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A ocupação kilombola: “receita de resistência” do Território de Mãe Preta (RS)

The quilombola occupation: “resistance recipe” of the Mãe Preta Territory (RS)

RESUMO

Esse artigo apresenta parte do material de pesquisa oriundo da minha tese de doutorado, desenvolvido junto à comunidade kilombola Morada da Paz, também conhecida como Território de Mãe Preta. A comunidade está localizada na zona rural do município de Triunfo/RS e é formada majoritariamente por mulheres negras. Caracteriza-se por ser uma comunidade espiritual que segue as orientações de uma preta-velha, Mãe Preta, e um exu, Seu Sete. Foi com as mais velhas da comunidade, reconhecidas como Yas e Baba, que aprendi sobre o conceito de ocupação. O intuito aqui é recuperar esse conceito, apresentando suas singularidades na relação com outros entendimentos de ocupação. Argumento, por fim, que, assim como as “retomadas” indígenas e a “reativação” das bruxas neopagãs estadunidenses, a ocupação elaborada pela Morada, é também uma “receita de resistência” contra as investidas coloniais e capitalistas.

PALAVRAS-CHAVE:
Cosmopolítica; kilombo; ocupação; resistência

ABSTRACT

This article presents part of the research material from my doctoral dissertation, developed with the Morada da Paz kilombola community, also known as the Territory of Mãe Preta. The community is located in the rural area of Triunfo, in the state of Rio Grande do Sul, and is formed mainly by black women. It is characterized by being a spiritual community that follows the guidelines of a preta velha, Mãe Preta, and an exu, Seu Sete. It was from the elders in the community, recognized as Yas and Baba, which I learned about the concept of occupation. The aim here is to recover this concept, presenting its singularities in relation to other understandings of occupation. Finally, I argue that, like the indigenous “retakes” and the “reclaim” of American neo-pagan witches, the occupation elaborated by Morada is also a “recipe for resistance” against colonial and capitalist attacks.

KEYWORDS:
Cosmopolitcs; kilombo; occupation; resistence

Esse artigo apresenta parte do material oriundo da minha tese de doutorado, desenvolvida com a comunidade kilombola1 1 Palavras grafadas em itálico referem-se a termos e expressões da comunidade, com exceção das expressões em idiomas estrangeiros. Citações mais longas serão seguidas de aspas duplas. Aspas duplas sem itálico serão utilizadas para citações de autoras/es. Aspas simples para expressões que gostaria de ressaltar. Assino esse artigo também como Folaiyan, nome pelo qual sou reconhecida pela Morada da Paz, seguindo as orientações das mais velhas da comunidade. 2 2 A comunidade opta pela designação kilombo, como um modo de recuperar o sentido bantu do termo: como fortaleza, união. Morada da Paz, também conhecida como Território de Mãe Preta. A comunidade está localizada na zona rural do município de Triunfo/RS, cuja terra foi comprada coletivamente pelas/os moradores/es, e é formada majoritariamente por mulheres negras. Caracteriza-se fundamentalmente por ser uma comunidade espiritual que segue as orientações de uma preta-velha, Mãe Preta, e um exu, Seu Sete. Foi com as mais velhas da comunidade, compostas por quatro mulheres e um homem e reconhecidas como Yas e Baba, que aprendi sobre o conceito de ocupar.

Ouvi o termo ocupar pela primeira vez em um ipádè, como são denominadas as rodas de conversa, durante a vivência realizada na comunidade por um grupo de militância negra de Porto Alegre, majoritariamente composto por pessoas de meia idade com muitos anos de militância. Naquele momento, um dos visitantes traçou aproximações e distanciamentos entre os objetivos de seu coletivo e os da Morada da Paz. Afirmou buscar a vivência na comunidade porque ambos desejavam “valorizar o comunalismo e o saber ancestral”. Contudo, a principal diferença entre eles era o fato da Morada ser um “coletivo espiritual” e eles um “coletivo político”, visto que intencionavam recuperar o comunalismo dos “ancestrais quilombolas” e trazer essas “ideias comunais para dentro da política”. Neste momento, Yashodhan, Yalasè da comunidade respondeu: “mas nós somos sujeitos políticos! Não se trata de política partidária, mas é política. Temos práticas de permacultura, temos o Instituto CoMPaz, o Ponto de Cultura Omorodê e estamos construindo a ComKola.3 3 Escola comunitária da Morada da Paz nomeada como Escola Comkola Kilombola Epé L’aiyè. Trabalhamos com a ocupação! Ocupação das mentes, dos espaços, dos diálogos, dos corações”.

Sugiro pensar a ocupação, apresentada nesse diálogo, como um ponto nodal da encruzilhada (Anjos, 2006ANJOS, José Carlos Gomes dos. 2006. Território da Linha Cruzada: a Cosmopolítica AfroBrasileira. Porto Alegre, Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)., 2008ANJOS, José Carlos Gomes dos. 2008. “A Filosofia política da religiosidade afro-brasileira como patrimônio cultural africano”. Debates do NER, v. 13, 77-96.) entre duas noções de ocupação, a saber: dos movimentos sociais e das casas de Batuque. Encruzilhada é uma noção do pensamento afrorreligioso e apresenta-se, através do trabalho de Anjos, como uma outra forma de compreender a diferença que não seja pela diluição da mesma, como instituída pelos modos de atuação do Estado-nação. Tal como a definiu o autor, “a religiosidade afro-brasileira tem um outro modelo para o encontro das diferenças que é rizomático: a encruzilhada como ponto de encontro de diferentes caminhos que não se fundem numa unidade, mas seguem como pluralidades” (Anjos, 2008ANJOS, José Carlos Gomes dos. 2008. “A Filosofia política da religiosidade afro-brasileira como patrimônio cultural africano”. Debates do NER, v. 13, 77-96.: 80).

Nessa encruzilhada, por um lado, temos a noção de ocupação desenvolvida pelos movimentos sociais, como uma estratégia de reivindicação política para fazer valer seus direitos e autonomia; por outro, a noção de ocupação desenvolvida pelo Batuque do Rio Grande do Sul, para nomear o processo de incorporação do sujeito pelo Orixá. Argumento que é nessa relação que surge a noção de ocupação desenvolvido pela Comunidade Morada da Paz.

IMAGINAÇÃO POLÍTICA

O diálogo com que iniciei este artigo ocorreu no período em que as escolas públicas estaduais do Brasil foram ocupadas pelos estudantes secundaristas que exigiam do Estado atenção à educação básica. Ocupar as escolas permitiu aos estudantes construir novas relações de produção de conhecimento, não mais pautadas pela relação aluno-professor, mas pelas comunidades. A escola tornou-se um espaço aberto em que os jovens estudantes e comunidade se dispunham a realizar atividades e oficinas autogestionadas pelos ocupantes, como professores, pais e comunidade em geral contribuíam com arrecadação de alimentos e demais itens necessários para a permanência da ação. Estudantes organizavam assembleias onde as decisões eram tomadas coletivamente, construindo na prática cotidiana os sentidos do que é uma ocupação.

A Morada da Paz não estava alheia a esses movimentos. Ao contrário, muitos de seus membros participavam ativamente como professoras/es da rede pública, oficineiras/os, estudantes ou apoiadoras/es desses movimentos. Além disso, durante um curso de permacultura que ocorreu na comunidade, este foi o tema central entre muitos dos inscritos presentes. Ou seja, as ocupações nas escolas, no MinC, nas Universidades e em outros espaços, foram tópicos de boa parte das conversas comunitárias. A luta dos secundaristas pela educação e o desejo de construir uma escola diferente por meio das ocupações se conectou aos desejos da Morada da Paz e sua luta por outro mundo possível.

Em termos jurídicos, a noção de ocupação nasce profundamente atrelada ao conceito de propriedade individual, característica fundamental do Direito moderno. O direito à propriedade é um dos institutos basilares da Constituição Federal Brasileira, caracterizado como o direito “de usar, gozar e dispor da coisa, bem como de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.4 4 Artigo 1228 da Constituição Federal. Compreende-se que as coisas podem ser apropriadas via uma relação “jurídica contratual”, que implica relação entre duas pessoas, como a relação de compra e venda, ou por “captura”, em que não há relação entre pessoas, mas apenas entre o sujeito e o bem. A primeira aquisição é denominada “derivada”, pois o bem já foi propriedade de outrem, e a segunda é denominada “originária”, pois o bem não tem ou nunca teve um proprietário.

O direito à propriedade, do ponto de vista do Estado-nação, é considerado como o mais importante direito real. Nessa lógica, a ocupação só é possível quando não há um proprietário anterior, caso contrário, é considerada “invasão”, argumento muito utilizado por latifundiários e empreiteiros contrários às ações dos movimentos de luta pela terra e por moradia. Há duas implicações fundamentais nessa ideia de ocupação que gostaria de salientar. Primeiro, só é possível ocupar aquilo que não tem proprietário (seja porque nunca teve, seja porque foi abandonado). Segundo, assim que foi ocupado, o sujeito que ocupa tem a posse, podendo derivar disso a propriedade - pelo usucapião. Caso um imóvel privado seja ocupado e seja alegado ao Estado que não cumpre com sua função social, o imóvel pode ser desapropriado, tornando-se propriedade do Estado ou passado a outros particulares que se tornarão proprietários. Ou ainda, quando um imóvel ocupado é propriedade do Estado, pode-se buscar negociações com o mesmo para que aqueles que ocupam tenham a concessão de uso do espaço. Portanto, terão a posse, enquanto o proprietário será o Estado.

Todo proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário, ainda que detenha “alguns dos poderes inerentes à propriedade” (art. 1196 do Direito Civil). O que diferencia o possuidor do proprietário é principalmente sua capacidade de venda do imóvel. E se faço esse breve apanhado de como o Direito moderno entende a ocupação é para demonstrar que, nessa perspectiva, toda ocupação é uma forma de contrainventar propriedades e indivíduos proprietários. Desse modo, quando partimos para a análise dos movimentos dos trabalhadores rurais sem-terra ou daqueles que lutam por moradias dignas nas áreas urbanas, tornar-se um proprietário via ocupação ou fazer do Estado proprietário para se ter a posse, de forma coletiva e de concessão de uso, é o que vai garantir às pessoas a permanência no imóvel ou na terra. Mas novos contornos surgem para o conceito de ocupação, por meio desses movimentos sociais, quando a ocupação é vista, sobretudo, como uma ferramenta política de explicitação das desigualdades sociais.

A ociosidade das terras, prédios e casas ocupadas é o principal argumento jurídico acionado pelos manifestantes do MST e dos movimentos de luta por moradia no meio urbano, aspecto considerado crime pela Constituição Federal. De acordo com Boulos (2012), ativista do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), nos artigos 5 e 170 da Constituição Federal está previsto que toda propriedade precisa cumprir com sua função social, ou seja, a propriedade tem que ter algum uso (seja por moradia, trabalho ou qualquer outra ação que traga “benefícios à sociedade”). Ocupar, portanto, para esses movimentos, é uma estratégia de fazer valer a Lei expressa na Constituição Federal, que garante a moradia como um direito social e a obrigatoriedade da função social da propriedade. Como dizem os gritos das ruas, “Se morar é um privilégio, ocupar é um direito”, ou ainda, “se morar é um direito, ocupar é um dever”.

