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Cultura e orientação empreendedora: uma pesquisa comparativa entre empreendedores em incubadoras no Brasil e em Portugal

Entrepreneurial culture: a comparative study of entrepreneurs in Brazil and Portugal

Resumos

O presente artigo descreve pesquisa que teve como objetivo identificar semelhanças e diferenças de características entre empreendedores em incubadoras de empresas no Brasil e em Portugal. Os fundamentos analíticos utilizados para as comparações foram os modelos de dimensões culturais de Hofstede e de orientação empreendedora de Lumpkim e Dess (1996). No emprego destes dois modelos se fez uso de um questionário, que foi aplicado aos empreendedores desses dois países e que se constituiu em um expressivo trabalho de campo, imprescindível para se alcançar os objetivos propostos. Os resultados da pesquisa mostraram que existem diferenças especialmente nas dimensões de distância do poder e aversão à incerteza, ambas superiores no Brasil. A orientação empreendedora também se revelou mais elevada no Brasil do que em Portugal, destacando-se as dimensões de propensão para o risco e a para a competitividade agressiva. Os empreendedores brasileiros, curiosamente, revelam maior rejeição a incertezas futuras; mas, concomitantemente, demonstram maior propensão para assumir riscos e se expor a incertezas, desde que remunerados como forma de compensação por essa exposição.

empreendedorismo; cultura; orientação empreendedora; incubadoras; Brasil e Portugal


This article describes research concerning with identifying and explaining similarities and differences in characteristics of entrepreneurs in incubators in Brazil and Portugal. The analytical fundamentals for the comparisons were Hofstede's cultural dimension model and entrepreneurial orientation (Lumpkim & Dess, 1996). The use of these two models relied on the application of a questionnaire to entrepreneurs in these two countries, and the research was therefore based on intensive field work, which was crucial to achieving the desired goals. Results from the research revealed that there were differences in cultural dimensions - power distance and uncertainty avoidance, both higher in Brazil. The entrepreneurial orientation was also higher in Brazil, especially risk-taking and competitive aggressiveness. The Brazilian entrepreneurs were more likely to reject future uncertainties and showed a greater propensity to take risks and expose themselves to uncertainty, as long as they were paid for this exposure.

entrepreneurship; culture; entrepreneurial orientation; incubators; Brazil and Portugal


ARTIGOS

Cultura e orientação empreendedora: uma pesquisa comparativa entre empreendedores em incubadoras no Brasil e em Portugal

Entrepreneurial culture: a comparative study of entrepreneurs in Brazil and Portugal

Marco Antonio Oliveira Monteiro da SilvaI,* * Endereço: Marco Antonio Oliveira Monteiro da Silva Rua Ramon Franco 39 / 202, Urca, Rio de Janeiro/RJ, 22290-290. E-mail: marcoolivamont@uol.com.br ; Luiz Flavio Autran Monteiro GomesII; Manuela Faia CorreiaIII

IMestre em Administração de Empresas pelo Ibmec/ RJ. Pesquisador Associado ao Ibmec/ RJ, Rio de Janeiro/RJ, Brasil

IIDoutor pela Universidade da Califórnia, Berkeley, Estados Unidos. Professor Titular do Ibmec/RJ, Rio de Janeiro/RJ, Brasil

IIIDoutora pela Universidade da Warwick, Reino Unido. Professor Associada da Universidade Lusíada de Lisboa, Portugal

RESUMO

O presente artigo descreve pesquisa que teve como objetivo identificar semelhanças e diferenças de características entre empreendedores em incubadoras de empresas no Brasil e em Portugal. Os fundamentos analíticos utilizados para as comparações foram os modelos de dimensões culturais de Hofstede e de orientação empreendedora de Lumpkim e Dess (1996). No emprego destes dois modelos se fez uso de um questionário, que foi aplicado aos empreendedores desses dois países e que se constituiu em um expressivo trabalho de campo, imprescindível para se alcançar os objetivos propostos. Os resultados da pesquisa mostraram que existem diferenças especialmente nas dimensões de distância do poder e aversão à incerteza, ambas superiores no Brasil. A orientação empreendedora também se revelou mais elevada no Brasil do que em Portugal, destacando-se as dimensões de propensão para o risco e a para a competitividade agressiva. Os empreendedores brasileiros, curiosamente, revelam maior rejeição a incertezas futuras; mas, concomitantemente, demonstram maior propensão para assumir riscos e se expor a incertezas, desde que remunerados como forma de compensação por essa exposição.

Palavras-chave: empreendedorismo; cultura; orientação empreendedora; incubadoras; Brasil e Portugal.

ABSTRACT

This article describes research concerning with identifying and explaining similarities and differences in characteristics of entrepreneurs in incubators in Brazil and Portugal. The analytical fundamentals for the comparisons were Hofstede's cultural dimension model and entrepreneurial orientation (Lumpkim & Dess, 1996). The use of these two models relied on the application of a questionnaire to entrepreneurs in these two countries, and the research was therefore based on intensive field work, which was crucial to achieving the desired goals. Results from the research revealed that there were differences in cultural dimensions – power distance and uncertainty avoidance, both higher in Brazil. The entrepreneurial orientation was also higher in Brazil, especially risk-taking and competitive aggressiveness. The Brazilian entrepreneurs were more likely to reject future uncertainties and showed a greater propensity to take risks and expose themselves to uncertainty, as long as they were paid for this exposure.

Key words: entrepreneurship; culture; entrepreneurial orientation; incubators; Brazil and Portugal.

