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A (In)Tolerância na Aplicação de Penalidades na Administração Pública Brasileira

RESUMO

Objetivo:

a opção de celebrar um contrato para bens e serviços tem sido utilizada pelo setor público desde tempos remotos, e, para melhorar a produtividade desses contratos, atores envolvidos têm recorrido a diferentes formas de incentivos. No Brasil, a única forma de incentivo admitida formalmente é a sanção, mas evidências empíricas sugerem que alguns tipos de descumprimento de contratos vêm sendo superados por meio de negociação. Pretende-se identificar quais fatores influenciam a (in)tolerância da administração quanto aos desvios de conduta na execução de contratos/compras governamentais.

Métodos:

foram realizados estudos de casos múltiplos, aplicou-se a reflexividade dos autores (conhecimento de causa) e a lógica abdutiva para a análise de entrevistas com gestores da área, análise de publicações nos diários oficiais, informações da internet e documentos internos, em 14 instituições governamentais.

Resultados:

apresenta-se uma lista de fatores que são (in)toleráveis pela administração na gestão dos contratos/compras e suas razões subjacentes. Como contribuição teórica, este estudo amplia a literatura de administração pública existente ao incluir, de forma inovadora, a teoria da tolerância e o misconduct e relacioná-los à gestão de contratos administrativos.

Conclusões:

tendo como preocupação precípua melhorar a produtividade dos contratos administrativos, este estudo esclarece que tolerar pode ser legítimo e oferece medidas que podem ser tomadas para inibir a ocorrência de desvios de conduta nas aquisições e contratações governamentais, a partir das recomendações dos servidores envolvidos na gestão de contratos administrativos. Ainda, uma agenda de pesquisa faz propostas de análises de novos fatores e explicações eventualmente não capturadas neste estudo.

Palavras-chave:
administração pública; sanções administrativas; má conduta; tolerância organizacional

ABSTRACT

Objective:

the option to enter into a contract for goods and services has been used by the public sector since ancient times, and to improve the productivity of these contracts, the actors involved have resorted to different forms of incentives. In Brazil, the only form of incentive formally admitted is a sanction, but empirical evidence suggests that some types of breaches of contracts have been overcome through negotiation. We intended to identify which factors influence management’s (in)tolerance regarding misconduct in the execution of government contracts/purchases.

Methods:

this was based on multiple case studies, the authors’ reflexivity, and abductive logic for the analysis of interviews with experts in the area, analysis of publications in official journals, internet information, and internal documents in 14 government institutions.

Results:

we present a list of factors that are (in)tolerable by the administration in managing contracts/purchases and their underlying reasons. As a theoretical contribution, this study expands the existing public administration literature by including, innovatively, tolerance theory and misconduct and relating them to administrative contract management.

Conclusions:

having as foremost concern to improve the productivity of administrative contracts, this study clarifies that tolerating can be legitimate and offers measures that can be taken to inhibit the occurrence of misconduct in government procurement and contracting, based on the recommendations of the servants involved in the management of administrative contracts. Still, a research agenda makes proposals for analysis of new factors and explanations eventually not captured in this study.

Keywords:
public administration; administrative sanctions; misconduct; organizational tolerance

INTRODUÇÃO

À primeira vista, um aspecto chama atenção em relação à aplicação de penalidades administrativas no Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS, n. d.): a inidoneidade, a sanção mais grave aplicável às empresas que descumprem contratos com a administração, é aplicada às inadimplentes com valores de multas significativamente diferentes. O presente estudo ajuda a compreender por que a escala de gravidade das sanções sozinha é incapaz de explicar essa divergência.

Por outro lado, um fato menos aparente (mas que pode ser igualmente numeroso) são os descumprimentos contratuais superados quando as partes se reúnem ‘em torno da mesa’ (Almqvist, 2001Almqvist, R. (2001). ‘Management by contract’: A study of programmatic and technological aspects. Public Administration, 79(3), 689-706. https://doi.org/10.1111/1467-9299.00275
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) para a estruturação do acordo mais vantajoso aos envolvidos, principalmente no ‘tocante a preços e prazos’ (Bonelli & Cabral, 2018Bonelli, F., & Cabral, S. (2018). Efeitos das competências no desempenho de contratos de serviços no setor público. Revista de Administração Contemporânea, 22(4), 487-509. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2018170152
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).

No contexto deste estudo, quando o descumprimento contratual gera resultado inesperado e subótimo, será equiparado à não conformidade de rotina/misconduct. Essa ação será chamada ao longo deste estudo por sinônimos, tais como ‘má ação’, ‘desvio de conduta’ e ‘má conduta’. Para Vaughan (1999Vaughan, D. (1999). The dark side of organizations: Mistake, misconduct, and disaster. Annual Review of Sociology, 25, 271-305. https://www.jstor.org/stable/223506
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), misconduct são “atos de comissão ou omissão cometidos por indivíduos ou grupos de indivíduos agindo em suas funções organizacionais que violam regras internas, leis ou regulamentos administrativos em nome de objetivos organizacionais” (p. 288).

A violação do que é ‘correto’ é decretada pelo agente de controle social (Greve et al., 2010Greve, H. R., Palmer, D., & Pozner, J.-E. (2010). Organizations gone wild: The causes, processes, and consequences of organizational misconduct. Academy of Management Annals, 4(1), 53-107. https://doi.org/10.5465/19416521003654186
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), que no contexto deste estudo serão gestores públicos. Embora estes disponham de autoridade para penalizar a má conduta, os resultados apresentados por Girth (2014Girth, A. M. (2014). A closer look at contract accountability: Exploring the determinants of sanctions for unsatisfactory contract performance. Journal of Public Administration Research and Theory, 24(2), 317-348. https://www.jstor.org/stable/24484845
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) e Costa (2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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) indicam que a natureza onerosa do processo sancionatório, o uso da discricionariedade e o grau de dependência do contratado influenciam o uso de formas flexíveis para resolver as falhas nos contratos.

Costa (2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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) atribui essas ações informais na gestão de contratos a uma relação de confiança. Opondo-se a ele em alguns aspectos, este estudo considera que alguns tipos de mecanismos informais são baseados nas relações de tolerância.

A tolerância possui vários significados que podem ser utilizados de diferentes maneiras e para diferentes fins (Verkuyten & Kollar, 2021Verkuyten, M., & Kollar, R. (2021). Tolerance and intolerance: Cultural meanings and discursive usage. Culture & Psychology, 27(1), 172-186. https://doi.org/10.1177/1354067X20984356
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). De acordo com Doorn (2014Doorn, M. V. (2014). The nature of tolerance and the social circumstances in which it emerges. Current Sociology Review, 62(6), 905-927. https://doi.org/10.1177/0011392114537281
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), a definição mais comum entende a tolerância como aceitar as coisas de que não gostamos e desaprovamos. Ainda de acordo com a pesquisadora, os processos sociais que levam à (in)tolerância demandam mais estudos.

No âmbito das relações contratuais, muitas abordagens teóricas vêm sendo utilizadas para explicar as ações dos atores envolvidos - por exemplo, a teoria de custos de transação e a teoria da agência. De acordo com Costa (2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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), a teoria da agência é o modelo teórico mais utilizado para entender a relação vendedor-comprador (agente e principal). No entanto, as teorias de misconduct e tolerância podem trazer explicações adicionais sobre os microaspectos práticos da relação. Por exemplo, o gestor público pode relaxar o controle em prol do alcance de objetivos e metas regulatórias, ou negligenciar a imposição de penalidade por má conduta (Alsafadi & Altahat, 2022Alsafadi, Y., & Altahat, S. (2022). How ethical leadership and incivility tolerance affect intention to sabotage at Jordanian universities? Organizational Psychology, 12(3), 9-26. https://doi.org/10.17323/2312-5942-2022-12-3-9-26
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).

Além disso, o gestor pode insinuar o uso de regras, políticas e procedimentos apenas por formalidade ou sinais de cumprimento, que na verdade encobrem as verdadeiras ações (MacLean, 2008MacLean, T. L. (2008). Framing and organizational misconduct: A symbolic interactionist study. Journal of Business Ethics, 78(1-2), 3-16. http://www.jstor.org/stable/25075585
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). Em outras situações, o gestor pode não conseguir prever todas as circunstâncias do ambiente (Andreoli & Lefkowitz, 2009Andreoli, N., & Lefkowitz, J. (2009). Individual and organizational antecedents of misconduct in organizations. Journal of Business Ethics, 85(3), 309-332. http://www.jstor.org/stable/40295117
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), dada a natureza incompleta e potenciais contingências do contrato (Lima et al., 2020Lima, G. C. L. S., Carvalho, G. S. D., & Figueiredo, M. Z. (2020). A incompletude dos contratos de ônibus nos tempos da COVID-19. Revista de Administração Pública, 54(4), 994-1009. https://doi.org/10.1590/0034-761220200292
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).