No que se refere à luta dos trabalhadores rurais, que inspiram muito do que há no conceito de ocupação, essa ferramenta política está profundamente vinculada à luta pela reforma agrária e pelo fim dos latifúndios. Foi uma estratégia utilizada para pressionar o Estado a tomar as medidas cabíveis para democratizar o uso da terra. Durante os anos 70/80, no início da criação do que então seria denominado MST - Movimento Sem-Terra, o lema vigente entre os trabalhadores rurais era “ocupação é a única solução” - negando qualquer negociação possível com o então governo nacional5 5 Ocupação é a única solução foi o lema surgido no primeiro encontro nacional do MST em 1985. Mais informações, ver Morissawa (2001). e utilizando-se da ocupação como uma forma de “obrigá-lo” a lidar com o problema da terra. Parece-me que os trabalhadores rurais sem-terra e aqueles que lutam por moradia nos centros urbanos têm em comum a utilização da ocupação como uma ferramenta para usufruir coletivamente de um bem, explicitando e nos ‘obrigando’ a ver e pensar sobre as desigualdades sociais inerentes à ideia de propriedade e de posse. Aqueles que foram impedidos, pela ausência de oportunidades, de participar do jogo capitalista de compra e venda, utilizam-se da ocupação como um meio de garantir a gerência autônoma e coletiva da vida.

Mas a ocupação não é utilizada apenas quando se almeja a posse permanente do espaço ocupado. Há outras formas de ocupação, como demonstraram os secundaristas e universitários nas mobilizações nacionais de 2014, 2015 e 2016, ou como nos lembram os movimentos sem-terra, indígenas, quilombolas ou da luta por moradia, quando ocupam os prédios governamentais responsáveis pela demarcação das terras ou pela garantia de habitações. Essas ocupações são, a princípio, movidas por certas pautas reivindicatórias concretas - pressionar para que o Estado cumpra seu papel na garantia dos direitos - e são respaldadas juridicamente pelo direito à livre manifestação. São temporárias e acontecem como um meio de travar o funcionamento da máquina burocrática estatal, atentando-nos para as pautas daqueles que reivindicam e produzindo novos sentidos e significados para aqueles espaços públicos.

O que há de mais interessante nesses movimentos não são apenas as pautas que mobilizam, nem os argumentos jurídicos utilizados para convencer o Estado da legitimidade da ação (ainda que sejam fundamentais, principalmente como uma estratégia para tentar conter minimamente sua força repressiva). O interessante, e que transversaliza todas as formas de ocupar aqui descritas, é o que se produz no processo. Inventam-se outras lógicas de relações, de troca, de solidariedade, outros afetos e desejos. Produz-se um tempo-espaço de um cotidiano inventivo que nos mobiliza a pensar sobre a lógica do capital que sempre faz prevalecer a propriedade em detrimento da vida.6 6 A fala de uma estudante que participou dos movimentos de ocupações em São Paulo demonstra muito da capacidade de subversão dos espaços e dos afetos a partir das ocupações: “A gente tem várias enormes árvores na escola e nunca fez uma aula fora, nunca fez uma aula para descobrir quais as espécies das árvores, nunca fez uma aula embaixo da árvore. Sempre em parques, em passeios da escola, se tinha uma árvore eu subia. Quando a gente ocupou a escola, a primeira coisa que eu falei foi ‘nossa, a gente vai poder subir na árvore!’. Me lembro que uma vez eu subi e minha professora me perguntou ‘o que você está fazendo?’. ‘Ué? Subindo na árvore!’. ‘Desce daí!’. E isso ficou na minha cabeça… Uma árvore é vista como uma coisa tão extraordinária, tão perigosa...” (Coletivo Contrafilé, 2016: 13)

Nesse sentido, o modo como a ocupação é vivida e conceituada pelos diversos movimentos sociais vai de encontro à concepção jurídica de ocupação. O que os diversos movimentos sociais parecem apontar, muito próximo de quando Davi Kopenawa designa os brancos como o “povo da mercadoria”, é que sempre há um proprietário para tudo. Um prédio no centro da cidade, ainda que esteja há anos abandonado, pertence a uma empreiteira que está esperando o momento certo do boom imobiliário para construir mais um arranha-céu; o latifúndio, ainda que a terra seja grilada e parte dela esteja em desuso, pertence ao fazendeiro, nos forjados papéis; a Escola ou Universidade, ainda que não contemplem os anseios de educação da comunidade escolar ou universitária, pertencem ao Estado - como ente burocrático e abstrato. Porque o termo correlato da propriedade é o indivíduo. Há sempre um dono para cada coisa.

Porém, encontramos entre os movimentos sociais uma dupla relação. Enquanto acionam a propriedade por meio da mínima garantia de direitos, que é o modo como o Estado procede, também negam a propriedade como única e exclusiva forma de lidar com os espaços e com as pessoas. Por conta disso, os indígenas e quilombolas dizem que não é a terra que pertence ao homem, mas o homem que pertence à terra (Bispo, 2018); os sem-terra afirmam que “não podemos ser senhores do ambiente, apenas administradores, encarregados de cuidar” (MST, 2000MST. 2000. Nossos Valores - caderno do educando. Para soletrar a liberdade, n. 1. São Paulo: MST.: 7); e os trabalhadores sem-teto afirmam que a luta por moradia não é a luta pela manutenção dos privilégios, ou para a garantia de casa para alguns poucos, mas para que todos possam ter onde morar. De alguma forma é isso que os secundaristas fizeram. Lembraram que as escolas públicas não são propriedades do Estado, mas é ele, como administrador, e a Escola que devem responder aos anseios da comunidade escolar.

Ocupar, como estratégia política, é uma ação. E faz com que todos aqueles que presenciam tal ação tenham que se posicionar diante dela, como atenta um dos trabalhadores sem-terra: “A ocupação (…) é uma forma de luta contundente, não deixa ninguém ficar em cima do muro, ‘obriga’ a todos os setores da sociedade a dizerem se são a favor ou contra. Não há, enfim, oportunidade para escamotear o problema social” (MST, 2000MST. 2000. Nossos Valores - caderno do educando. Para soletrar a liberdade, n. 1. São Paulo: MST.: 18). A ocupação desencadeia uma tomada de posição, tanto por aqueles que ocupam ou que têm seu imóvel ocupado, quanto por aqueles que observam o movimento acontecer. Principalmente, claro, pressiona o Estado, como agente regulador de conflitos, a se posicionar. Dessa forma, a ocupação gera um impasse porque bloqueia, em um sobressalto, o fluxo da suposta normalidade das coisas.

Nessas perspectivas, toda ocupação implica tomar para si o mundo que nos foi negado participar - o mundo da posse e da propriedade. Ocupar implica também enfrentar as lógicas capitalistas, que tão facilmente nos desapossaram do mundo, em criar outros modos de inventá-lo ou, como Pelbart (2016PELBART, Peter Pal. 2016. Carta aberta aos secundaristas. Disponível em: <http://cgceducacao.com.br/carta-aberta-aos-secundaristas/>.
http://cgceducacao.com.br/carta-aberta-a...
) designou em relação às ocupações dos secundaristas, apresentar uma nova “imaginação política”, em que desejos se potencializam e materializam ações e tomadas de decisões coletivas. Ocupar, dessa forma, é explicitar as desigualdades na exata medida em que se inventa outro território, uma linha de fuga às propriedades.

De pronto, já não se tolera o que antes se tolerava, e passa-se a desejar o que antes era impensável. Isso significa que a fronteira entre o intolerável e o desejável se desloca - e sem que se entenda como nem por quê, de pronto parece que tudo mudou: ninguém aceita mais o que antes parecia inevitável (a escola disciplinadora, a hierarquia arbitrária, a degradação das condições de ensino), e todos exigem o que antes parecia inimaginável (a inversão das prioridades entre o público e o privado, a primazia da voz dos estudantes, a possibilidade de imaginar uma outra escola, um outro ensino, uma outra juventude, inclusive uma outra sociedade!). (Pelbart, 2016PELBART, Peter Pal. 2016. Carta aberta aos secundaristas. Disponível em: <http://cgceducacao.com.br/carta-aberta-aos-secundaristas/>.
http://cgceducacao.com.br/carta-aberta-a...
)

O ORIXÁ QUANDO OCUPA

Se entre os movimentos sociais ocupação nomeia uma ação política, entre os adeptos do Batuque, religião de culto aos Orixás muito comum no Rio Grande do Sul, ocupação serve para designar a relação estabelecida entre Orixás e humanos. Em um ipádè, uma das Yas comentou que as Yalorixás utilizavam o termo para designar o processo de manifestação do Orixá, também denominado Santo.7 7 Existe toda uma discussão sobre a equivalência ou não desses termos para os próprios adeptos das religiões de matriz africana (ver Opipari, 2009: cap. IV). Aqui tomo por equivalentes. De modo geral, Orixás podem ser percebidos como potências inerentes aos elementos e forças da natureza (Ogum o ferro, Xangô trovão, Iemanjá mar, por exemplo); mas também podem assumir formas humanas (Ogum guerreiro, Xangô justiceiro, Iemanjá senhora mãe). E cada um destes Orixás possui diversas “qualidades”, manifestadas em diferentes nomes. No Candomblé e no Batuque, ao iniciado será designado um Orixá com suas qualidades específicas. E, como nos diz Goldman (2012: 275), é a partir do processo de feitura, ou seja, com uma série de ritualísticas, que estabelecerão uma relação mais substancial entre humano e Orixá que passa a ser chamado de Santo. Na Morada da Paz a designação Santo não é utilizada, apenas muito raramente, em conversas informais. E, como não há um processo de feitura tal como nas casas de Candomblé e Batuque, essa distinção entre Santo e Orixá não existe. Nesse movimento que ocorre nas casas de Batuque, o corpo é o território ocupado. De todo modo, na Morada da Paz muito dificilmente encontramos o termo ocupar referenciando tais situações, sendo mais comum o termo incorporação. Sem dúvida, é curiosa e interessante a intensa criatividade dos adeptos de terreiro para nomear essa relação - ocupar, incorporar, virar, receber, dar passagem, dar corpo, manifestar - que se contrapõe às clássicas nomeações da antropologia, um tanto empobrecidas, como possessão e transe.

Essa relação complexa entre Orixás e humanos dá-se por uma noção de pessoa em que o ser humano, tal como Goldman nos diz sobre o Candomblé Angola, “é pensado (…) como uma síntese complexa, resultante da coexistência de uma série de componentes materiais e imateriais - o corpo (ara), o Ori, os orixás, o Erê, o Egum, o Exu” (Goldman, 1985: 38). Ou, talvez, como a descreveu um dos interlocutores de Opipari, durante seu trabalho de campo com casas de Candomblé em São Paulo:

O ser humano é a mesma coisa que na Igreja católica, ele tem um corpo e uma alma, independente de qualquer outra coisa que ele venha a ter um dia, tá? Mas, para mim, ele tem um corpo e uma alma, é normal, só que ele tem alguma coisa a mais, são essas coisas que completam ele tudo. (Opipari, 2009OPIPARI, Carmen. 2009. O Candomblé: Imagens em Movimento. São Paulo, Edusp., 189).