O tema empreendedorismo definitivamente ganhou espaço nos últimos anos, tanto no meio acadêmico, com a produção de inúmeros trabalhos, como nas discussões econômicas, onde passou a ser considerado de importância relevante na formulação de políticas governamentais voltadas para o desenvolvimento dos países. Existe, atualmente, claro entendimento de que tanto a ação empreendedora como o agente responsável por ela, o empreendedor, são fundamentais para o crescimento econômico e para a geração de riqueza e empregos em uma sociedade. Entretanto procurar entender por que algumas nações ou sociedades têm sido mais empreendedoras do que outras vem sendo uma das questões fundamentais que unem a quase totalidade dos trabalhos que surgem, relacionando o tema com países. Os chamados estudos transculturais — estudos que têm como base a comparação entre culturas — abordam o tema justamente por essa ótica, procurando investigar quais as características culturais identificadas dentro de uma nação e se estas favorecem ou não as iniciativas empreendedoras (George & Zahra, 2002; Lumpkim & Dess, 1996).

Embora empreender pareça ser um desejo comum em todos os povos, em maior ou menor grau, o nível de atividade empreendedora de um país está sujeito a diversos fatores determinantes, entre os quais as suas características culturais, que exercem influência direta. Estudos sugerem que o contexto cultural de uma nação, juntamente com o seu ambiente, afetam o comportamento dos empreendedores de maneira significativa (Tan, 2002). George e Zahra (2002) afirmam que as pesquisas que buscam estudar a influência da cultura sobre o empreendedorismo vêm despertando o interesse acadêmico há cerca de três décadas, e que a utilização de dados de diversos países tem sido realizada por meio de vários métodos para explorar a relação entre as variáveis culturais e o comportamento empreendedor e seus resultados. Segundo Busenitz e Lau (1996), o desenvolvimento de pesquisas focadas em análises do tipo transcultural buscam entender por que algumas culturas produzem individualmente maior propensão à atividade empreendedora do que outras. Entender como os empreendedores pensam e como eles tomam as decisões em face dessa variável, a cultura, tem sido uma das principais sugestões de pesquisas mais recentes. Esta pesquisa é igualmente um estudo transcultural, que investigou de forma comparativa, a partir do modelo de dimensões culturais de Hofstede, bem como do conceito de Orientação Empreendedora [OE], as características de empreendedores do Brasil e de Portugal. Esta comparação desperta interesse, em função do papel de Portugal na formação cultural brasileira, sendo que "podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma" (Holanda, 1995, p. 40).

Desta maneira, os principais objetivos almejados por esta pesquisa contemplaram: elaborar um quadro com a identificação das características similares e distintas entre os empreendedores desses países e verificar se essas características levantadas estavam em consonância com aquelas que habitualmente são consideradas como facilitadoras e estimuladoras da iniciativa empreendedora. Para que esses objetivos fossem atingidos, o método utilizado foi a aplicação de um questionário em ambos os países, que buscou investigar e medir determinados atributos, definidos de forma detalhada à frente, na metodologia. A mensuração desses atributos permitiu a realização de uma pesquisa pioneira em termos de comparação entre empreendedores do Brasil e de Portugal. A aplicação do questionário, tanto no Brasil como em Portugal, foi feita tendo como foco os respondentes empreendedores com empresas dentro de incubadoras. A sua operacionalização levou à ida do primeiro autor a Portugal e, na prática, representou a materialização de um convênio estabelecido entre duas instituições de ensino superior, uma do Brasil e outra de Portugal. Os resultados mostram que há muitas características similares entre esses empreendedores, demonstrando, até certo ponto, coerência com as grandes semelhanças culturais que ambos os países têm por força dos laços históricos que os unem. Todavia os dados também revelaram que existem algumas importantes diferenças e estas provavelmente são fruto da dinâmica própria em que se insere cada um desses países.

REFERENCIAL TEÓRICO

Emprendedorismo

A função da atividade empreendedora e sua importância econômica foram percebidas primeiramente por J. B. Say (1983) no século XVIII, quando relacionou esta atividade à figura do empresário, a quem cabia assumir os riscos, alocar recursos da maneira mais produtiva e, desta forma, promover o desenvolvimento econômico. A riqueza e o desenvolvimento de um país estavam, assim, relacionados diretamente à atividade e à capacidade empreendedora de uma nação. No mesmo sentido, Schumpeter (1964a) reforça a importância do empreendedor como o agente capaz de introduzir a inovação, associando esta ao conceito conhecido por "destruição criativa" (substituição de antigos métodos e processos por novos), como principal motivador do crescimento econômico. Assim, é mantida a idéia de que se torna imprescindível a existência de empreendedores, que são os empresários inovadores, representando a ausência destes a estagnação do desenvolvimento de uma nação: "Para muitos, a idéia de evolução econômica traz, associada, a idéia de capacidade empreendedora" (Schumpeter, 1964b, p. 175). Para Drucker (2001), o empreendedor é também alguém que aproveita as oportunidades, criando algo que irá gerar valor. Segundo este autor, para empreender não basta abrir um novo negócio, é fundamental que esse negócio crie algo também novo em termos de mercado, produto, ou similar, para que seja então considerada uma ação empreendedora. Portanto, para este autor que é mais recente, está também bastante clara a importância da inovação e da identificação de oportunidades para os empreendedores.

O empreendedor é, na visão de Fillion (2000) e Dolabela (1999), o identificador de oportunidades de negócios que cria e define contextos, visualiza situações, determina objetivos, projeta e concebe estruturas organizacionais que põem em funcionamento, no sentido de explorar a oportunidade. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas [SEBRAE] (2006), o empreendedor pode ser definido como sendo

o indivíduo que possui ou busca desenvolver uma atitude de inquietação, ousadia e proatividade na relação com o mundo, condicionada por características pessoais, pela cultura e pelo ambiente, o que favorece a interferência criativa e realizadora, no meio, em busca de ganhos econômicos e sociais.

Nesta pesquisa, adotou-se a definição que associa o empreendedorismo e o empreendedor à identificação de oportunidades de negócios e à criação de novas empresas para explorá-las, não sendo necessariamente requisito obrigatório ser algo inovador.