Para melhorar a produtividade de contratos administrativos, outros estudos têm se dedicado a investigar o processo de contratação e fiscalização das compras públicas, procurando analisar a relação dos incentivos com ganhos de produtividade (Lewis & Bajari, 2011Lewis, G., & Bajari, P. (2011). Procurement contracting with time incentives: Theory and evidence. Quarterly Journal of Economics, 126(3), 1173-1211. https://doi.org/10.1093/qje/qjr026
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), os fatores que se relacionam à aplicação das sanções (Girth, 2014Girth, A. M. (2014). A closer look at contract accountability: Exploring the determinants of sanctions for unsatisfactory contract performance. Journal of Public Administration Research and Theory, 24(2), 317-348. https://www.jstor.org/stable/24484845
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; Miller & Whitford, 2006Miller, G. J., & Whitford, A. B. (2006). The principal’s moral hazard: Constraints on the use of incentives in hierarchy. Journal of Public Administration Research and Theory, 17(2), 213-233. https://doi.org/10.1093/jopart/mul004
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), a accountability dos contratos (Girth, 2014), a influência das competências públicas e privadas nos custos e qualidade dos contratos (Bonelli & Cabral, 2018Bonelli, F., & Cabral, S. (2018). Efeitos das competências no desempenho de contratos de serviços no setor público. Revista de Administração Contemporânea, 22(4), 487-509. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2018170152
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) e o efeito educativo das sanções (Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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). No entanto, verificou-se um cruzamento das descobertas desses estudos com as estruturas e processos subjacentes que levam as organizações a tolerar ou tomar medidas mais duras quando ocorre o misconduct, principalmente no contexto da administração pública no Brasil.

Por isso, este artigo tem como objetivo identificar quais fatores influenciam a (in)tolerância da administração quanto à má conduta na execução dos contratos/compras governamentais. Essa questão parece fundamental para desvelar as causas e contextos em que ocorrem esses desvios de conduta e ampliar conceitos e teorias relacionadas à má conduta e à tolerância no âmbito dos estudos organizacionais.

Buscou-se também, por meio deste estudo, ampliar a literatura de administração pública existente ao incluir, de forma inovadora, a teoria da tolerância e o misconduct e relacioná-los à gestão de contratos administrativos.

Por fim, um servidor, ao assumir uma nova função, entra em contato com outros servidores que já atuaram na área e/ou outros órgãos em busca de uma maior compreensão das práticas administrativas. Nessa perspectiva, este estudo busca oferecer contribuições para os interessados na gestão de contratos administrativos que enfrentam problemas (Bispo, 2023Bispo, M. S. (2023). Contribuições teóricas, práticas, metodológicas e didáticas em artigos científicos. Revista de Administração Contemporânea, 27(1), e220256. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2023220256.por
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; Motta, 2022Motta, G. S. (2022). O que é um artigo tecnológico? Revista de Administração Contemporânea, 26(Sup. 1), e220208. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022220208.por
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).

Ao final da leitura deste artigo será possível reconhecer algumas situações em que um órgão pode declarar uma empresa inidônea e outras em que as organizações que descumprem os contratos podem ser toleradas.

CONTEXTO E A REALIDADE INVESTIGADA

Compras e contratações governamentais

Salvas as exceções previstas em lei, toda e qualquer aquisição de bens e contratação de serviços firmada pela administração deve ser realizada por meio de licitação (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988; Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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). A licitação foi regulamentada pela Lei n.º 8.666 (1993), que instituiu normas gerais para licitações e contratos da administração pública. Embora tenha sido sancionada a ‘nova lei’ de licitações e contratos administrativos (Lei n.º 14.133, 2021), com exceção dos artigos 89 a 108 que se encontram revogados desde 01/04/2021, a Lei n.º 8.666 (1993) também continua vigente, pois a nova lei só entraria em vigência após dois anos da sua publicação. Contudo, tal prazo foi prorrogado pela Medida Provisória n.º 1.167 (2023), podendo a administração optar por utilizar qualquer uma das leis até 30 de dezembro de 2023.

De acordo com a Lei n.º 8.666 (1993), licitação é o procedimento administrativo pelo qual os órgãos da administração pública, considerando os princípios constitucionais, reúnem, analisam e comparam as propostas de fornecimento de bens, obras ou serviços, escolhendo sempre a mais favorável ao erário público, dentro dos padrões previamente estabelecidos (Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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). Segundo Almqvist (2001Almqvist, R. (2001). ‘Management by contract’: A study of programmatic and technological aspects. Public Administration, 79(3), 689-706. https://doi.org/10.1111/1467-9299.00275
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), essa estrutura adotada no Brasil é o método convencional e denomina-se licitação competitiva.

Esses procedimentos são responsabilidades do setor de licitações que realiza a mediação entre os fornecedores e os setores que precisam das compras, sempre em busca da proposta mais vantajosa, da economicidade e da eficiência (Silva, 2008Silva, M. A. (2008). O conceito de eficiência aplicado às licitações públicas: Uma análise teórica à luz da economicidade. Revista do TCU, (113), 71-84. https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/367
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). Para tanto, realiza as especificações técnicas e condições operacionais para as demandas de materiais e serviços interagindo com os setores demandantes. Na prática, a gestão das aquisições e contratações envolve o setor demandante, o setor de licitações e os setores de almoxarifado ou gerenciamento de contratos.

A licitação e a contratação devem ser pautadas pelos princípios gerais da administração explícitos na Constituição: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Bandeira de Melo, 2008Bandeira de Melo, L. F., Filho. (2008). A licitação na constituição de 1988. Estudos Legislativos, 2, 1-16. https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-ii-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-o-exercicio-da-politica/a-licitacao-na-constituicao-de-1988
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), bem como por outros princípios decorrentes do regime político que foram enumerados na Lei n.º 9.784 (1999) (Meirelles, 2000Meirelles, H. L. (2000). Direito administrativo brasileiro (25th ed.). Malheiros Editores.). Além dos princípios constitucionais, o procedimento licitatório deve observar, ainda, os princípios do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, bem como as disposições do Decreto-lei n.º 4.657 (1942)(Lei n.º 14.133, 2021).

Segundo Fiuza (2009Fiuza, E. P. S. (2009). Licitações e governança de contratos: A visão dos economistas. In L. H. Salgado, E. P. S. Fiuza (Org.). Marcos regulatórios no Brasil: É tempo de rever regras? (vol. 1, pp. 239-274). Ipea. https://acervo.enap.gov.br/cgi-bin/koha/opac-detail.pl?biblionumber=31450&shelfbrowse_itemnumber=19221
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), a observância dos princípios licitatórios é fundamental para que a administração cumpra uma das principais funções públicas, que é converter os tributos públicos em bens e serviços para a população. No decorrer de um contrato administrativo, os envolvidos ficam comprometidos com esses princípios, porém, pode haver necessidade de adaptações devido a ‘contingências imprevistas no contrato’ (Lima et al., 2020Lima, G. C. L. S., Carvalho, G. S. D., & Figueiredo, M. Z. (2020). A incompletude dos contratos de ônibus nos tempos da COVID-19. Revista de Administração Pública, 54(4), 994-1009. https://doi.org/10.1590/0034-761220200292
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) e à ‘incompletude natural dos contratos’ (Hart & Moore, 2006Hart, O., & Moore, J. (2006). Contracts as reference points [Working Paper n° 12706]. National Bureau of Economic Research, 1-66. https://www.nber.org/papers/w12706
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). Tais adaptações fazem com que ocorra o desvio de uma conduta preestabelecida e, portanto, pode ser considerado misconduct. Esse termo e sua relação com este estudo serão explicados no próximo tópico.

MISCONDUCT NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O misconduct, no contexto organizacional, é um conceito bastante amplo e sem um consenso, pois aqueles que estudam a má conduta em e de organizações não ofereceram até agora definições precisas, ou mesmo necessariamente consistentes (Greve et al., 2010Greve, H. R., Palmer, D., & Pozner, J.-E. (2010). Organizations gone wild: The causes, processes, and consequences of organizational misconduct. Academy of Management Annals, 4(1), 53-107. https://doi.org/10.5465/19416521003654186
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).

Para Vaughan (1999Vaughan, D. (1999). The dark side of organizations: Mistake, misconduct, and disaster. Annual Review of Sociology, 25, 271-305. https://www.jstor.org/stable/223506
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), a má conduta organizacional é definida como “atos de omissão ou comissão cometidos por indivíduos ou grupos de indivíduos agindo em suas funções organizacionais que violam regras internas, leis ou regulamentos administrativos em nome de objetivos organizacionais” (p. 288). A pesquisadora acredita que o desvio organizacional, em sua forma genérica, pode ser entendido como uma não conformidade de rotina: um produto previsível e recorrente de todos os sistemas socialmente organizados.

Tendo consciência disso, é válido refletir que no Brasil, apesar de as compras públicas serem precedidas de licitações, as quais têm o objetivo de dar publicidade e possibilidade de participação cada vez mais amplas, com pleno controle e transparência, e que, ao mesmo tempo, sejam eficientes (Bandeira de Melo, 2008Bandeira de Melo, L. F., Filho. (2008). A licitação na constituição de 1988. Estudos Legislativos, 2, 1-16. https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-ii-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-o-exercicio-da-politica/a-licitacao-na-constituicao-de-1988
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), ainda assim, é esperado que os processos não transcorram como planejados, pois, corroborando Vaughan (1999Vaughan, D. (1999). The dark side of organizations: Mistake, misconduct, and disaster. Annual Review of Sociology, 25, 271-305. https://www.jstor.org/stable/223506
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), “as mesmas características de um sistema que produz o lado positivo provocarão regularmente o lado escuro de tempos em tempos” (p. 274, tradução nossa).

