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Estudo fitoquímico da madeira de Guarea macrophylla (Meliaceae)

Phytochemical study of the wood from Guarea macrophylla (Meliaceae)

Resumo

In the present work, the crude ethanol extract from wood of G. macrophylla was submitted to liquid/liquid partition between hexane, CH2Cl2, EtOAc and n-BuOH. Each phase was individually chromatographed over silica gel, Sephadex LH-20 or Amberlite XAD-2 to give eight terpene derivatives, such as five sesquiterpenoids (caryophyllene oxide, guai-6-en-10β-ol, spathulenol, aromadendrane-4β,10α-diol and aloaromadendrane-4α,10β-diol) as well as three triterpenoids (cicloart-24-ene-3β,23(R*)-diol, cicloart-24-ene-3β,23(S*)-diol, and cicloart-23E-ene-3β,25-diol). Additionally, were isolated three fatty acids (linolenic, linoleic and stearic), two steroids (sitosterol and stigmasterol) and sacarose. The structures of all these compounds were characterized by spectrometric analysis, mainly mass spectrometry and NMR and comparison of these data described in the literature.

Meliaceae; Guarea macrophylla; cycloartane triterpenoids


Meliaceae; Guarea macrophylla; cycloartane triterpenoids

ARTIGO

Estudo fitoquímico da madeira de Guarea macrophylla (Meliaceae)

Phytochemical study of the wood from Guarea macrophylla (Meliaceae)

João Henrique G. LagoI, * * e-mail: joao.lago@unifesp.br ; Nídia F. RoqueII

IDepartamento de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de São Paulo, 09972-270 Diadema - SP, Brasil

IIInstituto de Química, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador - BA, Brasil

ABSTRACT

In the present work, the crude ethanol extract from wood of G. macrophylla was submitted to liquid/liquid partition between hexane, CH2Cl2, EtOAc and n-BuOH. Each phase was individually chromatographed over silica gel, Sephadex LH-20 or Amberlite XAD-2 to give eight terpene derivatives, such as five sesquiterpenoids (caryophyllene oxide, guai-6-en-10β-ol, spathulenol, aromadendrane-4β,10α-diol and aloaromadendrane-4α,10β-diol) as well as three triterpenoids (cicloart-24-ene-3β,23(R*)-diol, cicloart-24-ene-3β,23(S*)-diol, and cicloart-23E-ene-3β,25-diol). Additionally, were isolated three fatty acids (linolenic, linoleic and stearic), two steroids (sitosterol and stigmasterol) and sacarose. The structures of all these compounds were characterized by spectrometric analysis, mainly mass spectrometry and NMR and comparison of these data described in the literature.

Keywords: Meliaceae; Guarea macrophylla; cycloartane triterpenoids.

INTRODUÇÃO

Guarea macrophylla Vahl. ssp. tuberculata (Meliaceae) é vernaculamente conhecida como ataúba e ocorre como uma árvore de 3 a 10 m de altura essencialmente no Sul e Sudeste do Brasil, estando presente também na Amazônia peruana.1 Do ponto de vista químico, nosso grupo de pesquisa realizou um estudo sistemático com essa espécie, sendo descrita na literatura a ocorrência de sesquiterpenos, diterpenos e triterpenos das folhas e cascas do tronco, além dos constituintes dos respectivos óleos voláteis.2 É digno de nota que o óleo oriundo das folhas mostrou resposta eletroantenográfica frente a H. grandella, um lepidóptero causador de grandes danos em cultivos de espécies de Meliaceae.3 Visando contribuir com a fitoquímica de G. macrophylla, este trabalho descreve, pela primeira vez, os constituintes da madeira desta espécie. Através de sucessivos procedimentos cromatográficos seguidos de análise espectrométrica foram isolados cinco sesquiterpenos: óxido de cariofileno (1), guai-6-en-10β-ol (2), espatulenol (3), aromadendrano-4β,10α-diol (4) e aloaromadendrano-4α,10β-diol (5), três triterpenos: cicloart-24-eno-3β,23(R*)-diol (6), cicloart-24-eno-3β,23(S*)-diol (7) e cicloart-23E-eno-3β,25-diol (8), dois esteroides: sitosterol (9) e estigmasterol (10), três ácidos graxos: linolênico (11), linoleico (12) e esteárico (13), além de sacarose (14). A identificação estrutural das substâncias foi realizada através da análise dos dados espectrométricos, principalmente RMN de 1H, de 13C e de espectrometria de massas.