A Influência Cultural Portuguesa no Brasil

O processo de colonização do Brasil por Portugal foi o principal determinante da matriz cultural brasileira. Alguns dos principais traços encontrados na cultura nacional vieram de Portugal e, ainda que aqui tenham apresentado nuances quanto a sua forma, a base é, na essência, nitidamente portuguesa. Segundo Motta (1997), para entendermos as nossas raízes, a formação de nossa cultura, bem como compreendermos o que somos hoje, é necessário perceber a contribuição do colonizador português. A formação da nação brasileira, nos tempos da colônia foi realizada no sentido de se reproduzir aqui a mesma estrutura administrativa e social do Estado português (Caldas, 1999). É como se o colonizador português buscasse reproduzir aqui as mesmas relações e princípios que regulavam a sociedade em seu país de origem. Na verdade, nunca se procurou estabelecer no Brasil um modelo próprio e adequado às nossas particularidades. A colonização, a integração e a consolidação do Brasil como nação sempre foi comandada pela figura do Estado, e pouca ou quase nenhuma importância tiveram as iniciativas particulares. Este não foi o histórico do processo verificado nas colônias inglesas, onde foi fundamental a participação do empreendimento privado na construção e consolidação da sociedade (Barbosa,1996). O interesse pelo lucro fácil característico do brasileiro, por exemplo, são manifestações do espírito aventureiro herdado de Portugal. Segundo Holanda (1995), uma das principais características do processo de colonização do Brasil foi o fato de que este foi implantado mais por uma motivação aventureira, sem maiores compromissos por parte de Portugal, do que propriamente representando um empreendimento planejado e racional. Para este autor, o que o português aqui buscava era riqueza que demandava ousadia, e não trabalho. Depois do apresentado nesta secção, não será surpresa que em seu modelo de dimensões culturais, Hofstede tenha obtido resultados bastante semelhantes para o Brasil e Portugal, conforme será visto adiante.

O Modelo de Dimensões Culturais de Hofstede

Para Hayton, George e Zahra (2002), a grande maioria das pesquisas que relacionam empreendedorismo, incluindo as características individuais dos empreendedores, com as características culturais de um país, se utilizam basicamente do modelo de conceituação de culturas nacionais elaborado por Hofstede. Em seu primeiro trabalho realizado na década de 80, Hofstede (2001) classificou as chamadas dimensões culturais em quatro categorias: distância do poder, individualismo ou coletivismo, masculino ou feminino, e aversão à incerteza. Posteriormente, no ano de 1991, em novo trabalho, identificou uma quinta dimensão, que definiu como sendo orientação no longo-prazo ou orientação no curto-prazo. Esta dimensão está diretamente relacionada à expectativa de tempo de retorno, em termos de recompensa e resultado de uma tarefa ou ação implementada que, de forma geral, os indivíduos de uma sociedade possuem. Entretanto esta dimensão inicialmente não seria considerada para efeitos desta pesquisa, por não ter sido mensurada para a totalidade dos países inclusos no primeiro trabalho de Hofstede. Portugal não foi incluído na amostra do segundo estudo do autor. Todavia, por motivos explicitados à frente na metodologia, resolveu-se posteriormente incluir também esta dimensão na pesquisa.

A dimensão distância do poder está relacionada ao nível de igualdade ou de desigualdade existente entre as pessoas na distribuição do poder dentro da sociedade em um país, e ao nível de aceitabilidade por parte de seus indivíduos menos favorecidos em relação a essa distribuição desigual. Escores representativos de elevada distância do poder indicam que desigualdades na distribuição da riqueza, do poder e de privilégios dentro da sociedade são vistos com maior naturalidade, enquanto, no sentido inverso, indicam sociedades mais igualitárias, e menos conformadas com desigualdades nessa distribuição (Hofstede, 2001). A dimensão individualismo ou coletivismo está associada à importância, em termos de medida do quanto os membros de uma sociedade são responsáveis pelos demais. Está relacionada ao nível de relevância que a sociedade dá ao esforço e à realização individual ou, em oposição, à realização coletiva dos indivíduos e ao relacionamento entre eles. Elevados escores de individualismo indicam que a individualidade e os direitos individuais das pessoas predominam dentro da sociedade, enquanto em sociedades predominantemente coletivistas os indivíduos são estimulados a agirem em conformidade com os interesses e crenças do grupo. Neste caso, os interesses coletivos se sobrepõem aos individuais (Hofstede, 2001).

Para Hofstede (2001), a dimensão masculino ou feminino diz respeito a quanto uma sociedade tende a valorizar predominantemente o papel masculino dos indivíduos, ou se, pelo contrário, valoriza mais o papel feminino. Nas sociedades em que se valoriza predominantemente o papel masculino, observase a preponderância de valores do tipo auto-realização, competitividade, realização material e financeira, busca por controle e poder. Por outro lado, em sociedades nas quais ocorre o predomínio de valores femininos, constata-se maior preocupação com a qualidade de vida, com a solidariedade e com a proteção dos mais fracos. Outra importante característica que diferencia as sociedades com predominância de cultura masculina daquelas com dominância feminina é a visão do trabalho.

A dimensão aversão à incerteza diz respeito a quanto uma sociedade aceita situações de incerteza e ambigüidade e está preparada para tolerá-las, ou seja, quanto está preparada para lidar com situações não previstas, ainda não experimentadas e, portanto, não regulamentadas. Altos índices de aversão à incerteza indicam que a sociedade tem baixa tolerância e não está preparada para situações de imprevisibilidade e ambigüidade. Nessas sociedades, a busca por redução da incerteza e da ambigüidade resulta no surgimento de extensas formas de regulamentação e controle, baseadas em leis, normas e afins. Elevados escores de aversão à incerteza estão igualmente associados à baixa propensão dos indivíduos para assumirem riscos nos negócios. Nos países em que predominam índices de baixa aversão à incerteza, a sociedade é normalmente mais receptiva a mudanças, bem como maior é a propensão dos indivíduos a assumirem papéis que exijam exposição ao risco. Quanto maior o grau de aversão à incerteza de um país, maior também será o grau de intervenção governamental esperado na sua economia (Hofstede, 2001). É comum associar elevada aversão à incerteza ao Catolicismo Romano. Em sua pesquisa, Hofstede chega até mesmo a afirmar que esta correlação é tão forte que, para os países com maioria católica, esta dimensão é geralmente a que apresenta o escore mais elevado.