No contexto de compras públicas, uma situação de má conduta organizacional ocorre quando um fornecedor causa prejuízo à administração em prol de objetivos particulares como, por exemplo, nos casos de atraso na entrega, qualidade insatisfatória do bem ou serviço, descumprimento das especificações da nota de empenho (Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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), dentre outros. Esse comportamento por parte do fornecedor pode ocorrer devido a causas alheias ao seu próprio controle, já que a incompletude do contrato leva a ajustes nas atividades/fornecimento e custos que não estavam previstos no início (Hart & Moore, 2006Hart, O., & Moore, J. (2006). Contracts as reference points [Working Paper n° 12706]. National Bureau of Economic Research, 1-66. https://www.nber.org/papers/w12706
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). Por outro lado, a busca de objetivos e metas regulatórias dentro de qualquer organização pode encorajar a má conduta, principalmente quando os incentivos para o alcance desses objetivos são atraentes e o controle é negligente para imposição de penalidades por má conduta (Alsafadi & Altahat, 2022Alsafadi, Y., & Altahat, S. (2022). How ethical leadership and incivility tolerance affect intention to sabotage at Jordanian universities? Organizational Psychology, 12(3), 9-26. https://doi.org/10.17323/2312-5942-2022-12-3-9-26
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). Semelhantemente, o fornecedor pode agir com oportunismo, buscando os seus próprios interesses e aproveitando-se de lacunas ou omissões contratuais em detrimento dos parceiros (Williamson, 1985Williamson, O. E. (1985). The economic institutions of capitalism: Firms, markets, relational contracting. Free Press.), então surge o problema de agência (Eisenhardt, 1989Eisenhardt, K. M. (1989). Agency theory: An assessment and review. Academy of Management Review, 14(1), 57-74. https://doi.org/10.2307/258191
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).

Em alguns casos, a má conduta por parte do fornecedor também pode ter origem, por exemplo, nas falhas de fiscalização por parte da administração, que faz surgir oportunidades para o fornecedor fazer cálculos do custo-benefício de desviar (Marinho et al., 2018Marinho, R. C. P., Andrade, E. P., Marinho, C. R. P., & Motta, E. F. R. O. (2018). Fiscalização de contratos de serviços terceirizados: Desafios para a universidade pública. Gestão & Produção, 25(3), 444-457. https://doi.org/10.1590/0104-530X1595-18
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). Além disso, o fornecedor pode valer-se da assimetria de informação para praticar a má conduta, visto que a informação de que dispõe não está igualmente disponível para quem deve controlá-lo (Schatterly et al., 2018Schatterly, K., Gangloff, K. A., & Tuschke, A. (2018). CEO Wrongdoing: A review of pressure, opportunity, and rationalization. Journal of Management, 44(6), 2405-2432. https://doi.org/10.1177/0149206318771177
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), o chamado agente de controle social.

Para Greve et al. (2010Greve, H. R., Palmer, D., & Pozner, J.-E. (2010). Organizations gone wild: The causes, processes, and consequences of organizational misconduct. Academy of Management Annals, 4(1), 53-107. https://doi.org/10.5465/19416521003654186
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), o agente de controle social é o ator responsável por julgar quando os resultados das ações dos parceiros são prejudiciais e por isso classificáveis como misconduct. Embora a literatura tenha identificado agentes de controles sociais genéricos (governos, associações profissionais), esse ator pode ser definido contextualmente.

Na relação da administração pública (principal) com seus fornecedores de materiais e serviços (agentes), pode-se considerar que os gestores das compras e contratações atuam como agentes de controle social, pois em nome do órgão que representam, eles têm o poder de polícia, para restringir direitos individuais privados a fim de adequá-los ao interesse da coletividade (Tribunal de Contas da União [TCU], 2011). Ressalta-se que, anteriormente à aplicação das sanções, o devido processo administrativo deve ser instaurado, respeitando-se o princípio do contraditório e ampla defesa (Lei n.º 8.666, 1993).

Dessa forma, para fins deste estudo, a má conduta dos fornecedores da administração pública ocorre quando há violação das regras internas, das leis ou regulamentos administrativos. Essas ações são recorrentes em função de uma infinidade de estruturas, processos e mecanismos que são partes integrantes do funcionamento eficiente e eficaz das organizações (Vaughan, 1999Vaughan, D. (1999). The dark side of organizations: Mistake, misconduct, and disaster. Annual Review of Sociology, 25, 271-305. https://www.jstor.org/stable/223506
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), cujos agentes de controle social (os órgãos governamentais nacionais e locais) consideram errado (Greve et al., 2010Greve, H. R., Palmer, D., & Pozner, J.-E. (2010). Organizations gone wild: The causes, processes, and consequences of organizational misconduct. Academy of Management Annals, 4(1), 53-107. https://doi.org/10.5465/19416521003654186
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), e por isso, utilizam o poder de polícia para conformar o comportamento do particular (TCU, 2011).

DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA E/OU OPORTUNIDADE

Fiscalização e acompanhamento das aquisições/contratações

A opção de celebrar um contrato para bens e serviços tem sido utilizada pelo setor público desde tempos remotos (Almqvist, 2001Almqvist, R. (2001). ‘Management by contract’: A study of programmatic and technological aspects. Public Administration, 79(3), 689-706. https://doi.org/10.1111/1467-9299.00275
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). A principal razão é a busca pela eficiência (Almqvist, 2001; Bonelli & Cabral, 2018Bonelli, F., & Cabral, S. (2018). Efeitos das competências no desempenho de contratos de serviços no setor público. Revista de Administração Contemporânea, 22(4), 487-509. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2018170152
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; Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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).

Na metodologia adotada no Brasil, as organizações públicas no papel de compradores colocam os possíveis fornecedores em um concurso, a fim de celebrar um contrato com o fornecedor (externo ou interno) que representa a opção mais atraente conforme os critérios prévios. Desse modo, a responsabilidade do comprador é antes gerenciar e controlar a atividade de forma que o desempenho e o resultado da atividade sejam alcançados (Almqvist, 2001Almqvist, R. (2001). ‘Management by contract’: A study of programmatic and technological aspects. Public Administration, 79(3), 689-706. https://doi.org/10.1111/1467-9299.00275
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).

No entanto, a gestão da execução dos contratos tem gerado grandes desafios de accountability que, de acordo com Costa (2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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), são oriundos, entre outros pontos, da racionalidade limitada (Lambright, 2009Lambright, K. T. (2009). Agency theory and beyond: Contracted providers’ motivations to properly use service monitoring tools. Journal of Public Administration Research and Theory, 19(2), 207-227. https://doi.org/10.1093/jopart/mun009
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) e da complexidade dos contratos, que possibilitam a divergência de objetivos entre o principal e o agente que buscam maximizar a sua utilidade (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3(4), 305-360. https://doi.org/10.1016/0304-405X(76)90026-X
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), gerando os chamados problemas de agência (Arrow, 1963Arrow, K. J. (1963). Uncertainty and the welfare economics of medical care. The American Economic Review, 53(5), 941-973. https://www.jstor.org/stable/1812044
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) e, em muitos casos, custos de transação (Williamson, 1985Williamson, O. E. (1985). The economic institutions of capitalism: Firms, markets, relational contracting. Free Press.).

Para contornar esses problemas, algumas ações são possíveis, tais como ameaçar encontrar outro parceiro; exigir garantia do fornecedor e/ou o contratante oferecer um bônus (Greve et al., 2010Greve, H. R., Palmer, D., & Pozner, J.-E. (2010). Organizations gone wild: The causes, processes, and consequences of organizational misconduct. Academy of Management Annals, 4(1), 53-107. https://doi.org/10.5465/19416521003654186
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); a utilização dos incentivos positivos e negativos, que apesar de não ser determinística, torna-se um mecanismo importante (Girth, 2014Girth, A. M. (2014). A closer look at contract accountability: Exploring the determinants of sanctions for unsatisfactory contract performance. Journal of Public Administration Research and Theory, 24(2), 317-348. https://www.jstor.org/stable/24484845
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); renegociar o contrato e/ou absorver as responsabilidades da parceira (Hersel et al., 2019Hersel, M. C., Helmuth, C. A., Zorn, M. L., Shropshire, C., & Ridge, J. W. (2019). The corrective actions organizations pursue following misconduct: A review and research agenda. Academy of Management Annals, 13(2), 547-585. https://doi.org/10.5465/annals.2017.0090
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); e fiscalização no intuito de evitar esses problemas e, consequentemente, garantir o real cumprimento do contrato (Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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). Todavia, na administração pública brasileira a relação baseada em contrato prevê a obrigatoriedade da fiscalização e a sanção administrativa como o único incentivo formal disponível (Costa, 2019). Tal incentivo é fortalecido pela Lei n.º 12.846 (2013), que amplia a responsabilização civil e administrativa de pessoas civis e jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.

O artigo 55 da Lei n.º 8.666 (1993) e o artigo 92 da Lei n.º 14.133 (2021) definem as cláusulas necessárias em todo contrato e os artigos 86, 87 e 88 da Lei n.º 8.666 (1993) e o artigo 156 da Lei n.º 14.133 (2021) tratam das sanções administrativas aplicáveis para o descumprimento das cláusulas contratuais e/ou obrigações estabelecidas no instrumento convocatório. As sanções previstas pela inexecução total ou parcial do contrato são:

  • I - advertência;

  • II - multa;

  • III - impedimento de licitar e contratar;

  • IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar (Lei n.º 14.133, 2021).

Essas sanções estão em escala de gravidade e cabe à administração, prezando pelos princípios da administração pública, fiscalizar e, quando necessário, aplicar as devidas sanções legais. Entretanto, evidências empíricas sugerem que alguns tipos de descumprimento de contratos vêm sendo superados por meios diversos, dentre os quais se aponta a tolerância.

