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Coordenadas cartesianas moleculares a partir da geometria dos modos normais de vibração

Molecular cartesian coordinates from vibrational normal modes geometry

Resumo

A simple method to obtain molecular Cartesian coordinates as a function of vibrational normal modes is presented in this work. The method does not require the definition of special matrices, like the F and G of Wilson, neither of group theory. The Eckart's conditions together with the diagonalization of kinetic and potential energy are the only required expressions. This makes the present approach appropriate to be used as a preliminary study for more advanced concepts concerning vibrational analysis. Examples are given for diatomic and triatomic molecules.

normal modes; Cartesian coordinates; vibrational analysis


normal modes; Cartesian coordinates; vibrational analysis

EDUCAÇÃO

Coordenadas cartesianas moleculares a partir da geometria dos modos normais de vibração

Molecular cartesian coordinates from vibrational normal modes geometry

Emílio Borges; João Pedro Braga* * e-mail: jpbraga@ufmg.br ; Jadson Cláudio Belchior

Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais, CP 702, 31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil

ABSTRACT

A simple method to obtain molecular Cartesian coordinates as a function of vibrational normal modes is presented in this work. The method does not require the definition of special matrices, like the F and G of Wilson, neither of group theory. The Eckart's conditions together with the diagonalization of kinetic and potential energy are the only required expressions. This makes the present approach appropriate to be used as a preliminary study for more advanced concepts concerning vibrational analysis. Examples are given for diatomic and triatomic molecules.

Keywords: normal modes; Cartesian coordinates; vibrational analysis.

INTRODUÇÃO

Moléculas não rígidas podem ser tratadas pela teoria clássica de pequenas vibrações, que estabelece os princípios da análise vibracional. A melhor descrição do movimento vibracional molecular é obtida pelo uso do sistema de coordenadas normais, cujos métodos de cálculo foram originalmente propostos por Dennison1. Porém, a solução completa do problema vibracional foi formulada por Wilson2, que utilizou a teoria de grupos para sua simplificação. Atualmente, o uso da teoria de grupo juntamente com as coordenadas normais representa o método mais apropriado para cálculo de amplitudes, bem como a correta atribuição das freqüências vibracionais.

Existem, entretanto, alguns processos químicos importantes cujo entendimento requer a separação das diferentes componentes da energia cinética molecular, que são as energias rotacional, vibracional e de acoplamento rotovibracional, conhecido como acoplamento de Coriolis. Exemplos nos quais a partição da energia cinética molecular é importante em química são estudos de relaxação vibracional molecular3, flutuação de energia interna (de modos vibracionais para rotacionais)4 e processos de transferência de energia em colisões moleculares5.

Para a partição da energia cinética molecular é apropriado definir um sistema de coordenadas normais acopladas às coordenadas Cartesianas, como originalmente proposto por Crawford e Fletcher6. Esse método é geral e matricial, requerendo conhecimento das matrizes da teoria de pequenas vibrações2. No presente trabalho, é apresentada uma abordagem analítica para transformar coordenadas Cartesianas em normais. Esse método baseia-se em conceitos físicos elementares e possibilita a obtenção de equações de fácil interpretação, em alternativa ao tratamento numérico proposto na ref. 6. Exemplos simples são discutidos para moléculas diatômicas e triatômicas.

DESCRIÇÃO DO MÉTODO

Moléculas poliatômicas podem ser descritas por um conjunto de osciladores harmônicos com energia total dada por

em que lk=4 p2nk2 , sendo nk a freqüência do modo normal de vibração Qk. O primeiro termo, do lado direito da Equação 1, representa a energia cinética e o segundo, a energia potencial. Como não existem termos cruzados nas somas em (1), as energias potencial e cinética são diagonais nessa representação. Quando se representa a figura de um modo normal, assume-se implicitamente que a molécula em consideração não pode transladar nem rodar. Essas restrições são formalmente descritas pelas condições de Eckart7

em que Dxi , Dyi e Dzi são as coordenadas cartesianas de deslocamento, xie, yie e zie as coordenadas cartesianas na posição de equilíbrio e mi as massas de cada átomo da molécula. O uso das figuras dos modos normais, juntamente com a equação da energia molecular total e as condições de Eckart, forma a base da presente método, cujas etapas são: as amplitudes de vibração das coordenadas Cartesianas obtidas da geometria dos modos normais são propostas inicialmente como incógnitas; a energia cinética e potencial, como na Equação 1, juntamente com as condições de Eckart são utilizadas no cálculo das amplitudes. O procedimento pode ser feito para cada modo normal em separado, pois os mesmos estão desacoplados e, a transformação final é obtida somando-se as componentes para cada modo normal, o que satisfaz automaticamente as Equações 2 e 3.