As Dimensões Culturais para Brasil e Portugal

Em seu modelo de dimensões culturais, Hofstede encontrou comportamentos bastante semelhantes para Brasil e Portugal, corroborando, desta forma, a análise anterior de diversos autores, conforme já descrita, que apontavam a influência determinante de Portugal na formação da matriz cultural do Brasil. As conclusões de Hofstede (2001) indicam que tanto o Brasil como Portugal se caracterizam por apresentarem escores substancialmente elevados nas dimensões distância do poder e aversão à incerteza, destacando ainda serem estas duas dimensões as mais expressivas entre todas, notadamente a aversão à incerteza. Cabe destacar que tanto o Brasil como Portugal são países de forte predominância da religião católica. Mantendo a tendência, de maneira semelhante os dois países revelam possuir traços que caracterizam as suas culturas como predominantemente coletivistas e femininas.

As Dimensões Culturais e o Empreendedorismo

Em geral, as pesquisas indicam que o nível de empreendedorismo é favorecido por culturas onde predominem baixa distância do poder, baixa aversão à incerteza, elevado individualismo e elevada masculinidade (Hayton, George, & Zahra, 2002). Ainda segundo estes autores, elevada aversão à incerteza e elevada distância do poder inibem a inovação, enquanto alto individualismo e masculinidade a estimulam. As culturas que valorizam e promovem a necessidade de auto-realização, as conquistas materiais e a autonomia, típicas de sociedades culturalmente individualistas, são as que habitualmente apresentam as maiores taxas de formação de empresas. Estes valores culturais estão associados a altas taxas de abertura de empresas, porque apontam a valorização da ética do trabalho e a postura de assumir riscos (Hayton, George, & Zahra, 2002).

Para Hofstede (1994), a elevada distância do poder favorece a centralização e inibe o empreendedorismo, enquanto a baixa distância do poder está associada à descentralização, estimulando, assim, maior nível de empreendedorismo. Da mesma forma, a elevada aversão à incerteza favorece o surgimento de papéis e princípios restritivos e excesso de formalismo que afetam negativamente a iniciativa empreendedora. Em sentido oposto, sociedades que apresentam baixa aversão à incerteza possuem maior capacidade de perceber e captar oportunidades, o que também é de importância crucial para a elevação das taxas de empreendedorismo. A combinação de elevada distância do poder com uma alta taxa de aversão à incerteza é apontada como forte potenciador de instabilidade e, dessa forma, representa significativo inibidor da atividade empreendedora (Hofstede, 1995).

Características culturais do tipo masculino favorecem a competitividade e a luta pela sobrevivência e, portanto, estão positivamente associadas a maior nível de empreendedorismo do que em culturas predominantemente femininas.

Orientação Empreendedora

A noção de espírito empreendedor está relacionada a um conjunto de características encontradas no indivíduo, características habitualmente associadas a uma maior probabilidade de sucesso na ação empreendedora. O conceito conhecido por Orientação Empreendedora [OE] se refere a uma série de dimensões que apontam nesse sentido, ou seja, são dimensões características que estão presentes no desempenho empreendedor de sucesso. Embora o conceito da OE tenha surgido dentro do contexto do empreendedorismo organizacional, as suas dimensões podem também ser observadas no âmbito do comportamento empreendedor individual. A OE é constituída por cinco dimensões: autonomia, comportamento inovador, propensão para assumir riscos, comportamento proativo e competitividade agressiva. Essas dimensões assumem usualmente um papel chave e característico na distinção do processo empreendedor. Por autonomia entende-se um comportamento de ação independente do indivíduo. Com relação ao tema empreendedorismo, autonomia se caracteriza por um comportamento independente do empreendedor e pela prática de forte liderança por parte deste, refletindo, assim, um comportamento autocrático (Lumpkim & Dess, 1996). Na prática, pode ser entendida como ação independente de um empreendedor que objetiva levar para frente um conceito ou uma visão de negócio e completá-la.

Por comportamento inovador deve-se compreender a receptividade o engajamento e o suporte em relação a novas idéias que visem ao surgimento de novos produtos e serviços, bem como à criação de novas tecnologias de processos. Em outras palavras, trata-se da manifestação da vontade do empreendedor em introduzir novidades por meio da experimentação e de processos criativos com objetivo de desenvolver novos produtos, serviços ou processos. Representa igualmente um importante aspecto da OE, por se tratar de uma via para a captura de novas oportunidades de negócios para o empreendedor (Lumpkim & Dess, 1996).

A exposição ao risco é possivelmente a principal qualidade e característica para descrever o empreendedorismo. O risco assumido pode ser entendido como o nível até o qual o empreendedor compromete recursos; significa, adicionalmente, tomar decisões e ações sem o conhecimento seguro dos resultados. O comportamento proativo está associado à iniciativa do indivíduo na busca de oportunidades. Na prática é como olhar na frente e agarrar as oportunidades como forma de antecipar a procura futura. Para explorar as oportunidades existentes, a visão proativa representa, na maioria das vezes, a possibilidade de ganhos extraordinários para o empreendedor, dado o sentido de pioneirismo na ação. Em suma, esta característica pode ser entendida como a antecipação do indivíduo em relação às necessidades e problemas futuros (Lumpkim & Dess, 1996). O comportamento proativo é importante característica do empreendedor.