Assim, as religiões afro-brasileiras nos apresentam uma outra forma de pensar a constituição da pessoa, que não a unidade fechada (do binarismo espírito e corpo) e homogênea do indivíduo, em que o Direito moderno ocidental se assenta. Os sujeitos são permeados por outros seres, por componentes imateriais que os “completam”. Por conta disso, os iniciados no culto aos Orixás desenvolvem intensas técnicas de cuidado para a manutenção das relações que estabelecem com esses outros. De modo geral, é aspecto comum que haja uma série de ritualísticas complexas que vinculam os humanos aos Orixás, ou seja, que envolvem a “feitura” (como se diz no Candomblé e no Batuque) tanto do Santo, quanto do Ori (cabeça) do sujeito iniciado (ver Goldman 2005a; 2009). Mas, importante dizer, a feitura em questão efetiva uma relação previamente existente entre humano e Orixá.8 8 Assim nos narra Rabelo (2014: 81) sobre Dona Detinha, Ya, ainda que sem casa aberta, com quem conviveu no Ilê Axé Alá Key Koysan, da Nação Ketu, em Salvador: “Na iniciação são feitos o orixá e seu filho humano, ou melhor, é efetivada uma relação entre eles, relação que já existia (embora não soubesse, dona Dete sempre foi filha de Oxum e, portanto, sempre sofreu a interferência deste orixá em sua vida), mas que ainda não foi propriamente cultivada”. Dessa forma, Rabelo nos diz, “a feitura abre o caminho para que essa relação seja objeto de investimentos e cuidados e, neste sentido, institui uma história” (2014RABELO, Miriam. 2014. Enredos, Feituras e Modos de Cuidado: dimensões da vida e da convivência no candomblé. Salvador, Edufba.: 81).

Como lembrou um médium de umbanda ao etnógrafo Barbosa Neto (2012)BARBOSA NETO, Edgar. 2012. A Máquina do Mundo: variações sobre o Politeísmo em coletivos afrobrasileiros. Rio de Janeiro, Tese de doutorado, Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro., “cada casa é um caso”, o que nos leva a considerar a variação dos modos rituais de estabelecer as relações entre Orixás e humanos nas muitas perspectivas que comumente são categorizadas como “religiões de matriz africana” ou “religiões afro-brasileiras”.9 9 Esta é uma das questões centrais da tese de Barbosa Neto (2012) que tem como objeto teórico descrever as complexas relações oriundas das religiões de matriz africana com o intuito de pensar um conceito de coletivo que não implique totalidade. Retomo um adendo, realizado por Goldman (2011: nota 2) a respeito da concepção de “matriz africana” que acredito ser importante: “Religiões de matriz africana no Brasil” me parece uma fórmula sintética preferível às tradicionais expressões “religiões africanas no Brasil”, “religiões afro-brasileiras” ou, pior, “cultos afro-brasileiros”. Isso porque o termo “matriz” tem a vantagem de poder ser entendido, simultaneamente, em seu sentido de algo que “dá origem a alguma coisa” - o que respeita, além de utilizar, o uso nativo, sempre preocupado em relacionar essas religiões com uma África que não acredito ser nem real, nem imaginária, nem simbólica, mas dotada de um sentido existencial - e, ainda, em seu sentido matemático ou topológico (“matriz de transformações”), que aponta para o tipo de relação que acredito existir entre as diferentes atualizações dessas religiões e, ao mesmo tempo, para o método transformacional que penso necessário para seu tratamento analítico”. Da mesma forma, varia como se entende as intensidades de manifestações. Nem todo o iniciado é ocupado pelo Santo. E, naqueles que o são, o processo de incorporação é entendido como a manifestação de um fragmento de uma força muito maior, cuja intensidade seria insuportável ao corpo humano. Nas casas de Batuque e de Candomblé os iniciados que o Santo ocupa manifestam o Orixá que é dito, com o jogo de búzios, ser “o dono da cabeça” e o manifestam, sobretudo, em momentos rituais. No caso da Morada da Paz, é comum que um médium manifeste diferentes entidades - como chamam na Morada os seres invisíveis que povoam o cosmos, incluindo Orixás, caboclos, pretos-velhos, eguns, entre outros. E as manifestações podem acontecer também fora do espaço ritual, pois dizem que “as entidades sabem quando precisam vir”, me explicou certa vez Akogum, iaô da comunidade.

O Santo, quando ocupa, não ocupa um corpo vazio. É uma força tão potente, que o sujeito acaba dando passagem, ou dando corpo, para o Santo ocupar. Goldman descreve isso como um processo semelhante ao de morte: “Isto porque são os próprios deuses que se manifestam, e para que isto se torne possível é necessário que, não o corpo, mas aquilo que o anima se afaste, num movimento semelhante ao que ocorre na morte, cedendo assim o espaço no qual se encarnará o orixá” (1985: 47). Pelo que pude aprender das minhas vivências na Morada, essa incorporação, ou ocupação, é produzida em um ímpeto. A depender do sujeito e do contexto, um ímpeto produzido pelo auxílio dos tambores, dos cânticos e das rezas sagradas.

A aproximação entre a entidade e o médium, ou o Santo e seu cavalo, pode ocorrer de muitas formas. Na Morada da Paz, há casos em que, dizem, a entidade está apenas encostando10 10 Certa vez, em uma chamada das entidades dedicada às pombas-giras e aos exus, eu tive um ataque de riso. Estava plenamente consciente, não senti no corpo nada que se assemelhasse aos processos de incorporação pelos quais eu já passei. Mas não conseguia parar de rir. Assim que a chamada terminou, a irmandade inteira foi até a cozinha para jantar e começamos a falar sobre a chamada. As egbomis e Yas que estavam presentes comentaram que eu estava com uma gira e eu fui enfática em dizer que não, que tinha plena certeza de que não estava incorporada. Riram da minha ingenuidade por minha insistência em negar - afinal, eu “sabia” o que era estar incorporada e eu tinha certeza que aquilo não era incorporação. Até que Yabace, perdendo a paciência com minha teimosia, ironicamente me questionou: “Folaiyan [nome pelo qual sou reconhecida no território], quanto tempo do dia tu acha que tu é tu mesma?”. . E quando se manifesta, diz-se que pode ser de modo semiconsciente ou inconsciente. Há médiuns que não lembram de absolutamente nada do que ocorreu no processo de manifestação e há médiuns que acompanham o que acontece como se fossem espectadores dos movimentos e falas manifestados a partir de seu próprio corpo. E, devido a essas variações na relação entre sujeito e Orixá, cada incorporação e cada desincorporação são muito particulares, variam conforme a entidade que se manifesta e conforme o médium em questão. Nas casas de Batuque e Candomblé, até onde eu sei, a ocupação é atribuída apenas às manifestações inconscientes e no caso das casas de Batuque, o sujeito que manifesta o Orixá não sabe que o faz. Para a Morada da Paz, é impossível não saber que se entrará em um processo de incorporação, ainda que a manifestação seja inconsciente.

Interessante perceber que nas relações entre entidades e médiuns, as forças que ocupam não são forças que ‘possuem’ o sujeito, pois o termo possuir não é equivalente ao termo ocupar, como me explicou Yashodhan. Ao contrário disso, disse-me que possuído é uma palavra utilizada de forma pejorativa, principalmente pelas religiões neopentecostais, para designar os processos de incorporação: “ele está possuído”. Essa concepção dá a conotação de que aquilo que está possuindo o sujeito é externo a ele mesmo, pois concebe o sujeito como uma unidade bem delimitada. No Batuque, disse-me ela, o Santo não possui, o Santo toma, o Santo ocupa. E, nesse processo, as forças que ocupam, que podem ser um ou mais Orixás, nada mais são do que as forças que constituem o próprio sujeito - e em um processo de singularização são também constituídas por ele - mas que não são o sujeito em si11 11 Lembro-me de uma passagem descrita por dos Anjos (2006: 109) em seu trabalho de campo realizado em uma casa de Batuque no RS, em que vemos a descontinuidade da relação Orixá/humano: “É o caso dessa mãe de santo que se referindo ao comportamento ético de um de seus filhos-de-santo dizia: ‘às vezes, a pessoa tem um santo bonito, um santo muito bom, mas o aparelho é ruim. Aí não dá pra manter ele em casa’”. Fica patente nessa fala a cisão entre o status conferido pelo orixá no momento da incorporação (“de se ocupar”) e o caráter cotidiano do indivíduo. .

Por isso, brinca-se com os usos da linguagem, tais como uma frase que muito falamos no cotidiano comunitário: “o Xangô de Alakoto”. Logo uma das Yas nos corrige, “não é o Xangô que é de Alakoto, mas Alakoto que é filha de Xangô!”. Alakoto, que é filha de Xangô, também manifesta Oxalá, e outras tantas entidades com as quais têm cruza, mas que não a ‘possuem’. Ainda assim, compartilha-se a ideia de que uma entidade que se manifesta em um sujeito é singular, mesmo que um sujeito possa vir a manifestar uma entidade que ‘normalmente’ se manifesta em outra pessoa. Mãe Preta, por exemplo, manifestava tanto em Yashodhan quanto em outra médium que não mais participa do grupo, quando Yashodhan não podia ser canal.

Se, nos termos dos movimentos políticos, a ocupação opera em outro regime de verdade que não aquele sustentado pelo conceito de propriedade (e seu correlato indivíduo proprietário), nos termos das religiões de matriz africana e da espiritualidade vivida na Morada da Paz, a ocupação, ou seja, o processo de manifestação do Orixá, opera em outro regime que não o da individualidade (e seu correlato propriedade). Refiro-me àquela imagem do indivíduo cujas fronteiras do Eu são bem demarcadas, cuja racionalidade fornece as bases para se ter o controle sobre o que se é, sobre o ‘seu’ corpo, sobre ‘seus’ pensamentos e ações. O indivíduo como proprietário e possuidor de si mesmo12 12 O Comitê Invisível caracterizou bem a individualização ocidental em “A Insurreição que vem” (2013: 17-18): “EU SOU AQUILO QUE SOU. O meu corpo pertence-me. Eu sou eu, tu és tu, e isto não vai nada bem. Personalização de massa. Individualização de todas as condições — de vida, de trabalho, de infelicidade. Esquizofrenia difusa. Depressão galopante. Atomização em pequenas partículas paranóicas. Histerização do contacto. Quanto mais quero ser Eu, maior é a sensação de vazio. Quanto mais me exprimo, mais me esgoto. Quanto mais vou atrás das coisas, mais cansado fico. Eu ocupo-me, tu ocupas-te, nós ocupamo-nos do nosso Eu como num entediante balcão de atendimento. Tornamo-nos os representantes de nós próprios — estranho comércio, fiadores de uma personalização que se assemelha, afinal, a uma amputação. Afiançamos até a ruína, com uma falta de jeito mais ou menos disfarçada”. , cuja relação que estabelece com a divindade é pela transcendência - uma divindade que, de alguma forma, está fora do mundo. Nesse sentido, como aponta Anjos (2008ANJOS, José Carlos Gomes dos. 2008. “A Filosofia política da religiosidade afro-brasileira como patrimônio cultural africano”. Debates do NER, v. 13, 77-96.), num ritual de terreiro não existe apenas uma prática ritualística, mas uma filosofia da identidade.

