pp. 248-252). Abingdon: Routledge.
  • Van Rooij, B., & Fine, A. (2018). Toxic corporate culture: Assessing organizational processes of deviancy.Administrative Science, 8(3),1-38. https://doi.org/10.3390/admsci8030023
    » https://doi.org/10.3390/admsci8030023
  • Vaughan, D. (2007) Beyond macro- and micro-levels of analysis, organizations, and the cultural fix. In H. N. Pontell, & G. L. Geis (Eds.), International handbook of white-collar and corporate crime (Cap. 1, pp. 3-23). New York: Springer.
  • Vining, J. (2003). Corporate crime and the religious sensibility. Punishment & Society, 5(3), 313-325. https://doi.org/10.1177/1462474503005003005
    » https://doi.org/10.1177/1462474503005003005
  • Walters, R. (2009). Bhopal, corporate crime and harms on the powerfull. Global Social Policy 9(3), 324-327. https://doi.org/10.1177/14680181090090030205
    » https://doi.org/10.1177/14680181090090030205
  • Westwood, R. (2006). International business and management studies as an orientalist discourse: A postcolonial critique. Critical Perspectives on International Business, 2(2), 91-113. https://doi.org/10.1108/17422040610661280
    » https://doi.org/10.1108/17422040610661280
  • White, G. B. (2017 May 3). What’s changed since more than 1,110 people died in bangladesh’s factory collapse? The Atlantic Retrieved from https://www.theatlantic.com/business/archive/2017/05/rana-plaza-four-years-later/525252/
    » https://www.theatlantic.com/business/archive/2017/05/rana-plaza-four-years-later/525252/
  • Young, R. J. C. (1999). Ideologies of the postcolonial. Interventions, 1(1), 4-8. https://doi.org/10.1080/13698019800510021
    » https://doi.org/10.1080/13698019800510021
  • Young, R. J. C. (2001). Postcolonialism: An historical introduction Oxford: Wiley-Blackwell.

Editado por

Editor-chefe:
Wesley Mendes-Da-Silva (Fundação Getulio Vargas, EAESP, Brasil)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2019
  • Revisado
    15 Jul 2020
  • Aceito
    20 Jul 2020
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração Av. Pedro Taques, 294,, 87030-008, Maringá/PR, Brasil, Tel. (55 44) 98826-2467 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: rac@anpad.org.br