A quinta e última dimensão característica dos empreendedores é o comportamento que se traduz por competitividade agressiva e está relacionado à disputa com os rivais por posições e parcelas de mercado e é de crucial importância para o sucesso e sobrevivência do empreendedor no seu mercado de atuação. Traduz-se no esforço intenso para ser número um no mercado e caracteriza-se por uma postura permanentemente combativa ou uma resposta agressiva para ultrapassar ameaças da concorrência. Na maioria das vezes, a competitividade agressiva se reflete na opção por métodos não tradicionais de competição e disputa (Lumpkim & Dess, 1996).

As características de comportamento proativo e de competitividade agressiva, embora pareçam conceitos similares, são idéias distintas. Enquanto proatividade está relacionada à forma como se exploram oportunidades e se entra em novos mercados, a competitividade agressiva está ligada à idéia de como se relaciona com os demais rivais no mercado (Lumpkim & Dess, 1996).

METODOLOGIA

Esta pesquisa se apoiou principalmente na pesquisa de campo, feita por meio de uma abordagem quantitativa, que utilizou no levantamento das informações a aplicação de um questionário estruturado, auto-administrado, e constituído de perguntas fechadas. Visando ao aperfeiçoamento na confecção do instrumento final de pesquisa (questionário), foram previamente realizadas algumas entrevistas com administradores de incubadoras, bem como com empreendedores situados dentro da amostra relacionada no Brasil. Estas entrevistas tiveram um caráter exploratório, e objetivaram revelar aspectos não mencionados na revisão de literatura, mas que deveriam ser incorporados no questionário, devido à sua importância. A etapa seguinte e principal, a da pesquisa quantitativa de campo, se caracterizou pela aplicação do questionário aos empreendedores da amostra no Brasil e em Portugal. O questionário foi encaminhado ao respondente acompanhado de uma carta de apresentação, com as instituições envolvidas na pesquisa nos dois países, além de explicitar os objetivos desta.

Muitos estudos que comparam culturas usam dados coletados por meio de questionários aplicados a indivíduos pertencentes a essas culturas (Hofstede, 2001). A idéia básica deste estudo foi definir atributos individuais de características a serem mensurados no questionário, a partir do estudo comparativo das dimensões de Hofstede para o Brasil e Portugal, e das características individuais que normalmente estão associadas ao chamado espírito empreendedor, ou seja, o conceito de Orientação Empreendedora [OE]. É importante salientar que, embora esta pesquisa tenha utilizado em sua abordagem as dimensões culturais de Hofstede, a metodologia empregada não foi a mesma utilizada no estudo de Hofstede. Em outras palavras, o que esta pesquisa se limitou a fazer foi a utilização, como base, do conceito de dimensões culturais de Hofstede; mas em nenhum momento se valeu da mesma metodologia de Hofstede em seu estudo original. No caso específico do atributo referente à dimensão orientação no longo prazo, a opção inicial de não investigar foi abandonada, sendo feita então a opção pela sua inclusão no questionário, em função de ter sido esta dimensão, frequentemente citada pelos entrevistados, como importante característica dos empreendedores.

Seleção da Amostra

Segundo a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores [ANPROTEC] (2006), as incubadoras têm a função de ser instrumento de apoio e encorajamento no surgir de novos empreendimentos. É ambiente planejado de forma ideal para receber pequenas e médias empresas no início de suas formações, gerando para o empreendedor condições substancialmente favoráveis ao aproveitamento de suas potencialidades e ao desenvolvimento de seu espírito empreendedor na sua totalidade.

Para Dolabela (1999), uma incubadora cumpre o papel de ser uma "fábrica de empresas" e representa para o empreendedor um importante mecanismo de suporte na transformação de projetos pessoais em empreendimentos. As incubadoras são grandes estimuladoras de novos negócios e apoiadoras do desenvolvimento das empresas emergentes. De acordo com a Associação Nacional de Jovens Empresários [ANJE] (2006), as incubadoras representam um ambiente planejado de forma a fornecer infra-estrutura e o apoio necessário às pequenas e médias empresas no início de sua formação, gerando condições favoráveis para o sucesso do negócio e expansão do empreendedorismo.

O público alvo desta pesquisa que compõe a amostra foi constituído por empreendedores situados dentro de incubadoras em ambos os países, como já citado anteriormente. A seleção da amostra, via empreendedores dentro de incubadoras, buscou atender à condição de serem estudados unicamente empreendedores que tenham iniciado o negócio e que ainda estejam à frente da sua condução. A técnica de amostragem utilizada foi a amostra por conveniência ou julgamento, portanto não probabilística (Cooper & Schindler, 2003)

Elaboração do Questionário

Para a elaboração do instrumento de coleta de dados, a opção foi pela adaptação do questionário utilizado por Hofstede (2001) em seu estudo, já que este foi a principal base teórica desta pesquisa, complementado pela escala de Orientação Empreendedora [OE] e por outras questões adicionais relevantes para o tema. Embora a adaptação tenha a vantagem de partir de um questionário já amplamente validado, a escolha foi por testar a versão final do questionário. Os testes foram realizados por meio da disponibilidade do questionário aos entrevistados tanto em papel impresso como em meio eletrônico (e-mail) e por novas entrevistas, utilizadas agora como objeto de avaliação do instrumento por parte dos entrevistados. Durante a elaboração do questionário, optou-se pela escala de análise de itens e, nesse caso especificamente, pela forma denominada por escala do tipo Likert, porém ajustada a cinco níveis de concordância para escolha, sendo as opções 1 e 5 os extremos, representando respectivamente as respostas discordo totalmente e concordo totalmente. As escalas Likert são populares, de fácil construção e fornecem maior quantidade de dados, quando comparadas a outras escalas. São escalas que permitem mensurar quanto a pessoa concorda ou discorda com um item que está sendo avaliado (Cooper & Schindler, 2003). A versão do questionário de pesquisa foi constituída de 33 itens, baseados na Escala Likert, utilizados para mensuração direta dos atributos pesquisados; 2 itens de escala nominal, utilizados para escolha da alternativa preferida, em termos de característica individual do empreendedor mais valorizada; 1 item de escala ordinal, ordenamento da orientação preferencial dada na avaliação da relação risco-retorno nas decisões de investimento, complementados por dados de qualificação a serem fornecidos pelos próprios respondentes.

