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Profa. Dra. Helena M. C. Ferraz

ASSUNTOS GERAIS

Profa. Dra. Helena M. C. Ferraz

No dia 30 de agosto de 2007, a Profa. Dra Helena M. C. Ferraz, do Instituto de Química faleceu em São Paulo, em um momento em que problemas sérios de saúde haviam sido superados e a sua motivação com o trabalho estava muito intensa. Helena tinha uma estreita relação com a SBQ e, em particular, com a Química Nova. Apenas para destacar as contribuições mais importantes na SBQ, lembramos que foi sócia fundadora número 24, primeira tesoureira no biênio 1986/1988, membro do corpo editorial de Química Nova a partir de julho de 1984 até passar a editora, cargo que ocupou de 1989 a 1994, voltando em 1996 a integrar o conselho editorial da revista até 2001. O trecho de seu memorial de setembro de 1999 reproduzido a seguir ilustra bem este envolvimento:

"E, para terminar, não quero e não vou ser modesta: Química Nova é, sem dúvida, uma das mais importantes revistas científicas nacionais. E se eu puder me declarar orgulhosa por ter feito algo de útil para a comunidade química brasileira, este algo foi a participação na editoria de Química Nova."

Desta forma, consideramos oportuno que neste momento um pequeno espaço de QN seja utilizado para contar um pouco da sua trajetória.

Natural de uma pequena cidade do sul de Minas chamada Carmo de Minas, a rotina de sua infância foi parcialmente alterada por causa da pólio, contraída em 1956. Graduou-se de forma exemplar em Farmácia em 1972, na UFMG. Durante o mestrado no IQ-USP sob orientação do Prof. Nicola Petragnani e defendido em abril de 1976, trabalhou na síntese de espiro lactonas. Em seguida, iniciou o doutorado no mesmo grupo, defendendo tese sobre a-metileno-g-lactonas em junho de 1979. Após alguns anos realizando estágios de pós-doutoramento, tanto no Brasil quanto na França, bem como trabalhando como pesquisadora do CNPq, foi contratada em março de 1987, no Instituto de Química da USP.

Formou desde o início um ativo grupo de pesquisa pois, devido a sua competência científica aliada ao peculiar carisma, atraía um grande número de alunos de graduação e de pós-graduação. Sob sua orientação foram defendidas 12 dissertações de mestrado e 17 teses de doutorado. Vários desses doutores ocupam hoje cargos como docentes em Universidades Brasileiras, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passando por Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná etc.

Durante a sua carreira, mais de 80 artigos foram publicados, sendo que diversos foram no conceituado Journal of Organic Chemistry. Destaca-se que alguns destes artigos estão também citados em livros textos mundialmente utilizados, como o clássico Advanced Organic Chemistry, de Jerry March. Paralelamente, sempre houve uma grande preocupação em prestigiar os periódicos nacionais, principalmente QN, onde publicou cerca de 20 artigos. Como principais contribuições científicas de sua carreira independente podemos destacar: o estudo de reações mediadas por sais de tálio(III), principalmente ciclizações eletrofílicas e contrações de anel1-6; a investigação de reações de ciclofuncionalizações promovidas por reagentes de telúrio, de selênio e iodo, as quais permitiram a obtenção de uma série de heterociclos, sendo estes seus trabalhos mais citados na literatura7-11; a síntese de lactonas de anel médio via reação de clivagem catalisada por tetróxido de rutênio12-14; a síntese total de diversos produtos naturais utilizando, principalmente, as metodologias indicadas acima. Entre as moléculas sintetizadas podemos citar a frulanolida15, a corimbolona16, a mint-lactona17 e o mutisiantol18.

Juntamente com o Prof. Comasseto, também do IQ-USP, organizou em São Paulo o Encontro Brasileiro de Síntese Orgânica, que agora é o Brazilian Meeting on Organic Synthesis (BMOS) sendo, com certeza, um dos mais importantes eventos internacionais realizados periodicamente no Brasil.

Uma das suas grandes diversões na rotina do IQ-USP sempre foi a discussão pormenorizada de espectros de RMN com seus alunos, na copa do laboratório. Tipicamente, mesmo após a elucidação estrutural, a análise continuava até que todos os dados espectroscópicos estivessem esclarecidos, o que certamente ajudou na formação de todos os estudantes que passaram por esta experiência.