PARTE EXPERIMENTAL

Instrumentação e procedimentos gerais

Os espectros de RMN foram registrados em espectrômetros Bruker, modelos DPX-300 e DRX-500 operando, respectivamente, a 300 e 500 MHz para o núcleo do hidrogênio e a 75 e 125 MHz para o núcleo do carbono-13. Clorofórmio-d (Aldrich), metanol-d4 e benzeno-d6 (Tedia Brazil) foram usados como solventes, sendo o pico residual do derivado não deuterado empregado como padrão interno. Os espectros de massas foram obtidos em um espectrômetro HP 5990/5988A, operando por impacto eletrônico (70 eV), via injeção direta e em um espectrômetro HP-5973, operando por impacto eletrônico (70 eV), acoplado a um cromatógrafo HP-6890 (coluna DB-5, 30 m x 0,25 mm, espessura do filme 0,25 µm), via CG/EM. O ponto de fusão foi registrado em um aparelho Electrothermal 9100, com termômetro não aferido. A medida de rotação óptica específica foi obtida em polarímetro digital JASCO DIP-370, filtro de Na, em cela de quartzo com 10 mm de caminho óptico. Para as separações cromatográficas em coluna foram utilizados gel de sílica (Merck, 230-400 mesh), Sephadex LH-20 (Amersham Biosciences) e Amberlite XAD-2 (Aldrich), enquanto que para as separações por cromatografia em camada delgada foi utilizado gel de sílica 60 PF254 (Merck).

Material vegetal

O material vegetal foi coletado em outubro de 2000, de um espécime localizado no bosque do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (São Paulo, capital). A identificação botânica foi realizada pelo Prof. Dr. J. R. Pirani, do Herbário do IB-USP, onde uma exsicata do espécime estudado encontra-se depositada.

Extração e isolamento das substâncias

O tronco de Guarea macrophylla foi coletado e separado, manualmente, em casca e cerne. Após secagem em estufa a 40 ºC e moagem, foram obtidos 600 g do cerne que foram extraídos com EtOH (4 X 2 L) à temperatura ambiente. A destilação do solvente sob pressão reduzida forneceu 20 g do extrato etanólico bruto, que foi submetido à partição entre EtOH:H2O 1:2 (500 mL) e hexano, CH2Cl2 e AcOEt (4 X 300 mL cada solvente), sucessivamente. Após adição de 400 mL de solução aquosa saturada com NaCl, o restante da fase hidroalcoólica foi extraída com 3 X 300 mL de n-BuOH. A fase em hexano (3,6 g), após fracionamento cromatográfico sobre gel de sílica (120 g), resultou nas frações I (hexano - 212 mg), II (hexano:AcOEt 9:1 - 30 mg), III e IV (hexano:AcOEt 4:1 - 62 e 42 mg), V e VI (hexano:AcOEt 7:3 - 257 e 151 mg), VII (hexano:AcOEt 1:1 - 298 mg), VIII (hexano:AcOEt 1:4 - 377 mg) e IX (AcOEt - 89 mg). Após análise via CCD, foi observado que as frações II, III e IV estavam puras e constituídas por 1, 3 e 2, respectivamente.

A fração VI foi submetida à separação em gel de Sephadex LH-20 (2 X 28 cm) eluído com hexano:CH2Cl2 1:4 e CH2Cl2:Me2CO 3:24 fornecendo vinte e sete frações de 10 mL que, após monitoramento por CCD, foram reunidas em 6 grupos (1 - 6). Deste processo, foram obtidos 16 mg de uma mistura de 9 e 10 do grupo 3 e 12 mg de 3 do grupo 5. A fase em CH2Cl2 (1,1 g) após fracionamento cromatográfico sobre gel de sílica (100 g) resultou nas frações I (hexano:AcOEt 9:1 - 66 mg), II (hexano:AcOEt 4:1 - 54 mg), III e IV (hexano:AcOEt 7:3 - 16 e 22 mg), V e VI (hexano:AcOEt 1:1 - 102 e 99 mg), VII (hexano:AcOEt 1:4 - 101 mg) e VIII (AcOEt - 43 mg).