Coleta de Dados

A aplicação do questionário teve início primeiramente em Portugal e foi realizada no período compreendido entre os meses de junho e julho de 2006. As incubadoras de Portugal que participaram da pesquisa estão relacionadas a seguir: Pólo Tecnológico de Lisboa [Lispolis] / Parque de Ciência de Almada [Madam Park] (Setúbal) / Parque Tecnológico de Mutela [Mutela Tecpark] (Almada – Setúbal) / Parque de Ciência e Tecnologia de Covilhã [Parkurbis] / Parque de Ciência e Tecnologia do Porto [PCT] (agrega o Avepark e o Portuspark) / Parque de Ciência e Tecnologia [TagusPark] (Oeiras -Lisboa) / Parque de Ciência e Tecnologia do Vale do Tejo [Tagus Valley] (Abrantes) / Parque de Ciência e Tecnologia da Maia [Tecmaia] (Porto) / Parque de Ciência e Tecnologia da Madeira [Madeira Tecnopolo] (Funchal).

Foi recolhido um total de 71 questionários respondidos em Portugal, sendo 34 pela via impressa e os 37 restantes pela via eletrônica.

A aplicação do questionário no Brasil foi realizada no período de agosto a setembro de 2006, e as incubadoras do Brasil que participaram da pesquisa estão relacionadas a seguir: Bio-Rio -Incubadora e Pólo Tecnológico da Fundação Bio-Rio / Cefet RJ – IETI Incubadora de Empresas de Teleinformática e Empresas Associadas / Coppe UFRJ – Incubadora da Coppe UFRJ / Gênesis PUC Rio – Incubadoras Tecnológica, Cultural e Social Gênesis / Gênesis UFJF – Incubadora Tecnológica Juiz de Fora / Inmetro – Incubadora de Empresas do Inmetro / INT – Incubadora do Instituto Nacional de Tecnologia / Iniciativa Jovem – Programa de emprendedorismo e incubação de empresas, adaptado e implantado do LiveWire, programa patrocinado pela Shell em todo o mundo / Senac Rio – Incubadora de Empresas de Base Tecnológica do Senac / Serra Soft – Incubadora de Base Tecnológica Núcleo SerraSoft / UCP – Incubadora de Empresas da Universidade Católica de Petrópolis / UERJ – Incubadora de Empresas de Base Tecnológica ND2TEC / UERJ – Incubadora de Empresas Phoenix / UFF – IEBTUFF Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da UFF / UVA – Incubadora de Empresas da Universidade Veiga de Almeida.

No Brasil, foi recolhido um total de 85 questionários respondidos, sendo 44 pela via impressa e os 41 restantes pela via eletrônica.

Embora não tenha sido possível determinar com certeza o número de potenciais respondentes do questionário alcançados nesta pesquisa, ou seja, em termos de empresas incubadas que se atingiu em cada um dos países, é possível se chegar a um número provável. Na prática, todas as empresas incubadas, na qual o gestor da incubadora foi contatado pelo pesquisador para participar da pesquisa, tiveram acesso ao questionário, seja na forma impressa seja na forma eletrônica.

Desta forma, considerando o somatório do número de empresas que cada incubadora contatada e convidada a participar tinha incubado no momento da coleta de dados, é possível estimar o número total de empresas ao qual foi disponibilizado o questionário em ambos os países.

Assim, para o Brasil o número total de empresas em potencial que tiveram acesso ao questionário foi de aproximadamente 230 empresas, que confrontado com o número total de questionários respondidos e devolvidos de 85, correspondeu a uma taxa de retorno de 37%. Para Portugal o número de empresas em potencial para as quais foi disponibilizado o questionário chegou aproximadamente a 280, enquanto o número total de questionários respondidos e retornados foi de 71, o que representou uma taxa de retorno de 25%.

No Brasil a amostra se concentrou no Rio de Janeiro, devido a sua representatividade e ao critério da conveniência, enquanto em Portugal a amostra praticamente cobriu todas as incubadoras ativas do país, caracterizando-se desta forma, pela heterogeneidade em função da distribuição geográfica dos participantes.

Tratamento dos Dados

A aplicação do questionário, a tabulação dos dados e o seu tratamento permitiram a mensuração dos atributos pesquisados. Como dito, as perguntas que compuseram o questionário foram constituídas basicamente de três tipos de escalas, a saber, nominal, ordinal e intervalar. Para as escalas do tipo nominal, o tratamento estatístico restringiu-se ao cálculo de porcentagens e da moda como medida de posição. Quanto aos itens cuja mensuração tiveram como base escalas ordinais, procedeu-se ao cálculo de porcentagens e, como medida de tendência central mais adequada, o cálculo da mediana. Por último, o tratamento estatístico dado aos itens mensurados por meio de escalas intervalares, foi o cálculo das médias e do desvio padrão. Para os itens mensurados por meio de escalas intervalares, é possível dar o mesmo tratamento atribuído às escalas nominais e ordinais, acrescentando o cálculo da média como medida de tendência central e do desvio padrão como medida de dispersão (Cooper & Schindler, 2003).

Como a quase totalidade dos atributos foram mensurados por mais de um item no questionário, utilizando a Escala Likert, foi possível fazer o cálculo do somatório dos itens relacionados a cada atributo, chegando-se, dessa forma, a um escore total por atributo, que pôde então igualmente receber o mesmo tipo de tratamento estatístico destinado às escalas intervalares. "As escalas de medida utilizadas exercem forte influência sobre a escolha de técnicas estatísticas" (Malhotra, 2001, p. 387).

