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Pesquisa de Impacto: Teoria e Prática no Mundo Corporativo

RESUMO

O impacto que uma pesquisa causa na sociedade não pode ser medido apenas pela quantidade de atenção (citações) que essa pesquisa atrai. Uma pesquisa de alto impacto é aquela que tem alta relevância para a sociedade, sendo útil para fortalecer ou modificar suas práticas. Mas, para isso, o tomador de decisão precisa endereçar suas demandas e participar do processo de construção do conhecimento, especialmente por meio do uso adequado dos achados científicos. Assim, para que a pesquisa seja relevante, é essencial a aproximação entre teoria e prática. É nesse contexto que proponho a reflexão sobre a relevância da pesquisa e sua conexão com a prática no mundo corporativo. Relato que, apesar de extensos estudos nos campos da gestão, da governança e das práticas de sustentabilidade, nós continuamos a nos deparar com frequentes escândalos corporativos. Então, onde está a falha nesse processo?

Palavras-chave:
relevância da pesquisa; tomada de decisão; governança corporativa; fraudes

ABSTRACT

The impact that research has on society cannot be measured just by the amount of attention (citations) that it receives. High-impact research is relevant to society and is helpful to strengthen or modify its practices. However, decision-makers have to address society’s demands and participate in the knowledge construction process, primarily through the proper use of scientific findings. Thus, the approximation between theory and practice is essential for the research to be relevant,. In this context, I propose a reflection on research relevance and its connection with practice in the corporate world. It is noteworthy that, despite extensive studies in the fields of management, corporate governance, and sustainability practices, we continue to face frequent corporate scandals. So, where is the flaw in this process?

Keywords:
research relevance; decision-making; corporate governance; frauds

O QUE É UMA PESQUISA DE IMPACTO?

Segundo Toffel (2016Toffel, M. W. (2016). Enhancing the practical relevance of research. Production and Operations Management, 25(9), 1493-1505. https://doi.org/10.1111/poms.12558
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), o impacto de uma pesquisa não deve ser medido pela contagem de citações que ela recebe, pois isso mede apenas a quantidade de atenção que a pesquisa atraiu. Para ele, o impacto está mais relacionado à sua relevância para a prática, sendo a pesquisa relevante (ou de impacto) se tiver o potencial de melhorar a tomada de decisão de gestores, formuladores de políticas e demais profissionais.

Mas o processo de pesquisa deve ser uma via de mão dupla. Partindo do pressuposto de que temos pesquisas de impacto (relevantes), será que efetivamente esses conhecimentos têm sido utilizados para melhorar o ambiente de negócios? Como essas pesquisas têm sido utilizadas no mundo corporativo? Esse ambiente tem se comunicado adequadamente com o meio científico para que suas demandas sejam conhecidas e consideradas no processo de investigação? Isto é, teoria e prática têm se comunicado adequadamente? Vamos falar um pouco disso.

MAS, NA PRÁTICA, COMO A PESQUISA PODE MELHORAR A TOMADA DE DECISÃO?

Para uma pesquisa ser relevante para um processo de tomada de decisão, ela precisa ter suporte teórico e aproximação com o contexto real, sendo este último geralmente chamado de ‘prática’. Então, na ‘prática’, uma pesquisa é relevante se ela considera o contexto ‘prático’ e é útil para fortalecer ou modificar as ‘práticas’ da sociedade. Ainda, uma teoria que não considera o contexto real tende a ser pouco aplicável. Sendo pouco aplicável, não terá utilidade para suportar evidências científicas e, assim, terá baixo impacto na sociedade.

Falando de relevância, identificar um problema de pesquisa relevante é um dos primeiros passos na construção de uma pesquisa. Geralmente ele se origina a partir de um assunto de interesse da sociedade, além de estar associado a uma lacuna na literatura relacionada. Com isso, o pesquisador pode definir seu objetivo de pesquisa e justificar a relevância do seu estudo, apontando sua motivação e as contribuições potenciais. Se tudo for bem feito, a materialização da pesquisa é alcançada com a publicação.