A ocupação pode ser definida e utilizada de muitas formas, mas o que me parece transversal nas definições e usos do termo aqui apresentados, é: tomar de sobressalto algo que disseram e tentaram nos convencer ter um proprietário - seja o corpo, seja o território. Ocupar é um ímpeto, uma força contagiante com grande capacidade de mobilização e que nos ‘obriga’ a atentar ao processo e às questões que ele coloca. Interessante perceber que o termo obrigação nas casas de Candomblé e de Batuque é muito utilizado e refere-se ao cuidado e ao cultivo da relação que o iniciado precisa ter e manter com a divindade. No corpo do médium, ocupação é o coração que palpita em um crescente de intensidade - a tontura, as dores, o suor frio que toma conta das mãos, a fraqueza das pernas que tiram o equilíbrio do corpo. “Obriga”-nos a atentar para uma força externa que afeta um corpo que, mesmo de idade avançada, dança por longas horas, distribuindo axé.

De modo semelhante, em 2015 e 2016, em todo Brasil, aconteceu com os secundaristas. Jovens ocuparam suas escolas e universidades, levando-nos, envolvidos ou não no processo, a atentar para o desmantelamento da educação pública. Ocupar é o inesperado, quando se surpreende aqueles que se consideram “proprietários”, mas também o urgente, para aqueles que não encontram outras possibilidades de lutar pela vida, de afirmar sua existência: “ocupo para existir”, dizem os secundaristas de São Paulo.13 13 Frase encontrada no livro “A Batalha do Vivo”, de autoria do coletivo Contrafilé com vários secundaristas que participaram das manifestações de 2014. Talvez um adepto das religiões afro-brasileiras dissesse o mesmo, mas ao contrário: “sou ocupado para existir”14 14 Uma das antigas integrantes da Morada e médium, que já não mais frequentava a comunidade e nenhuma outra casa, contou-me que durante um tempo passou muitas noites em claro sem conseguir dormir, o que dificultava consideravelmente seu trabalho e a gerência da vida em geral. Segundo ela, “estava quase enlouquecendo!”. Foi a um centro espiritualista próximo a sua casa e uma entidade se manifestou dizendo que ela precisava voltar ao trabalho espiritual. Como dito, ela é médium e dava corpo às entidades para o atendimento às pessoas que procuravam conforto espiritual. Aos poucos, ela explicou a entidade que recém havia saído da comunidade e que ainda estava buscando outra casa para desenvolver seus trabalhos, mas que precisaria conseguir descansar para conseguir lidar com a vida diária sem enlouquecer. Negociação aceita pela entidade. Esse é um dos exemplos, das inúmeras histórias que escutamos sobre a necessidade que muitos médiuns têm, para garantir o bem-estar da sua própria existência, em colocar-se a serviço da espiritualidade para os trabalhos espirituais. ou, em outro sentido de ocupação, como cuidado de si e portanto com o Outro, “me ocupo com o Orixá para existir”.15 15 Rabelo (2014: 225), ao narrar a relação estabelecida ente o iniciado e o otá (que no candomblé é a pedra no qual o Orixá é assentado) durante o ossé (termo para referir o banho no assentamento de santo): “O corpo, sem dúvida, afeta - dirige-se a uma situação, concentra-se no poder das mãos e ativamente se engaja com as coisas, pondo em movimento certas relações entre elas. Também é afetado: invadido pelo cheiro, impactado pela dureza da pedra, desafiado pela resistência do sangue coagulado e mobilizado por um espetáculo. Nesse envolvimento sensível transforma-se e vem a assumir nova identidade. É o filho de santo que se faz no cuidado com o orixá. No outro polo do corpo móvel e senciente, a pedra converte-se também em algo novo, é o santo que se revela enquanto objeto de cuidado.”.

A GUERRA CÓSMICA EM CURSO

Os movimentos sociais tomam a ocupação como uma ação a ser exercida, pois são eles que ocupam. Já a cosmovisão afro-religiosa faz dos sujeitos aqueles que são ocupados, e a centralidade da ocupação está na relação entre essas forças e o corpo. Uma certa passividade do humano que é só aparente, pois a ocupação só acontece, como dito, por meio de uma série de ritualísticas que reforçam e refazem a vinculação estabelecida entre entidades e humanos. Isso porque, e talvez possamos elencar como outro elemento transversal nessas formas de ocupação: quando ocupamos, também somos ocupados por certas forças que constituem aquilo que ocupamos. Um território, por exemplo, com suas constituições próprias, quando ocupado, de alguma forma também ocupa aqueles que o ocuparam, na medida em que apresenta certos biomas, características, necessidades, condicionantes. Algo semelhante ocorre nos terreiros, onde é certo que Alakoto é de Xangô, na exata medida em que o Xangô se manifesta de modo singular em Alakoto. No processo de ocupação, ambos os termos da relação se constituem e se afetam mutuamente.

A Morada da Paz, quando nos fala em ocupar mentes e corações utiliza o verbo como uma ação a ser exercida por ela - humanos e não-humanos que ali trabalham juntos. Afinal, é a Morada que se coloca no papel de ocupar. Uma ação experimental e criativa, produzida em um ímpeto que ‘obriga’ o pensamento e a tomada de posição. Porém, não mobiliza esse verbo do mesmo modo que os movimentos sociais. Não busca garantia de direitos perante o Estado, muito menos a posse, temporária ou permanente, de imóveis para a gerência da vida. Ao mesmo tempo, não utiliza a expressão no sentido dado à ocupação nas casas de Batuque, ou como se refere aos processos de incorporação. Ainda que o central nas suas ações esteja nos corpos e na relação com forças e seres invisíveis que o perpassam. E também numa atenção ao ímpeto de ocupar, que faz as forças estabelecidas “darem passagem” a um outro modo de existência. De todo modo, ocupar mentes e corações atua na decomposição das relações que sustentam as noções de indivíduo e de propriedade, sustentáculos da modernidade ocidental.

Para a Morada, o cosmos é povoado de forças e seres invisíveis que atravessam, apropriam-se, interagem, habitam, fortalecem ou enfraquecem os seres visíveis, os sujeitos, os grupos, os objetos, o que convencionamos chamar de ‘natureza’ e tudo mais que seria da ordem de uma dada materialidade física. As forças cósmicas são conhecidas pelos seus efeitos, por aquilo que provocam nos corpos, situações e territórios. O colonialismo, o capitalismo, o racismo, o machismo, xenofobia, lgbtqifobia e a devastação ambiental são percebidos como materializações das forças cósmicas destrutivas, cujas existências são anteriores as suas materializações. Além dessas forças que povoam o cosmos serem dadas a ver nas suas consequências materiais, a comunicação com elas ocorre também através do que chamam mediunidade. A mediunidade, para a Morada da Paz, é um aspecto orgânico que constitui todos os seres, ou seja, não é um dom de apenas alguns ou algo a ser desenvolvido. Antes de tudo, é algo a ser reconhecido, visto que fomos ensinadas a ignorá-la. Dá-se pelos pontos energéticos que constituem os corpos dos sujeitos, os chamados chakras por meio dos quais essas energias ou seres adentram ou perpassam os sujeitos e produzem efeitos. Foi caracterizada por Ikowè, antiga egbomi, como uma atenção ao detalhe.

Certa vez, parte da irmandade da Morada da Paz reuniu-se em Porto Alegre com a finalidade única e exclusiva de fazermos uma oração coletiva com o intuito de “emanar paz ao mundo”, orientadas pelas Yas. Logo depois de realizada, algumas pessoas da irmandade começaram a falar de compras e do dinheiro que necessitávamos para ritualísticas específicas. Ikowè disse que não era momento para conversar sobre isso, mas mesmo assim insistiram. A situação acabou gerando tensionamentos entre todos. Já era noite e algumas pessoas precisavam pegar ônibus de volta às suas casas, outras estavam imersas nos gastos e custos com os quais precisariam arcar. Nesse contexto de tensionamento, uma das crianças começou a chorar e uma das iaôs sentiu dor de barriga. Em meio a essas situações simultâneas, Exu se manifestou em Tojù, antiga iaô, para limpar o local, fazendo com que todos permanecessem em silêncio e interrompessem o assunto. Foi depois dessa situação que Ikowè nos repreendeu por “abrirmos um campo energético” de tensionamentos, e disse que era necessário atentar às situações, aos momentos, pois somos médiuns e “mediunidade é detalhe”.

Soma-se a isso o que Yashodhan me explicou certa vez, de que “a espiritualidade não tem lado”. Ou seja, essas forças e seres invisíveis podem ser de potência, das luzes, ou destrutivas, energias densas, que servem às trevas. Não é possível reduzir a ideia de forças das trevas e forças das luzes nos termos cristãos de Deus e Diabo ou Bem e Mal. Primeiro porque tanto em um quanto em outro não há a existência de figuras únicas. Para fazer um trocadilho com as comuns perseguições policiais, que são, diga-se de passagem, por demais cristãs, nem nas luzes ou nas trevas há líderes. São os propósitos comuns, explicam-me as Yas, entre diferentes forças, entidades e seres que possibilitam a unidade. O que formam esses dois mundos em guerra são as relações que consolidam e ao que servem. É possível que um mesmo sujeito conecte-se com essas duas forças, fazendo do seu próprio corpo um território em disputa. Por isso continuamente as Yas nos alertam para a necessidade de vigiar nossas ações e formas-pensamentos e formas-sentimentos, para não dar passagem a elementos e seres que trabalham para as forças das trevas.

Suas designações são anteriores, na medida em que sabem que forças das trevas e forças das luzes agem sobre o mundo visível, mas elas só são dadas a conhecer quando se encontram com os sujeitos que, então, as designam. São conhecidas pelos efeitos que produzem, sejam eles nefastos, sejam eles benéficos. Por isso, penso essas relações, entre luzes e trevas respectivamente como bons encontros e maus encontros, nos termos propostos por Espinosa - que eu recupero aqui através de Deleuze (2002DELEUZE, Gilles. 2002. Espinoza - filosofia prática. São Paulo: Escuta.; 2017DELEUZE, Gilles. 2017. Espinosa e o problema da expressão. São Paulo: Ed. 34.). Quero dizer com isso que é importante diferenciarmos as luzes e as trevas dos valores moralizantes e transcendentes de Bem e de Mal para pensá-los por diferenças qualitativas dos modos de existência. O bom encontro ocorre quando um “um corpo compõe diretamente a sua relação com o nosso, e, com toda ou com uma parte de sua potência, aumenta a nossa”, fortalecendo nossa potência de agir, por exemplo quando nos alimentamos. O mau encontro pauta-se, ao contrário, pela decomposição. É quando um corpo, ao nos encontrar decompõe a relação do nosso, apesar de compor com as nossas partes, “mas sob outras relações que aquelas que correspondem à nossa essência”, por exemplo quando ingerimos veneno, como o agrotóxico que decompõe as relações do nosso corpo e atua na produção de cânceres.