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Das Amostras

Com o objetivo de melhor definir o perfil de nossa amostra, foi feita uma análise das variáveis demográficas faixa etária, gênero, e formação acadêmica. Os dados revelaram que a média de idade dos empreendedores pesquisados no Brasil e em Portugal foi de respectivamente 32 e 37 anos de idade, mostrando que o empreendedorismo nas incubadoras de Portugal é uma iniciativa dominada por pessoas de uma faixa etária mais elevada do que no Brasil, na média 5 anos a mais. Confirmando esta tendência, constata-se que o intervalo de idade que corresponde à faixa que vai de 18 a 23 anos de idade, por exemplo, inclui 13% dos empreendedores pesquisados no Brasil, enquanto para a mesma faixa, Portugal não apresenta nenhuma ocorrência. Em relação ao nível de escolaridade, o maior percentual de empreendedores, tanto no Brasil como em Portugal, informaram ter como Grau de Escolaridade a Graduação, respectivamente 59% em Portugal e 46% no Brasil. No Brasil, 41% dos empreendedores pesquisados informaram ter pelo menos Pós-Graduação, Mestrado ou Doutorado, enquanto em Portugal, a mesma informação foi dada por 33% dos empreendedores.

Das Dimensões Culturais

Os construtos medidos nesta pesquisa foram as dimensões culturais, feminilidade, coletivismo, aversão à incerteza, distância do poder e orientação no longo prazo. A análise conjunta dos constructos entre si apresentou comportamento semelhante para os empreendedores dos dois países. As dimensões coletivismo, feminilidade e orientação no longo prazo foram as que apresentaram maiores escores, enquanto as dimensões distância do poder e aversão à incerteza foram as que apresentaram a menor pontuação.

Na análise comparativa, confrontando os resultados obtidos para cada dimensão separadamente em cada país, tem-se que as dimensões culturais em que os empreendedores brasileiros apresentaram maior pontuação em relação aos portugueses foram: feminilidade, aversão à incerteza e distância do poder. Já para os empreendedores portugueses, os resultados indicaram maior pontuação em relação aos brasileiros para as dimensões coletivismo e orientação no longo prazo.

Da Orientação Empreendedora [OE]

O conceito de Orientação Empreendedora [OE] é um construto composto pelos atributos autonomia, inovação, proatividade, competitividade agressiva e propensão a assumir riscos. As médias apuradas para o total do construto OE revelaram ser esta mais elevada no Brasil onde a média foi de 3,90 enquanto, para Portugal foi de 3,75. Os empreendedores do Brasil apresentaram maior pontuação em competitividade agressiva e propensão para assumir riscos, enquanto os empreendedores portugueses pontuaram mais no atributo autonomia, O atributo proatividade não apresentou diferença significativa entre os países. Quanto ao grau de valorização da inovação, os resultados revelaram que os empreendedores de ambos os países atribuem expressiva importância à inovação, com a pontuação deste atributo chegando próxima do escore máximo de 5, tanto no Brasil como em Portugal.

Principal Dificuldade e Relação Risco Retorno

O empreendedorismo é, na maioria das vezes, uma iniciativa permeada por inúmeras dificuldades enfrentadas pelos empreendedores. Em um dos itens do questionário investigou-se justamente isso, ou seja, qual era, na visão dos empreendedores dos dois países, aquela que representava a principal dificuldade para eles. Enquanto para os empreendedores brasileiros a principal dificuldade apontada foi a baixa disponibilidade de recursos financeiros para investimentos, para os empreendedores portugueses o excesso de formalização e burocracia que emperram os negócios representou o maior obstáculo. Cabe ainda destacar que as alternativas 'excesso de formalização e burocracia' juntamente com a 'baixa disponibilidade de recursos financeiros' representaram juntas 82 % das escolhas dos empreendedores no Brasil e 71 % das escolhas em Portugal.

Com relação à propensão para assumir riscos dos empreendedores, mediu-se de forma direta a relação risco retorno, buscando graduá-la por meio de diversas alternativas de resposta em um item do questionário, aquela que melhor representava a posição deles. Os dados indicaram que tanto os empreendedores do Brasil como os de Portugal optam, nas decisões de investimento, por uma orientação intermediária nessa relação, porém com ligeira vantagem para os brasileiros, que revelaram maior propensão a assumir riscos. Na realidade, a distribuição das respostas indicaram maior freqüência para opção retorno e risco médio-alto no Brasil, enquanto para Portugal a maior freqüência se verificou na alternativa retorno e risco médio moderado.

CONCLUSÕES

Conforme destaca Hofstede (2001), as culturas de Brasil e Portugal apresentam elevada distância do poder, acentuada aversão à incerteza e ainda predominância das características de coletivismo e feminilidade. Ainda segundo este autor, as dimensões distância do poder e aversão à incerteza, principalmente esta segunda, são as que apresentam os maiores escores entre todas as dimensões culturais nos dois países. Entretanto o perfil cultural dos empreendedores das incubadoras no Brasil e em Portugal não é semelhante ao perfil cultural descrito para os dois países nos seus aspectos gerais. Esta pesquisa revelou que, para os empreendedores do Brasil e de Portugal, as dimensões aversão à incerteza e distância do poder apresentaram resultado contrário ao padrão descrito para a cultura geral dos dois países, tendo sido justamente as duas dimensões que apresentaram os menores escores de pontuação média quando comparada às demais. Quanto à predominância das características de coletivismo e feminilidade existentes na cultura dos dois países, estas se revelaram igualmente presentes também nos empreendedores pesquisados em ambos os países. Até onde se pode concluir, existe a predominância de uma cultura empreendedora, com características particulares, e estas se diferenciam das características da cultura geral dos dois países. Assim, percebe-se que o coletivismo e a feminilidade característicos das culturas gerais de Brasil e Portugal passaram também para a formação cultural dos empreendedores brasileiros e portugueses, porém o mesmo não aconteceu com as características aversão à incerteza e a distância do poder, possivelmente porque é difícil acreditar em empreendedorismo em um ambiente de forte aversão à incerteza por parte do empreendedor, visto que empreender é, sobretudo, "apostar" na incerteza. Da mesma forma, a elevada distância do poder que se caracteriza, entre outras coisas, por atribuir elevada importância à hierarquia, não é coerente com o comportamento dos empreendedores, que habitualmente se caracterizam por estabelecer relações menos estratificadas no ambiente de seus empreendimentos.