Mas esse é apenas o primeiro ciclo do processo, que é a publicização dos achados científicos. Na prática, a consagração da pesquisa é dada pela efetiva utilização pelos agentes na sociedade. E esses agentes tendem a tomar melhores decisões quando elas são respaldadas por evidências científicas. Teoria e prática devem estar inter-relacionadas, dado que uma tende a influenciar a outra ao longo do tempo, especialmente porque os fenômenos e a própria sociedade passam costumeiramente por mudanças. Uma pesquisa descorrelacionada da prática tende a ser pouco útil, assim como uma prática sem qualquer orientação científica tende a ser errática.

Neste editorial, trago a provocação de uma reflexão sobre a relevância das pesquisas científicas e sua conexão com a prática. Especialmente nas ciências sociais, quanto útil nossas pesquisas têm sido para a sociedade? Será que o conhecimento que temos construído tem sido aproveitado de maneira adequada no ambiente corporativo? Ou estamos gerando conhecimento que, em sua maior parte, serve apenas de insumo para novas pesquisas no próprio ambiente acadêmico? Como as descobertas científicas têm sido utilizadas pelas corporações? Não tenho a intensão de apresentar respostas para todas essas perguntas, até porque não as tenho. Mas se eu conseguir provocar em você alguma dúvida ou reflexão em relação a elas, considerarei meu objetivo como alcançado.

NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA?

Nunca gostei da frase ‘na prática, a teoria é outra’. Então, procurei ter alguma aproximação com o mercado para entender o que o outro lado demanda e utilizar isso em favor de minhas pesquisas. Também é verdade que tive o desprazer de me deparar com situações nas quais alguns representantes da ‘prática’ achavam que os teóricos deveriam estar a seu serviço. Assim, aprendi a encarar essa frase de outra forma. Realmente, na prática, a teoria é outra. Mas isso não quer dizer que a teoria esteja errada ou que seja irrelevante, nem mesmo que devemos culpar exclusivamente os pesquisadores pelos males observados na prática.

No campo teórico, costumamos assumir alguns pressupostos e estabelecer algumas simplificações, em vista de tentar isolar o fenômeno de interesse. Em geral, isso é importante para que o pesquisador tenha melhor foco em sua análise. Além disso, Toffel (2016Toffel, M. W. (2016). Enhancing the practical relevance of research. Production and Operations Management, 25(9), 1493-1505. https://doi.org/10.1111/poms.12558
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) observa que pesquisas relevantes devem articular implicações que encorajem os profissionais a agirem com base em suas descobertas. É fato que os pesquisadores precisam apresentar claramente como seus resultados podem influenciar as decisões dos profissionais, apresentando, sempre que possível, casos específicos e circunstâncias nas quais as descobertas provavelmente se aplicarão. Mas também devemos considerar que esses profissionais precisam respaldar suas decisões em evidências científicas. Não é raro identificar na prática situações nas quais os profissionais tomam decisões que parecem tautológicas, desprezando o saber científico.

No campo da prática, muitas vezes uma solução simples e ágil é preferível àquela complexa, mas que toma muito tempo, especialmente quando a tomada de decisão deve ser rápida. Em valuation, por exemplo, os analistas de mercado tendem a preferir o uso de um custo de capital aproximado por um modelo de um fator (CAPM), dedicando mais tempo a conhecer o modelo de negócio da empresa, a gastar muito tempo com um modelo mais robusto teoricamente, com vários fatores, mas que traz um ganho marginal menor ao processo de avaliação. Todavia, observe que, mesmo optando pela solução simples, há conhecimento científico nessa escolha.

CASOS NO MUNDO CORPORATIVO

Muitos avanços no âmbito da regulação dos mercados vêm de evidências científicas e práticas. E elas tendem a ter suporte em alguma teoria. Por exemplo, no campo da gestão, Almeida e França (2021Almeida, K. K. N., & França, R. D. (2021). Teorias aplicadas à pesquisa em contabilidade: Uma introdução às teorias econômicas, organizacionais e comportamentais. Editora UFPB.) destacam que estudos sobre teoria da agência e governança corporativa têm aplicações práticas no tratamento de elementos como redução de conflitos de interesses por meio de planos de remuneração, estrutura ótima de propriedade, mecanismos de monitoramento, direitos dos acionistas, entre outros. Mesmo assim, esses autores reforçam que no Brasil, além de estudos, há vários exemplos reais de problemas de agência.