A fração II mostrou-se composta por uma mistura de 11, 12 e 13, os quais foram identificados por CG/EM, sem derivatização. As frações III e IV mostraram-se constituídas majoritariamente por 4 e 5, respectivamente.

A fase em AcOEt (1,0 g) foi submetida à separação em gel de Sephadex LH-20 (2 X 60 cm), a qual foi eluída com MeOH puro, fornecendo oito frações de 250 mL (I - VIII). A purificação da fração IV (233 mg) através de fracionamento em coluna de gel de sílica (90 g) eluída com misturas de hexano:AcOEt nas proporções 9:1 (frações 1 - 2), 4:1 (frações 3 - 5), 7:3 (fração 6), 1:1 (fração 7) e AcOEt puro (fração 8), forneceu 7 (23 mg) e 6 (56 mg) das frações 4 e 5, respectivamente.

A purificação da fração VI (102 mg) em gel de Sephadex LH-20 (2 X 30 cm), eluído com MeOH puro, forneceu trinta e cinco frações de 10 mL, que foram reunidas em 5 grupos (1 - 5) após análise por CCD. Deste processo, foram obtidos 10 mg de 8 do grupo 4. A fase em n-BuOH (2,0 g) foi submetida à separação em Amberlite XAD-2 (2,5 X 30 cm), utilizando-se uma sequência de solventes composta por H2O (frações I - II), H2O:MeOH 9:1 (frações III - V), 8:2 (frações VI - VIII), 7:3 (frações IX - XI), 1:1 (frações XII - XIV), 3:7 (frações XV - XVI) e, finalmente, com MeOH puro (fração XVII). Desta forma, foi possível obter 221 mg de 14 da fração III.

Guai-6-en-10β-ol (2): Óleo incolor, [α]D25 + 13,0 (CHCl3; conc. 0,20). RMN 1H (300 MHz, CDCl3) δH (mult.; J em Hz; H): 5,48 (d; 3,3; H-6), 0,95* (d; 6,9; H-12), 0,97* (d; 6,9; H-13), 0,84 (d; 7,5, H-14), 1,18 (s; H-15). RMN 13C (75 MHz, CDCl3) δC: 51,3 (C-1), 23,9 (C-2), 33,1 (C-3), 37,2 (C-4), 43,8 (C-5), 124,0 (C-6), 148,3 (C-7), 25,1 (C-8), 42,6 (C-9), 75,6 (C-10), 37,6 (C-11), 21,2* (C-12), 21,3* (C-13), 15,2 (C-14), 21,5 (C-15) (*valores intercambeáveis). EMIE (70 eV) m/z (intensidade relativa): [M]+ 222 (2), 204 (36), 161 (100), 121 (63), 105 (84), 81 (68), 55 (48).

Aromadendrano-4β,10α-diol (4): Sólido branco amorfo. RMN 1H (300 MHz, CDCl3) δH (mult.; J em Hz; H): 0,42 (dd; 10,9 e 9,4; H-6), 0,64 (m; H-7), 1,03 (s; H-12), 1,03 (s; H-13), 1,25 (s, H-14), 1,17 (s, H-15). RMN 13C (75 MHz, CDCl3) δC: 56,5 (C-1), 23,8 (C-2), 41,2 (C-3), 80,4 (C-4), 48,5 (C-5), 28,4 (C-6), 26,7 (C-7), 20,1 (C-8), 44,5 (C-9), 75,1 (C-10), 19,6 (C-11), 28,7 (C-12), 16,5 (C-13), 24,5 (C-14), 20,4 (C-15). EMIE (70 eV) m/z (intensidade relativa): [M]+ 238 (2), 220 (11), 205 (23), 202 (23), 187 (24), 177 (22), 162 (60), 159 (59), 147 (54), 134 (33), 119 (73), 107 (75), 93 (100), 79 (84), 67 (63), 55 (75).