Utilizando-se as etapas descritas, a transformação entre coordenadas Cartesianas e coordenadas normais é obtida sem o uso das matrizes da teoria de pequenas vibrações, não sendo assim necessário o cálculo numérico expresso pela equação proposta na ref. 6. Portanto, a presente abordagem possibilita a obtenção de resultados em forma analítica, o que fornece em uma análise preliminar melhor visualização física das expressões que descrevem o movimento vibracional molecular.

MOLÉCULAS DIATÔMICAS

A primeira aplicação é descrita para moléculas diatômicas. Com base na Figura 1, a relação Dx1=-AQ1 pode ser escrita para descrever a coordenada de deslocamento para o átomo 1. Nessa relação, a amplitude A define a amplitude de vibração normal do modo Q1. Para o átomo 2 a amplitude será positiva, Dx2 = AQ1. Utilizando-se a condição de Eckart, Equação 2, pode-se escrever m1Dx1+ m2Dx2 = 0 ou Dx2 =(m1/m2 )AQ1 . A expressão da energia cinética, Equação 1, fornece .Substituindo-se Dx1=-AQ1 e Dx2=(m1/m2 )AQ1 (notar que ) obtém-se amplitude . Como Dx1=x1-xe e Dx2=x2+xe, as seguintes coordenadas Cartesianas são encontradas


MOLÉCULAS TRIATÔMICAS LINEARES SIMÉTRICAS

Outro exemplo é apresentado para uma molécula triatômica linear simétrica que possui quatro modos normais, dois dos quais com a mesma energia ou degenerados. As transformacões de coordenadas normais para Cartesianas podem ser calculadas de forma independente para cada modo. Utilizando-se a Figura 2, obtém-se Dx1=AQ1, Dx2=0 e Dx3=AQ1. A igualdade, , deverá ser válida para a coordenada Q1. A substituição de Dx1 e Dx2 fornecerá a amplitude


O modo Q2 é degenerado em duas componentes Q2a e Q2b e as amplitudes vibracionais para essas componentes são iguais. Novamente da Figura 2, obtém-se, Dy1 = -BQ2a, Dy2 =CQ2a e Dy3 = -BQ2a. Utilizando-se a condição de Eckart e a expressão da energia cinética retira-se C=(2m1/m2)B e 2m1B2 + m2C2= 1, ou,

Uma análise similar para o modo Q3 fornece Dx1 = -DQ3, Dx2 = EQ3 e Dx3 = -DQ3 , em que,

Somando-se as várias componentes independentes escreve-se a transformação das coordenadas Cartesianas para normais na forma:

MOLÉCULAS TRIATÔMICAS NÃO LINEARES SIMÉTRICAS

A geometria de equilíbrio de uma molécula triatômica não linear simétrica do tipo A3 é um triângulo equilátero. Da Figura 3, obtém-se Dx1 = –Asen(p/3)Q1, Dy1 = –Acos(p/3)Q1, Dy2 = AQ1, Dx3 = Asen(p/3)Q1 e Dy3 = –Acos(p/3)Q1. Como os três átomos da molécula são iguais, a energia cinética é escrita como,


Por conseguinte, a amplitude A vale

As componentes Cartesianas de deslocamento em termos do modo Q2 são Dx1 = Bsen (p/3)Q2, Dy1 = –Bcos(p/3)Q2, Dy2=BQ2 , Dx3 = –Bsen(p/3)Q2 e Dy3 = –Bcos(p/3)Q2. A energia cinética é

Após substituição das componentes das coordenadas de deslocamento calcula-se a amplitude,

Para a amplitude C, utilizando-se as condições Dx1 = –Ccos(p/3) Q3, Dy1 = –Csen(p/3)Q3, Dx2 = CQ3, e Dx3 = –Ccos (p/3)Q3 , Dy3 = Csen(p/3)Q3

calcula-se Com as amplitudes calculadas escreve-se para cada modo normal:

