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A reinvenção do bazar: uma história dos mercados

RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS

Ari de Souza Soares

(CEPEAD/UFMG)

A REINVENÇÃO DO BAZAR - UMA HISTÓRIA DOS MERCADOS - John McMillan. Tradução de Sergio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar Ed., 2005. 264 p. ISBN: 8571108218.

A órbita, em torno da qual grandes debates e idéias foram travados ao longo do século XX, na discussão sobre sistemas econômicos, polarizada por idéias antagônicas, quais sejam, economia de mercado versus economia planificada, mantém-se atual. Dificilmente podemos pensar em um consenso, já que não se trata apenas de fatores econômicos, mas também, e principalmente, de convicções ideológicas e sociais construídas durante uma vida. O que faz John McMillan, professor titular de economia da Universidade de Stanford nos EUA, é trazer esse debate para a realidade cotidiana, permeada por exemplos verossímeis, instigantes e desafiadores. Intenta, assim, antes de tudo, balizar, temperar, contrapor argumento a argumento, de forma a traçar o desenho de uma economia dinâmica e flexível, em face das mudanças conjunturais, economicamente eficientes e socialmente aceitáveis.

Longe das apologias de interesses duvidosos e dos discursos inflamados de incautos economistas, em A Reinvenção do Bazar: Uma história dos mercados, McMillan nos propõe um desafio. Elucidar as diversas facetas do mundo dos mercados, isto é, desmistificá-los, apresentar suas mutações e ferramentas, pontos positivos e negativos. A pergunta que se faz como preâmbulo da obra é: Como funcionam os mercados? Que podem fazer? Que não podem fazer?

Como se observa, o livro não busca estabelecer uma grande teoria. Antes, faz emergirem exemplos dos mais variados temas, todos interligados em bem tecida teia de idéias e impressões que, capítulo pós-capítulo, se vão corporificando e traçando um panorama geral do que venham a ser os mercados. Assim, destacam-se certos elementos fundamentais que, no estímulo ao engenho humano, possam dar operacionalidade e fluidez à economia. Estes elementos estão relacionados ao livre fluxo de informações, à proteção aos direitos de propriedade, ao estímulo da concorrência etc. O livro reconhece, dessa forma, que o Estado em sua ação institucional tem papel importante, mas que tanto pode ser benéfico quanto maléfico, se não for orientado pelos fundamentos corretos.

Para McMillan, a força matriz dos mercados está na capacidade que estes possuem de se adaptar às mudanças da sociedade. Sua liberdade nata de reinvenção não é ponto estático, mas processo contínuo desenvolvido e alimentado por um sistema conjunto de regras, costumes e instituições. Assim, o livro nos mostra que os mercados se estabelecem sempre que existem pessoas querendo comprar e outras querendo vender, evidenciando autonomia nas decisões, em processo de trocas e ganhos voluntários, em processo evolutivo por meio de tentativas e erros.

Percurso histórico interessante é aquele proposto pelo autor para narrar a história dos mercados, história não linear, diversa, exótica. Assim, em seu primeiro acto, vislumbra-se a aldeia holandesa de Aalsmeer, onde se encontra o maior mercado de flores do mundo. Entre crisântemos e tulipas, o autor nos apresenta o fato de que em determinados mercados de produtos delicados e perecíveis só foi possível a exploração de suas potencialidades a partir do desenvolvimento de um dinâmico aparato tecnológico.

Tal liberdade, como bem explicita o livro, deve seguir as regras do jogo e limitar-se aos recursos disponíveis, sendo que não é possível falar em mercados, quando há uma autoridade filtrando as decisões e escolhas. Assim, descortina-se, no bojo maior das relações de troca, a economia de mercado propriamente dita.

Para o autor, a economia de mercado é mais apropriada do que a economia planificada, porque consegue localizar, mobilizar e incentivar o conhecimento local, visto que, de outra forma, confinado ao centralismo distante de uma ordem superior, passaria despercebido e cairia no baú do esquecimento. Mudanças constantes exigem readaptações contínuas e grande flexibilização, de forma que, como muito bem já foi dito, a vida não é melhor, quando tentamos assegurar a felicidade de uma vez por todas. O desenho correto para o mercado varia no tempo e no lugar; de tempos em tempos, pode ser necessário redesenhá-lo.

O livro demonstra que, olhando os países subdesenvolvidos, os governos têm percebido que regular os mercados excessivamente gera estagnação econômica. É fácil reconhecer que eles possuem economia de mercado, o problema, porém, segundo McMillan, é que ela funciona mal. Todavia, há certos setores, como o de bens públicos, que não devem ser deixados à iniciativa privada. A economia de mercado pode também ter uma realidade perversa, a exemplo da indústria farmacêutica, facilmente visualizável, quando contrapomos o lado humanístico à ganância pelos lucros vultosos. Assim, frisa-se a importância das patentes como incentivo para novas descobertas e o inconveniente que elas podem gerar. Entendo que ao Estado cabe corrigir as falhas de mercado. Nesse sentido, temos como exemplo o papel exercido pelo governo brasileiro na quebra de patentes para a produção de medicamentos anti-retrovirais. O que nada mais é que o Estado assegurando na prática os direitos e garantias petrificados na Constituição.

Um livro indicado tanto para economistas quanto para quem quer aprender um pouco de economia, sem, porém, perder-se no jargão técnico ou nas voluptuosas fórmulas racionalizantes, que tendem a segregar os fatores sociais e humanos ao ostracismo. No final o leitor perceberá que no livro não se trata de apologia do liberalismo ou dass políticas de um Estado planificado. Mas comparece uma pautada e esclarecedora visão dos mercados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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