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Dependência e criação de trajetória na organização não governamental parceiros voluntários

Path dependence and path creation in volunteer partners, a non-governmental organization

Resumos

A dependência de trajetória (DT) não consegue explicar satisfatoriamente as escolhas estratégicas das organizações. Há determinados momentos em que a organização precisa inovar, buscando novas soluções. Essa abordagem caracteriza a criação de trajetória (CT), aparentemente uma oposição aos princípios da DT. Este artigo busca analisar, com base na DT e na CT, os eventos críticos ocorridos e as perspectivas futuras da organização não governamental Parceiros Voluntários. A pesquisa ocorreu por meio de um estudo de caso e foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os principais atores da organização, seguidas da análise de conteúdo. As sub-categorias analisadas para explicar DT e CT são, respectivamente: momentos iniciais, processos atuais, resultados e perspectivas futuras, relações sociais, inovação. Os principais resultados indicam que as escolhas estratégicas são influenciadas pela trajetória e por perspectivas futuras da organização, havendo variação de intensidade em cada projeto, evento e parceria realizada pela ONG. Assim, em relação à DT, destacam-se a história da organização, as estratégias deliberadas, os padrões nas escolhas e o risco do aprisionamento. Para CT foi central a identificação das estratégias emergentes, das capacidades técnicas, do engajamento e a visibilidade.

dependência de trajetória; criação de trajetória; eventos críticos


Path dependence (PD) is not able to satisfactorily explain organizations' strategic choices. There are some moments in which an organization needs to innovate and seek new solutions. This approach characterizes path creation (PC), apparently in opposition to PD principles. This article aims to analyze critical events and future prospects at the Volunteer Partners NGO, based on PD and PC. Field research was conducted through a case study based on semi-structured interviews with key organization stakeholders, followed by content analysis. The sub-categories analyzed in order to explain PD and PC are, respectively, initial moments, current processes, results and future prospects, social relations, and innovation. The main results indicate that strategic choices are influenced by the organization's history and future prospects, with a variation of intensity in every project, event and partnership. Thus, regarding PD we highlight organizational history, deliberate strategies, choice patterns and risk of imprisonment. Aspects relevant for analyzing PC included emerging strategies, technical capabilities, engagement and visibility.

path dependence; path creation; critical events


ARTIGOS

Dependência e criação de trajetória na organização não governamental parceiros voluntários

Path dependence and path creation in volunteer partners, a non-governmental organization

Claudia BitencourtI; Talita OliveiraII

IUniversidade UNISINOS, Av. Unisinos, 950, 93022-000, Cristo Rei, São Leopoldo, RS, Brasil. E-mail: claudiab.ez@terra.com.br

IIUniversidade UNISINOS, Av. Unisinos, 950, 93022-000, Cristo Rei, São Leopoldo, RS, Brasil. E-mail: talitag28@gmail.com

RESUMO

A dependência de trajetória (DT) não consegue explicar satisfatoriamente as escolhas estratégicas das organizações. Há determinados momentos em que a organização precisa inovar, buscando novas soluções. Essa abordagem caracteriza a criação de trajetória (CT), aparentemente uma oposição aos princípios da DT. Este artigo busca analisar, com base na DT e na CT, os eventos críticos ocorridos e as perspectivas futuras da organização não governamental Parceiros Voluntários. A pesquisa ocorreu por meio de um estudo de caso e foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os principais atores da organização, seguidas da análise de conteúdo. As sub-categorias analisadas para explicar DT e CT são, respectivamente: momentos iniciais, processos atuais, resultados e perspectivas futuras, relações sociais, inovação. Os principais resultados indicam que as escolhas estratégicas são influenciadas pela trajetória e por perspectivas futuras da organização, havendo variação de intensidade em cada projeto, evento e parceria realizada pela ONG. Assim, em relação à DT, destacam-se a história da organização, as estratégias deliberadas, os padrões nas escolhas e o risco do aprisionamento. Para CT foi central a identificação das estratégias emergentes, das capacidades técnicas, do engajamento e a visibilidade.

Palavras-chave: dependência de trajetória; criação de trajetória; eventos críticos.

ABSTRACT

Path dependence (PD) is not able to satisfactorily explain organizations' strategic choices. There are some moments in which an organization needs to innovate and seek new solutions. This approach characterizes path creation (PC), apparently in opposition to PD principles. This article aims to analyze critical events and future prospects at the Volunteer Partners NGO, based on PD and PC. Field research was conducted through a case study based on semi-structured interviews with key organization stakeholders, followed by content analysis. The sub-categories analyzed in order to explain PD and PC are, respectively, initial moments, current processes, results and future prospects, social relations, and innovation. The main results indicate that strategic choices are influenced by the organization's history and future prospects, with a variation of intensity in every project, event and partnership. Thus, regarding PD we highlight organizational history, deliberate strategies, choice patterns and risk of imprisonment. Aspects relevant for analyzing PC included emerging strategies, technical capabilities, engagement and visibility.

Key words: path dependence; path creation; critical events.

Introdução

A dependência de trajetória (DT) é um constructo oriundo da visão baseada em recursos (VBR), apresentado por Barney (1991), que enfatiza que um recurso somente pode ser desenvolvido considerando um longo período de tempo. Outros autores resgatam a DT dando uma conotação distinta da original, mas sem perder a ideia temporal envolvida. Representa a influência dos fatos passados nas escolhas futuras da organização (Mahoney, 2000; Sydow, Schreyögg, & Koch, 2009) e tem sido objeto de estudo desde a apresentação da abordagem por David (1985) e Arthur (1994). Podem-se explicar muitas decisões organizacionais pelo fato de as escolhas estratégicas serem influenciadas pela história da organização (seu passado). No entanto, observam-se algumas lacunas nessa abordagem pelo fato de não conseguir explicar alguns elementos-chave da estratégia, como é o caso da inovação.