Bom e mau têm pois primeiro sentido, objetivo, mas relativo e parcial: o que convém à nossa natureza e o que não convém. E, em consequência, bom e mau têm um segundo sentido, subjetivo e modal, qualificando dois tipos, dois modos de existência do homem: será dito bom (ou livre, ou razoável, ou forte) aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os encontros, por se unir ao que convém à sua natureza, por compor a sua relação com relações combináveis e, por esse meio, aumentar sua potência. Pois a bondade tem a ver com o dinamismo, a potência e a composição de potências. Dir-se-á mau, ou escravo, ou fraco, ou insensato, aquele que vive ao acaso dos encontros, que se contenta em sofrer as consequências, pronto a gemer e a acusar toda vez que o efeito sofrido se mostra contrário e se revela a sua própria impotência. (Deleuze, 2017DELEUZE, Gilles. 2017. Espinosa e o problema da expressão. São Paulo: Ed. 34.: 28-29)

Mas fraco ou forte também não são instâncias absolutas. O fraco é aquele que, qualquer que seja sua força, está separado de sua potência de agir. O forte, ao contrário, está pleno de sua potência de agir. São ambas consequências de afecções passivas, porque se explicam por um corpo exterior, que produzem sobretudo paixões, ou afetos, alegres e/ou tristes. As paixões alegres são aquelas que existem nos bons encontros, que aumentam a potência de agir, e as tristes são aquelas que existem nos maus encontros, que diminuem a essa mesma potência. Há, sem dúvida, um esforço da Morada para organizar ao máximo encontros com paixões alegres - é disso que se trata a guerra cósmica que travam, onde ocupar surge como uma estratégia de guerra.

Há tempos a Yaba ancestral Mãe Preta tem nos alertado para a importância de não perdermos a esperança e o desejo de construir um outro mundo possível. Tem atentado para tomarmos cuidado com o medo, tristeza, ódio, egoísmo, sede de poder e tudo mais que gera a destruição, pois o que as forças das trevas querem, como diz, é que desistamos da alegria, do amor, da solidariedade e da esperança, ou seja, que acreditemos que esses sentimentos não nos pertencem. O que as forças das trevas querem, segundo Mãe Preta, é que acreditemos que as trevas venceram e tomaram o mundo e os sujeitos, ou seja, que “não tem mais jeito. Mas tudo tem jeito nessa vida, viu?”, diz enquanto pita seu cachimbo. Ocupar mentes e corações é negar essa posse do mundo e dos sujeitos pelas forças das trevas. É, portanto, habitar o mundo com outras formas de sentir e de pensar, produzir novos engajamentos, suscitar novos acontecimentos - o que, para a Morada da Paz, só poderia ocorrer por meio da aliança estabelecida entre humanos e não-humanos. Como disse Mãe Preta, enquanto dançávamos “para as almas” ao redor de uma panelinha de fogo após um longo dia de Muzunguê - como são chamados os atendimentos espirituais -, “é tempo de anjos e homens caminharem juntos”.

OCUPAR, RETOMAR, REATIVAR

Aproximo ocupar à ideia de “retomada” dos Tupinambá da Serra do Padeiro, que encontramos na etnografia de Ubinger (2012UBINGER, Helen Catalina. 2012. Os Tupinambá da Serra do Padeiro: Religiosidade e Territorialidade na Luta pela Terra Indígena. Salvador, Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia.).16 16 Ver também Couto (2008) e Alarcon (2013). Diz-nos a autora que por meio de uma percepção espiritual os Tupinambá da Serra elaboram suas investidas atuais para a “retomada” de suas terras. Por um passado colonial regado por mortes, dizem que a terra do qual são oriundos está “doente de sangue” e que precisa ser curada para poder libertar aqueles Tupinambá que foram mortos e dizimados pelo poder colonial. Por morrerem antes do tempo, encontram-se presos a este mundo. Essa “cura”, dizem os indígenas, precisa ocorrer por meio de uma resposta tupinambá que não é elaborada nos mesmos termos de “derrame de sangue”, mas pela cura de um território doente. É com vistas à cura que as “retomadas” são necessárias, retomadas da terra, da cultura e da vida indígena de modo em geral, como um meio de libertar os Tupinambá que foram mortos.17 17 Conforme diz o Cacique Babau: “(...) Os Tupinambá não trabalham pra quem é vivo, não luta pra quem tá vivo, o qual pode ser enxergado pelos olhos e pode ser derrubado por uma simples pedra no caminho. (...) Nós luta em nome de Tupã, o qual deixou, pra nossa proteção sobre a terra, os encantados, e o Tupinambá, ele é simplesmente vinte por cento matéria, e o restante, espiritualidade. Nós acredita no reino dos encantados e nós sabemos que a ligação direta para a existência do ser Tupinambá é a garantia do território, do território livre, de tudo isso que vocês vê sobre essa terra.(…) Tupinambá vive ali há centenas de anos. Quando Cabral aqui chegou, Tupinambá já morava na terra, terra dos encantados, altar sagrado ‒ nossa terra, e nós não arredamos um passo até agora. (...) Nós não abrimos mão da terra, falei pra eles: morrerei na prisão, mas nós não negociamos nosso direito pela terra, porque esse direito é de nossos antepassados, que morreram lutando e dos nossos netos e bisnetos, que virão no futuro.” (Ubinger, 2012: 59). Esse aspecto vai ao encontro da elaboração de Alarcon (2013) ao afirmar que os processos demarcatórios da terra por si só não abarcam as retomadas indígenas.

A dissertação de Ubinger traz dados valiosos sobre essa relação entre seres humanos e não-humanos - sejam os espíritos dos antepassados, sejam os encantados.18 18 Vale um adendo: encantados, para os Tupinambá, são espíritos que não morreram, mas por alguma benção divina transformaram-se em uma força da natureza, ou seres enviados por Tupã para comunicação com os humanos. Um fato marcante entre os diferentes momentos de territorialização dos Tupinambá no sul da Bahia ocorreu na década de 1950, e tem como protagonista o Velho João de Nô, que sofria de “loucura” por receber de forma descontrolada muitos encantados e visões do futuro. O pai de João de Nô, visto a situação do filho, decidiu levá-lo a sua tia em Salvador, que era ninguém menos que Mãe Menininha, Yalorixá do terreiro de Gantois, para que pudesse curá-lo. Ela, por sua vez, disse que não poderia fazer isso, pois ele já tinha o poder da cura e afirmou ainda que ele precisava voltar à Serra do Padeiro, pois tinha “uma sentença a cumprir”. Ao voltar, ele próprio se curou com um banho de ervas e passou a curar outros.

Na época, o Caboclo Tupinambá manifestava-se em João de Nô e dizia aos indígenas que “essa terra ia voltar a ser uma aldeia indígena”. Passou a receber inúmeras mensagens que alertavam sobre a necessidade de “retomar o território dos indígenas, além de uma preparação espiritual para o momento adequado a este procedimento de ‘resgate cultural e espiritual’, na tentativa de ‘levantar a aldeia’”. O tempo foi passando e na década de 80 os índios Pataxó, vizinhos dos Tupinambá, negociavam com a FUNAI a demarcação de suas terras. João de Nô, que na época havia falecido, informou que os encantados avisaram “que ainda não era o momento certo para entrarem no movimento indígena”, pois precisavam se fortalecer espiritualmente e “esperar os guerreiros” - a geração das lideranças Tupinambá que atua hoje (Ubinger, 2012UBINGER, Helen Catalina. 2012. Os Tupinambá da Serra do Padeiro: Religiosidade e Territorialidade na Luta pela Terra Indígena. Salvador, Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia.: 54). Alarcon (2013ALARCON, Daniela. 2013. “A forma retomada: contribuições para o estudo das retomadas de terras, a partir do caso Tupinambá da Serra do Padeiro”. Revista Ruris, v. 7, n. 1, 99-126.) nos apresenta interessantes dados etnográficos dos processos de retomada dos Tupinambá e sua articulação com os encantados.

Assim como a Morada da Paz vive e direciona suas lutas em função de uma guerra cósmica, os Tupinambá da Serra do Padeiro também vivenciam constantes “guerras espirituais” que afetam os corpos dos humanos, principalmente pela atuação dos mortos que vivem vagando pelo mundo e não encontraram paz, pois não têm uma terra onde descansar. Dessa forma, “retomar” a terra implica tanto o descanso dos antepassados, mas também o bem-estar físico e espiritual dos tupinambá humanos. Além disso, são os encantados, principal aliança estabelecida pelos Tupinambá, que querem a terra, como informa à Ubinger (2012UBINGER, Helen Catalina. 2012. Os Tupinambá da Serra do Padeiro: Religiosidade e Territorialidade na Luta pela Terra Indígena. Salvador, Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia.: 70) dona Rosa:

É, porque não é nós que quer, é uma coisa que é os encantados que quer o território, é deles, né, e se não fosse deles não tava tendo essa briga toda né, por essas terras, então é pedido deles que a terra tem que ser dos índios, dos antepassados e tem que continuar né, e é onde é pra manter a luta da terra pra manter também os encantados né, porque eu digo assim, se a gente não lutar, daqui a uns dias aí acaba tudo né, os brancos tomaram, como vinham tomando conta, e ninguém liga, ninguém acredita nos encantados mesmo, e aí tudo vai passando né…

A reciprocidade entre humanos e não-humanos merece destaque. Os encantados protegem os humanos e lhes dão informação de como proceder na luta pela terra. Mas, simultaneamente, necessitam dos indígenas humanos para “manter sua ‘força’ espiritual”. Diz-nos ela que “se os índios não acreditassem nesses entes, não seguissem seus conselhos ou não lutassem para assegurar a Terra Indígena, os encantados também perderiam seu poder ou ‘força’ espiritual e potencialmente desapareceriam” (idem, 2012: 70). Na Morada da Paz, as entidades, que ocupam um papel análogo aos encantados, visto serem elas que trazem orientações à comunidade e à vida coletiva, não deixariam de existir, mas os efeitos de suas ações no mundo seriam menores, mais contidos. Isso acarretaria um distanciamento entre humanos e não-humanos e dificultaria a participação deles na guerra cósmica, abrindo a possibilidade de maior investida pelas forças das trevas.

