Acessibilidade / Reportar erro

Vivendo em negociação: COVID-19 entre o local e o nacional

ALI, Inayath; DAVIS-FLOYD, Robbie. Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19.London-New York: Routledge, 2022. 334 p.

Com uma proposta de aglutinar trabalhos que tematizam a Covid-19, editores e autores de Negotiating the pandemic defendem um esforço epistemológico na produção de uma agenda de pesquisa aclamada como de “antropologia covidiana”. Isso se deu especialmente pelo reconhecimento da doença como fenômeno social to tal, impactando drasticamente todas as esferas da socialização, assim como de profundas consequências geracionais que serão sentidas pelas próximas décadas. Pelo prisma dessa agenda havemos de caracterizar a pandemia como vetor que produziu, por consequência, outras pandemias, seja de economias devastadas, emoções e sofrimento, turbilhões e maremotos políticos que arrasaram países tanto quanto geraram mudanças drásticas sociais e/ou institucionais do micro ao macro.

Apesar de terem artigos de todos os continentes (com exceção da Antártica), grande parte das abordagens antropológicas teve como ênfase uma análise da Ásia. Com cerca de dezenove capítulos e 350 páginas, os editores optaram por organizar o livro em quatro temáticas principais: i) relatos autoetnográficos e, de modo secundário, problematizações sobre o acesso ao “campo” tanto quanto reflexões sobre o devir antropológico, percebendo o antropólogo não como mediador de cultura, mas de contextos; ii) a construção cultural e governamental da pandemia, assim como negociações e adaptações ao “novo normal” ao redor do globo; iii) O Sul da Ásia, privilegiando a percepção cultural do vírus e demonstrando, por exemplo, como aspectos simbólicos e culturais dos países de Butão e Sri Lanka influenciaram o controle da propagação viral; iv) e, por fim, há uma ênfase no Paquistão, com análises etnográficas locais e nacionais dos rumores e teorias da conspiração, assim como dos impactos educacionais e financeiros promovidos pela doença.

Apesar da organização adotada pelos editores, nota-se uma série de temáticas transversais que influenciaram ou apareceram em diversos momentos do livro. Por este ângulo, optamos por uma descrição crítica que englobasse essa série de problemáticas, ilustrando um conjunto de áreas de interesse para nossa disciplina. Uma delas seria o fato de que muitos capítulos fornecem uma imersão em diversas realidades afetadas por rumores e teorias da conspiração. Sobre essa situação, autores como Akram e Alam ( 2022AKRAM, Sara; ALAM, Rao. 2022. “Social Constructions of the Concept of COVID-19 in Pakistan: An Anthropological Investigation”. In: ALI, Inayat.; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 255-269. DOI: 10.4324/9781003187462-21.
https://doi.org/10.4324/9781003187462-21...
) constatam que “a disseminação viral não pode ser interrompida até que as percepções locais e os níveis de conscientização sejam totalmente compreendidos e levados em consideração”. Muitas vezes percepções locais abordam imaginários ou ontologias específicos, preenchendo uma função social latente, como a desconfiança de governos cujo herança sócio-histórica foi marcada pelo autoritarismo e pela violência. Apesar das boas intenções governamentais em determinados momentos, há ocasiões em que a população foi orientada com extremo ceticismo, impactando as relações de saúde e de doença e desafiando as tentativas de condução das políticas de saúde em determinados locais. Assim, uma compreensão antropológica de realidades culturais se tornou uma necessidade em absoluto na saúde pública.

A partir de outra perspectiva, a antropóloga Barasa ( 2022BARASA, Violet. 2022. “‘As Soon as People See You Cough, They Say You Have the Disease’: Negotiating COVID-Related Stigma and Health-Seeking Behaviors in Kenya”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp.61-75. DOI: 10.4324/9781003187462-7
https://doi.org/10.4324/9781003187462-7...
) avaliou o impacto da Covid-19 no Quênia, país onde a marginalização e o estigma gerados pelo adoecimento (como apresentar sintomas febris) muitas vezes era percebida como algo pior do que ser infectado pelo vírus. Em um de seus relatos, ela apresenta um membro de uma comunidade local que foi linchado por causa de um rumor que o caracterizava como um “supertransmissor”, mesmo que ele não tivesse sido contaminado. Como efeito, naquelas circunstâncias sintomas febris se tornaram um critério para internar pacientes nas temidas enfermarias de isolamento da Covid-19 ( BARASA, 2022BARASA, Violet. 2022. “‘As Soon as People See You Cough, They Say You Have the Disease’: Negotiating COVID-Related Stigma and Health-Seeking Behaviors in Kenya”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp.61-75. DOI: 10.4324/9781003187462-7
https://doi.org/10.4324/9781003187462-7...
). Em sua escrita, a autora conseguiu dimensionar esse drama social, reforçando que até mesmo profissionais de saúde foram amplamente convencidos pelos rumores. Ao descrever a experiência de sua própria mãe, Barasa argumenta que a estratégia de muitos quenianos foi se afastar da ajuda médica pelo medo do estigma de ser possível portador do vírus.