Nesse sentido, a criação de trajetória (CT) representa um contraponto ao constructo de dependência de trajetória, possibilitando uma visão mais ampla sobre a organização, suas escolhas e perspectivas futuras. O passado, o presente e o futuro influenciarão as escolhas estratégicas da organização (Garud, Kumaraswamy, & Karnoe, 2010). A CT representa uma alternativa ao se pensar em novos caminhos sem determinismos ou repetições de padrões do passado, uma vez que não se restringe às escolhas já realizadas que podem engessar o pensamento de se buscar alternativas criativas para o futuro, indo de encontro ao empreendedorismo e à inovação.

Para o desenvolvimento deste estudo, escolhemos o terceiro setor. Este é alvo de muitas discussões acadêmicas devido a suas particularidades e à sua busca pela sustentabilidade econômica e social. Neste contexto, falar sobre diferencial competitivo, concorrência ou estratégia competitiva perde o sentido. Portanto, torna-se interessante analisar a questão da DT, considerando-se um contexto que se diferencia pela adesão de pessoas com base em valores e benefícios para a sociedade, ainda que a captação de recursos seja fundamental para a sobrevivência e o desenvolvimento deste tipo de organização. Uma outra peculiaridade do setor é a dinâmica imbuída na natureza de seu trabalho. No caso da ONG estudada, o trabalho acontece com base em projetos, o que confere o sentimento de novidade e um (re)início constante. Essa característica remete a princípios da criação de trajetória. Portanto, o caso escolhido ilustra a importância da história e dos valores organizacionais e, ao mesmo tempo, apresenta um ritmo e um jeito de trabalho bastante distintos, baseado no desenvolvimento de projetos com uma linha temporal pré-definida.

Com essas perspectivas, este artigo propõe-se a analisar os eventos críticos e as escolhas estratégicas da ONG Parceiros Voluntários (PV), tendo como foco: (a) a dependência de trajetória - abordagem que admite serem as escolhas da organização influenciadas pelas relações sociais, pela cultura e pelo poder e, principalmente, por decisões tomadas no passado; e (b) a criação de trajetória - que não exclui a influência do passado, mas também não aceita essa explicação como a única que determina as escolhas futuras. Mais do que a complementaridade entre as abordagens DT e CT, a contribuição do artigo está na discussão sobre a importância da busca pelo equilíbrio entre esses construtos. Isso pode ser estimulado a partir da análise de padrões internos da organização, no intuito de compreender as escolhas estratégicas e estimular a criação de novos caminhos. Portanto, os padrões internos não são apenas ponto de partida para a DT, mas também para CT. Como destaca Arthur (1989), CT só ocorre porque existe DT, o que demonstra que, mesmo na ruptura, ainda que aparente, há certa reciprocidade. Além disso, a influência das pessoas recebe um destaque especial, tendo em vista não apenas a ênfase teórica oriunda de CT, mas também as práticas observadas no terceiro setor, que destacam a importância das relações sociais. Outros elementos foram enfatizados na análise e ajudam a compreender melhor a relação entre DT e CT: aprendizagem, estratégia e aprisionamento. A aprendizagem recebe destaque em ambas as abordagens, caracterizando-se como incremental, à luz de DT, e radical ou destacando-se o caráter inovador, pela lente de CT. Nesse aspecto, pontua-se a importância da história para o processo de inovação. Os dois construtos estão associados à estratégia (Garud et al., 2010). Assim, DT é caracterizada por seu caráter estratégico-deliberado, enquanto CT, por ser evolutiva-emergente. Nesse momento, salientam-se os eventos críticos, que recebem um olhar diferenciado quando examinados à luz de CT. Por fim, o aprisionamento aponta as escolhas estratégicas como elementos centrais de análise a partir do comportamento, da governabilidade, dos modelos e das regras que permeiam as decisões, alertando para o perigo do bloqueio de escolhas. Como recomendação, sugere-se o questionamento da disponibilidade real para mudança.

As discussões acerca das convergências e das divergências das abordagens, e as possibilidades de considerá-las complementares, são discutidas ao longo do artigo, que apresenta a seguinte estrutura. Inicialmente discute-se a possível complementaridade das abordagens em questão, destacando o papel da história e dos caminhos alternativos nas escolhas estratégicas das organizações; na sequência, apresentam-se os procedimentos metodológicos, seguidos do caso da Parceiros Voluntários. Por fim, algumas considerações finais, destacando os principais resultados do estudo e a sua contribuição.

Dependência de Trajetória - A História Importa

A dependência de trajetória é marcada pela interferência do passado nas escolhas futuras (Barney, 2001; Mahoney, 2000; Sydow, Lerch, & Staber, 2010) e quando há tendência de reprodução e permanência temporal. Para Leonard-Barton (1992), o conhecimento acumula-se durante a trajetória da organização, de maneira que as atividades acabam sendo influenciadas lenta e rotineiramente. Nesse olhar sobre a história, são destacados os eventos críticos, que configuram os momentos significativos para a organização na consolidação de suas escolhas estratégicas (passadas) e que influenciam o presente e as escolhas futuras. Segundo Mahoney (2000), evento crítico é o momento decisivo que faz a organização verificar se continua no caminho já trilhado ou se interrompe a trajetória, avaliando outras escolhas possíveis. Pierson (2004) destaca que é preciso identificar os eventos passados assim como o período em que ocorreram, pois a análise dos momentos críticos deve ser a mais completa possível, contemplando a comparação entre cursos de diferentes eventos.

Barney (1995, 2001) aponta a trajetória de uma organização como única e, para este autor, é a partir dela que se desenvolvem recursos e capacidades. Ele acredita que, em alguns momentos, a experiência vivenciada pode facilitar as conquistas futuras, mas, por outro lado, o apego ao passado pode limitar escolhas diferentes e inovadoras. Mintzberg e Waters (1985) destacam o papel das ações passadas identificando padrões que interferem na estratégia, principalmente as deliberadas, já que são resultantes de experiências anteriormente planejadas, que influenciam o comportamento da organização. Esses momentos que marcam a história da organização, os eventos críticos, são fundamentais para se entender os movimentos e as escolhas estratégicas da organização.

Mahoney (2000) comenta sobre o evento crítico ao trazer o termo momento inicial, referindo-se a ele como contingencial, isto é, emergente e imprevisível, que marca a organização e suas escolhas. A partir do trabalho seminal de Collier e Collier (1991), esse conceito ganhou notoriedade e aprofundamento, sendo chamado de conjuntura crítica, processo de mudança significativo que deixa legados. Neste trabalho, trataremos desses momentos como eventos críticos.