A TOLERÂNCIA E SUAS APLICAÇÕES

Segundo Doorn (2014Doorn, M. V. (2014). The nature of tolerance and the social circumstances in which it emerges. Current Sociology Review, 62(6), 905-927. https://doi.org/10.1177/0011392114537281
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), a tolerância possui uma natureza paradoxal que consiste em aceitar algo que se rejeita ou a que se opõe. De acordo com uma posição mais moderna para o tema, tolerar consiste em apreciar a diferença, responder positivamente à diversidade e considerar que a intolerância é um dogmatismo (Verkuyten & Kollar, 2021Verkuyten, M., & Kollar, R. (2021). Tolerance and intolerance: Cultural meanings and discursive usage. Culture & Psychology, 27(1), 172-186. https://doi.org/10.1177/1354067X20984356
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). Lee (2013Lee, F. L. F. (2013). “Tolerated one way but not the other”: Levels and determinants of social and political tolerance in Hong Kong. Social Indicators Research, 118, 711-727. https://doi.org/10.1007s11205-013-0433-5
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) afirma que, de acordo com pesquisas empíricas, a tolerância pode contribuir para a estabilidade e harmonia social.

Doorn (2014Doorn, M. V. (2014). The nature of tolerance and the social circumstances in which it emerges. Current Sociology Review, 62(6), 905-927. https://doi.org/10.1177/0011392114537281
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) ressalta que a tolerância tem sido apresentada como forma de superar diferenças irreconciliáveis entre grupos na sociedade, tendo o conceito evoluído ao longo da história e ganhado novas aplicações no sentido de buscar também a estabilidade política e social. Dessa forma, a tolerância passou a ser classificada basicamente em três tipos: política, moral e social (Doorn, 2014).

A tolerância política, segundo Vogt (1997Vogt, W. P. (1997). Tolerance and education: Learning to live with diversity and difference. Sage.), refere-se à tolerância a “atos na esfera pública, como fazer um discurso, demonstrar, distribuir panfletos, organizar reuniões, e assim por diante” (p. 17). A tolerância moral diz respeito à tolerância a atos de cunho mais privativo, por exemplo: “Mais tipicamente e controversamente nas últimas décadas… a conduta sexual, como ‘viver no pecado’, pornografia, homossexualidade e aborto” (Vogt, 1997, p. 17). Já em relação à tolerância social, é descrita por Vogt (1997) como a aceitação de “características atribuídas que as pessoas têm desde o nascimento ou adquirem na socialização precoce, como cor da pele ou linguagem” (p. 17).

O que é considerado ‘(in)tolerável’ varia ao longo do tempo e do contexto de acordo com as transformações político-sociais (Doorn, 2014Doorn, M. V. (2014). The nature of tolerance and the social circumstances in which it emerges. Current Sociology Review, 62(6), 905-927. https://doi.org/10.1177/0011392114537281
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). Da mesma forma, os estudos na área social que abordam a (in)tolerância também variam e refletem “lutas de poder e conflitos intergrupais nas sociedades” (Doorn, 2014, p. 6). A tolerância (social) não se limita às relações sociais individualizadas, principalmente reúne as características de uma sociedade ou regime como um todo. Para Gibson (2006Gibson J. L. (2006). Enigmas of intolerance: Fifty years after Stouffer’s communism, conformity, and civil liberties. Perspectives on Politics, 4(1), 21-34. https://www.jstor.org/stable/3688624
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), inclusive, “a maioria dos entendimentos atuais de tolerância são derivados principalmente de teorias da democracia liberal” (p. 22).

Vogt (1997Vogt, W. P. (1997). Tolerance and education: Learning to live with diversity and difference. Sage.) conclui que “a tolerância, então, envolve proibições legais e institucionais de discriminação, sejam elas feitas por amplos princípios constitucionais que limitam a ação governamental … ou por legislação mais restrita” (pp. 227-228). Conforme argumentam Sullivan et al. (1982Sullivan, J. L., Piereson, J., & Marcus, J. E. (1982). An alternative conceptualization of political tolerance: Illusory increases, 1950s-1970s. American Political Science Review, 73(3), 781-794. https://doi.org/10.2307/1955404
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), a tolerância “implica um compromisso com as ‘regras do jogo’ e a vontade de aplicá-las igualmente” (p. 2). Robinson et al. (2001Robinson, J., Witenberg, R., & Sanson, A. (2001). The socialization of tolerance. In M. Augoustinos, K. J. Reynolds (Eds), Understanding prejudice, racism and social conflict (pp. 73-88). Sage.) alerta que a tolerância não pode ser considerada sempre uma estrutura global, visto que, por vezes, é utilizada seletivamente e circunstancialmente.

Por outro lado, a intolerância no sentido clássico atua como um limite compreensível e justificado para dissidência inaceitável (‘tolerância zero’) (Verkuyten & Kollar, 2021Verkuyten, M., & Kollar, R. (2021). Tolerance and intolerance: Cultural meanings and discursive usage. Culture & Psychology, 27(1), 172-186. https://doi.org/10.1177/1354067X20984356
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). Como afirmou Locke (2018Locke, J. (2018). Carta sobre a tolerância (2nd ed.). Grupo Almedina.), a tolerância só tem limite na razão do Estado, que deve ser intolerável com aqueles que transgridem as leis e, por isso, prejudicam o bem comum.

(In)Tolerância no setor público

A administração pública brasileira mantém uma relação com seus fornecedores baseada na obrigatoriedade de fiscalização e, conforme o caso, aplicação de penalidade, os chamados incentivos negativos. Apesar disso, como já observado por alguns autores (Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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; Girth, 2014Girth, A. M. (2014). A closer look at contract accountability: Exploring the determinants of sanctions for unsatisfactory contract performance. Journal of Public Administration Research and Theory, 24(2), 317-348. https://www.jstor.org/stable/24484845
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), percebeu-se também na administração pública brasileira a utilização de mecanismos informais para gerenciar os contratos. Costa (2019) relaciona as formas de ações informais em contratos como decorrentes de uma relação de confiança. Discordando em alguns aspectos disso, este estudo considera que alguns tipos de mecanismos informais são baseados nas relações de tolerância.

Um elemento essencial da tolerância é a diferença, de forma que, para haver tolerância, são necessários os que toleram e os tolerados (Verkuyten & Kollar, 2021Verkuyten, M., & Kollar, R. (2021). Tolerance and intolerance: Cultural meanings and discursive usage. Culture & Psychology, 27(1), 172-186. https://doi.org/10.1177/1354067X20984356
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). No contexto deste estudo, as organizações públicas e privadas funcionam dentro de perspectivas bem diferentes, a começar por suas finalidades principais. Enquanto os agentes privados visam ao lucro individual, as organizações públicas honram seus compromissos funcionais quando descobrem um acordo mais favorável aos interesses públicos (Schiefler, 2016Schiefler, G. H. C. (2016). A possibilidade de negociação em caso de descumprimento do contrato administrativo e a questão da indisponibilidade do interesse público. Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC), 267, 456-465. https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=17453394831031889435&hl=pt-BR&as_sdt=2005&as_ylo=2019&as_yhi=2019
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). Portanto, o contrato possibilita a coordenação das atividades dessas instituições internamente diferentes.

Contudo, no âmbito do contrato administrativo podem ocorrer fatos supervenientes que acarretem necessidades e problemas não previstos inicialmente (Schiefler, 2016Schiefler, G. H. C. (2016). A possibilidade de negociação em caso de descumprimento do contrato administrativo e a questão da indisponibilidade do interesse público. Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC), 267, 456-465. https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=17453394831031889435&hl=pt-BR&as_sdt=2005&as_ylo=2019&as_yhi=2019
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) e que irão resultar em diferenças irreconciliáveis que podem ser toleradas. Desse modo, uma contratada que descumpre o contrato total/parcial, mas tem sua justificativa aceita, provavelmente estará sendo ‘tolerada’. De modo oposto, quando sua justificativa é rejeitada e o contrato é rescindido e/ou a contratada é penalizada, pode-se afirmar que a contratada foi ‘intolerada’.

Em razão da tradição, costume administrativo e interpretação estrita do princípio da legalidade, a negociação (tolerância), nestes casos, é considerada amoral, embora não existam normas proibitivas. Ao contrário, as Leis n.º 9.469 (1997) e n.º 13.140 (2015) admitem a possibilidade de negociação para a busca de soluções mais eficientes para os interesses públicos (Schiefler, 2016Schiefler, G. H. C. (2016). A possibilidade de negociação em caso de descumprimento do contrato administrativo e a questão da indisponibilidade do interesse público. Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC), 267, 456-465. https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=17453394831031889435&hl=pt-BR&as_sdt=2005&as_ylo=2019&as_yhi=2019
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).

Embora as cláusulas exorbitantes desanimem a negociação, devido aos seus procedimentos delineados que levam majoritariamente à rescisão contratual e aplicação de penalidades por qualquer descumprimento, a administração não precisa abrir mão da defesa do interesse público ao ouvir a contratada. É possível criar condições formais para que o agente privado apresente uma defesa mais bem fundamentada e para que a administração não se sinta prescindida de sua finalidade ao negociar.

Compreende-se a preocupação em relação a conluio e corrupção, mas os órgãos podem empenhar-se em deixar transparente toda a negociação ex-post (Lima et al., 2020Lima, G. C. L. S., Carvalho, G. S. D., & Figueiredo, M. Z. (2020). A incompletude dos contratos de ônibus nos tempos da COVID-19. Revista de Administração Pública, 54(4), 994-1009. https://doi.org/10.1590/0034-761220200292
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), para permitir a rastreabilidade das ações dos agentes públicos. Além disso, a transparência pode transformar o conhecimento tácito em explícito, permitindo que um agente, no futuro, tenha memória de ações para situações semelhantes.