Outra relação entre ocupar e “retomar” é o fato de a luta Tupinambá estar diretamente relacionada contra o roubo da terra de seus antepassados e a luta por garantia de direitos. No caso da Morada, a luta não está restrita à questão da terra, ainda que passe por ela como um território de resistência negra recuperado.19 19 O território da comunidade foi adquirido coletivamente pelas mais velhas, oriundas de diferentes lugares da periferia de Porto Alegre. Cabe ressaltar que a compra do território também foi orientada pelas entidades. Naquele local, iniciaram a recuperação do solo, marcado pela monocultura de eucalipto, assim como também a recuperação dos seus saberes ancestrais kilombolas e de terreiro. Porém, se entendemos “retomada” não apenas do território físico, mas da composição de um modo de existência, novamente “retomada” e ocupação se aproximam. E aproximam-se também do conceito de “reclaim” - traduzido por “reativar”20 20 Segundo Jamile Pinheiro Dias, tradutora do texto “Reativar o Animismo”, de Isabelle Stengers: “Stengers explicita que “‘reclaiming’ é uma aventura tanto empírica quanto pragmática, pois não significa primordialmente retomar o que foi confiscado, mas aprender o que é necessário para habitar novamente o que foi destruído. ‘Reclaiming’, na verdade, está irredutivelmente associado a ‘curar’, ‘reapropriar’, ‘aprender/ ensinar de novo’, ‘lutar’, ‘tornar-se capaz de restaurar a vida onde ela se encontra envenenada’”. Decidimos pela tradução do verbo “to reclaim” como “reativar” a fim de abarcar o potencial terapêutico e político da ideia aqui proposta. Entretanto, nenhuma opção bastará em si como satisfatória. Fica o leitor advertido, primeiramente, de que a história do termo passa pela ligação entre magia e espiritualidade e transformação social e política; e, em segundo lugar, de que o “reativar” em jogo diz respeito não a um gesto nostálgico de repetição do passado, mas a ações e práticas situadas, norteadas pelo empirismo e pelo pragmatismo” (Ibidem., 2017: 8). , como sugeriu Goldman (2015GOLDMAN, Marcio. 2015. “Quinhentos Anos de Contato”: Por uma Teoria Etnográfica da (Contra)Mestiçagem. Mana: Estudos de Antropologia Social , v. 21, n. 3, 641-659. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21n3p641
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
) em relação à “retomada”.21 21 Segundo o autor, “devem ser entendidas literalmente no sentido proposto por Stengers para a noção de reclaim: não simplesmente lamentar o que se perdeu na nostalgia de um retorno a um tempo passado, mas sim recuperar e conquistar ao mesmo tempo” (Goldman, 2015: 656)

“Reclaim” é oriundo das bruxas neopagãs norte-americanas, especialmente do Reclaiming Tradition Witchcraft, uma organização fundada no início dos anos 1980, identificada como ecofeminista, tendo uma de suas principais fundadoras e participantes a ativista, bruxa e anarquista Starhawk. O termo surgiu a partir da luta antinuclear e propõe, basicamente, estreitar as relações entre política e espiritualidade, conectando o que chamam de religião da Deusa22 22 Como a autora coloca: “O simbolismo da Deusa não é uma estrutura paralela ao simbolismo de Deus-Pai. A Deusa não governa o mundo; ela é o mundo. Presente em cada um de nós, cada indivíduo pode conhecê-la interiormente, em toda a sua magnífica diversidade. Ela não legitima o governo de um sexo pelo outro e não cede autoridade a governantes de hierarquias temporais. Em Feitiçaria, cada um de nós deve revelar a sua própria verdade. A divindade é vista em suas formas próprias, sejam elas masculinas ou femininas, pois a deusa possui o seu aspecto masculino. A sexualidade é um sacramento. A religião é uma questão de reunião, com o divino dentro de nós e as suas manifestações externas em todo o universo humano e natural” (Starhawk, 1993: 26). com uma série de atos e organizações de desobediência civil não-violentas23 23 A título de exemplo, sugiro a leitura do capítulo Seattle, no livro Webs of Power (Starhawk, 2002), no qual a autora descreve o processo dos grupos de comunicação não-violenta organizados em atos de desobediência civil, em 1999, contra a OMC e suas decisões autoritárias que afetam questões trabalhistas, direitos humanos e ambientais. A autora narra tanto o processo organizativo, quanto sua execução e consequências. Conta-nos de seu período na prisão e de como a espiritualidade atravessou todos esses momentos. Sobretudo, engaja as leitoras e os leitores em um processo imaginativo de outras relações possíveis de trabalho, de relações ambientais, de vida. , assim como práticas comunitárias de permacultura.

Starhawk e suas companheiras “reativam” uma forma de relação com o mundo por meio do que ela chama de Antiga Religião ou Feitiçaria, um modo de lidar com forças da natureza que foi brutalmente dizimado no processo inquisitorial mais perverso vivido na Europa: a caça às bruxas. A caça às bruxas, como nos lembra Federici (2017FEDERICI, Silvia. 2017. O calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo, Editora Elefante.), marca também o início dos cercamentos dos campos comuns e da instauração da propriedade privada, com a expropriação das terras e consequente expulsão dos camponeses de seus lares. Não apenas praticantes da Arte, como Starhawk chama, mas sobretudo mulheres de modo geral, principalmente as mais pobres, assim como homossexuais ou livres pensadores, eram queimadas/os em praça pública. O conhecimento das práticas de feitiçaria foi cada vez mais destruído. A transmissão de conhecimento ficou reduzida a algumas famílias, tanto no velho continente quanto com os imigrantes que chegavam às Américas.

Esse processo de perseguição e devastação das práticas de bruxaria faz a autora aproximar a repressão experimentada pelas bruxas europeias e norte-americanas daquela época com a repressão ainda hoje vigente às religiões de matriz africana (Starhawk, 1993STARHAWK. 1993. A dança cósmica das feiticeiras: guia de rituais à grande Deusa. Rio de Janeiro, Nova Era (Grupo Editorial Record).: 22). Assim como os cercamentos e a expulsão dos camponeses com o advento da propriedade privada podem ser aproximados aos frequentes “roubos” de terras indígenas, como colocaram os Tupinambá, e também os quilombolas (Santos, 2018SANTOS, Antônio Bispo. 2018. “Somos da terra”. Piseagrama, Belo Horizonte, n. 12, 44 - 51.) - que, como observou Stengers (2015STENGERS, Isabelle. 2015. “O preço do progresso - conversa com Isabelle Stengers”. Revista DR, n. 4.), não implica apenas em expropriar bens, mas também conexões24 24 Em entrevista, Isabelle Stengers (2015) nos diz: “No fim de A feitiçaria capitalista nós evocamos as feiticeiras neopagãs nos Estados Unidos. É um movimento político próximo aos anarquistas que faz lembrar que a Europa se tornou moderna erradicando a cultura camponesa anunciando assim o que faria sofrer aos povos e civilizações colonizados. Essa destruição em nome do progresso começou a ser feita dentro das próprias fronteiras. As feiticeiras neopagãs procuram não esquecer que o capitalismo não apenas explora mas expropria: ele captura práticas e inteligências coletivas e as redefine a seu modo pela destruição e a apropriação. (…) A inteligência coletiva é sempre uma inteligência ‘conectada’, ou seja, se define em relação a uma situação e às conexões múltiplas que ela cria, sociais ou territoriais por exemplo. O capitalismo funciona destruindo toda conexão, inclusive aquela do passado, e considera como suspeita e perigosa toda inteligência coletiva que reivindica suas conexões”. . “Reativar”, nas ideias neopagãs, implica em reapropriar-se de todas essas práticas de magia que tentaram destruir e que, por um trabalho quase bem-feito do capitalismo e da igreja, foram praticamente eliminados da modernidade. É, portanto, recuperar um modo de vida que foi devastado, não para resgatar o passado por inteiro - viver o passado novamente -, pois “reativar” implica sobretudo uma possibilidade de experimentação e criação no presente, como diz Stengers.

“Reativar”, “retomar”, ocupar parecem-me estratégias que envolvem o que Pignarre e Stengers (2011STENGERS, Isabelle; PIGNARRE, Philippe. 2011. Capitalist Sorcery: Breaking the spell. Basingstoke, Palgrave Macmillan.: 130) chamaram de “técnicas de empoderamento”.25 25 Stengers faz uma reavaliação sobre este termo - “empowerment” -, e seus muitos usos em outro contexto (ver 2014: 29). Também Sztutman (2018: 348), quando nos diz: “Para falar do desenfeitiçamento, Pignarre e Stengers tomam emprestado outro termo do vocabulário ativista (do feminismo, do movimento negro): empowerment. “Empoderamento” não me parece, contudo, a melhor tradução, poderíamos talvez pensar em “autodeterminação”. De todo modo, quando Stengers e Pignarre se referem a técnicas de empowerment, estão pensando na habilidade de imaginar, de mover-se sem medo, de criar novas lutas, tendo em vista sempre devires minoritários.”. São modos de desenfeitiçar e de se proteger dos feitiços produzidos pelo capitalismo, e colonialismo, que nos impedem de pensar e de criar. Essas técnicas não se apresentam a partir de uma teoria que as legitima e que demanda adesão. Ao contrário, são experimentadas e só se validam na medida em que são eficazes, que tornam possível aquilo que não podem explicar. É por isso que retomam a noção de receita, que foi utilizado de forma pejorativa para designar técnicas não-científicas, pois as receitas, e esse é o motivo das recriminações em torno delas, não podem explicar porque funcionam por meio de termos que transcendem sua própria execução, ou seja, não são generalizáveis para outras situações.

Não se engane: quem diz receita não está dizendo uma técnica fraca e de segunda ordem. Se as receitas de empoderamento não se referem a uma teoria que as justifica, é porque a questão da justificação é uma questão pobre em relação ao que o seu sucesso designa, o evento de um devir. Tais receitas não explicam, e não visam assegurar a reprodução do que é uma questão de sucesso, à maneira de um protocolo experimental, e mais ainda, que visam definir este sucesso por condições que o tornariam reprodutível. Um evento não é reproduzível, mas é possível explorar as possibilidades de realizar sua repetição, que é arriscada e diferente a cada vez. (Stengers e Pignarre, 2011STENGERS, Isabelle; PIGNARRE, Philippe. 2011. Capitalist Sorcery: Breaking the spell. Basingstoke, Palgrave Macmillan.: 133, tradução minha)

Trago esse ponto porque não pretendo supor que “reativar”, “retomar” e ocupar sejam a mesma coisa, nem abarcá-los em uma teoria generalizante. São, sobretudo, diferentes receitas, com suas respectivas técnicas, para lidar com a devastação do mundo orquestrada pelo capitalismo e colonialismo que seguem em curso. São, portanto, receitas de resistência, como nos diz Sztutman (2018SZTUTMAN, Renato. 2018. “Reativar a feitiçaria e outras receitas de resistência: pensando com Isabelle Stengers”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiro , n. 69. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i69p338-360
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), em que resistência implica em não aceitar o dado das coisas, mas em tomar os problemas para si e criar outras possibilidades de existência.