Segundo Almeida e França (2021Almeida, K. K. N., & França, R. D. (2021). Teorias aplicadas à pesquisa em contabilidade: Uma introdução às teorias econômicas, organizacionais e comportamentais. Editora UFPB.), a bolsa de valores brasileira desenvolveu diferentes segmentos para listagem voluntária para empresas que se comprometem com melhores práticas de governança corporativa. O nível mais alto recebeu o nome de ‘Novo Mercado’ em alusão a um mercado novo, de fato, no qual as empresas buscam melhor governança. Porém, apesar de grande parte dos pesquisadores brasileiros considerarem teoricamente esse segmento como proxy para ‘melhor governança’, não é isso que temos visto na prática. Vários escândalos corporativos têm acontecido com empresas desse segmento em especial. E isso não ocorre por falta de conhecimento científico. Além disso, Miranda et al. (2021Miranda, K. F., Melo, J. R. A., & Martins, O. S. (2021). Firms’ legitimation through corporate governance and its association with risk and return in Brazil. RAUSP Management Journal, 56(1), 55-70. https://doi.org/10.1108/RAUSP-05-2020-0087
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)mostram que a listagem no Novo Mercado não indica menor risco, maior retorno ou melhor relação risco-retorno (aqui temos mais uma evidência). Esse segmento reúne as empresas com maiores riscos, o que sugere que ter o selo de ‘Novo Mercado’ é uma busca da empresa mais arriscada pela legitimação que sugere melhor governança.

Nos últimos anos, várias empresas listadas no Novo Mercado ganharam os holofotes com escândalos que levaram prejuízos a diferentes stakeholders, incluindo a sociedade. Americanas, IRB Brasil, JBS, Multiplus, OGX, Qualicorp e Smiles são alguns exemplos de empresas listadas no Novo Mercado e que destruíram valor para seus stakeholders. Apesar de, em teoria, haver falas bonitas e compromissos com práticas diferenciadas de governança e de gestão, na prática, o que observamos é um mix de conflitos de interesses, maximização de benefícios próprios, desrespeito aos direitos dos acionistas, assimetria de informação, fraudes, entre outros. E para todos esses casos temos evidências científicas que apontam possíveis pontos frágeis e soluções.

O IRB Brasil RE, por exemplo, é uma empresa com mais de 80 anos de existência que já teve o monopólio do setor de resseguros no Brasil, até passar por um processo de privatização e ter seu capital aberto em 2017. Naquele e nos dois anos seguintes, as ações da empresa valorizaram, respectivamente, 27,0%, 157,6% e 44,5%. Surgia um fenômeno no Brasil! Já em seu Relatório de Administração de 2018, após belas palavras sobre responsabilidade social corporativa (RSC), impactos socioambientais e governança, o IRB destacava os vários reconhecimentos recebidos como empresa de destaque no seu setor, além das premiações que seus diretores recebiam, presidente (CEO), financeiro (CFO) e de relações com investidores (RI), compondo a lista de ‘tops’ da Institutional Investor - Euromoney.

Porém, no início de 2020, uma carta da gestora Squadra desencadeou uma série de eventos e descobertas sobre os números da empresa. O castelo de cartas ruiu. A empresa chegou a republicar seu Relatório de Administração de 2019, agora sem todo aquele destaque de RSC e socioambiental, utilizando o espaço para dar explicações sobre fraudes contábeis e graves falhas em sua estrutura de governança corporativa. A partir de então, o IRB deixou de ser visto como modelo de privatização, crescimento e gestão. Desde a abertura de capital (28/07/2017) até 31/03/2023, a empresa desvalorizou 90,1%, destruindo mais de R$ 10 bilhões em valor de mercado. Parece que tudo que havia de regulação e de evidência científica sobre governança corporativa foi facilmente deixado de lado pela má-fé de alguns poucos gestores. Entre as várias possíveis causas está uma política de remuneração com incentivos desalinhados e organismos de monitoramento ineficientes. De novo, o problema não foi falta de conhecimento científico.