Aloaromadendrano-4α,10β-diol (5): Sólido branco amorfo. RMN 1H (300 MHz, CDCl3) δH (mult.; J em Hz; H): 0,01 (t; 9,7; H-6), 0,64 (m; H-7), 1,03 (s; H-12), 1,04 (s; H-13), 1,34 (s, H-14), 1,20 (s, H-15). RMN 13C (75 MHz, CDCl3) δC: 54,0 (C-1), 25,2 (C-2), 37,4 (C-3), 82,2 (C-4), 47,8 (C-5), 25,3 (C-6), 28,8 (C-7), 18,8 (C-8), 38,0 (C-9), 74,5 (C-10), 18,7 (C-11), 28,6 (C-12), 16,4 (C-13), 25,6 (C-14), 32,1 (C-15). EMIE (70 eV) m/z (intensidade relativa): [M]+ 238 (3), 220 (17), 205 (12), 202 (29), 187 (25), 162 (45), 159 (63), 147 (44), 134 (47), 121 (30), 119 (66), 107 (66), 93 (100), 79 (66), 67 (51), 55 (55).

Cicloart-24-eno-3β,23(R*)-diol (6): Sólido branco amorfo. RMN 1H (500 MHz, CDCl3) δH (mult.; J em Hz; H): 3,28 (dd; 11,5 e 4,4; H-3), 0,55 (d; 4,0; H-19a), 0,32 (d; 4,0; H-19b); 0,94 (d; 6,5; H-21), 4,46 (td; 9,3 e 4,2, H-23), 5,10 (dt, 9,0 e 1,3; H-24), 1,74 (s, H-26), 1,71 (s, H-27), 0,89 (s, H-28); 0,81 (s, H-29); 0,96 (s, H-30). RMN 13C (125 MHz, CDCl3) δC: 32,0 (C-1), 30,3 (C-2), 78,9 (C-3), 40,5 (C-4), 47,1 (C-5), 21,1 (C-6), 28,4 (C-7), 47,9 (C-8), 20,0 (C-9), 25,9 (C-10), 26,0 (C-11), 35,5 (C-12), 45,3 (C-13), 48,9 (C-14), 32,9 (C-15), 26,4 (C-16), 52,9 (C-17), 18,0 (C-18), 29,9 (C-19), 33,5 (C-20), 19,1 (C-21), 44,5 (C-22), 67,3 (C-23), 128,4 (C-24), 135,6 (C-25), 25,4 (C-26), 18,3 (C-27), 19,3 (C-28), 26,1 (C-29), 14,0 (C-30).

Cicloart-24-eno-3β,23(S*)-diol (7): Sólido branco amorfo. RMN 1H (500 MHz, CDCl3) δH (mult.; J em Hz; H): 3,27 (dd; 11,1 e 4,4; H-3), 0,55 (d; 4,1; H-19a), 0,33 (d; 4,1; H-19b); 0,89 (d; 6,5; H-21), 4,47 (td; 9,0 e 3,1, H-23), 5,20 (dt, 8,7 e 1,3; H-24), 1,71 (s, H-26), 1,68 (s, H-27), 0,88 (s, H-28); 0,80 (s, H-29); 0,96 (s, H-30). RMN 13C (125 MHz, CDCl3) δC: 32,0 (C-1), 30,4 (C-2), 78,9 (C-3), 40,5 (C-4), 47,1 (C-5), 21,1 (C-6), 28,3 (C-7), 47,9 (C-8), 20,0 (C-9), 25,7 (C-10), 26,0 (C-11), 35,5 (C-12), 45,4 (C-13), 48,9 (C-14), 32,7 (C-15), 26,5 (C-16), 52,9 (C-17), 18,1 (C-18), 29,9 (C-19), 33,0 (C-20), 18,1 (C-21), 44,5 (C-22), 66,1 (C-23), 129,1 (C-24), 133,8 (C-25), 25,4 (C-26), 18,3 (C-27), 19,3 (C-28), 26,1 (C-29), 14,0 (C-30).