A DT é representada pelos recursos acumulados, oriundos de aprendizagem, reputação e de ativos da organização, construídos através dos acontecimentos históricos. Desse modo, é importante a análise dos fatos marcantes da organização (Balestro, Antunes, Lopes, & Pellegrini, 2004). Segundo Licha (2004, p. 107), "a irreversibilidade na trajetória adotada é chave para o conceito de dependência de trajetória", de forma que não há como mudar o passado, mas é através dele que se pode compreender melhor alguns acontecimentos presentes e planejar ações para o futuro.

A ideia básica para a DT é de que a história importa (David, 2000). Os fatos históricos são instrumentais para as análises e avaliações de resultados da organização, lembrando que "a dependência de trajetória não é a única causa dos fatos" (Hoff, 2011, p. 12). O resultado da análise de um determinado fato histórico pode trazer à tona a constatação de que a escolha dependente da trajetória não é mais apropriada, limitando o desenvolvimento da organização. Sydow, Lerch e Staber (2010) alertam para o perigo que envolve acontecimentos históricos marcantes. Estes podem reforçar padrões passados e influenciar as ações futuras, caracterizando o aprisionamento nas decisões da organização (Arthur, 1994; Leonard-Barton, 1992).

Uma forma de libertar a organização desse aprisionamento relaciona-se com a própria dinâmica da dependência de trajetória. Nesse sentido, Sydow, Schreyögg e Koch (2009) apresentam um framework referente à DT no qual os autores destacam a necessidade de, por vezes, "quebrar a dependência de trajetória organizacional", (p. 702) apontando algumas possibilidades e limitações nesse processo. Mais especificamente, esse rompimento requer a compreensão de mecanismos sociais que possam direcionar o processo de mudança, oportunizando condições pelas quais os eventos poderiam adotar uma dinâmica de reinvenção.

Portanto, a DT é considerada para analisar as escolhas estratégicas feitas em determinados contextos, restringindo ou definindo rotas alternativas de maneira que parece ser muitas vezes mais vantajoso adotar determinada solução porque ela já foi seguida anteriormente; representa um padrão nas escolhas que influenciam os processos atuais e as escolhas futuras. Dessa forma, a primeira premissa orientadora deste estudo é:

P1:

As escolhas estratégicas são dependentes da trajetória da organização.

Cada escolha analisada à luz da DT tem uma explicação sobre a razão pela qual ela é ou foi adotada. Um fato dependente de trajetória, na perspectiva da explicação utilitária apresentada por Mahoney (2000), indica que a reprodução acontece de forma natural baseada em uma relação de custo/benefício. Pela explicação funcional, o fato tem serventia para todo o sistema. Na explicação pelo poder, implica manter o status quo. E, na explicação sob a legitimidade, o fato se mantém porque as pessoas envolvidas acreditam ser certo, o que é uma visão imbuída de subjetividade, sustentada pela relação com os valores dos indivíduos da organização.

Quando uma perspectiva de mudança se aproxima, a incerteza faz com que haja alguns questionamentos sobre as escolhas a serem tomadas, trazendo à tona a dependência e a criação de trajetória. Devem-se replicar escolhas bem sucedidas passadas ou arriscar e inovar, seguindo um caminho diferente do tradicional? Esse questionamento abre um leque de possibilidades e, entre essas, a premissa de que é possível haver uma complementaridade entre essas abordagens.

No próximo item, apresenta-se a criação de trajetória para um melhor entendimento conceitual dessa nova perspectiva, antes de se aprofundar a relação entre elas.

Criação de Trajetória - Uma Busca de Caminhos Alternativos

A criação da trajetória envolve um olhar para o passado, mas isso não é determinante nas escolhas estratégicas (Garud et al., 2010). Esse olhar é importante para a aprendizagem, e não necessariamente para aceitar os resultados fatidicamente, como se não houvesse outras escolhas possíveis.

A CT vem complementar os pontos não abordados pela VBR, destacando aspectos ligados à mudança e à inovação na busca de caminhos alternativos. Mais especificamente, a CT é uma resposta à DT (Martin & Sunley, 2006) e serve "para explorar e compreender fenômenos emergentes" (Garud et al., 2010, p. 770), isto é, fatores que não são dependentes de trajetória.

A CT não renega o passado da organização; apenas não se restringe a ele para explicar suas escolhas estratégicas atuais. Nesse contexto, "as relações humanas são consideradas fatores-chave na consolidação da identidade organizacional" (Barney, Ketchen, & Wright, 2011, p. 1305), considerando as dificuldades/limitações na articulação dos recursos e capacidades organizacionais para a criação de um sentido organizacional. Portanto, mesmo com as possíveis mudanças de rumo, a CT reforça a importância da identidade organizacional como elemento norteador das escolhas futuras, uma espécie de preservação do núcleo organizacional. Mantovani, Korelo e Prado (2012) também reforçam a influência das relações humanas e sociais no comportamento e nas escolhas da organização, destacando a inovação não como uma tendência inata da organização, mas como um atributo individual.

A criação de trajetória organizacional tem lugar quando há incertezas sobre o resultado das ações empreendidas estrategicamente, e não há como determinar um resultado padrão dessas ações. Para a CT, as relações sociais influenciam diretamente a ruptura e seus interesses são relevantes nas escolhas (Garud et al., 2010). A CT acontece quando as condições iniciais, como histórico da organização, processos e procedimentos, não são fornecidos e sim construídos com mecanismos que podem ser manipulados estrategicamente. O passado, o presente e o futuro vão influenciar essas escolhas, e o foco reside na compreensão de como os envolvidos constroem seus resultados.