Como antes, esses três modos independentes podem ser linearmente combinados para descrever qualquer movimento harmônico da molécula. As seguintes coordenadas Cartesianas para a molécula do tipo A3, são, então, obtidas:

A generalização para um sistema de N átomos em um anel é facilmente obtida. Para isso, basta mudar na Equação 6, o fator (1/3m1) e o ângulo (p/3) para, respectivamente, (1/Nm1) e (p/N). Como discutido anteriormente, a transformação entre as coordenadas Cartesianas e normais é apropriada para a partição da energia cinética molecular. As componentes vibracionais, rotacionais e Coriolis da energia cinética molecular, em coordenadas Cartesianas2, são:

Nas equações anteriores wx, wy, wz, , e pix, piy, piz são, respectivamente, as velocidades angulares, velocidades lineares e momentos lineares. As Equações 7-9 podem ser transformadas pelas relações obtidas no presente trabalho, Equações 4-6, para expressões análogas em coordenadas normais. As coordenadas normais são geradas por

em que Evk são as energias vibracionais espectroscópicas dos modos normais e sk são as fases do movimento harmônico, 0 < sk< 2p. Doravante, as componentes da energia cinética molecular podem ser geradas separadamente como função das energias vibracionais Evi dos modos normais. A transformação entre coordenadas Cartesianas e normais possibilita, assim, a descrição de processos físico-químicos em que o conhecimento das diferentes componentes da energia cinética molecular é importante3-5.

CONCLUSÕES

Coordenadas Cartesianas moleculares em função de coordenadas normais foram obtidas pelo uso de considerações físicas elementares. O modelo apresentado neste trabalho envolve a expressão da energia molecular total em coordenadas normais, as condições de Eckart e a geometria dos modos normais. Exemplos foram discutidos para moléculas diatômicas e triatômicas. Embora a teoria de grupo não seja usada, efeitos de simetria são considerados. Por ex., para uma molécula diatômica pode-se utilizar a condição Dx1 = –Dx2, eliminando alguma álgebra.

O presente modelo possibilita a obtenção de relações analíticas simples que permitem uma visualização física acerca da transformação entre coordenadas Cartesianas e modos normais. Já a equação matricial de Crawford e Fletcher fornece resultados numéricos, o que pode dificultar a percepção física do problema. As duas metodologias requerem previamente a descrição geométrica das coordenadas normais. Entretanto, enquanto o tratamento de Crawford e Fletcher tem como pré-requisito a construção, por vezes não trivial, das matrizes relacionadas à teoria vibracional, o presente modelo requer apenas o conhecimento das expressões de energia molecular e das condições de Eckart. O método é geral e também pode ser aplicado às moléculas triatômicas lineares do tipo ABC e não lineares do tipo ABA ou moléculas maiores.

A expressão para a energia cinética molecular, particionada nas componentes vibracionais, rotacionais e Coriolis em coordenadas Cartesianas, pode ser transformada, pelas relações obtidas no presente trabalho, para uma expressão similar em coordenadas normais. Essa abordagem é útil, pois os efeitos da separação da rotação e vibração, com análise da importância do termo de Coriolis, podem ser levados em consideração na descrição de vários processos intramoleculares3-5.

AGRADECIMENTOS

Suporte Financeiro: CNPq e CAPES - Brasil.

Recebido em 24/2/06; aceito em 14/6/06; publicado na web em 19/1/07

  • 1. Dennison, D. M.; Rev. Mod. Phys 1931, 3, 280.
  • 2. Wilson, E. B.; Decius, J.C.; Cross, P .C.; Molecular Vibrations; The Theory of Infrared and Raman Vibrational Spectra; McGraw-Hill Book Company: New York, 1955.
  • 3. Yan, T.; Hase, W. L.; J. Phys. Chem. A 2001, 105, 2617.
  • 4. Borges, E.; Ferreira, G. G.; Braga, J. P.; Belchior, J. C.; Int. J. Quantum Chem. 2006, 106, 2643.
  • 5. Suzukawa, H. H.; Wolfsberg, M.; J. Chem. Phys 1978, 68 , 455.
  • 6. Crawford, B. L.; Fletcher, W. H.; J. Chem. Phys. 1950, 20, 141.
  • 7. Eckart, C.; Phys Rev 1935, 47, 522.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Jun 2006
    • Recebido
      24 Fev 2006
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