Cicloart-23E-eno-3β,25-diol (8): Sólido branco amorfo. RMN 1H (300 MHz, CDCl3) δH (mult.; J em Hz; H): 3,28 (dd; 11,1 e 4,5; H-3), 0,55 (d; 4,2; H-19a), 0,33 (d; 4,2; H-19b); 0,87 (d; 6,3; H-21), 5,59 (m; H-23 e H-24), 1,32 (s, H-26), 1,32 (s, H-27), 0,81 (s, H-28); 0,97 (s, H-29); 0,97 (s, H-30). RMN 1H (300 MHz, benzeno-d6) δH (mult.; J em Hz; H): 5,67 (ddd; 15,6; 7,9 e 5,6; H-23), 5,60 (d, 15,6; H-24). RMN 13C (75 MHz, CDCl3) δC: 32,0 (C-1), 30,4 (C-2), 78,8 (C-3), 40,5 (C-4), 47,1 (C-5), 21,1 (C-6), 28,1 (C-7), 48,0 (C-8), 20,0 (C-9), 26,1 (C-10), 26,0 (C-11), 35,6 (C-12), 45,3 (C-13), 48,8 (C-14), 32,8 (C-15), 26,5 (C-16), 52,0 (C-17), 18,3 (C-18), 29,9 (C-19), 36,4 (C-20), 18,1 (C-21), 39,0 (C-22), 139,4 (C-23), 125,6 (C-24), 70,8 (C-25), 30,0 (C-26), 29,9 (C-27), 19,3 (C-28), 25,4 (C-29), 14,0 (C-30).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A comparação dos dados de RMN de 13C e de massas com valores descritos na literatura,5 mostrou que a substância 1 corresponde ao óxido de cariofileno, o qual pode ser considerado como um produto da oxidação do carofileno na presença de luz e oxigênio.

Os espectros de RMN de 13C e DEPT 135º de 2 mostraram a presença de quinze sinais sendo referentes a quatro grupos metílicos, quatro metilênicos, cinco metínicos, sendo um deles sp2, e dois carbonos não hidrogenados, sendo um olefínico e um oxigenado. A análise do espectro de massas, o qual mostrou o pico do íon molecular em m/z 222, permitiu inferir a fórmula molecular C15H26O, com três deficiências de hidrogênio, sendo uma ligação dupla e dois aneis. Tais informações, associadas à presença de um grupo isopropílico devido aos dupletos relativos a H-12/H-13 em δH 0,95 e 0,97 (J = 6,9 Hz), permitiram inferir o esqueleto guaiano.6 A comparação dos dados espectrais obtidos para 2 com aqueles descritos na literatura, permitiu identificar esse sesquiterpeno como guai-6-en-10β-ol, cuja ocorrência foi descrita exclusivamente em Guarea macrophylla2 e em G. guidonia.7

O composto 3 foi identificado como espatulenol pela comparação dos dados espectrais descritos na literatura.8 Os espectros de RMN de 1H das substâncias 4 e 5 mostraram sinais característicos de anel ciclopropânico entre δH 0,0-0,1 e entre δH 0,5-0,7, os quais são indicativos da ocorrência de sesquiterpenos de esqueleto aromadendrano e alo-aromadendrano, respectivamente.8 Nos espectros de RMN de 13C e DEPT 135º dos compostos 4 e 5 foram detectados sinais de carbonos carbinólicos em δC 80,4/82,2, atribuídos a C-4, e em δC 75,1/74,5, atribuídos a C-10. Tal informação sugere que ambos são derivados di-hidroxilados, fato que foi confirmado através da análise dos respectivos espectros de massas, que indicam a fórmula molecular C15H26O2 devido aos picos dos íons moleculares em m/z 238. A estereoquímica relativa de C-4 foi definida com base nos dados de RMN de 13C de C-6 visto que a literatura8 descreve que o sinal deste carbono é observado entre δC 28-30 quando o grupo hidroxílico está em b, ocorrendo em torno de δC 25 quando em α. A comparação dos dados espectrométricos destes sesquiterpenos com aqueles descritos na literatura,8 permite identificar 4 como aromadendrano-4β,10α-diol e 5 como aloaromadendrano-4α,10β-diol. Este é o segundo relato de derivados de aromadendrano-4,10-diois em espécies de Guarea,2 sendo significativo o potencial fungitóxico apresentado por esses compostos.9