Outro caso recente e igualmente escandaloso é o das Americanas. Sendo uma das maiores empresas varejistas do Brasil, divulgou um fato relevante em 11/01/2023 que surpreendeu o mercado, ao informar que a empresa havia detectado inconsistências em lançamentos contábeis que envolviam valores próximos a R$ 20 bilhões em dívidas que não estavam registradas em seu balanço patrimonial, além da renúncia de seus diretores presidente (CEO) e de relações com investidores (RI). No dia seguinte, a ação da empresa caiu incríveis 77,3% na bolsa de valores. Foram cerca de R$ 8,4 bilhões em perda de valor em um só dia, além do temor da inadimplência por cerca de 16,3 mil credores, a quem a empresa devia cerca de R$ 43 bilhões.

Ela é mais uma empresa listada no Novo Mercado que se envolve em fraudes. Neste caso, há suspeitas de que a prática fraudulenta é realizada há anos, inclusive já tendo sido descoberta em outras empresas do mesmo grupo controlador das Americanas. A fraude na empresa envolve o ‘risco sacado’, que é uma operação de antecipação de pagamento oferecida por bancos para empresas que compram mercadorias de um fornecedor e necessitam de maior prazo para seu pagamento. Como em vários outros casos envolvendo fraudes, ficam algumas perguntas no ar. Onde estava o conselho fiscal? Por que a auditoria independente não identificou tais operações em um volume tão elevado em uma conta relevante para a empresa? Onde estavam as agências de classificação de risco? Por que ninguém conseguiu identificar essa fraude ao longo de anos, mas um novo executivo com apenas 10 dias na empresa conseguiu?

Após a publicização dos fatos, parece que tudo estava ali, à mostra, mas ninguém observou. Atentou-se que os executivos da própria empresa venderam mais de R$ 200 milhões em ações no segundo semestre de 2022. Os próprios bancos que financiaram as operações de risco sacado iniciaram batalhas judiciais contra a empresa, mas foram acusados de terem conhecimento das operações e riscos envolvidos. O Bradesco conseguiu na justiça que os cinco conselheiros fiscais tivessem seus bens bloqueados para venda, até definição de suas responsabilidades no caso. Duas agências de classificação de risco de crédito cortaram as notas de crédito global das Americanas, a Moody’s de Ba2 para Caa3, e a S&P de B para D, o que, na prática, significa que ela saiu da posição de boa pagadora para a condição de maior risco de insolvência.

Há alguma diferença entre os casos citados e os famosos escândalos corporativos ocorridos fora do Brasil nas décadas de 1990 e 2000? Por exemplo, os casos do banco Barings na década de 1990 e da Enron nos anos 2000. Eu considero que há mais semelhanças do que diferenças. E não pararam por aí, na década seguinte podemos citar os casos brasileiros da Petrobras e da OGX Petróleo. Mas, em geral, após suas descobertas, pesquisadores e reguladores costumam promover avanços nos estudos e na regulação. Então, por que esses avanços não conseguem impedir que tais problemas continuem a surgir? Já se conhecem suas causas e possíveis soluções.

O que há de mais comum entre esses casos é o risco moral dos profissionais envolvidos. Segundo Martins et al. (2005Martins, S. M., Silva, T. R., Barros, A. S., & Tinoco, J. E. P. (2005). Governança corporativa: Teoria e prática. eGesta - Revista Eletrônica de Gestão de Negócios, 1(3), 76-90. https://www.unisantos.br/mestrado/gestao/egesta/artigos/45.pdf
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), embora a participação dos conselhos de administração e fiscal na gestão de uma empresa permita maior controle sobre as decisões tomadas pelos executivos, podem existir profissionais nesses conselhos que não estejam qualificados para o exercício dessas atribuições. Isso pode se tornar a raiz de grande parte dos problemas de gestão das empresas, na maioria das vezes decorrentes de abusos de poder do acionista controlador sobre os minoritários ou da diretoria sobre acionistas e terceiros.

Tanto a sociedade como o mundo corporativo estão em constante mudança. No que se refere aos stakeholders das empresas, sejam gestores, acionistas, credores, clientes ou demais partes interessadas, seus níveis de engajamento em relação às práticas das empresas têm modificado o atual ambiente de negócios, o que tem tornado os estudos relacionados às práticas ESG (environmental, social, and governance) um tema oportuno e dominante, especialmente diante de níveis inéditos de envolvimento proativo dos diferentes stakeholders, o que leva seus interesses e expectativas a serem cada vez mais considerados. Isso vai além do discurso teórico sobre ser ‘bom para o planeta’ ou de se ater às ‘causas sociais e filantrópicas’. Na prática, busca-se responder às expectativas de criação de valor dos diferentes stakeholders.

