Acessibilidade / Reportar erro

Modos de ausência e de presença do corpo a partir do telos sensório-motor corpóreo 1 1 Este artigo é fruto de pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Modes d’absence et de présence du corps à partir du telos sensori-moteur corporel

Modos de ausencia y de presencia del cuerpo a partir del telos sensorio-motriz corpóreo

Resumo

A fenomenologia evidencia que nossa relação com as coisas e com outrem envolve, fundamentalmente, a questão da nossa realidade corpórea, e que as circunstâncias de aparecimento do próprio corpo remontam a, sobretudo, sua condição primordial não de objeto de percepção, mas de estrutura do aparecer. Nesse contexto, discutimos os modos de ausência e de presença do corpo segundo a fenomenologia, buscando traçar um panorama da questão com base na opção metodológica de Drew Leder: iniciar uma fenomenologia do corpo pelos princípios estruturais da atividade sensório-motora. Pautamo-nos por três dimensões discriminadas pelo autor e que se reportam às nossas capacidades sensório-motoras: as dimensões física, atencional e funcional.

Palavras-chave:
corpo; percepção; atenção; fenomenologia

Résumé

La phénoménologie montre que notre relation avec les choses et avec les autres implique, au fond, la question de notre réalité corporelle, et que les circonstances de l’apparaître du corps remontent, surtout, à sa condition primordiale non pas d’objet de perception, mais de structure de l’apparaître. Dans ce contexte, nous discutons les modes d’absence et de présence du corps selon la phénoménologie, en faisant un panorama de la question à partir de l’option méthodologique de Drew Leder: commencer une phénoménologie du corps par les principes structurels de l’activité sensori-motrice. Trois dimensions de nos compétences sensori-motrices - les dimensions physique, attentionnel et fonctionnel, discernées par l’auteur - servent de référence à notre étude.

Mots-clés:
corps; perception; attention; phénoménologie

Resumen

La fenomenología pone de manifiesto que nuestra relación con las cosas y con los demás implica, fundamentalmente, la cuestión de nuestra realidad corporal, y que las circunstancias de la aparición del propio cuerpo se refieren, principalmente, a su condición primordial no de objeto de la percepción, sino de estructura del aparecer. En este contexto, discutimos las formas de ausencia y presencia del cuerpo según la fenomenología, tratando de esbozar un panorama de la cuestión con base en la opción metodológica de Drew Leder: iniciar una fenomenología del cuerpo por los principios estructurales de la actividad sensorio-motriz. Tres dimensiones de nuestras habilidades sensorio-motrices (física, atencional y funcional), discriminadas por el autor, sirven de referencia.

Palabras clave:
cuerpo; percepción; atención; fenomenología

Abstract

Phenomenology shows that our relationship with things and with others essentially involves the question of our bodily reality, and that the circumstances of the appearance of one’s own body relates, above all, to its primordial condition not as an object of perception, but as a structure of appearance. In this context, we discuss the modes of absence and presence of the body according to phenomenology, seeking to draw an outline of the topic based on Drew Leder’s methodological option: to initiate a phenomenology of the body by the structural principles of sensorimotor activity. We drew on three dimensions described by the author related to our sensorimotor skills: physical, attentional and functional.

Keywords:
body; perception; attention; phenomenology

Introdução

Heidegger (1987/2001Heidegger, M. (2001). Seminários de Zollikon (G. Arnhold & M. F. Almeida Prado, trads.). São Paulo, SP: Educ. (Trabalho original publicado em 1987).), a certa altura dos chamados Seminários de Zollikon, indaga seus espectadores sobre o modo de o corpo relacionar-se com o espaço. Alguém, então, responde: “O corpo é o [elemento] mais próximo no espaço”. Ao que o filósofo replica: “Eu diria: ele é o mais distante” (p. 111). A fenomenologia, com efeito, evidencia que nossa relação com as coisas e com outrem envolve, fundamentalmente, a questão da nossa encarnação, quer dizer, da nossa realidade corpórea, e que as circunstâncias de aparecimento do próprio corpo remontam a, sobretudo, sua condição primordial não de objeto de percepção, mas de estrutura do aparecer (Benoist, 2007Benoist, J. (2007). Phénoménologie. In Marzano, M. (Org.), Dictionnaire du corps (pp. 708-711). Paris, France: PUF.). Preocupada em descrever fielmente os fenômenos dos quais fala, em apreender suas modalidades específicas de aparecimento, a fenomenologia descreve o corpo como presença indelével que, em grande medida, recua em relação ao centro do campo perceptivo em prol do aparecimento do mundo natural e social. Pode-se afirmar que a fenomenologia instala uma lógica de presença e de ausência referida aos modos de aparecimento do corpo e à sua forma de participar da manifestação de tudo que nossa experiência compreende.