Segundo Stack e Gartland (2003), a análise da CT deve estar centralizada na forma como acontecem as relações entre a área estratégica da empresa, seus clientes e stakeholders. "A criação de trajetória destaca o papel ativo do gestor e da empresa" (Stack & Gartland, 2003, p. 489). Segundo os autores, trata-se de uma mudança de paradigma: se na dependência de trajetória o olhar era para dentro da organização, agora o gestor deve olhar intensamente para fora, dando visibilidade à organização. Assim, visualizam-se as oportunidades e o nível de satisfação de todos os interessados (stakeholders), sem esquecer que quem operacionaliza as novas ideias deve ter seus interesses em consonância com os interesses da organização, caso contrário, os esforços para criar a trajetória não serão suficientes.

Segundo Schienstock (2011), não existe ruptura súbita em relação ao caminho já trilhado, mas, muitas vezes, o novo emerge gradualmente ao lado do antigo, sinalizando que uma organização não é totalmente dependente da trajetória e nem totalmente criadora da trajetória. A busca pela inovação também é um rompimento com estruturas e culturas tradicionais, operando mudanças, objetivando a sustentabilidade, gerando uma força transformadora na sociedade; é outra maneira de se enxergar a organização (Caron & Turcotte, 2009).

Garud e Karnoe (2001) discorrem sobre a importância que a criação de trajetória tem para as escolhas estratégicas, ao considerarem o constructo propício para o desenvolvimento de novas tecnologias. Desvencilhar-se da trajetória é considerado um dos primeiros passos para a inovação; é encontrar melhores alternativas para novas questões (Alvarez & Barney, 2007). Considerando-se os novos desafios competitivos, as respostas usuais, oriundas da trajetória, não são garantias de melhor solução. Sendo assim, este novo cenário demanda o desenvolvimento de novas capacidades técnicas e sociais, uma vez que o engajamento é um elemento-chave para a CT.

Com base na discussão apresentada nesta seção, constitui-se o pressuposto 2:

P2: A criação de trajetória destaca como elementos centrais: (a) o papel dos stakeholders; (b) a inovação; e (c) as relações humanas e sociais. Nesse sentido, as escolhas estratégicas não são coincidências históricas.

Garud, Kumaraswamy e Karnoe (2010) apresentam a importância das interações entre os atores e os artefatos construídos, que constituem as redes de ação (Czarniawska, 2008, como citado em Garud et al., 2010). Trata-se da ação realizada por diversos atores a partir de elementos diferentes (Garud et al., 2010), revelando a importância das relações sociais nos acontecimentos e reforçando o impacto dos papéis dos envolvidos nos processos e resultados. "Criação de trajetória nos lembra da importância da agência humana nos processos econômicos" (Pham, 2006/2007, p. 16).

Dessa forma, a criação de trajetória e a dependência de trajetória não são conceitos excludentes. Pelo contrário, afirmar isso seria limitar a análise das escolhas e renegar a importância da aprendizagem organizacional por meio da articulação dos recursos e capacidades, assim como restringir a construção de competências na organização. A combinação entre essas duas abordagens - a análise dos eventos críticos e as perspectivas futuras - fornece uma base para o alinhamento de estratégias em um ambiente dinâmico, fato que pode potencializar o nível de desenvolvimento organizacional. Seguindo esse argumento, a próxima seção apresenta a complementaridade dessas duas visões de trajetória.

Dependência e Criação de Trajetória: Uma Complementaridade?

Os dois constructos, DT e CT, estão associados à análise das escolhas estratégicas (Garud et al., 2010), considerando o cenário atual e as possibilidades futuras. A discussão sobre escolhas estratégicas traz à tona antigos dilemas, entre eles a questão do determinismo e do voluntarismo ou mesmo das estratégias deliberadas e emergentes. Em outras palavras, as mudanças estratégicas ocorrem por conta do voluntarismo da ação deliberada de seus gestores, ou pelo determinismo das condições ambientais externas (Astley & Van de Ven, 1983; Rond & Thietart, 2007)? Trata-se de um movimento ouside-in ou inside-out (Frank, 1994; Porter & Kremer, 2007)? Essas estratégias são deliberadas ou emergem de fatos inesperados (Mintzberg, 1978; Mintzberg & Waters, 1985)?

Assim como a DT e a CT podem ser vistas como abordagens complementares, no sentido de coexistirem, a questão do voluntarismo versus determinismo ou das estratégias deliberadas e emergentes também segue essa lógica, que evita respostas simplistas. Tendo em vista a complexidade do contexto em que as empresas se inserem, o desafio é compor uma estratégia que combine elementos aparentemente opostos, como a dependência e a criação de trajetória, atentando para aspectos relacionados aos ambientes interno e externo.

Tendo isso em mente, o primeiro ponto que destacamos é sobre a inovação. Como ela é percebida à luz das duas abordagens? Pela lente da DT, a inovação é vista como incremental, exclusiva, tendo em vista a tendência de perpetuar escolhas passadas. Já pela perspectiva da CT, inovação é o elemento norteador de novas escolhas estratégicas, abrindo um maior leque de possibilidades.

A afirmação de que a história importa é relevante para compreender certos fenômenos, ao se analisar comportamentos, competências desenvolvidas e padrões ocorridos, mas isso não deve ser limitador na busca de novas alternativas e escolhas futuras. Por isso, criar uma nova trajetória não implica necessariamente romper totalmente com a trajetória existente; deve-se achar o equilíbrio entre elas, podendo ambas as trajetórias se desenvolverem simultaneamente (Schienstock, 2011). Contudo, o que acontece muitas vezes é um rompimento total com a trajetória passada (Garud et al., 2010). Por outro lado, analisar os padrões internos pode auxiliar no entendimento das escolhas já feitas e na formulação de estratégias futuras. Para compreender a relação entre DT e CT, o melhor seria pensar em questão do tipo e e não ou. Elas não são necessariamente excludentes.

Segundo Gáspár (2011), a complementaridade entre dependência de trajetória e criação de trajetória é demonstrada nesta reinterpretação dos acontecimentos históricos - os eventos críticos, pois "cada época ou geração escolhe diferentes ideais e padrões de vida daqueles do passado" (Gáspár, 2011, p. 95).

Outro elemento central na discussão é a aprendizagem. Para a DT, a aprendizagem é construída através da história da organização, por meio da repetição de soluções, articulando e mantendo o que foi construído e apreendido. Entretanto, para a CT, a aprendizagem é uma consequência natural das mudanças, e o desenvolvimento da capacidade técnica baseia-se na inovação pela ruptura do que foi realizado até então.