Os espectros de RMN de 1H de 6 - 8 mostraram dois dubletos em δH 0,3-0,5 (J = 4,0 Hz) os quais foram atribuídos ao H-19 de triterpenos da classe dos cicloartan-3β-ois.10 De acordo com o evidenciado nos espectros de RMN de 13C e DEPT 135º, a estrutura planar da cadeia lateral dos triterpenos 6 e 7 é idêntica, visto que foram observados sinais referentes ao carbonos carbinólicos C-23 em δC 67,3/66,1 e os carbonos alifáticos sp2 em δC 128,4/129,1 (C-24) e em 135,6/133,8 (C-25). Tais informações, associadas ao fato de que a oxidação de ambos com MnO2 gera um mesmo derivado, o cicloart-24-eno-3,23-diona,10 permitem sugerir que a única diferença entre os dois triterpenos consiste na configuração de C-23. Finalmente, a comparação dos dados espectrais obtidos com aqueles descritos na literatura para compostos contendo a mesma cadeia lateral com a configuração relativa de C-23 definida,2,11 permitiu inferir que os triterpenos 6 e 7 correspondem a cicloart-24-eno-3β,23(R*)-diol e cicloart-24-eno-3β,23(S*)-diol, respectivamente. O espectro de RMN de 1H de 8 em CDCl3 mostrou o par de dupletos atribuídos a H-19 em δH 0,33 (J = 4,2 Hz) e em δH 0,55 (J = 4,2 Hz), o dupleto atribuído a H-21 em δH 0,87 (J = 6,3 Hz) e os hidrogênios olefínicos em H-23 e H-24 em δH 5,59 (m). Como a multiplicidade desse sinal não permitiu definir o valor da constante de acoplamento e, consequentemente, a configuração da ligação dupla, foi registrado um outro espectro de RMN de 1H em benzeno-d6. Neste, foram observados os sinais relativos a H-23 em δH 5,67 (ddd, J = 15,6; 7,9 e 5,6 Hz) e a H-24 em δH 5,60 (J = 15,6 Hz), o que permitiu definir a configuração da ligação dupla como E. O espectro de RMN de 13C de 8 mostrou dois sinais referentes a carbonos metínicos olefínicos em δC 125,6 e 139,4, os quais foram atribuídos, respectivamente, a C-23 e C-24. A presença de um carbono carbinólico adicional em δC 70,8 (C), o qual foi atribuído a C-25, seguido da comparação com dados descritos na literatura2,10 permitiram a identificação de 8 como cicloart-23E-eno-3β,25-diol.

As estruturas dos esteroides 9 e 10 foram caracterizadas pelas análises dos espectros de RMN de 1H e de 13C seguidas pela comparação dos dados descritos na literatura12 para o sitosterol e estigmasterol, respectivamente. As estruturas dos ácidos graxos livres 11 - 13 obtidos em mistura foram definidas por CG/EM, os quais apresentaram os respectivos íons moleculares em m/z 278 (ácido linoleico), 280 (ácido linolênico) e 284 (ácido esteárico). O espectro de RMN de 13C de 14 mostrou doze sinais dos quais dez na faixa entre δC 62 - 84 e dois em δC 105,3 (CH) e 93,6 (CH), atribuídos a carbonos anoméricos de um carboidrato. A comparação dos dados espectrais obtidos com aqueles descritos na literatura13 permitiu a identificação de 14 como a sacarose.