E como parte da mudança do mercado, ele tem criado incentivos ao facilitar o financiamento de empresas que se destacam em práticas ESG. Em 2021, a BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, anunciou mudanças drásticas em suas políticas de investimento, retirando de seu portfólio empresas classificadas como poluidoras. Também em 2021, a Natura Cosméticos S.A. emitiu um título de dívida vinculado a objetivos ambientais de redução de emissão de gases de efeito estufa e de reciclagem de produtos plásticos, o que permitiu à empresa reduzir o custo de captação da dívida de 5,375% para 4,125%. Em 2022, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) informou em carta ao mercado que os critérios socioambientais e de governança passariam a permear a estratégia de fomento do banco.

Com isso, muitas empresas têm investido em práticas ESG para que se diferenciem no mercado e sejam vistas como empresas engajadas em sustentabilidade. Todavia, no campo teórico são claros os benefícios e custos das práticas ESG. No campo prático, os interesses dos stakeholders não se alinham exatamente com o esperado. E um exemplo disso é o chamado greenwashing, que é a estratégia de promoção de ‘lavagem verde’ que difere da prática da empresa. Trata-se de uma tentativa de fazer uma ação parecer correta do ponto de vista ambiental, social ou de governança. Uma empresa pode difundir sua sustentabilidade em seus produtos e serviços, mas não a exercer de fato práticas que criem valor.

Apesar do número crescente de estudos sobre práticas ESG e identificação de greenwashing, ainda há grande desalinho entre as evidências existentes na literatura e as práticas efetivas. É recorrente a disseminação de informações distorcidas, dotadas de inverdades, omissões ou exageros. Afirmar que tem preocupações ambientais, sociais e de governança é diferente de mostrar que algo de fato está sendo feito. Por isso, alguns estudos têm achados que se distanciam das práticas das empresas, especialmente porque há uma grande ambiguidade sobre quais são as práticas favoráveis à agenda ESG e quais são apenas ‘maquiagem’.

No Brasil, podemos lembrar de alguns casos que ganharam visibilidade. A Proteste Associação de Consumidores denunciou a Bombril por maquiagem ambiental, pois a embalagem do seu produto afirmava que se tratava de um ‘produto 100% ecológico’ quando ele não era. A Fiat foi acusada de prática de ‘troca oculta’ quando promoveu uma linha de pneus como ‘superverde’, prometendo uma tecnologia sustentável para baixo consumo de combustível e alta durabilidade, mas desprezando o que viria em troca (estímulo à poluição pelo aumento do uso de pneus e pela falta de clareza quanto ao descarte e reuso). Outro caso famoso envolveu as montadoras Ford e GM, que divulgaram falsos atributos de seus automóveis, dando a ideia de sustentabilidade. As informações sobre o Fusion EcoBoost da Ford e a linha Chevrolet ECO de GM eram falsas, pois alguns veículos eram classificados no nível D de consumo de combustível (em escala de A a E).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Afinal, será que nossas pesquisas estão realmente causando o impacto esperado na sociedade?

Será que os participantes do mundo corporativo estão utilizando adequadamente seus achados?

O que justifica haver avanço no conhecimento científico sobre um tema e ainda assim os erros e fraudes se perpetuarem ao longo do tempo?

Devemos considerar que a teoria tem caminhado distante da prática? Ou é a prática que desconsidera os avanços da teoria?

Se você chegou até aqui esperando respostas, esqueceu do que eu disse lá atrás. Eu não as tenho. Mas ofereço meu ‘grão de areia’ de reflexão nesse universo.