Preocupam as negociações verbais, as quais se tornam indevidas por causa da falta de registro em documento próprio (Bonelli & Cabral, 2018Bonelli, F., & Cabral, S. (2018). Efeitos das competências no desempenho de contratos de serviços no setor público. Revista de Administração Contemporânea, 22(4), 487-509. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2018170152
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; Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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; Marinho et al., 2018Marinho, R. C. P., Andrade, E. P., Marinho, C. R. P., & Motta, E. F. R. O. (2018). Fiscalização de contratos de serviços terceirizados: Desafios para a universidade pública. Gestão & Produção, 25(3), 444-457. https://doi.org/10.1590/0104-530X1595-18
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). O problema não é tolerar, mas a falta de transparência no processo de negociação. A grande questão é regular a negociação para a descoberta criativa de alternativas saudáveis aos interesses públicos e privados (Schiefler, 2016Schiefler, G. H. C. (2016). A possibilidade de negociação em caso de descumprimento do contrato administrativo e a questão da indisponibilidade do interesse público. Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC), 267, 456-465. https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=17453394831031889435&hl=pt-BR&as_sdt=2005&as_ylo=2019&as_yhi=2019
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).

Neste estudo, a definição de tolerância adotada relaciona-se a aceitar algo que não está de acordo com o contrato e/ou instrumento convocatório, seguindo-se a definição clássica representada nos estudos de Doorn (2014Doorn, M. V. (2014). The nature of tolerance and the social circumstances in which it emerges. Current Sociology Review, 62(6), 905-927. https://doi.org/10.1177/0011392114537281
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) e Verkuyten e Kollar (2021Verkuyten, M., & Kollar, R. (2021). Tolerance and intolerance: Cultural meanings and discursive usage. Culture & Psychology, 27(1), 172-186. https://doi.org/10.1177/1354067X20984356
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). Como se trata da aplicação de sanções administrativas previstas legalmente, o fator determinante é o descumprimento do contrato e, consequentemente, do que preveem as Leis n.º 8.666 (1993)e n.º 14.133 (2021). Consideram-se como tolerância casos de descumprimento em que houve qualquer flexibilidade, e a não flexibilização considera-se intolerância.

MÉTODO

Considerou-se importante ouvir as pessoas que realizam a gestão de contratos, porque os dados publicados no CEIS contêm informações reduzidas. Além disso, inexiste teorização da aplicação da tolerância e misconduct na gestão de contratos administrativos. Como estratégia de investigação, utilizou-se o estudo de casos múltiplos, pois se descrevem os eventos dos casos, os quais têm singularidade e potencial de aplicabilidades em outras situações semelhantes (Yin, 2016Yin, R. K. (2016). Pesquisa qualitativa do início ao fim. Penso.).

Para a análise, adotou-se a lógica abdutiva, pois para Dubois e Gadde (2002Dubois, A., & Gadde, L.-E. (2002). Systematic combining: An abductive approach to case research. Journal of Business Research, 55(7), 553-560. https://doi.org/10.1016/S0148-2963(00)00195-8
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), o método traduz-se na ida ao campo empírico, para a interação com o fenômeno e tentar captar o momento e o específico. Por essa razão, a abordagem é adequada para o estudo de casos múltiplos, com limitação teórica, dados secundários superficiais e fragilidade das narrativas (Vaara et al., 2016Vaara, E., Sonenshein, S., & Boje, D. (2016). Narratives as sources of stability and change in organizations: Approaches and directions for future research. The Academy of Management Annals, 10(1), 495-560. https://doi.org/10.1080/19416520.2016.1120963
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). Dessa forma, a abdução configurou-se como meio fundamental para o desenvolvimento do caminho compreensivo para identificar quais fatores influenciam a (in)tolerância da administração quanto aos desvios de conduta nas execuções dos contratos/compras governamentais.

O campo de pesquisa foi a administração pública do Brasil. Esta abrange a administração direta e indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, autarquias e entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e fundações por ele instituídas ou mantidas. O setor público é composto por vários tipos de órgãos e entidades governamentais (por exemplo, prefeituras, instituições de ensino, procuradorias, governos estaduais, ministérios, secretarias) com estrutura administrativa e responsabilidades semelhantes, porém de poderes (executivo, legislativo e judiciário) e esferas (federal, municipal e estadual, mais o Distrito Federal) diferentes.

A administração pública vem aplicando as mesmas penalidades para diferentes valores de multa às contratadas que descumprem os contratos/compras. Por outro lado, um fato menos aparente, mas igualmente numeroso, são os descumprimentos de contratos que são tolerados (Bonelli & Cabral, 2018Bonelli, F., & Cabral, S. (2018). Efeitos das competências no desempenho de contratos de serviços no setor público. Revista de Administração Contemporânea, 22(4), 487-509. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2018170152
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; Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
https://repositorio.enap.gov.br/handle/1...
). Observa-se que esse fenômeno ainda não foi estudado com base na teoria da tolerância e misconduct.

Foram escolhidos por conveniência 14 órgãos, de um total de 472, com a condição de terem em comum o registro no CEIS, a aplicação de sanção de declaração de inidoneidade (Lei n.º 8.666, 1993; Lei n.º 14.133, 2021) à contratada. Para delimitar o tempo, separaram-se as sanções aplicadas nos últimos cinco anos. Apesar de aplicar a forma mais grave de penalidade, em muitas situações esses órgãos precisam negociar com as empresas que, intencionalmente ou não, violaram o contrato e/ou instrumento convocatório em prol dos seus objetivos organizacionais.

Optou-se por buscar os órgãos com a maior expressividade em número de registros de ocorrências de sanções. Buscou-se também a diversidade de esferas de governo e regiões geográficas, aliada à possibilidade de acesso, conforme a Tabela 1. Por se tratar de um estudo com método abdutivo, a maior preocupação foi buscar a variação entre os casos (Dubois & Gadde, 2002Dubois, A., & Gadde, L.-E. (2002). Systematic combining: An abductive approach to case research. Journal of Business Research, 55(7), 553-560. https://doi.org/10.1016/S0148-2963(00)00195-8
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). Assim, quando os diálogos passaram a ficar repetitivos, interromperam-se as coletas de informações com as pessoas, o que ocorreu no 14º órgão pesquisado.

Tabela 1
Detalhes dos casos.

A base de dados utilizada para chegar aos casos de interesse foi o CEIS (n. d.). Aplicando o recorte dos últimos cinco anos (de 22/06/2016 a 21/06/2021), chegou-se aos casos deste estudo. Além das (passo 1) entrevistas com gestores de contratos dos órgãos públicos, coletaram-se (passo 2) dados de publicações nos diários oficiais, (passo 3) informações da internet e (passo 4) documentos dos próprios órgãos (contratos, atas, notificações, justificativas, ofícios e outros). A triangulação das fontes de dados possibilita comparar e cruzar dados, avaliando assim a consistência das informações provenientes de diferentes fontes em diferentes momentos. A técnica de triangulação permite ao pesquisador explorar várias facetas do fenômeno estudado e tem sido um dos métodos mais utilizados para garantir a validade na pesquisa (Olson et al., 2016Olson, J. D., McAllister, C., Grinnell, L. D., Gehrke Walters, K., & Appunn, F. (2016). Applying constant comparative method with multiple investigators and inter-coder reliability. The Qualitative Report, 21(1), 26-42. https://doi.org/10.46743/2160-3715/2016.2447
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).

Por questões geográficas e regras de distanciamento social devido à pandemia da COVID-19, os pesquisadores utilizaram o número de telefone obtido no site dos órgãos para identificar o responsável pela área de gestão e fiscalização de contratos (que é o setor de referência no assunto) e para agendar as entrevistas. As entrevistas foram realizadas por meio dos softwares de reunião Google Meet, Microsoft Teams e telefone. Enquanto um pesquisador telefonava para os participantes, os outros gravavam os áudios. O tempo médio das entrevistas foi de 28 minutos, realizadas em junho e julho de 2021 e transcritas imediatamente após a sua ocorrência.

Simultaneamente à coleta de dados nas entrevistas, realizou-se a análise dos casos e o relacionamento destes com as teorias e normas disponíveis. Essa etapa foi favorecida devido à reflexividade dos pesquisadores (Bispo, 2023Bispo, M. S. (2023). Contribuições teóricas, práticas, metodológicas e didáticas em artigos científicos. Revista de Administração Contemporânea, 27(1), e220256. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2023220256.por
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), que compartilham da experiência dos participantes do estudo, a qual foi importante para a construção das relações de significação dos fragmentos narrativos.

Para evitar qualquer constrangimento e limitações no discurso dos entrevistados, antes de iniciar a entrevista foi informado aos respondentes que eles e seus órgãos não seriam identificados. Além disso, os entrevistadores iniciaram as perguntas afirmando que as situações provavelmente seriam semelhantes às ocorridas nos órgãos onde trabalham. O objetivo era deixar o entrevistado mais à vontade para fazer as suas descrições com franqueza (Ozcan & Eisenhardt, 2009Ozcan, P., & Eisenhardt, K. M. (2009). Origin of alliance portfolios: Entrepreneurs, network strategies, and firm performance. Academy of Management Journal, 52(2), 246-279. https://www.jstor.org/stable/40390287
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).

Para evitar o viés dos pesquisadores, neste estudo utilizaram-se apenas duas perguntas abertas e poucos termos-chave. A primeira pergunta relaciona-se com o descumprimento de contratos e/ou instrumento convocatório em que, em vez de aplicar o que ‘está escrito’, o órgão público busca a negociação e a tolerância ao invés de aplicação imediata das sanções. A partir disso, os entrevistadores foram conduzindo as entrevistas, abordando questões relacionadas às situações em que ocorrem essas negociações, o que é considerado, e as causas e motivos que levam a tomar as decisões.