Outro prisma interessante é formado por uma série de artigos que tematizam o acesso à informação e o papel desempenhado por mídias ocidentais em reproduzir estereótipos ou discursos hegemônicos em saúde pública, distorcendo percepções locais e nacionais sobre a realidade do enfrentamento ao vírus.

Um dos países que teve uma dimensão de análise antropológica privilegiada foi a Suécia, analisada por Rachel Irwinn ( 2022IRWIN, Rachel. 2022. “Negotiating COVID-19 in the Media: Autoethnographic Reflections on Sweden and International Reporting”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 27-41. DOI: 10.4324/9781003187462-4.
https://doi.org/10.4324/9781003187462-4...
). No trabalho, a autora discute o estereótipo sobre a Suécia e dos suecos, que foram caracterizados como adeptos da “imunidade de rebanho" 1 1 Segundo a definição da OMS, a “imunidade de rebanho” também pode ser conhecida como “imunidade populacional”, sendo considerada como a “proteção indireta contra uma doença infecciosa que ocorre quando uma população é imune por vacinação ou imunidade desenvolvida por infecção anterior” (Nossa tradução, ver mais em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novelcoronavirus-2019/questionand-answers-hub/q-a-detail/herd-immunity-lockdownsand-covid-19. Acesso em 17 jan. 2023). A imunidade de rebanho foi defendida por grupos a direita ao redor do globo como uma estratégia que envolvia a infecção e não a vacinação. Desta forma, caso autoridades tivessem sido adeptas dessa premissa, seria ocasionado um aumento expressivo no número de casos e mortes. pela mídia internacional ou vangloriados por grupos de extrema-direita e libertários por não optarem pelas políticas de lockdown Tais classificações ignoraram os valores e normas sociais pelas quais a sociedade sueca era organizada, que incluiu uma flexibilização individual para o manejo do risco durante a pandemia. Em síntese, a pesquisadora argumenta que era que, na Suécia, a adesão às recomendações em saúde pública era considerada”voluntária” pelo governo sueco, tal como o distanciamento social. O plano de fundo para isso era que havia, na realidade, uma multiplicidade de normais sociais reguladas pela cultura e que produziam ameaças e sanções para aqueles que não seguiam recomendações sanitárias em um contexto de crise. Em outras palavras, Irwinn optou por descontruir a percepção enviesada de grupos políticos e mídias estrangeiras feitas aos suecos, demonstrando mecanismos de controle feitos por costumes e convenções.

Complementando essa lógica, o artigo de Bühler et al. ( 2022BÜHLER, Nolwenn; PRALONG, Melody; BURNAND, Célia; RAWLINSON, Cloé; NUSSLÉ, Semira Gonseth; D’ACREMONT, Valérie; BOCHUD, Murielle; BODENMANN, Patrick. 2022. “‘Flexible Lockdown’ in Switzerland Individual Responsibility and the Daily Navigation of Risk and Protection”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp.110-124. DOI: 10.4324/9781003187462-10.
https://doi.org/10.4324/9781003187462-10...
) propôs uma lógica de economia moral para pensar a realidade suíça. Descrevendo um complexo movimento de regulação social de atitudes, o trabalho demonstrou como esta lógica embutia uma responsabilidade moral pautada por acusação e culpa. Neste processo, houve ainda, em suas palavras, flexibilidade direcionada aos indivíduos, que deviam decidir aderir rigorosamente às recomendações após ponderar cuidadosamente os riscos e possíveis consequências de uma decisão contrária. Essa lógica internalizada individualmente podia ocasionar uma experiência extremamente estressante, assim como revelar uma lógica do cuidado e de responsabilidade singulares.