As relações humanas não têm destaque algum na visão da dependência de trajetória, sendo tratadas como apenas algo natural ou como um recurso entre tantos outros. Na criação de trajetória, as relações humanas são entendidas como essenciais para a inovação e a quebra de paradigmas.

Quando há a iminência de uma mudança que propicia uma escolha inovadora para a organização, não é necessário haver uma ruptura completa com a história e com o passado. No entanto, é preciso existir disponibilidade para alterar processos e resultados reforçando, assim, o equilíbrio entre os dois constructos, DT e CT (Vanhaverbeke & Peeters, 2005). Portanto, numa mesma organização, haverá processos dependentes da trajetória e processos oriundos da criação de trajetória, convivendo e oportunizando aprendizados por meio dos eventos críticos.

Dessa forma, a terceira premissa orientadora deste estudo é:

P3: Existe complementaridade entre os constructos de dependência de trajetória e criação de trajetória.

Procedimentos Metodológicos

Para a realização deste estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa descritiva, com características longitudinais, desenvolvida por meio de um estudo de caso único com peculiaridades de temporalidade, partindo-se de expressões e atividades das pessoas em seus contextos. Segundo Flick (2004), a pesquisa qualitativa é sugerida para a análise de casos em sua peculiaridade temporal e local, partindo das expressões e das atividades das pessoas em seus contextos. De fato, essa pesquisa teve a preocupação de entender a história de uma organização através da sua trajetória, levando em consideração o seu contexto e a sua transversalidade.

A característica descritiva foi adotada tendo como foco os eventos e as narrativas históricas que caracterizam a trajetória da organização, sob a lente da dependência de trajetória. A descrição foi realizada com base nos principais eventos críticos, que foram classificados em três grupos: projetos, parcerias e eventos. Além disso, o estudo buscou evidências de inovação e rupturas na trajetória da organização, tendo como inspiração a criação de trajetória. Portanto, optamos por uma análise narrativa temática, com base na identificação dos eventos críticos.

Por perceber-se a disponibilidade da organização para mostrar publicamente a sua história, colocando-se também de maneira atenta aos objetivos da pesquisa e principalmente por ser uma organização pioneira em seu segmento, optou-se por um estudo de caso único. Garud et al. (2010) defendem um conceito teórico do método de estudo de caso, em sua abordagem narrativa para a pesquisa de dependência de trajetória.

A escolha da organização, a ONG Parceiros Voluntários (PV), deve-se à: (a) sua representatividade no terceiro setor; e (b) ao fato de estar há 15 anos exercendo suas atividades, sendo reconhecida como pioneira em seu propósito e, ao mesmo tempo, buscando novas perspectivas e caminhos a serem trilhados, passando por alterações nas suas escolhas estratégicas, aspecto que atende ao cerne da pesquisa - a relação entre o antigo e o novo, entre DT e CT.

Com base no referencial teórico, foram criadas as categorias de análise e suas respectivas subcategorias, apresentadas na Tabela 1. Essas categorias nortearam o desenvolvimento das entrevistas, tendo como base um roteiro previamente estabelecido. Foram realizadas sete entrevistas, totalizando 10 horas de gravação e gerando 91 laudas de material transcrito.

As entrevistas foram realizadas com os atores principais, participantes ativos da trajetória da ONG Parceiros Voluntários, que são a presidente, a gerente de Articulação e Mobilização, um ex-colaborador que hoje atua como consultor independente, o responsável pelos projetos, dois vice-presidentes e um consultor externo da Falconi Consultores de Resultado, consultoria em gestão empresarial fundada em 1998 pelo professor Vicente Falconi. Foi empreendida uma triangulação de dados por meio de observação não participante permitindo um contato com a realidade da organização sem interferência direta, acompanhada pelo registro dos acontecimentos e comportamentos in loco.

A análise de dados foi realizada através do programa computacional Nvivo10, por meio de categorias apresentadas na Tabela 1.

A ONG Parceiros Voluntários - Uma Breve Apresentação

A missão da ONG Parceiros Voluntários é "Qualificar pessoas e instituições, por intermédio de Tecnologias Sociais e Voluntariado, visando comunidades proativas e solidárias" (Parceiros Voluntários, n.d.). A organização parte da crença de que toda pessoa é solidária e também um voluntário em potencial. A sua atividade principal é ser um canal entre o voluntário e quem necessita.

Segundo o Relatório Anual da Parceiros Voluntários (Parceiros Voluntários, 2012), a ONG já atingiu 2.784 organizações da sociedade civil (OSCs), 2.900 escolas, 2.542 empresas e um número estimado de 1.565.000 beneficiários. Ela está presente em 48 cidades no Rio Grande do Sul e nos seguintes estados brasileiros: Amazonas, Bahia, Mato Grosso e Rio de Janeiro, assessorando organizações em termos de gestão e capacitação.

A ONG Parceiros Voluntários age de acordo com o Princípio da Subsidiariedade, segundo o qual os indivíduos e grupos agem como gestores do seu próprio desenvolvimento, solucionando problemas da comunidade, com autonomia, em suas esferas de atuação (Parceiros Voluntários, 2012). Dessa forma, fomenta em outras organizações não governamentais a mesma autonomia financeira e social da que busca tornar-se um exemplo a ser seguido.

Nas cidades em que se encontra uma unidade da ONG Parceiros Voluntários, a sua organização acontece em parceria com a Associação Comercial local, que disponibiliza um funcionário para ser o coordenador. Este deve, então, fomentar voluntários e mobilizar recursos localmente, seguindo as orientações da sede da PV, em Porto Alegre-RS.

O trabalho da organização é dividido em quatro frentes: Voluntariado Pessoa Física, Voluntariado Pessoa Jurídica, Programa Jovens Voluntários e Organizações da Sociedade Civil (OSCs).