A segunda pergunta corresponde à descrição de fatores e condições intoleráveis, cuja ocorrência resultaria na forma mais grave de responsabilização da empresa contratada, a declaração de inidoneidade. A partir dessa pergunta, os entrevistadores conduziram as discussões procurando abordar pontos que evidenciavam as condutas que são inadmissíveis por parte da administração e suas razões/causas relacionadas.

Quando a entrevista se tornava circular, principalmente em relação à primeira pergunta, utilizavam-se alguns termos-chave (material essencial/apoio, orçamento exercício anterior/vigente, pressão interna/externa) para incentivar descrições de situações particulares. Por exemplo, se o entrevistado afirmava repetidas vezes que toda violação resultava em aplicação de penalidade, ofereciam-se quadros reflexivos com a pergunta: “Se o material é essencial e a retirada da empresa afetará diretamente o atendimento, como vocês corrigem a ausência do material ou serviço?”

Ainda durante as entrevistas, buscaram-se casos e exemplos de fenômenos pontuais que os entrevistados pudessem relatar, ou seja, situações em que houve negociação quanto ao descumprimento de contrato ou em que não houve qualquer flexibilidade por parte da administração.

Para manter um controle sobre o que coletar no campo empírico, concentramo-nos nas normas vigentes e nas teorias da tolerância e misconduct. Com base nos diálogos, nas leis e documentos analisados, nas informações da internet (triangulação) e no conhecimento de causa por parte dos pesquisadores (reflexividade), considera-se que o método seja adequado e possibilita insights importantes, que serão detalhados na seção seguinte.

ANÁLISE DA SITUAÇÃO-PROBLEMA E PROPOSTAS DE INOVAÇÃO/INTERVENÇÃO/RECOMENDAÇÃO

Partindo das histórias individuais dos órgãos, incluindo dados de entrevista, diários oficiais, publicações na internet, leis e normativas, fez-se a triangulação desses dados, enfatizando temas presentes nos diferentes métodos de coleta de dados e que também emergiram ao longo das entrevistas. Inicialmente foi feita a análise entre os casos, buscando construções e temas semelhantes (Ozcan & Eisenhardt, 2009Ozcan, P., & Eisenhardt, K. M. (2009). Origin of alliance portfolios: Entrepreneurs, network strategies, and firm performance. Academy of Management Journal, 52(2), 246-279. https://www.jstor.org/stable/40390287
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). Foram encontradas algumas relações iniciais, e refinaram-se essas relações, seguindo a lógica de replicação, recorrendo-se constantemente a cada caso para comparar e verificar a ocorrência de outros relacionamentos e lógicas não identificados na primeira análise. Dois pesquisadores revisaram os dados para formar visões que, em seguida, foram sintetizadas.

Fatores toleráveis no marco licitatório

Ficou explícito nos casos estudados que não houve penalização em algumas situações de descumprimento do contrato administrativo, pois a contratada apresentou comprovantes que justificavam a extensão do prazo de entrega, a alteração de alguma característica do bem/serviço ou uma rescisão amigável. A tolerância da administração nesses casos está amparada pelo atendimento aos princípios constitucionais à ampla defesa e contraditório, previstos no marco licitatório (Lei n.º 8.666, 1993; Lei n.º 14.133, 2021), que protegem a contratada de arbitrariedades.

Por exemplo, observado o descumprimento, os entrevistados relataram que o órgão envia notificações e solicita documentos que comprovem a ocorrência de fatos justificáveis. Segundo o entrevistado do caso 2, é comum que ocorram essas situações e, após as notificações e ajustes, dificilmente não conseguem cumprir com as obrigações contratuais.

Tais descobertas são reafirmadas em diferentes estudos (Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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; Girth, 2014Girth, A. M. (2014). A closer look at contract accountability: Exploring the determinants of sanctions for unsatisfactory contract performance. Journal of Public Administration Research and Theory, 24(2), 317-348. https://www.jstor.org/stable/24484845
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) e também encontradas ao analisar alguns documentos internos dos órgãos estudados, onde se constata a ocorrência dessa negociação entre as partes. Essa formalização é importante para que haja transparência no processo de ‘negociação ex-post’ (Lima et al., 2020Lima, G. C. L. S., Carvalho, G. S. D., & Figueiredo, M. Z. (2020). A incompletude dos contratos de ônibus nos tempos da COVID-19. Revista de Administração Pública, 54(4), 994-1009. https://doi.org/10.1590/0034-761220200292
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), atendendo aos princípios básicos da administração pública.

A busca pela resolução do impasse pode ser considerada uma forma de responder positivamente à diversidade (Verkuyten & Kollar, 2021Verkuyten, M., & Kollar, R. (2021). Tolerance and intolerance: Cultural meanings and discursive usage. Culture & Psychology, 27(1), 172-186. https://doi.org/10.1177/1354067X20984356
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), devido à ocorrência de problemas não previstos inicialmente (Schiefler, 2016Schiefler, G. H. C. (2016). A possibilidade de negociação em caso de descumprimento do contrato administrativo e a questão da indisponibilidade do interesse público. Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC), 267, 456-465. https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=17453394831031889435&hl=pt-BR&as_sdt=2005&as_ylo=2019&as_yhi=2019
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), pois todo contrato é naturalmente incompleto (Hart & Moore, 2006Hart, O., & Moore, J. (2006). Contracts as reference points [Working Paper n° 12706]. National Bureau of Economic Research, 1-66. https://www.nber.org/papers/w12706
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).

Fatores toleráveis em leis esparsas

Os fatores tolerados pela administração não estão todos reunidos na Lei n.º 8.666 (1993). Alguns princípios podem ser encontrados em leis esparsas, como o princípio da eficiência, previsto na Lei n.º 9.784 (1999) (regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal) e no novo marco legal licitatório (Lei n.º 14.133, 2021).

Segundo Silva (2008Silva, M. A. (2008). O conceito de eficiência aplicado às licitações públicas: Uma análise teórica à luz da economicidade. Revista do TCU, (113), 71-84. https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/367
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), a eficiência em licitações públicas é a observação simultânea da economicidade, da celeridade e da qualidade. Para o autor, um atraso pode ser mais rápido que a abertura de um novo processo. Ele também ressalta que todo processo licitatório incorre em custos (pessoal, recursos, publicações e outros), cabendo ao gestor de contratos avaliar se o ajuste do preço está coerente, se as especificações oferecem um padrão de desempenho satisfatório e se a prorrogação do prazo é mais vantajosa que a abertura de um novo processo licitatório.

Como exemplo, o entrevistado do caso 7 explicou que a aplicação de penalidades ocorria com pouca frequência. Então, para não ficar sem o material e/ou interromper alguma atividade planejada, “fazemos todas as tentativas para resolver; receber o material ou serviço para não perder … Aplicar a penalidade e perder o fornecimento significa ficar sem o material …”. Ainda se tratando de fatores toleráveis em leis esparsas, os casos 8, 9, 10, 11 e 13 trazem a questão de como o período da pandemia da COVID-19 agravou a situação das contratadas, as quais passaram a declinar das atas de registro de preço. Nesse cenário, ocorreram quedas na produção de bens e serviços em diversos setores, o que, de fato, justificou o esforço conjunto das partes envolvidas para garantir os interesses e as necessidades de todos (Lima et al., 2020Lima, G. C. L. S., Carvalho, G. S. D., & Figueiredo, M. Z. (2020). A incompletude dos contratos de ônibus nos tempos da COVID-19. Revista de Administração Pública, 54(4), 994-1009. https://doi.org/10.1590/0034-761220200292
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).

Esse contexto exigiu que a administração estivesse mais disposta a negociar, ou seja, ‘suportar’ algumas situações antes irreconciliáveis (Doorn, 2014Doorn, M. V. (2014). The nature of tolerance and the social circumstances in which it emerges. Current Sociology Review, 62(6), 905-927. https://doi.org/10.1177/0011392114537281
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). Além disso, quando o material ou o serviço não é urgente (caso 1), tem valores de penalidade ínfimos (casos 7 e 8) e existe somente um fornecedor (casos 8 e 11), os entrevistados informaram que são mais tolerantes. Este amparo para aceitação não está nas leis de licitações.

Outra situação verificada abordou o princípio da anualidade do orçamento público. Segundo o entrevistado do caso 6, tratando-se de empenhos de outro exercício orçamentário, a administração é mais tolerante: “… aí não tem mesmo, aí já era, aí vai ter que insistir com o cara mesmo para ele entregar… esse material aí o cara insiste até o final, mais até o final. A gente já tá virando aí o semestre e o cara não entrega”. Nesse caso, os fatores não amparados por lei específica deixam as negociações mais informais, e consequentemente o gestor público fica inseguro para admitir a tolerância aos descumprimentos contratuais. Sendo assim, o grau de transparência no processo de negociação é menor do que em fatores com previsão no marco licitatório ou leis esparsas.

Fatores intoleráveis no marco licitatório

Os fatores intoleráveis também decorrem de questões próprias do marco licitatório e leis esparsas. A Lei n.º 8.666 (1993) e a Lei n.º 14.133 (2021) estabelecem uma série de infrações que, caso o contratado cometa, podem ensejar diversas sanções, sendo a declaração de inidoneidade considerada a mais grave. A análise dos dados (em especial das publicações no Diário Oficial e informações das entrevistas) revelou que os órgãos e entidades governamentais não toleram e aplicam essa sanção às contratadas que causaram prejuízo à administração (frustram um processo licitatório complexo e/ou impedem a realização de evento), fraudaram o fisco ou praticaram atos ilícitos.