Não menos importante é a reflexão de natureza autoetnográfica e epistemológica sobre maneiras criativas para conduzir a pesquisa de campo durante a pandemia apresentadas na coletânea. Diríamos que a riqueza destes trabalhos esteve amplamente ancorada nas reflexões que conectavam experiência pessoais a processos sociais mais amplos, apresentando implicações importantes para o debate antropológico em um contexto de crise. Apesar destes artigos terem sido minoritários no livro, seria impossível não os mencionar, devido a ampla criatividade e emoções transcritas nas etnografias. Um exemplo foi o trabalho escrito por um dos editores, Inayat Ali ( 2022ALI, Inayat. 2022. “My Great-Grandmother, Malinowski, and My ‘Self’: an Autoethnographic Account of Negotiating the COVID-19 Pandemic”. In: ALI, Inayat.; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 13-25. DOI: 10.4324/9781003187462-3
https://doi.org/10.4324/9781003187462-3...
), que forneceu um relato de diversas conversas consigo mesmo durante sua experiência de adoecimento no começo da pandemia. Marcado por uma densidade textual, o trabalho apresenta um tom psicanalítico e culturalmente reflexivo, fazendo considerações sobre como o adoecer promoveu entendimento de si próprio assim como de sua herança cultural. Em quarentena por quinze dias em um hotel em Viena, sem saber se realmente estava com Covid-19, entendeu o adoecimento como uma jornada etnográfica de encontrar outras realidades, assim como reconheceu o engajamento na antropologia como mecanismo de enfrentamento ao adoecimento. Também foi uma oportunidade de revisitar e engajar com pensadores clássicos da antropologia, como Bronislaw Malinowski e Clifford Geertz. Uma de suas principais contribuições foi refletir sobre como a Ballā, uma tradição de proibição cultural ensinada por sua bisavó, poderia ser interpretada como uma metáfora para prevenção de contaminação de microorganismos, demonstrada pelo simples fato de que sapatos podiam ser potencialmente contaminados no cotidiano, e, portanto, deviam ser removidos antes de ir para a cama. Seu argumento foi, em suma, de que muitas vezes havia um significado profundo e uma ciência sólida por trás de algo aparentemente trivial em costumes e tabus culturais ( ALI, 2022ALI, Inayat. 2022. “My Great-Grandmother, Malinowski, and My ‘Self’: an Autoethnographic Account of Negotiating the COVID-19 Pandemic”. In: ALI, Inayat.; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 13-25. DOI: 10.4324/9781003187462-3
https://doi.org/10.4324/9781003187462-3...
).

Já o trabalho de Senior et al. ( 2022SENIOR, Kate. 2022. “Loss and Longing for the Field During COVID-19 in Australia and Finding It Again Because ‘Ngukurr Is Everywhere’”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 42-57. DOI: 10.4324/9781003187462-5.
https://doi.org/10.4324/9781003187462-5....
) abordou a dimensão emocional do antropológo impossibilitado de ir a campo e as multivariadas estratégias para dar continuidade à pesquisa etnográfica. Problematizando este processo de separação e luto, ela e seus colegas não puderam mais visitar o grupo Ngukurr, uma comunidade indígena de aproximadamente 1000 pessoas no sudeste de Arnhem Land, na Austrália, e com que a autora desenvolvia uma relação de mais de 20 anos. A estratégia foi tentar combinar métodos de etnografia digital (a partir de entrevistas de trajetórias de vida, mesmo que com acesso limitado a alguns indígenas) e fazer uma antropologia a partir do arquivo, por meio de contato com outras universidades e instituições australianas, para acessar bases de dados de coleções acerca da cultura material dos Ngukurr. Assim foi possível rastrear conexões entre pessoas e objetos, revelando uma tradição quase esquecida envolvendo a fabricação de flores a partir de penas. A partir de biografias pessoais e histórias de objetos, o resultado foi uma reconstituição da memória social, posicionando também que, em Ciências Sociais, os métodos podem ser flexíveis e adaptados a contextos singulares.

Por fim, outro tema que atravessou parte significativa dos capítulos (aqui principalmente nos últimos eixos de reflexão) foram análises extremamente criativas de como ou não, culturas e Estados nacionais conseguiram contornar o desafio em saúde pública promovido pelo vírus por meio de adaptações e negociações en tre as cosmologias e a ciência Ocidental. Um dos casos narrados é o do Butão, país que promoveu estratégias conhecidas, como o distanciamento social, rastreamento casos e aumento da capacidade hospitalar. Ao mesmo tempo, reconheceu-se a importância de adaptar essas estratégias ao conjunto da cultura religiosa do país. Assim, oficiais do governo pediram assistência a líderes religiosos (principalmente monges) para escolherem a melhor data para a administração de vacinas. Apesar do atraso no início da vacinação, a confiança da população, obtida pela aliança entre governo e religião, impulsionou o uso de vacinas contra a Covid-19 em todo o país, gerando um alto índice de vacinação e confiança nos recursos farmacêuticos. Isso só foi possível por meio de uma abordagem antropológica em saúde pública que incorporou ciência, religião, cultura e tradição levando em consideração como monges 2 2 Além disso, destaca-se o papel da monarquia e de um sistema de saúde pública universal que envolveu uma perspectiva pluralista, articulando a biomedicina ocidental a práticas tradicionais. sempre tiveram um papel significativo na defesa de comportamentos saudáveis em níveis de base e/ou locais ( PELAYO et al., 2022 PELAYO, Mary Grace et al. 2022. Negotiating COVID-19 in Bhutan: successfully Aligning Science, Politics, Culture, and Religion in a Unique Public Health Strategy. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 205-215. DOI: 10.4324/9781003187462-17.
https://doi.org/10.4324/9781003187462-17...
; ROCHA et al., 2021 ROCHA, I. C. N., PELAYO, M. G. A., RACKIMUTHU, S. Kumbh. 2021. Mela religious gathering as a massive superspreading event: Potential culprit for the exponential surge of COVID-19 cases in India. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, vol. 105, n. 4: 868-871. DOI: 10.4269/ajtmh.21-0601.
https://doi.org/10.4269/ajtmh.21-0601...
).