Identificação dos Eventos Críticos e Perspectivas Futuras

Os eventos críticos foram classificados a partir: (a) dos projetos; (b) das parceiras; e (c) dos eventos mais significativos gerenciados pela PV. Para este trabalho, foram selecionados os dois maiores projetos apontados pelos entrevistados: Transparência na Prestação de Contas e Tribos nas Trilhas da Cidadania. O primeiro projeto está alinhado ao objetivo de ter metas e indicadores para uma gestão efetiva no terceiro setor. Para o desenvolvimento deste, houve a parceria com o Fundo Multilateral de Investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (FUMIN/BID) e com a Petrobras, que originou o projeto de prestação de contas em OSCs (2008-2011). Este projeto permitiu atestar publicamente a utilização adequada dos recursos financeiros por parte dessas organizações, contribuindo para a transparência na prestação de contas. Nesse sentido, a capacitação às OSCs ganhou sua própria metodologia. O segundo projeto destacado é o Tribos nas Trilhas da Cidadania, que incentiva o voluntariado na adolescência em ações nas escolas. Trata-se de uma ação de mobilização social feita por jovens que querem transformar a realidade. Eles se reúnem, escolhem uma Trilha (Meio Ambiente, Cultura ou Educação para a Paz) e fazem ações voluntárias na comunidade, contribuindo para um Rio Grande do Sul com atitude voluntária. Segundo o Relatório Anual da Parceiros Voluntários de 2012, no Rio Grande do Sul, há 2.900 escolas participantes, número bastante expressivo tendo em vista o seu efeito multiplicador.

A história da PV é marcada por parcerias. A ONG caracteriza-se por sua capacidade mobilizadora, integrando ações entre ONGs, Estado, empresas e comunidade. Os principais parceiros destacados ao longo da trajetória da PV são: Fundo Multilateral de Investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (FUMIN/BID), SEBRAE, Petrobras, organizações da sociedade civil, prefeituras, universidades, Falconi Consultores de Resultado, entre outros. Para este estudo, destacou-se a análise do trabalho com organizações da sociedade civil e com a Falconi Consultores de Resultado, por representarem as parcerias mais antigas e expressivas, segundo os entrevistados.

A PV realiza dois eventos significativos para disseminar a cultura do voluntariado no Rio Grande do Sul e as ações das OSCs. São eles: Prêmio Parceiros Voluntários, ocorrendo a cada dois anos, desde 2002, e o Seminário Pare e Pense, que acontece desde 2001, também a cada dois anos.

O Prêmio Parceiros Voluntários é uma ação voltada a reconhecer publicamente o trabalho voluntário, e o evento Pare e Pense é um seminário internacional, que apresenta palestrantes renomados para falar sobre temas correlatos ao voluntariado. Ambos ocorrem intercalados, no período de dois anos.

Em termos de perspectivas futuras, uma ideia recente, que tem estimulado a aproximação com universidades e grupos de pesquisa, é a criação do Grupo de Produção de Conhecimento Científico, que abre portas a pesquisadores e estudantes universitários a realizarem seus trabalhos na PV. É uma abertura à comunidade que também propicia o aprimoramento de outro projeto promissor, que é o desenvolvimento da Tecnologia Social da Parceiros Voluntários.

As perspectivas de atuação que se mostram promissoras para a ONG Parceiros Voluntários são a ampliação do Programa Tribos nas Trilhas da Cidadania, com as crianças menores de 14 anos, e a profissionalização da área interna de projetos, responsável por criar metodologias de captação de recursos para projetos e ações sociais de acordo com a demanda apresentada por alguma OSC ou empresa. Há consultores terceirizados que divulgam essas metodologias contribuindo para a expansão da organização no Brasil e no exterior.

Os eventos críticos e perspectivas futuras da PV são analisados mais detalhadamente, na sequência, à luz das DT e CT.

A Leitura dos Eventos Críticos à Luz da Dependência de Trajetória

Os achados em relação às categorias deste constructo foram selecionados a partir dos eventos críticos mais relevantes, segundo os entrevistados. A partir destes, analisaram-se os processos, resultados e como tais eventos críticos influenciaram a história da organização de maneira a conduzir os gestores às escolhas estratégicas.

Segundo os entrevistados, há alguns episódios relevantes que marcaram a trajetória da organização - projetos, parcerias e eventos, conforme introduzido na seção anterior. Toda a estrutura da organização funciona através de projetos e parcerias, sendo estes cruciais para o andamento das atividades, e os eventos representam momentos de reconhecimento do trabalho da Parceiros Voluntários junto à comunidade.

Um dos pontos principais, ao se fazer a análise de uma organização para verificar o quanto ela é dependente ou não da sua trajetória, é analisar seus eventos críticos e verificar se eles influenciaram as escolhas estratégicas feitas (Mahoney, 2000). Dessa forma, os eventos críticos representam essa influência em processos, resultados e padrão de escolhas decisórias da organização.

Na análise da fala dos entrevistados, percebe-se um apego à ideia inicial da organização por sua força inovadora e altruísta. Esse fato fica mais evidente pela emoção das suas palavras ao se referirem à ideologia inicial, que ainda permanece como norteadora das ações.

No decorrer desses anos, alguns projetos foram ressaltados como exemplos de eventos críticos e são destacados a seguir, sob a lente da DT. O primeiro deles refere-se ao Projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania.

Trabalhar nas escolas não era o foco da organização. Todavia, o Projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania teve sua ação iniciada pela necessidade da sociedade. Outro projeto importante, apesar de não ter sido apontado por todos os entrevistados como um evento crítico, é o Projeto Transparência na Prestação de Contas. Para os entrevistados, ele é um motivo de orgulho e um reconhecimento externo da seriedade da ONG Parceiros Voluntários. Segundo Mahoney (2000), ao se analisar a teoria, o evento crítico constitui-se por conhecimentos já utilizados anteriormente (a gestão dos recursos por parte da Parceiros Voluntários) que influenciam a trajetória futura. Esse reconhecimento, então, mostra à sociedade a credibilidade da organização, abrindo portas para oportunidades futuras.

A captação de recursos pelo desenho de projetos com o respaldo do Projeto Transparência culminou no trabalho de capacitação das OSCs, o qual foi incorporado no planejamento estratégico da ONG. O mesmo foi desenhado com o auxílio da Falconi Consultores de Resultado. Nesse aspecto, ressalta-se que as escolhas dependentes de trajetória caracterizam-se por estratégias deliberadas. O fato de ter um planejamento estratégico consolidado (estratégia deliberada) é visto como um diferencial no terceiro setor, tendo em vista a carência, de maneira geral, em aspectos voltados à gestão.