Por exemplo, o entrevistado do caso 14 relatou que o contratado apresentava a nota fiscal e, após realizarem o pagamento, a contratada cancelava a nota fiscal para ficar livre da cobrança de impostos. O entrevistado do caso 12 exemplifica a situação da compra de medicamentos: “Nós precisamos disso, nós temos um cronograma de consumo, nosso hospital está faltando, nós temos que comprar fora, temos que comprar de outra maneira, então está gerando custos, tempo. Entramos em contato com o fornecedor, ‘tô mandando, eu vou mandar’, o que acontece, a contratada não está preocupada. Como se trata de risco de vida e o secretário tem conhecimento, ele solicita que se aplique a penalidade. Tem várias empresas que foram declaradas inidôneas por esses motivos”.

Trata-se de falhas graves. O primeiro caso é fraude, e no segundo a contratada, por sua má conduta, coloca em risco a saúde da sociedade, duas situações consideradas intoleráveis, pois “transgridem as leis e por isso prejudicam o bem comum” (Locke, 2018Locke, J. (2018). Carta sobre a tolerância (2nd ed.). Grupo Almedina., p. 126). No segundo caso, tem-se o descumprimento total do contrato, o que torna a aplicabilidade da penalidade necessária e impossível de tolerar. Embora o marco licitatório não tenha descrito previamente todas as hipóteses em que cabe a declaração de inidoneidade, entende-se que tais sanções podem ser aplicadas no caso de comportamentos tipificados como crimes, os quais estão previstos em outros ordenamentos jurídicos.

Fatores intoleráveis em leis esparsas

Quanto aos atos intoleráveis praticados pelos contratados que não estão previstos na lei de licitação, foi relatado pelos entrevistados dos casos 5, 6 e 11 que a administração não tolera a violação das obrigações trabalhistas na terceirização de mão de obra, porque podem responder subsidiariamente caso, conhecendo os fatos, deixarem de corrigir (Marinho et al., 2018Marinho, R. C. P., Andrade, E. P., Marinho, C. R. P., & Motta, E. F. R. O. (2018). Fiscalização de contratos de serviços terceirizados: Desafios para a universidade pública. Gestão & Produção, 25(3), 444-457. https://doi.org/10.1590/0104-530X1595-18
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).

Também se verificou na análise dos documentos internos e nas entrevistas que a falsificação de documentos (casos 2 e 3) e agir de má fé levam à intolerância por parte da administração. Embora não expressas na Lei n.º 8.666 (1993) e na Lei n.º 14.133 (2021), essas situações podem ser amparadas pela Lei n.º 12.846 (2013) e possuem aspectos criminais. Não pode haver flexibilidade em relação a isso, pois nenhum princípio da administração pública dá aporte para esse tipo de conduta, segundo os entrevistados.

Sobre os casos de má fé, os entrevistados dos casos 13 e 14 descreveram que há empresas participantes do processo licitatório incapazes de cumprir com as obrigações, pois desde as primeiras solicitações alegam que não têm condições de entrega do material ou solicitam os reajustes dos preços, mas não apresentam comprovações que justifiquem. Quando o órgão informa que devido ao descumprimento realizará abertura do processo de penalização, alguns dos fornecedores realizam a entrega e os que não regularizam a situação são penalizados. Por exemplo: “Aconteceu uma situação em que o fornecedor venceu o processo licitatório. Quando a secretaria foi pedir o material, a contratada disse que não tinha condições de entregar, porque ele precisava de um determinado requisito do fornecedor dela para conseguir comprar esse item, ou seja, ele teria que ter visto isso antes da participação do processo licitatório. Essa empresa foi penalizada. O que preocupa muito essa infração é justamente isso, a empresa causar qualquer tipo de prejuízo para o órgão ou tentar burlar o processo, participando, oferecendo, dando lance de um determinado produto ou serviço que ela não tem condições ou capacidade de cumprir” (caso 13).

A Figura 1 representa as descobertas informadas por servidores dos órgãos públicos apoiados pela legislação vigente e as situações inesperadas por referências teóricas abordadas neste estudo.

Figura 1
Matriz dos fatores (in)toleráveis na contratação administrativa.

Como se observa, surgiram fatores (in)toleráveis previstos no marco licitatório ou em leis esparsas e tolerar não significou prescindir do interesse público, mas agir com fundamento em outros princípios constitucionais que estão explícitos e implícitos na própria lei de licitação ou em outras leis do ordenamento jurídico brasileiro.

Puderam-se perceber em todos os casos estudados variados níveis de tolerância. Em conformidade com Schiefler (2016Schiefler, G. H. C. (2016). A possibilidade de negociação em caso de descumprimento do contrato administrativo e a questão da indisponibilidade do interesse público. Revista Zênite - Informativo de Licitações e Contratos (ILC), 267, 456-465. https://scholar.google.com.br/scholar?cluster=17453394831031889435&hl=pt-BR&as_sdt=2005&as_ylo=2019&as_yhi=2019
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), não adianta proibir, pois as negociações sempre ocorrerão. Aliás, a proibição nesses casos traz sérios riscos ao desvirtuamento da conduta administrativa. Na verdade, precisa ocorrer mudança cultural para que a negociação se torne um instrumento da eficiência na gestão dos contratos administrativos e a transparência deve ser conectada à tomada de decisão (Lima et al., 2020Lima, G. C. L. S., Carvalho, G. S. D., & Figueiredo, M. Z. (2020). A incompletude dos contratos de ônibus nos tempos da COVID-19. Revista de Administração Pública, 54(4), 994-1009. https://doi.org/10.1590/0034-761220200292
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). Assim, é mais seguro regular o processo de negociação para que seja transparente e melhor ao interesse público.

Medidas inibidoras do desvio de conduta

Este tópico está para além dos objetivos do estudo. No entanto, considera-se importante destacar, pois foi abordado pelos entrevistados de maneira espontânea. São medidas proativas para inibir ações das empresas contratadas a fim de que não violem os contratos. Estes aconselhamentos podem servir de orientação para os diferentes órgãos e são de fácil implementação, tendo a vantagem de admiti-los simultaneamente devido ao efeito sinérgico das práticas.

A recomendação mais comum apontada por quase todos os entrevistados é a notificação imediata. Essa preocupação pode ser oriunda da cultura de registro de todas as ações que traduzem o cumprimento da determinação do artigo 67, parágrafo 1º da Lei n.º 8.666 (1993) e do artigo 117, parágrafo 1º da Lei n.º 14.133 (2021). O caso 12, por exemplo, afirma que essa atitude visa a impedir a ‘cultura do empurrar com a barriga’ e recomenda a capacitação dos servidores para criar a cultura de lidar adequadamente com os desvios de conduta das contratadas. O caso 2 descreve a seguinte situação: “Durante o processo licitatório, se a empresa apresenta um preço muito abaixo, faz-se um pente fino e solicita-se que a empresa apresente justificativa acompanhada de planilha de custos e balanço”. A Lei n.º 8.666 (1993) permite a realização de diligência destinada a esclarecer a instrução do processo.

Ainda se tratando das recomendações, os casos 6 e 13 relataram que, quando percebem que o contratado vai ‘dar trabalho’, já realizam a abertura de um novo processo licitatório. Para o fornecedor correto é cabível conceder incentivos positivos, tal como estender o prazo ou renovar o contrato (Costa, 2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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), mas ao fornecedor inadimplente cabe ao órgão renegociar o contrato (Hersel et al., 2019Hersel, M. C., Helmuth, C. A., Zorn, M. L., Shropshire, C., & Ridge, J. W. (2019). The corrective actions organizations pursue following misconduct: A review and research agenda. Academy of Management Annals, 13(2), 547-585. https://doi.org/10.5465/annals.2017.0090
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) e realizar aplicação de sanções (Costa, 2019).

Os casos 8 e 12 afirmam que o pagamento correto ajuda muito para que o órgão tenha legitimidade para fazer as exigências contratuais. Isso é condizente com a preocupação de Bandeira de Melo (2008Bandeira de Melo, L. F., Filho. (2008). A licitação na constituição de 1988. Estudos Legislativos, 2, 1-16. https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-ii-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-o-exercicio-da-politica/a-licitacao-na-constituicao-de-1988
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), ao destacar o papel da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe ao Estado o dever de pagar pelas compras e serviços que contratar, pois no passado os gestores faziam dívidas que não podiam pagar.

O caso 13, de igual modo ao sugerido por Costa (2019Costa, C. C. M. (2019). Análise do efeito educativo das sanções nos contratos administrativos da administração pública federal no Brasil (Cadernos Enap, 65). Enap. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4870
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), recomenda um termo de referência bem elaborado que pode evitar problemas, ou seja, diminuir a necessidade de sanções. Nas situações de serviços, os detalhamentos podem prever a integração dinâmica de processos de agentes públicos e privados para propiciar a superação da incompletude do contrato e produzir resultados melhores (Bonelli & Cabral, 2018Bonelli, F., & Cabral, S. (2018). Efeitos das competências no desempenho de contratos de serviços no setor público. Revista de Administração Contemporânea, 22(4), 487-509. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2018170152
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; Costa, 2019).