Já no caso Paquistanês, analisado por Akram e Alam ( 2022AKRAM, Sara; ALAM, Rao. 2022. “Social Constructions of the Concept of COVID-19 in Pakistan: An Anthropological Investigation”. In: ALI, Inayat.; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 255-269. DOI: 10.4324/9781003187462-21.
https://doi.org/10.4324/9781003187462-21...
), ilustra como em uma sociedade podem coexistir grupos sociais que seguem premissas antagônicas (aqueles que acreditam na ciência ocidental e outros que seguem influências religiosas). Pressionado por grupos religiosos, o governo paquistanês optou por relaxar as normas de distanciamento social, contribuindo negativamente para um sistema de saúde pública extremamente debilitado. A maior contribuição feita pelos autores foi demonstrar que a fé articulada e defendida pelos interlocutores citados, podia servir tanto como uma fonte de conforto quanto de propagação viral. Esse complexo contexto social ressaltou a necessidade de uma política pública que se adaptasse ao contexto cultural e local da região, de modo que apaziguasse eventuais conflitos entre visões de mundo distintos.

A coletânea é um importante referencial para qualquer tipo de trabalho sociológico ou antropológico que vise abordar a pandemia, especialmente pela forma como o livro foi organizado, consolidando várias abordagens metodológicas criativas de “ir ao campo”. Assim, em certa medida, muitos capítulos podem servir de inspirações para futuras agendas de pesquisa, ou podem ser consultados como mecanismo de compreensão de realidades e vivências locais e nacionais. O resultado foi, em sua absoluta forma, uma coletânea de leitura imprescindível para compreender os desafios do contemporâneo, incluindo até mesmo a dimensão pós-pandêmica (mesmo que os capítulos tenham sido escritos durante a primeira onda de pandemia, excluindo, portanto, a experiência “nova” em saúde e doença a partir de variantes como a Delta e a Omicron).

Há que se destacar também o aspecto superficial do conjunto de artigos que tematizaram os efeitos econômicos da pandemia na socialização de consumidores e o papel desempenhado por empresas de pequeno e médio porte. Apesar das meto dologias de pesquisa empregadas serem interessante, os artigos parecem negligenciar os próprios dados coletados em favor de uma abordagem superficial em teoria das ciências sociais, o que acarretou numa perda de reflexividade. Sendo assim, as possíveis implicações destes estudos ficaram extremamente limitadas.

Em resumo, a coletânea cumpre o papel de reforçar uma tradição de investigação antropológica em epidemias marcada pela diversidade temática e de experiências intersecionais que são subjacentes ao adoecimento, seja no individuo ou no grupo. Marcadores sociais da diferença, assim como contextos sociais singulares, promovem reflexões que podem transcender localidades e estabelecer novos paradigmas para encarar políticas públicas, assim como de nos convidar a problematizar os efeitos sociais do contágio em múltiplas formas de existência. Nessa perspectiva percebemos que os trabalhos citados, assim como outros, reforçam a relevância da disciplina em vários níveis, seja na percepção da racionalidade de tabus, na importância de Estados e governos de adaptarem políticas públicas conforme preceitos culturais, na desconstrução de narrativas que estereotipam grupos sociais e até mesmo da contextualização da função social preenchida por rumores e teorias da conspiração. Aliás, os artigos muitas vezes de maneira simultânea, por diferentes métodos e/ou contextos, corroboram como o estudo social da viralidade apresenta a plena capacidade de se elevar para a vanguarda do debate antropológico, enquanto arena exemplar para análise e estudo científico social ( KÉCK et al., 2019 KÉCK, Fréderick et al. 2019. “Introduction: the anthropology of epidemics”. In: KELLY, Ann; KECK, Frédérick; LYNTERIS, Christos (ed.). The Anthropology of Epidemics. London: Routledge, pp. 1-25.). Afinal, reforçam o prisma de que essa temática nunca é essencialmente sobre o adoecimento em si próprio, mas como este dá luz a em contradições que delineiam uma série de estruturas sociais em cultura ou sociedade.