Há um aspecto transversal a esses três termos e aos modos como são utilizados, que é, sobretudo, pensar com outros (humanos e não-humanos) para resistir. Uma prática denominada por Stengers (2014STENGERS, Isabelle. 2014. “La propuesta cosmopolitica”. Revista Pléyade, n. 14. Santiago de Chile: Centro de analisis e investigación política.) de cosmopolítica. O conceito de cosmopolítica é proposto pela filósofa da ciência em um exercício de pensar a relação entre Ciência e Política. O termo não trata simplesmente de uma relação entre cosmologia e política e nem supõe que o cosmos seja um “mundo comum” partilhado em uma paz perpétua. Isso porque, como diz a autora, esse mundo em que nos detemos a conhecer os ‘fatos’, por meio das ferramentas técnicas da Ciência moderna, são os ‘nossos’ saberes, mas também estão investidos dos ‘nossos’ valores. E não basta o ‘respeito pelos outros’ ou ‘igualdade de direitos’ para excluir essa diferença. Nesse sentido, cosmopolítica não pretende definir o que é o ‘Bem’ para um mundo comum. Cosmos também não deseja englobar a tudo e todos, inclusive aqueles que não querem ser englobados.

Dar uma dimensão cosmopolítica aos problemas políticos não tem a ver com as respostas que serão obtidas, mas com as perguntas que serão formuladas, onde o pensamento coletivo é construído ‘em presença’ daqueles que fazem existir sua insistência, nos diz Stengers. Ocupar, portanto, como cosmopolítica, na medida em que as integrantes da Morada da Paz se colocam na ‘obrigação’ de pensar e agir com outros para resistir às forças destrutivas que atuam no mundo. Cosmopolítica, dessa forma, não tem a ver com um programa consolidado, mas com um “espanto”, ou talvez com aquele súbito ímpeto dos movimentos sociais, que não esperam um acordo ‘pacífico’ com o Estado ou um “mundo comum” com os interesses do latifúndio, das empreiteiras ou do capital e que ‘obriga’ a uma tomada de posição: nos leva a pensar sobre o que está acontecendo, tanto àqueles que ocupam, quanto àqueles que são meros espectadores da ação - o espanto que nos acomete desde as jornadas de junho de 2013 e que, sem dúvida, foi prolongado pelos secundaristas em 2015 e 2016: afinal, ‘o que estamos fazendo com a educação?’; e nos conduz ao cuidado e ao cultivo de outras relações possíveis, como o adepto das religiões de matriz africana que se ‘obriga’ ao cuidado com o Orixá, não por uma Lei externa vigilante, mas como um modo de cuidar de si cuidando de Outro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • UBINGER, Helen Catalina. 2012. Os Tupinambá da Serra do Padeiro: Religiosidade e Territorialidade na Luta pela Terra Indígena. Salvador, Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia.
  • 1
    Palavras grafadas em itálico referem-se a termos e expressões da comunidade, com exceção das expressões em idiomas estrangeiros. Citações mais longas serão seguidas de aspas duplas. Aspas duplas sem itálico serão utilizadas para citações de autoras/es. Aspas simples para expressões que gostaria de ressaltar. Assino esse artigo também como Folaiyan, nome pelo qual sou reconhecida pela Morada da Paz, seguindo as orientações das mais velhas da comunidade.
  • 2
    A comunidade opta pela designação kilombo, como um modo de recuperar o sentido bantu do termo: como fortaleza, união.
  • 3
    Escola comunitária da Morada da Paz nomeada como Escola Comkola Kilombola Epé L’aiyè.
  • 4
    Artigo 1228 da Constituição Federal.
  • 5
    Ocupação é a única solução foi o lema surgido no primeiro encontro nacional do MST em 1985. Mais informações, ver Morissawa (2001)MORISSAWA, Mitsue. 2001. A história de luta pela terra e o MST. São Paulo: Editora Expressão Popular..
  • 6
    A fala de uma estudante que participou dos movimentos de ocupações em São Paulo demonstra muito da capacidade de subversão dos espaços e dos afetos a partir das ocupações: “A gente tem várias enormes árvores na escola e nunca fez uma aula fora, nunca fez uma aula para descobrir quais as espécies das árvores, nunca fez uma aula embaixo da árvore. Sempre em parques, em passeios da escola, se tinha uma árvore eu subia. Quando a gente ocupou a escola, a primeira coisa que eu falei foi ‘nossa, a gente vai poder subir na árvore!’. Me lembro que uma vez eu subi e minha professora me perguntou ‘o que você está fazendo?’. ‘Ué? Subindo na árvore!’. ‘Desce daí!’. E isso ficou na minha cabeça… Uma árvore é vista como uma coisa tão extraordinária, tão perigosa...” (Coletivo Contrafilé, 2016COLETIVO CONTRAFILÉ. 2016. A Batalha do Vivo - grupo contrafilé, secundaristas de luta e amigos. (Caderno publicado pela exposição playground 2016: Museu de Arte de São Paulo -MASP).: 13)
  • 7
    Existe toda uma discussão sobre a equivalência ou não desses termos para os próprios adeptos das religiões de matriz africana (ver Opipari, 2009OPIPARI, Carmen. 2009. O Candomblé: Imagens em Movimento. São Paulo, Edusp.: cap. IV). Aqui tomo por equivalentes. De modo geral, Orixás podem ser percebidos como potências inerentes aos elementos e forças da natureza (Ogum o ferro, Xangô trovão, Iemanjá mar, por exemplo); mas também podem assumir formas humanas (Ogum guerreiro, Xangô justiceiro, Iemanjá senhora mãe). E cada um destes Orixás possui diversas “qualidades”, manifestadas em diferentes nomes. No Candomblé e no Batuque, ao iniciado será designado um Orixá com suas qualidades específicas. E, como nos diz Goldman (2012GOLDMAN, Marcio. 2012. “O dom e a iniciação revisitados: o dado e o feito em religiões de matriz africana no Brasil”. Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 18, n.2, 269-288. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-93132012000200002
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    : 275), é a partir do processo de feitura, ou seja, com uma série de ritualísticas, que estabelecerão uma relação mais substancial entre humano e Orixá que passa a ser chamado de Santo. Na Morada da Paz a designação Santo não é utilizada, apenas muito raramente, em conversas informais. E, como não há um processo de feitura tal como nas casas de Candomblé e Batuque, essa distinção entre Santo e Orixá não existe.
  • 8
    Assim nos narra Rabelo (2014RABELO, Miriam. 2014. Enredos, Feituras e Modos de Cuidado: dimensões da vida e da convivência no candomblé. Salvador, Edufba.: 81) sobre Dona Detinha, Ya, ainda que sem casa aberta, com quem conviveu no Ilê Axé Alá Key Koysan, da Nação Ketu, em Salvador: “Na iniciação são feitos o orixá e seu filho humano, ou melhor, é efetivada uma relação entre eles, relação que já existia (embora não soubesse, dona Dete sempre foi filha de Oxum e, portanto, sempre sofreu a interferência deste orixá em sua vida), mas que ainda não foi propriamente cultivada”.
  • 9
    Esta é uma das questões centrais da tese de Barbosa Neto (2012)BARBOSA NETO, Edgar. 2012. A Máquina do Mundo: variações sobre o Politeísmo em coletivos afrobrasileiros. Rio de Janeiro, Tese de doutorado, Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. que tem como objeto teórico descrever as complexas relações oriundas das religiões de matriz africana com o intuito de pensar um conceito de coletivo que não implique totalidade. Retomo um adendo, realizado por Goldman (2011GOLDMAN, Marcio. 2011. “Cavalo dos deuses: Roger Bastide e as transformações das religiões de matriz africana no Brasil”. Revista de Antropologia, v. 54, n.1, 407-432. DOI: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2011.38604
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    : nota 2) a respeito da concepção de “matriz africana” que acredito ser importante: “Religiões de matriz africana no Brasil” me parece uma fórmula sintética preferível às tradicionais expressões “religiões africanas no Brasil”, “religiões afro-brasileiras” ou, pior, “cultos afro-brasileiros”. Isso porque o termo “matriz” tem a vantagem de poder ser entendido, simultaneamente, em seu sentido de algo que “dá origem a alguma coisa” - o que respeita, além de utilizar, o uso nativo, sempre preocupado em relacionar essas religiões com uma África que não acredito ser nem real, nem imaginária, nem simbólica, mas dotada de um sentido existencial - e, ainda, em seu sentido matemático ou topológico (“matriz de transformações”), que aponta para o tipo de relação que acredito existir entre as diferentes atualizações dessas religiões e, ao mesmo tempo, para o método transformacional que penso necessário para seu tratamento analítico”.
  • 10
    Certa vez, em uma chamada das entidades dedicada às pombas-giras e aos exus, eu tive um ataque de riso. Estava plenamente consciente, não senti no corpo nada que se assemelhasse aos processos de incorporação pelos quais eu já passei. Mas não conseguia parar de rir. Assim que a chamada terminou, a irmandade inteira foi até a cozinha para jantar e começamos a falar sobre a chamada. As egbomis e Yas que estavam presentes comentaram que eu estava com uma gira e eu fui enfática em dizer que não, que tinha plena certeza de que não estava incorporada. Riram da minha ingenuidade por minha insistência em negar - afinal, eu “sabia” o que era estar incorporada e eu tinha certeza que aquilo não era incorporação. Até que Yabace, perdendo a paciência com minha teimosia, ironicamente me questionou: “Folaiyan [nome pelo qual sou reconhecida no território], quanto tempo do dia tu acha que tu é tu mesma?”.
  • 11
    Lembro-me de uma passagem descrita por dos Anjos (2006ANJOS, José Carlos Gomes dos. 2006. Território da Linha Cruzada: a Cosmopolítica AfroBrasileira. Porto Alegre, Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).: 109) em seu trabalho de campo realizado em uma casa de Batuque no RS, em que vemos a descontinuidade da relação Orixá/humano: “É o caso dessa mãe de santo que se referindo ao comportamento ético de um de seus filhos-de-santo dizia: ‘às vezes, a pessoa tem um santo bonito, um santo muito bom, mas o aparelho é ruim. Aí não dá pra manter ele em casa’”. Fica patente nessa fala a cisão entre o status conferido pelo orixá no momento da incorporação (“de se ocupar”) e o caráter cotidiano do indivíduo.
  • 12
    O Comitê Invisível caracterizou bem a individualização ocidental em “A Insurreição que vem” (2013COMITÊ INVISÍVEL. 2013. A insurreição que vem. São Paulo: Edições Baratas.: 17-18): “EU SOU AQUILO QUE SOU. O meu corpo pertence-me. Eu sou eu, tu és tu, e isto não vai nada bem. Personalização de massa. Individualização de todas as condições — de vida, de trabalho, de infelicidade. Esquizofrenia difusa. Depressão galopante. Atomização em pequenas partículas paranóicas. Histerização do contacto. Quanto mais quero ser Eu, maior é a sensação de vazio. Quanto mais me exprimo, mais me esgoto. Quanto mais vou atrás das coisas, mais cansado fico. Eu ocupo-me, tu ocupas-te, nós ocupamo-nos do nosso Eu como num entediante balcão de atendimento. Tornamo-nos os representantes de nós próprios — estranho comércio, fiadores de uma personalização que se assemelha, afinal, a uma amputação. Afiançamos até a ruína, com uma falta de jeito mais ou menos disfarçada”.