Os casos 13 e 14 sugerem, ainda, que somente sejam aceitas justificativas bem fundamentadas e documentadas. Baseando-se em Silva (2008Silva, M. A. (2008). O conceito de eficiência aplicado às licitações públicas: Uma análise teórica à luz da economicidade. Revista do TCU, (113), 71-84. https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/367
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), o gestor deve avaliar planilhas de custos e notas fiscais de compra que provem que houve grande alta nos custos, nos casos de solicitação de realinhamento de preços ou declínio da ata.

Sintetizando os relatos dos entrevistados dos casos pesquisados, podem-se recomendar as seguintes medidas para inibir a ocorrência de desvios de conduta nas aquisições e contratações:

  1. Notificar imediatamente a qualquer sinal de descumprimento da contratante;

  2. Solicitar documentos que fundamentem todas as justificativas e alegações da contratada;

  3. Cumprir com as obrigações de contratante, principalmente em relação ao pagamento dentro dos prazos previstos;

  4. Orientar e capacitar os servidores envolvidos na fiscalização do contrato;

  5. Atuar preventivamente contra a oferta de preços inexequíveis (muito abaixo do padrão do mercado ou sem margem de lucro) pelos licitantes;

  6. Antecipar a possibilidade de interrupção do fornecimento ou serviço e traçar um plano B (iniciar novo certame).

Essas medidas que emergiram nas entrevistas com gestores de contrato trazem uma visão prática das formas como a administração pública pode agir preventivamente e evitar a ocorrência de desvios de conduta, corroborando a literatura que trata de fatores que devem ser considerados na aplicação dos incentivos (Lewis & Bajari, 2011Lewis, G., & Bajari, P. (2011). Procurement contracting with time incentives: Theory and evidence. Quarterly Journal of Economics, 126(3), 1173-1211. https://doi.org/10.1093/qje/qjr026
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) e na busca pela accountability dos contratos (como Girth, 2014Girth, A. M. (2014). A closer look at contract accountability: Exploring the determinants of sanctions for unsatisfactory contract performance. Journal of Public Administration Research and Theory, 24(2), 317-348. https://www.jstor.org/stable/24484845
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). Essa convergência com a literatura ocorre principalmente no sentido de estar atento aos sinais de descumprimento e agir notificando, solicitando documentos, justificativas, entre outros.

Adicionalmente, a sintetização das medidas para inibir a ocorrência de desvios de conduta nas aquisições e contratações, baseada na prática administrativa, amplia a literatura existente, pois pode ser considerada uma novidade para o setor. Essas medidas reúnem aspectos que, além de observar a fiscalização e controle do contratado/fornecedor, assumem que o gestor também tem a responsabilidade de capacitar a si e à sua equipe e procurar cumprir com suas obrigações mínimas como, por exemplo, não atrasar os pagamentos dos serviços.

CONCLUSÕES E CONTRIBUIÇÃO TECNOLÓGICA/SOCIAL

Esta pesquisa está orientada para o uso de interessados na compreensão e resolução de problemas em contratos administrativos (Motta, 2022Motta, G. S. (2022). O que é um artigo tecnológico? Revista de Administração Contemporânea, 26(Sup. 1), e220208. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022220208.por
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), uma vez que se identificaram os fatores que influenciam a (in)tolerância da administração quanto aos desvios de conduta na execução dos contratos/compras governamentais.

Para alcançar tal propósito, foi realizado um estudo de casos múltiplos em 14 órgãos públicos por meio de entrevistas com gestores de contratos, complementado com dados adicionais, procurando identificar as relações da prática administrativa com os dispositivos legais e perspectivas teóricas que sustentaram as análises.

Os resultados deste estudo trazem uma reflexão dos fatores considerados toleráveis e intoleráveis. Aliás, uma prática bem comum e inesperada foi a tolerância ao descumprimento de contratos, uma vez que o princípio da legalidade é o mais popular dentre os princípios constitucionais; por isso, é utilizado como o princípio norteador da atuação da administração pública.

Igualmente, há uma ideia geral de que a aplicação de penalidades é sempre gradual e proporcional aos prejuízos financeiros e à importância dos serviços não executados. Entretanto, no dia a dia verifica-se que o tipo de transgressão cometida tem maior peso para a escolha da penalidade, em detrimento dos valores monetários, visto que, na administração pública brasileira, em geral, a multa é uma taxa em relação ao valor total do contrato. Por isso, empresas contratadas que fraudam o processo licitatório podem obter multas menores e também receber penalidade mais grave, como a declaração de inidoneidade.

A contribuição deste estudo reside em ampliar a literatura de administração pública incluindo, de forma inovadora, a teoria da tolerância e o misconduct e relacionando-os à gestão de contratos administrativos. Identificou-se que certas atribuições dos servidores envolvidos na gestão de contratos são compatíveis com as responsabilidades dos agentes de controle social.

Em termos de contribuição metodológica, o emprego da base de dados CEIS (n. d.) para o estudo de misconduct e a classificação dos fatores que influenciam a (in)tolerância da administração como amparados por marco licitatório e leis esparsas também podem ser considerados inéditos, segundo o levantamento realizado para o estudo.

Dessa forma, este estudo contribui teórica e metodologicamente para o avanço dos estudos organizacionais, além de contribuir de forma prática para os profissionais que lidam com a aplicação de sanções no âmbito da administração pública, auxiliando-os na realização de um trabalho melhor e mais transparente, respaldados nos princípios constitucionais e em outras leis, expandindo seus horizontes para além da lei de licitações e contratos, pois a vida não se restringe a normas gerais. Além disso, fornece medidas que podem ser tomadas para inibir a ocorrência de desvios de conduta nas aquisições e contratações governamentais.

Este estudo não responde a todas as questões que envolvem a pesquisa da (in)tolerância aos desvios de conduta na execução dos contratos/compras governamentais, tampouco é capaz de capturar todos os fatores possíveis que levam a administração a esta (in)tolerância. Não obstante, a análise aqui proposta e realizada introduz fatores explicitados na base de dados CEIS (n. d.), a experiência dos servidores entrevistados envolvidos na gestão de contratos e, ainda, os identificados nos estudos de autores no campo da administração pública.

Novos estudos podem aprofundar as análises tratando de um estudo de caso único, procurando descobrir novos fatores e explicações ainda mais profundas ou pesquisas longitudinais para capturar as variações ao longo do tempo e contexto (por exemplo, em diferentes governos, durante e depois da pandemia da COVID-19).

Novas investigações podem, também, explorar questões subjetivas presentes nos julgamentos dos órgãos e explicar por que desvios de condutas análogas são penalizados com gravidades diferentes. Os pesquisadores de misconduct podem comparar se as entidades indiretas e autarquias aplicam menos declaração de inidoneidade do que os órgãos da administração direta. Pode-se ainda explorar os aspectos sociais que influenciam a decisão organizacional, bem como o comportamento cognitivo dos tomadores de decisão.

Neste estudo sobre contrato administrativo, observou-se que os servidores são, em sua maioria, resistentes em admitir que não seguiram o marco licitatório, mas verificou-se que eles, ao enfrentarem dificuldades na execução desses contratos, utilizam outros princípios para atingir os objetivos da organização, que podem lhe assegurar uma posição igualmente legítima na gestão da coisa pública.

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  • Classificação JEL:

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  • Pareceristas:

    Rodrigo Oliveira da Silva (Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil)
    Dois revisores não autorizaram a divulgação de suas identidades.
  • Relatório de Revisão por Pares:

    A disponibilização do Relatório de Revisão por Pares não foi autorizada pelos revisores.

  • # de revisores convidados até a decisão:
  • Direitos Autorais

    Os autores detêm os direitos autorais relativos ao artigo e concederam à RAC o direito de primeira publicação, com a obra simultaneamente licenciada sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).
  • Financiamento

    Os autores agradecem o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (23243.013134/2022-57) pelo suporte financeiro para a realização deste trabalho.
  • Método de Revisão por Pares

    Este conteúdo foi avaliado utilizando o processo de revisão por pares duplo-cego (double-blind peer-review). A divulgação das informações dos pareceristas constantes na primeira página e do Relatório de Revisão por Pares (Peer Review Report) é feita somente após a conclusão do processo avaliativo, e com o consentimento voluntário dos respectivos pareceristas e autores.
  • Verificação de Plágio

    A RAC mantém a prática de submeter todos os documentos aprovados para publicação à verificação de plágio, mediante o emprego de ferramentas específicas, e.g.: iThenticate.
  • Disponibilidade dos Dados

    Os autores afirmam que todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:
    Luiz, Everton Luiz Candido; Abib, Gustavo; Oliveira, Varlei Gomes de, 2023, "Replication Data for: "The (In)Tolerance in the Application of Penalties in the Brazilian Public Administration" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea)", Harvard Dataverse, V1.
    A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.

Editado por

Editor-chefe:

Marcelo de Souza Bispo (Universidade Federal da Paraíba, PPGA, Brasil)

Editor Associado:

Gustavo da Silva Motta (Universidade Federal Fluminense, Brasil)

Disponibilidade de dados

Os autores afirmam que todos os dados utilizados na pesquisa foram disponibilizados publicamente, e podem ser acessados por meio da plataforma Harvard Dataverse:

Luiz, Everton Luiz Candido; Abib, Gustavo; Oliveira, Varlei Gomes de, 2023, "Replication Data for: "The (In)Tolerance in the Application of Penalties in the Brazilian Public Administration" published by RAC-Revista de Administração Contemporânea)", Harvard Dataverse, V1.

https://doi.org/10.7910/DVN/UHCH6D

A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2023
  • Revisado
    19 Set 2023
  • Aceito
    21 Set 2023
  • Publicado
    20 Out 2023
  • Publicado
    24 Nov 2023
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