O Prêmio Parceiros Voluntários e o Seminário Pare e Pense trazem à tona a visibilidade que Foster (1981) e Pham (2006/2007) apontam, pois premiam e divulgam trajetórias engajadas e que inovam suas ações. Esses eventos acompanham a Parceiros Voluntários desde o início da sua história e incitam uma criação de novas trajetórias a cada edição, ao promover o debate sobre as questões, tais como capital social, solidariedade, protagonismo e voluntariado. Segundo a presidente, esses eventos são frutos da criatividade e do espírito inovador da Parceiros Voluntários.

Os eventos apresentados são considerados críticos, pois são momentos marcantes da trajetória da organização (David, 2000; Licha, 2004; Teece et al., 1997). Todos deixaram legados e, com exceção da parceria com a Falconi Consultores de Resultado, apresentam continuidade e se reforçam como processos importantes na ONG. Contudo, existe outro lado que deve ser observado: o risco do aprisionamento da organização, e a tentativa de novos projetos e a busca por eles, já que os apresentados estão consolidados e enraizados na sua história.

A Leitura dos Eventos Críticos à Luz da Criação de Trajetória

Os achados em relação às categorias deste constructo foram selecionados a partir das perspectivas futuras, das relações sociais estabelecidas pela PV e por sua capacidade de inovação. A partir destes, analisaram-se as estratégias emergentes, a capacidade técnica e social, o engajamento e a visibilidade, caracterizados respectivamente pela mobilização das pessoas em torno dos projetos e pelo reconhecimento da organização pela sociedade.

Criar uma trajetória implica romper com a trajetória percorrida até então. A discussão sobre criação de trajetória surgiu como uma resposta à linearidade da dependência de trajetória (Arthur, 1994), e tem como perspectiva um desvio consciente do caminho já trilhado (Garud & Karnoe, 2001), isto é, quer trilhar este novo caminho, desvencilhando-se dos seus hábitos e crenças, olhando para fora da instituição (Pham, 2006/2007).

Para a Parceiros Voluntários, que buscava apenas encaminhar o voluntário para as OSCs, ter várias metodologias e programas para manter as parcerias é romper com o modelo do passado e criar uma nova trajetória. É o que ressaltam Garud e Karnoe (2001), ao dizer que a criação de trajetória acontece quando parte do histórico da organização, processos e procedimentos não são estabelecidos previamente, como o projeto ligado ao aspecto da formação, que se refere à capacitação das OSCs. Este foi inédito para a Parceiros Voluntários, e exigiu lidar com um conhecimento específico ligado à educação, longe dos planos iniciais. A consequência, além do aprendizado, foi a inserção dessa atividade no seu mapa estratégico.

A possibilidade estratégica apontada para o futuro que abrange o voluntariado na universidade poderá utilizar-se do conhecimento já adquirido com o Projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania. Mesmo tratando-se de públicos diferentes, com algumas adaptações o modelo poderá ser revisitado. A partir da experiência prévia desta atuação, o projeto poderá ter alterações. A menos que haja um rompimento na trajetória trilhada, ele parece caracterizar-se como um projeto dependente da trajetória Tribos.

Para esses novos projetos/eventos, serão necessários discussões, debates e experimentações, sem esquecer que todo o aprendizado construído deve ser incorporado, mesmo que essas novas escolhas apontem para diferentes direções (Garud & Karnoe, 2001).

Complementaridade entre Dependência e Criação de Trajetória na Parceiros Voluntários

O caso da PV apresenta características peculiares. Percebeu-se que a organização apresenta algumas escolhas com características de DT, as raízes do propósito original são fortes e cada aprendizado é valorizado como essencial para atender as novas oportunidades. No entanto, para a DT não existe inovação, somente a incremental (Schienstock, 2011); então, a fim de explicar alguns acontecimentos da Parceiros Voluntários, deve-se recorrer também à CT, o que caracteriza a complementaridade entre os constructos.

O projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania, ao ser analisado, apresenta questões que merecem destaque quanto à complementaridade. O fato de inicialmente a fundadora e atual presidente mostrar motivação em fazer a constituição da Parceiros Voluntários um projeto para crianças, mas de não tê-lo levado adiante, pode ser explicado pela DT, sendo considerado uma inovação incremental.

Pela lente da CT, este caminho é extremamente inovador e sem condições iniciais disponíveis, pois há uma construção estratégica (Garud & Karnoe, 2001). Há o conhecimento prévio, porém este deve ser alterado ou dever-se-á partir do zero, criando uma nova trajetória. Criar uma nova trajetória não implica necessariamente romper com a trajetória existente, e sim achar o equilíbrio entre elas (Schienstock, 2011).

Mais que uma complementaridade entre os constructos DT e CT, observa-se um olhar diferente sobre os eventos, conforme a lente utilizada. Então, um mesmo evento pode ser visto como dependente de uma trajetória ou como um novo caminho a ser trilhado pela organização.

A complementaridade entre os constructos também é verificada a partir de um dos princípios da criação de trajetória (Pham, 2006/2007). Por exemplo, parte-se de uma estrutura existente (dependência de trajetória), mas que depende, além da necessidade da sociedade, também da disponibilidade das pessoas em querer fazer (criação de trajetória). Nesse exemplo, observa-se uma sobreposição de trajetórias, ou seja, existem elementos que caracterizam tanto a DT quanto a CT.

Teoricamente falando, existe ainda a complementaridade, que é percebida pela capacidade de introduzir novos elementos em estruturas existentes (Schienstock, 2011), como observado, por exemplo, no Projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania. A reinterpretação dos eventos críticos, isto é, um olhar diferente para o passado (Gáspár, 2011), permite aprendizados e melhorias nos processos, como aconteceu com a revisitação ao mapa estratégico que a organização realizou em parceria com a Falconi Consultores de Resultado.