  • 13
    Frase encontrada no livro “A Batalha do Vivo”, de autoria do coletivo Contrafilé com vários secundaristas que participaram das manifestações de 2014.
  • 14
    Uma das antigas integrantes da Morada e médium, que já não mais frequentava a comunidade e nenhuma outra casa, contou-me que durante um tempo passou muitas noites em claro sem conseguir dormir, o que dificultava consideravelmente seu trabalho e a gerência da vida em geral. Segundo ela, “estava quase enlouquecendo!”. Foi a um centro espiritualista próximo a sua casa e uma entidade se manifestou dizendo que ela precisava voltar ao trabalho espiritual. Como dito, ela é médium e dava corpo às entidades para o atendimento às pessoas que procuravam conforto espiritual. Aos poucos, ela explicou a entidade que recém havia saído da comunidade e que ainda estava buscando outra casa para desenvolver seus trabalhos, mas que precisaria conseguir descansar para conseguir lidar com a vida diária sem enlouquecer. Negociação aceita pela entidade. Esse é um dos exemplos, das inúmeras histórias que escutamos sobre a necessidade que muitos médiuns têm, para garantir o bem-estar da sua própria existência, em colocar-se a serviço da espiritualidade para os trabalhos espirituais.
  • 15
    Rabelo (2014RABELO, Miriam. 2014. Enredos, Feituras e Modos de Cuidado: dimensões da vida e da convivência no candomblé. Salvador, Edufba.: 225), ao narrar a relação estabelecida ente o iniciado e o otá (que no candomblé é a pedra no qual o Orixá é assentado) durante o ossé (termo para referir o banho no assentamento de santo): “O corpo, sem dúvida, afeta - dirige-se a uma situação, concentra-se no poder das mãos e ativamente se engaja com as coisas, pondo em movimento certas relações entre elas. Também é afetado: invadido pelo cheiro, impactado pela dureza da pedra, desafiado pela resistência do sangue coagulado e mobilizado por um espetáculo. Nesse envolvimento sensível transforma-se e vem a assumir nova identidade. É o filho de santo que se faz no cuidado com o orixá. No outro polo do corpo móvel e senciente, a pedra converte-se também em algo novo, é o santo que se revela enquanto objeto de cuidado.”.
  • 16
    Ver também Couto (2008)COUTO, Patrícia. 2008. Morada dos Encantados: identidade e religiosidade entre os Tupinambá da Serra do Padeiro. Salvador, Dissertação de mestrado, UFBA. e Alarcon (2013)ALARCON, Daniela. 2013. “A forma retomada: contribuições para o estudo das retomadas de terras, a partir do caso Tupinambá da Serra do Padeiro”. Revista Ruris, v. 7, n. 1, 99-126..
  • 17
    Conforme diz o Cacique Babau: “(...) Os Tupinambá não trabalham pra quem é vivo, não luta pra quem tá vivo, o qual pode ser enxergado pelos olhos e pode ser derrubado por uma simples pedra no caminho. (...) Nós luta em nome de Tupã, o qual deixou, pra nossa proteção sobre a terra, os encantados, e o Tupinambá, ele é simplesmente vinte por cento matéria, e o restante, espiritualidade. Nós acredita no reino dos encantados e nós sabemos que a ligação direta para a existência do ser Tupinambá é a garantia do território, do território livre, de tudo isso que vocês vê sobre essa terra.(…) Tupinambá vive ali há centenas de anos. Quando Cabral aqui chegou, Tupinambá já morava na terra, terra dos encantados, altar sagrado ‒ nossa terra, e nós não arredamos um passo até agora. (...) Nós não abrimos mão da terra, falei pra eles: morrerei na prisão, mas nós não negociamos nosso direito pela terra, porque esse direito é de nossos antepassados, que morreram lutando e dos nossos netos e bisnetos, que virão no futuro.” (Ubinger, 2012UBINGER, Helen Catalina. 2012. Os Tupinambá da Serra do Padeiro: Religiosidade e Territorialidade na Luta pela Terra Indígena. Salvador, Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia.: 59). Esse aspecto vai ao encontro da elaboração de Alarcon (2013)ALARCON, Daniela. 2013. “A forma retomada: contribuições para o estudo das retomadas de terras, a partir do caso Tupinambá da Serra do Padeiro”. Revista Ruris, v. 7, n. 1, 99-126. ao afirmar que os processos demarcatórios da terra por si só não abarcam as retomadas indígenas.
  • 18
    Vale um adendo: encantados, para os Tupinambá, são espíritos que não morreram, mas por alguma benção divina transformaram-se em uma força da natureza, ou seres enviados por Tupã para comunicação com os humanos.
  • 19
    O território da comunidade foi adquirido coletivamente pelas mais velhas, oriundas de diferentes lugares da periferia de Porto Alegre. Cabe ressaltar que a compra do território também foi orientada pelas entidades. Naquele local, iniciaram a recuperação do solo, marcado pela monocultura de eucalipto, assim como também a recuperação dos seus saberes ancestrais kilombolas e de terreiro.
  • 20
    Segundo Jamile Pinheiro Dias, tradutora do texto “Reativar o Animismo”, de Isabelle Stengers: “Stengers explicita que “‘reclaiming’ é uma aventura tanto empírica quanto pragmática, pois não significa primordialmente retomar o que foi confiscado, mas aprender o que é necessário para habitar novamente o que foi destruído. ‘Reclaiming’, na verdade, está irredutivelmente associado a ‘curar’, ‘reapropriar’, ‘aprender/ ensinar de novo’, ‘lutar’, ‘tornar-se capaz de restaurar a vida onde ela se encontra envenenada’”. Decidimos pela tradução do verbo “to reclaim” como “reativar” a fim de abarcar o potencial terapêutico e político da ideia aqui proposta. Entretanto, nenhuma opção bastará em si como satisfatória. Fica o leitor advertido, primeiramente, de que a história do termo passa pela ligação entre magia e espiritualidade e transformação social e política; e, em segundo lugar, de que o “reativar” em jogo diz respeito não a um gesto nostálgico de repetição do passado, mas a ações e práticas situadas, norteadas pelo empirismo e pelo pragmatismo” (Ibidem., 2017STENGERS, Isabelle. 2017. “Reativar o animismo”. Cadernos de leitura n. 62. Belo Horizonte, Chão da Feira.: 8).
  • 21
    Segundo o autor, “devem ser entendidas literalmente no sentido proposto por Stengers para a noção de reclaim: não simplesmente lamentar o que se perdeu na nostalgia de um retorno a um tempo passado, mas sim recuperar e conquistar ao mesmo tempo” (Goldman, 2015GOLDMAN, Marcio. 2015. “Quinhentos Anos de Contato”: Por uma Teoria Etnográfica da (Contra)Mestiçagem. Mana: Estudos de Antropologia Social , v. 21, n. 3, 641-659. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21n3p641
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    : 656)
  • 22
    Como a autora coloca: “O simbolismo da Deusa não é uma estrutura paralela ao simbolismo de Deus-Pai. A Deusa não governa o mundo; ela é o mundo. Presente em cada um de nós, cada indivíduo pode conhecê-la interiormente, em toda a sua magnífica diversidade. Ela não legitima o governo de um sexo pelo outro e não cede autoridade a governantes de hierarquias temporais. Em Feitiçaria, cada um de nós deve revelar a sua própria verdade. A divindade é vista em suas formas próprias, sejam elas masculinas ou femininas, pois a deusa possui o seu aspecto masculino. A sexualidade é um sacramento. A religião é uma questão de reunião, com o divino dentro de nós e as suas manifestações externas em todo o universo humano e natural” (Starhawk, 1993STARHAWK. 1993. A dança cósmica das feiticeiras: guia de rituais à grande Deusa. Rio de Janeiro, Nova Era (Grupo Editorial Record).: 26).
  • 23
    A título de exemplo, sugiro a leitura do capítulo Seattle, no livro Webs of Power (Starhawk, 2002STARHAWK. 2002. Webs of power. Gabriola Island: New Society Publishers.), no qual a autora descreve o processo dos grupos de comunicação não-violenta organizados em atos de desobediência civil, em 1999, contra a OMC e suas decisões autoritárias que afetam questões trabalhistas, direitos humanos e ambientais. A autora narra tanto o processo organizativo, quanto sua execução e consequências. Conta-nos de seu período na prisão e de como a espiritualidade atravessou todos esses momentos. Sobretudo, engaja as leitoras e os leitores em um processo imaginativo de outras relações possíveis de trabalho, de relações ambientais, de vida.
  • 24
    Em entrevista, Isabelle Stengers (2015)STENGERS, Isabelle. 2015. “O preço do progresso - conversa com Isabelle Stengers”. Revista DR, n. 4. nos diz: “No fim de A feitiçaria capitalista nós evocamos as feiticeiras neopagãs nos Estados Unidos. É um movimento político próximo aos anarquistas que faz lembrar que a Europa se tornou moderna erradicando a cultura camponesa anunciando assim o que faria sofrer aos povos e civilizações colonizados. Essa destruição em nome do progresso começou a ser feita dentro das próprias fronteiras. As feiticeiras neopagãs procuram não esquecer que o capitalismo não apenas explora mas expropria: ele captura práticas e inteligências coletivas e as redefine a seu modo pela destruição e a apropriação. (…) A inteligência coletiva é sempre uma inteligência ‘conectada’, ou seja, se define em relação a uma situação e às conexões múltiplas que ela cria, sociais ou territoriais por exemplo. O capitalismo funciona destruindo toda conexão, inclusive aquela do passado, e considera como suspeita e perigosa toda inteligência coletiva que reivindica suas conexões”.
  • 25
    Stengers faz uma reavaliação sobre este termo - “empowerment” -, e seus muitos usos em outro contexto (ver 2014STENGERS, Isabelle. 2014. “La propuesta cosmopolitica”. Revista Pléyade, n. 14. Santiago de Chile: Centro de analisis e investigación política.: 29). Também Sztutman (2018SZTUTMAN, Renato. 2018. “Reativar a feitiçaria e outras receitas de resistência: pensando com Isabelle Stengers”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiro , n. 69. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i69p338-360
    https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
    : 348), quando nos diz: “Para falar do desenfeitiçamento, Pignarre e Stengers tomam emprestado outro termo do vocabulário ativista (do feminismo, do movimento negro): empowerment. “Empoderamento” não me parece, contudo, a melhor tradução, poderíamos talvez pensar em “autodeterminação”. De todo modo, quando Stengers e Pignarre se referem a técnicas de empowerment, estão pensando na habilidade de imaginar, de mover-se sem medo, de criar novas lutas, tendo em vista sempre devires minoritários.”.
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    CAPES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2020
  • Aceito
    22 Abr 2021
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