No âmbito das ciências sociais, muitos fenômenos são observados de maneira indireta. É o caso da qualidade da governança corporativa de uma empesa ou do nível de engajamento dos seus proprietários e diretores com as melhores práticas ESG. Por mais que haja uma variedade de scores e ratings buscando medi-los, todos precisam de algum método de aproximação para representação de componentes qualitativos. E por essa variedade de métodos, não é raro observar evidências empíricas que divergem em relação ao mesmo objeto de análise. Até a evolução da literatura relacionada a esses temas traz mudanças, as quais muitas vezes não são fáceis de serem mapeadas e distinguidas. Mas se houver uma aproximação dos mundos teórico e prático, a disseminação desse conhecimento e seu uso na prática se tornam mais fáceis.

Isso não é exclusividade desta área. Elliot et al. (2021Elliot, J. H., Lawrence, R., Minx, J. C., Oladapo, O. T., Ravaud, P., Jeppesen, B. T., Thomas, J., Turner, T., Vandvik, P. O., & Grimshaw, J. M. (2021). Decision makers need constantly updated evidence synthesis. Nature, 600, 383-385. https://doi.org/10.1038/d41586-021-03690-1
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) caracterizam esse problema na área da saúde, em meio à pandemia de COVID-19. Para os autores, quando há muitas evidências sobre um tema, especialmente quando há evolução do conhecimento ao longo do tempo e uma enxurrada de novas evidências, a falta de revisões sistemáticas atualizadas que organizem o conhecimento acumulado pode dispersar a atenção dos tomadores de decisão, que tendem a saltar de um estudo para outro. Isso confunde a formulação de políticas, alimenta a controvérsia e corrói a confiança na ciência. Em qualquer campo das ciências sociais, como na governança corporativa, essa desordem de evidências pode levar os profissionais do mercado a investirem menos tempo na aplicação de descobertas mais recentes.

Ainda, se os profissionais apresentarem com maior clareza suas demandas e os pesquisadores desenvolverem evidências científicas mais direcionadas, o processo de tomada de decisão na sociedade será mais eficiente. Veremos menor distanciamento entre teoria e prática, especialmente no mundo corporativo. E ressalto que esta é uma via de mão dupla, é importante que o mercado esteja mais próximo da academia para que essa relação seja mais frutífera. Ao final, a essência dessa reflexão pode parecer lógica, mas muitas vezes a lógica é deixada de lado por ser considerada trivial. Por exemplo, como explicar a frequência de escândalos corporativos sendo motivados por fatores sobre os quais já temos tantas evidências científicas que demonstram que eles podem se tornar problemas para as corporações?

Por fim, espero que este texto alcance o propósito de incitar dúvidas e reflexões sobre o impacto e a relevância das pesquisas que temos feito no mundo corporativo, especialmente no que se refere à aproximação entre teoria e prática.

REFERÊNCIAS

  • Almeida, K. K. N., & França, R. D. (2021). Teorias aplicadas à pesquisa em contabilidade: Uma introdução às teorias econômicas, organizacionais e comportamentais. Editora UFPB.
  • Elliot, J. H., Lawrence, R., Minx, J. C., Oladapo, O. T., Ravaud, P., Jeppesen, B. T., Thomas, J., Turner, T., Vandvik, P. O., & Grimshaw, J. M. (2021). Decision makers need constantly updated evidence synthesis. Nature, 600, 383-385. https://doi.org/10.1038/d41586-021-03690-1
    » https://doi.org/10.1038/d41586-021-03690-1
  • Martins, S. M., Silva, T. R., Barros, A. S., & Tinoco, J. E. P. (2005). Governança corporativa: Teoria e prática. eGesta - Revista Eletrônica de Gestão de Negócios, 1(3), 76-90. https://www.unisantos.br/mestrado/gestao/egesta/artigos/45.pdf
    » https://www.unisantos.br/mestrado/gestao/egesta/artigos/45.pdf
  • Miranda, K. F., Melo, J. R. A., & Martins, O. S. (2021). Firms’ legitimation through corporate governance and its association with risk and return in Brazil. RAUSP Management Journal, 56(1), 55-70. https://doi.org/10.1108/RAUSP-05-2020-0087
    » https://doi.org/10.1108/RAUSP-05-2020-0087
  • Toffel, M. W. (2016). Enhancing the practical relevance of research. Production and Operations Management, 25(9), 1493-1505. https://doi.org/10.1111/poms.12558
    » https://doi.org/10.1111/poms.12558
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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