Portanto, a complementaridade entre DT e CT pode ser observada: (a) por um olhar diferente (lentes que permitem interpretações peculiares); (b) sobreposição de trajetórias (elementos de ambas as trajetórias, DT e CT, que se cruzam); (c) introdução de novos elementos a uma trajetória já definida (incorporação de elementos de CT em DT, por exemplo).

A Tabela 2 apresenta, sinteticamente, a análise dos projetos, parcerias e eventos sob o ponto de vista dos dois constructos (DT e CT), demonstrando a complementaridade entre eles.

Considerações Finais

Esta pesquisa procurou analisar, com base na dependência de trajetória e na criação de trajetória, os eventos críticos ocorridos e as perspectivas futuras na organização não governamental Parceiros Voluntários. Portanto, partiu-se de três premissas básicas, discutidas a seguir.

P1:

As escolhas estratégicas são dependentes da trajetória da organização.

Essa premissa é parcialmente confirmada. As escolhas estratégicas realmente são influenciadas pela trajetória da ONG. Contudo, não ficam necessariamente restritas a esta. Nesse contexto, as estratégias emergentes ilustram muito bem a questão. Como exemplo, podem ser citados os novos projetos e parcerias que vieram a integrar as atividades da organização possibilitando-a a ir além do encaminhamento de voluntários às OSCs.

P2:

A Criação de Trajetória destaca como elementos centrais: (a) o papel dos

stakeholders

; (b) a inovação e o desenvolvimento tecnológico; e (c) as relações sociais.

Pode-se afirmar que essa premissa foi evidenciada tendo como base as escolhas da organização. Observou-se a relevância dos papéis que os stakeholders apresentaram no desenvolvimento de novos projetos e a compreensão de como as relações sociais acontecem para a criação de novos rumos tecnológicos. "Caminhos tecnológicos não são meras coincidências históricas, como a dependência de trajetória argumentaria, mas são influenciados por atores conscientes" (Meyer & Schubert, 2007, p. 40).

A inclusão de novos elementos à rotina da organização conduziu as pessoas a repensarem seus papéis como agentes de mudança, ressaltando a importância que as relações sociais têm na criação de trajetória. Um exemplo disso é o Projeto Tribos nas Trilhas da Cidadania, que teve sua ideia original fomentada por meio de um anseio da sociedade. Contudo, levar o trabalho voluntário para dentro das escolas não era a ideia original da Parceiros Voluntários (criação de trajetória), e sim fomentar o voluntariado (dependência de trajetória). Ao julgar que se está atendendo ao propósito da organização, a prática tornou-se usual e, hoje, esse projeto é uma das principais ações estratégicas da organização.

Percebeu-se que as relações sociais influenciam a maneira como a organização trabalha. A predisposição para inovar ou manter o que vem sendo feito passa pelas mãos dos atores envolvidos. Nesse caso, as escolhas estratégicas sofrem a influência do passado e podem ser influenciadas por perspectivas futuras de mudanças na forma como a organização trabalha, em novos produtos e processos.

P3:

Existe complementaridade entre os constructos de dependência e criação de trajetória.

Pode-se afirmar que essa premissa foi evidenciada no estudo. Arthur (1994) condiciona a criação de trajetória à existência da dependência de trajetória, e isso foi verificado na análise dos dados ao considerar que novas demandas encontram portas abertas na organização, que se utiliza de seus aprendizados e competências para desenhar novos caminhos. A inovação não fica prejudicada, pois foi observado que a organização cria suas próprias metodologias, seus projetos e suas parcerias introduzindo novos elementos na estrutura existente (Di Maggio, 1988 como citado em Schienstock, 2011), como a capacitação das OSCs e expansão para outros estados e exterior. Observa-se também que possibilitar à comunidade acadêmica acesso a Parceiros Voluntários para estudos é outro exemplo de criação de trajetória. Trata-se de um processo novo que apresenta características como visibilidade (Foster, 1981; Pham, 2006/2007), e pode ser considerada uma estratégia emergente (Garud & Karnoe, 2001).

Em relação aos eventos críticos identificados e analisados, observou-se que estes marcaram a trajetória da organização de forma a criar novas trajetórias. A DT foi evidenciada ao verificar-se que havia um padrão nas escolhas estratégicas, todas intimamente ligadas ao desejo dos envolvidos em contribuir solidariamente com a sociedade.

Talvez a principal contribuição do estudo seja apresentar as abordagens DT e CT como complementares. Essa complementaridade pode ser evidenciada por um olhar diferente (lentes que permitem interpretações peculiares), por sobreposição de trajetórias (elementos de ambas as trajetórias que se cruzam) ou ainda pela introdução de novos elementos a uma trajetória já definida (incorporação de elementos de CT em DT, por exemplo), como fica evidente no caso da PV.

Em relação à gestão de organizações do terceiro setor, especialmente o caso da PV, acredita-se que a principal contribuição prática do estudo relaciona-se a um novo olhar para o passado, a fim de se compreender melhor as escolhas da organização e suas opções/oportunidades futuras. A história importa sim, pois a experiência vivenciada oportuniza aprendizados e competências que não podem, claro, limitar as escolhas para o futuro. A organização deve estar atenta às demandas do seu público, sistematizando a melhor e mais rentável maneira de atendê-lo, abrindo as portas para a inovação e para perspectivas futuras.

A PV se destaca como um caso exemplar de estudo da dependência e criação de trajetória, uma vez que se apresenta como uma organização com fortes raízes em seu propósito original, que é incentivar o voluntariado no Rio Grande do Sul, porém não significando um fechamento para novas áreas de atuação, como a formação das OSCs em questões relacionadas à gestão e à criação de novas metodologias, bem como à ampliação territorial de atuação.

Finalizando, para estudos futuros, sugere-se a aplicação da pesquisa em outras organizações, inclusive no segundo setor, verificando como o contexto e o propósito influenciam ou alteram as escolhas estratégicas à luz da DT e CT.

Artigo recebido em 02.11.2013.

Última versão recebida em 28.03.2014.

Aprovado em 30.03.2014.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014

Histórico

  • Aceito
    30 Mar 2014
  • Revisado
    28 Mar 2014
  • Recebido
    02 Nov 2013
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