A erudição da Helena nunca ficou restrita apenas a sua atuação em química. Um típico exemplo desta postura foi a realização do primeiro ano do curso de Letras em 1980, embora as "obrigações" com a química a tenham feito desistir do curso. De qualquer maneira, o cuidado com a língua portuguesa sempre se refletiu no seu modo de atuação, incentivando todos os seus alunos a procurar não apenas desenvolver o projeto científico de maneira adequada, mas que também tivessem a capacidade de transmití-lo, seja na forma escrita ou oral, com uma linguagem impecável. Uma outra passagem do mesmo memorial traduz a maneira de pensar da Helena:

"A capacidade de expressão – oral, escrita ou qualquer outra – do homem está intrinsecamente ligada à sua capacidade de compreensão.

Minha maior preocupação com o ensino – de química, sim! – é a falta de conhecimento que os jovens de hoje (e os nem tão jovens) têm da língua portuguesa. Química não é tão difícil de aprender..."

É com grande pesar que a comunidade científica despede-se de uma pessoa que participou intensamente da formação acadêmica e profissional de vários alunos e colegas de trabalho. O seu comportamento simples e alegre certamente deixará saudades.

Luiz Fernando da Silva Jr.

IQ - USP

A Diretoria/Conselho, funcionários da SBQ e os editores de Química Nova associam-se aos pesquisadores do IQUSP nesta homenagem à Profa. Helena Ferraz, ex-editora de QN de 1989 a 1994.

REFERÊNCIAS

1. Ferraz, H. M. C.; Silva, L. F.; Vieira, T. O.; Synthesis 1999, 2001.

2. Ferraz, H. M. C.; Silva, L. F.; Vieira, T. O.; Tetrahedron 2001, 57, 1709.

3. Ferraz, H. M. C.; Longo, L. S.; Zukerman-Schpector, J.; J. Org. Chem. 2002, 67, 3518.

4. Ferraz, H. M. C.; Silva, L. F.; J. Org. Chem. 1998, 63, 1716.

5. Ferraz, H. M. C.; Quim. Nova 1987, 10, 106.

6. Ferraz, H. M. C.; Silva, L. F., Jr.; Quim. Nova 2000, 23, 216.

7. Ferraz, H. M. C.; Oliveira, E. O.; Payret Arrua, M. E.; Brandt, C. A.; J. Org. Chem. 1995, 60, 7357.

8. Ferraz, H. M. C.; Sano, M. K.; Nunes, M. R. S.; Bianco, G. G.; J. Org. Chem. 2002, 67, 4122.

9. Ferraz, H. M. C.; Pereira, F. L. C.; Goncalo, E. R. S.; Santos, L. S.; Eberlin, M. N.; J. Org. Chem. 2005, 70, 110.

10. Ferraz, H. M. C.; Pereira, F. L. C.; Quim. Nova 2004, 27, 89.

11. Ferraz, H. M. C.; Goncalo, E. R. S.; Quim. Nova 2007, 30, 957.

12. Ferraz, H. M. C.; Longo, L. S.; J. Org. Chem. 2007, 72, 2945.

13. Ferraz, H. M. C.; Longo, L. S.; Org. Lett. 2003, 5, 1337.

14. Longo, L. S., Jr; Bombonato, F. I.; Ferraz, H. M. C.; Quim. Nova 2007, 30, 415.

15. Ferraz, H. M. C.; Petragnani, N.; Ribeiro, C. M. R.; Synth. Commun. 1989, 19, 2293.

16. Ferraz, H. M. C.; Souza, A. J. C.; Tenius, B. S. M.; Bianco, G. G.; Tetrahedron 2006, 62, 9232.

17. Ferraz, H. M. C.; Grazini, M. V. A.; Ribeiro, C. M. R.; Brocksom, U.; Brocksom, T. J.; J. Org. Chem. 2000, 65, 2606.

18. Ferraz, H. M. C.; Aguilar, A. M.; Silva, L. F.; Tetrahedron 2003, 59, 5817.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    2007
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