A investigação fitoquímica da madeira de G. macrophylla resultou no isolamento de diversos derivados terpenoídicos, especialmente sesquiterpenos de esqueleto aromadendrano, guaiano e cariofilano além de triterpenos de esqueleto cicloartano, os quais são comuns no táxon Guarea.2,10,14 A ausência de limonoides nas fases mais polares, tanto da madeira quanto das folhas, parece sugerir que as espécies de Guarea que produzem e acumulam derivados do cicloartano mostram um caminho biossintético preferencial na ciclização do óxido de esqualeno na conformação cadeira/barco/cadeira/barco em comparação àquelas espécies nas quais derivados de esqueleto tirucalano/eufano e, consequentemente, limonoides são predominantes,14-17 uma vez que esses compostos são formados exclusivamente a partir da ciclização na conformação cadeira/cadeira/cadeira/barco.18

MATERIAL SUPLEMENTAR

Os espectros de RMN de 1H e de 13C das substâncias 2, 6, 7 e 8, estão disponíveis gratuitamente em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP e ao CNPq pelas bolsas de estudo e de produtividade a pesquisa.

REFERÊNCIAS

1. Corrêa, M. P.; Dicionário de Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas, Imprensa Nacional: Rio de Janeiro, 1984, vol. 1.

2. Lago, J. H. G.; Brochini, C. B.; Roque, N. F.; Phytochemistry 2000, 55, 727; Lago, J. H. G.; Roque, N. F.; Phytochemistry 2002, 60, 329; Lago, J. H. G.; Roque, N. F.; J. Braz. Chem. Soc. 2005, 16, 643; Lago, J. H. G.; Reis, A. A.; Roque, N. F.; Flavour Fragr. J. 2002, 17, 255.

3. Lago, J. H. G.; Soares, M. G.; Batista-Pereira, L. G.; Silva, M. F. G. F.; Correa, A. G.; Fernandes, J. B.; Vieira, P. C.; Roque, N. F.; Phytochemistry 2006, 67, 589.

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7. Brochini, C. B.; Núñez, C. V.; Moreira, I. C.; Roque, N. F.; Chaves, M. H.; Martins, D.; Quim. Nova 1999, 22, 37.

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9. Moreira, I. C.; Lago, J. H. G.; Young, M. C. M.; Roque, N. F.; J. Braz. Chem. Soc. 2003, 14, 828.

10. Furlan, M.; Roque, N. F.; Filho, W. W.; Phytochemistry 1993, 32, 1519.

11. Liu, H.; Helmann, J.; Rali, T.; Sticher, O.; J. Nat. Prod. 2001, 64, 159; Mohamad, K.; Martin, M. T.; Litaudon, M.; Gaspard, C.; Sévenet, T.; Païs, M.; Phytochemistry 1999, 52, 1461.

12. Ahmad, V. U.; Aliya, R.; Perveern, S.; Shameel, M.; Phytochemistry 1992, 31, 1429.

13. Breitmaier, E.; Voelter, W.; Carbon-13 NMR spectroscopy: high resolution methods in organ. Chemistry and biochemistry, 3rd ed., VCH: New York, 1987.

14. Garcez, F. R.; Nunez, C. V.; Garcez, W. S.; Almeida, R. M.; Roque, N. F.; Planta Medica 1998, 64, 79.

15. Jimenez, A.; Villarreal, C.; Toscano, R. A.; Cook, M.; Arnason, J. T.; Byed, R.; Mata, R.; Phytochemistry 1998, 49, 1981.

16. Mootoo, B. S.; Jativa, C.; Tinto, W. F.; Reynolds, W. F.; McLean, S.; Can. J. Chem. 1992, 70, 1260.

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18. Mann, J.; Davidson, R. S.; Hobbs, J. B.; Banthhorpe, D. V.; Harborne, J. B.; Natural products: their chemistry and biological significance, Longman: Essex, 1994.

Recebido em 2/12/08; aceito em 26/5/09; publicado na web em 30/10/09

Material Suplementar

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  • 1. Corrêa, M. P.; Dicionário de Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas, Imprensa Nacional: Rio de Janeiro, 1984, vol. 1.
  • 2. Lago, J. H. G.; Brochini, C. B.; Roque, N. F.; Phytochemistry 2000, 55, 727;
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  • 4. Cardelina, J. H.; J. Nat. Prod. 1983, 46, 196.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      26 Maio 2009
    • Recebido
      02 Dez 2008
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