Outra observação relevante é o fato de esta pesquisa ter constatado, por intermédio de um item específico do questionário, que os empreendedores portugueses percebem mais fortemente as mudanças no ambiente como fontes de oportunidades. Considerando que se constatou maior aversão à incerteza entre os empreendedores brasileiros do que nos portugueses, é possível que, enquanto as mudanças no ambiente representam para os empreendedores de Portugal fontes de oportunidades, para os do Brasil estas mudanças podem estar mais associadas à percepção de serem fonte geradora de incertezas.

As análises demonstraram, como se disse, ser a aversão à incerteza mais elevada entre os empreendedores do Brasil do que nos de Portugal. Entretanto, surpreendentemente, a propensão para assumir riscos também se evidenciou maior entre os empreendedores brasileiros em todos os itens pesquisados relacionados ao tema. A aversão à incerteza e a propensão para assumir riscos podem ser vistos como conceitos complementares. Incerteza é uma idéia associada a risco por conta de resultado ou situação desconhecida no futuro e, desta forma, acarreta um sentimento de rejeição. Já a propensão para assumir riscos está relacionada a aceitabilidade do quanto dessa incerteza a pessoa está disposta a aceitar em troca de um retorno. É na prática uma contrapartida, um premio. Assim, embora os empreendedores brasileiros revelem maior rejeição à incertezas futuras, concomitantemente demonstram ter maior disposição a assumir riscos, desde que remunerados, como forma de compensação por essa exposição ao risco. Isto ocorre porque possivelmente no Brasil o empreendedorismo se caracterize por ser mais próximo do empreendedorismo de necessidade. Segundo, Lumpkim e Dess (1996), a propensão para o risco pode ser entendida como o montante até ao qual um empreendedor está disposto a comprometer recursos; portanto, como na maioria das vezes os empreendedores por necessidade têm poucos recursos ou alternativas profissionais a comprometer, segue-se a sua maior propensão para assumir risco. É possível que grande parte dos empreendedores de empresas em incubadoras no Brasil empreendam não necessariamente por falta de recursos propriamente dito, mas por falta de alternativas atrativas de empregabilidade, e isto está patente na faixa etária mais baixa no Brasil. Já em Portugal, para a maior parte dos empreendedores inquiridos o empreendimento em incubadora é uma segunda ocupação e fonte de receitas. A indicação, obtida em outra pergunta direta do questionário feita aos empreendedores, apontou que no Brasil a adequação do nível de risco-retorno preferida é média-alta, enquanto em Portugal é de risco-retorno médio moderado, reforçando assim a constatação de maior propensão para o risco no Brasil.

A contínua busca de novas oportunidades de investimentos foi bastante valorizada pelos empreendedores de ambos os países. Entretanto, enquanto os empreendedores portugueses demonstraram perceber mais fortemente as mudanças no ambiente como fonte de oportunidades, os empreendedores brasileiros demonstraram valorizar, de maneira mais significativa, a inovação no seu próprio ambiente de trabalho como forma de captar novas oportunidades. A análise conjunta dessas observações leva a uma possível interpretação: os empreendedores de ambos os países, embora com níveis de proatividade parecidos, diferem quanto à forma como são proativos na busca de novas oportunidades. Enquanto os brasileiros parecem buscar novas oportunidades dentro de seus próprios negócios, caracterizando-se por uma busca interna, os portugueses demonstram maior atração pela busca dessas oportunidades no ambiente, caracterizando-se, em sentido contrário, por uma busca externa.

Outro importante aspecto que despertou atenção foi a constatação de que os empreendedores brasileiros apresentaram um comportamento de competitividade agressiva mais elevado do que os portugueses. É possível que a baixa disponibilidade de recursos financeiros apontada pelos empreendedores do Brasil como principal dificuldade para empreender, acarrete uma percepção e comportamento de maior competitividade entre eles. Em outras palavras, a baixa disponibilidade de recursos financeiros no Brasil para o empreendedor pode ajudar a explicar por meio da idéia de que recursos escassos acarretam maior concorrência e, conseqüentemente, exigem desses empreendedores um comportamento competitivo mais agressivo.

SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

Certamente, uma das principais contribuições deste estudo será a de estimular a curiosidade sobre o assunto, bem como motivar o surgimento de novos estudos complementares, já que o tema, além de amplo, é relativamente novo e desconhecido; portanto é ainda pouco explorado nos dois países. A seguir, são descritas algumas sugestões para estudos futuros.

Uma importante possibilidade de estudos reside na realização de pesquisas, também do tipo transcultural, todavia agora direcionadas à comparação entre empreendedores de países com características culturais diferentes. Este tipo de pesquisa permitiria ajudar a mensurar até que ponto e como o fator cultural influencia o empreendedorismo. Este estudo concluiu também que a aversão à incerteza e a distância do poder são mais elevadas entre os empreendedores do Brasil do que nos de Portugal. Assim, investigar mais profundamente esta diferença, buscando entender as causas. Esta pesquisa se caracterizou por um volumoso trabalho de campo centrado na aplicação de questionários em empreendedores do Brasil e de Portugal. Dada a importância e a complexidade do tema, novos estudos com a realização de entrevistas abertas com empreendedores de ambos os países é outra importante sugestão.

Artigo recebido em 05.03.2007.

Aprovado em 22.04.2008.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      22 Abr 2008
    • Recebido
      05 Mar 2007
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