Referencias

  • AKRAM, Sara; ALAM, Rao. 2022. “Social Constructions of the Concept of COVID-19 in Pakistan: An Anthropological Investigation”. In: ALI, Inayat.; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 255-269. DOI: 10.4324/9781003187462-21.
    » https://doi.org/10.4324/9781003187462-21
  • ALI, Inayat. 2022. “My Great-Grandmother, Malinowski, and My ‘Self’: an Autoethnographic Account of Negotiating the COVID-19 Pandemic”. In: ALI, Inayat.; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 13-25. DOI: 10.4324/9781003187462-3
    » https://doi.org/10.4324/9781003187462-3
  • BARASA, Violet. 2022. “‘As Soon as People See You Cough, They Say You Have the Disease’: Negotiating COVID-Related Stigma and Health-Seeking Behaviors in Kenya”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp.61-75. DOI: 10.4324/9781003187462-7
    » https://doi.org/10.4324/9781003187462-7
  • BÜHLER, Nolwenn; PRALONG, Melody; BURNAND, Célia; RAWLINSON, Cloé; NUSSLÉ, Semira Gonseth; D’ACREMONT, Valérie; BOCHUD, Murielle; BODENMANN, Patrick. 2022. “‘Flexible Lockdown’ in Switzerland Individual Responsibility and the Daily Navigation of Risk and Protection”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp.110-124. DOI: 10.4324/9781003187462-10.
    » https://doi.org/10.4324/9781003187462-10
  • IRWIN, Rachel. 2022. “Negotiating COVID-19 in the Media: Autoethnographic Reflections on Sweden and International Reporting”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 27-41. DOI: 10.4324/9781003187462-4.
    » https://doi.org/10.4324/9781003187462-4
  • KÉCK, Fréderick et al. 2019. “Introduction: the anthropology of epidemics”. In: KELLY, Ann; KECK, Frédérick; LYNTERIS, Christos (ed.). The Anthropology of Epidemics. London: Routledge, pp. 1-25.
  • PELAYO, Mary Grace et al. 2022. Negotiating COVID-19 in Bhutan: successfully Aligning Science, Politics, Culture, and Religion in a Unique Public Health Strategy. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 205-215. DOI: 10.4324/9781003187462-17.
    » https://doi.org/10.4324/9781003187462-17
  • ROCHA, I. C. N., PELAYO, M. G. A., RACKIMUTHU, S. Kumbh. 2021. Mela religious gathering as a massive superspreading event: Potential culprit for the exponential surge of COVID-19 cases in India. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, vol. 105, n. 4: 868-871. DOI: 10.4269/ajtmh.21-0601.
    » https://doi.org/10.4269/ajtmh.21-0601
  • SENIOR, Kate. 2022. “Loss and Longing for the Field During COVID-19 in Australia and Finding It Again Because ‘Ngukurr Is Everywhere’”. In: ALI, Inayat; DAVIS-FLOYD, Robbie. (Org.). Negotiating the Pandemic: Cultural, National, and Individual Constructions of Covid-19. London-New York: Routledge, pp. 42-57. DOI: 10.4324/9781003187462-5.
    » https://doi.org/10.4324/9781003187462-5.
  • 1
    Segundo a definição da OMS, a “imunidade de rebanho” também pode ser conhecida como “imunidade populacional”, sendo considerada como a “proteção indireta contra uma doença infecciosa que ocorre quando uma população é imune por vacinação ou imunidade desenvolvida por infecção anterior” (Nossa tradução, ver mais em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novelcoronavirus-2019/questionand-answers-hub/q-a-detail/herd-immunity-lockdownsand-covid-19. Acesso em 17 jan. 2023). A imunidade de rebanho foi defendida por grupos a direita ao redor do globo como uma estratégia que envolvia a infecção e não a vacinação. Desta forma, caso autoridades tivessem sido adeptas dessa premissa, seria ocasionado um aumento expressivo no número de casos e mortes.
  • 2
    Além disso, destaca-se o papel da monarquia e de um sistema de saúde pública universal que envolveu uma perspectiva pluralista, articulando a biomedicina ocidental a práticas tradicionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.antropologia.usp@gmail.com