Considerando-se o lugar que a filosofia e as ciências sempre reservaram à corporalidade, a encarnação da consciência no corpo promovida pela fenomenologia adquire caráter transformador. As inclinações moralistas e dualistas, em filosofia, reservaram ao corpo o sentido de obstáculo no caminho das virtudes ascéticas e no exercício pleno da razão. De um modo ou de outro, nessas formas de saber o corpo é definido em relação ao espírito (Chirpaz, 1969Chirpaz, F. (1969). Le corps (2a ed.). Paris, France: PUF.). Com o avanço do projeto científico moderno, impasses do dualismo foram absorvidos pelo pragmatismo do monismo naturalista, de modo que o caráter animado do corpo vivo passou a ser explicado a partir do funcionamento orgânico, especialmente das estruturas neurológicas. Este monismo não deixa de representar um retorno ao corpo, mas ainda se trata de um corpo estrangeiro em relação a nossa experiência corpórea. Eis um dos paradoxos da nossa vivência: nosso corpo coincide com todas as dimensões da nossa presença no mundo, ele é a própria expressão de nossos sentimentos, desejos e intenções, e, contudo, em vários momentos, resiste a nós, revelando seja sua marca de objeto, sujeito às relações mecânicas, seja sua qualidade orgânica, que evidencia acontecimentos que independem de nossas vontades. Essa natureza objetiva e orgânica constitui o veio privilegiado pelas ciências do corpo. Na fenomenologia, principalmente por meio das investigações fenomenológicas da percepção, o corpo, por força da fidelidade descritiva acerca dos processos perceptivos, é requerido como gênero que escapa à distinção entre consciência e objeto (Barbaras, 2007Barbaras, R. (2007). Âme: l’âme et le corps. In Marzano, M. (Org.), Dictionnaire du corps (pp. 52-57). Paris, France: PUF.).

Nesse contexto, discutimos, neste artigo, os modos de ausência e de presença do corpo segundo a fenomenologia, buscando traçar um panorama da questão com base em um ponto de partida particular. Acompanhamos a opção metodológica de Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.): iniciar uma fenomenologia do corpo pelos princípios estruturais da atividade sensório-motora. Pautamo-nos por três dimensões discriminadas pelo autor e que se reportam às nossas capacidades sensório-motoras: as dimensões física, atencional e funcional.

Percepção e movimento

As partes do corpo mais diretamente relacionadas à nossa atividade sensório-motora implicam nossa relação com aquilo que difere de nós, ou, segundo a linguagem prosaica, com aquilo que está fora de nós. Essas áreas coincidem, em grande medida, com a superfície corpórea. “A superfície”, segundo Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.), “é onde o eu [self] encontra o que é outro em relação ao eu” (p. 11). A superfície corpórea é repleta de pontos de atualização das nossas potências perceptivas, motoras e expressivas. Os olhos, os ouvidos, o nariz, a boca e a pele são estruturas sensitivas fundamentais, responsáveis diretas pelo campo exteroceptivo. Elas se encontram em relação de copertença com alterações cinestésicas e com a propriocepção, que concerne ao nosso sentido de posição, postura e de tensão muscular. Movemos os olhos para mudar o foco de atenção, movemos o complexo bucal para apurar a gustação. Outras estruturas básicas da cinestesia que motivam a diversidade de aparições sensíveis são, por exemplo, a cabeça, os braços, as mãos, as pernas e os pés. Ao movermos nossa cabeça, temos acesso a perfis distintos das coisas, ou a outros elementos do campo perceptivo. Nessas estruturas dão-se, igualmente, nossas expressões gestuais, fisionômicas e linguísticas, diretamente relacionadas a nossa vivência social. As estruturas perceptivas do corpo não são, contudo, foco da nossa atividade ordinária. Elas, como as demais estruturas corpóreas, apagam-se em prol dos objetos intencionais (Gallagher & Zahavi, 2008Gallagher, S. & Zahavi, D. (2008). The phenomenological mind: an introduction to philosophy of mind and cognitive science. New York, NY: Routledge.).

Imaginemos a seguinte cena, que pode ser útil à nossa argumentação: caminhando na cidade, atento-me, repentinamente, à vitrine de uma livraria, mais especificamente, a um livro cujo título me interessa. Esse livro passa a ser, conforme o vocabulário conceitual de Gurwitsch (1957Gurwitsch, A. (1957). Théorie du champ de la conscience. Bruges, Belgique: Desclée de Brouwer.), o tema do meu campo de consciência, o foco central do meu campo de presença. O tema perceptivo articula-se a um campo temático, ou seja, com dados copresentes em relação ao tema, que envolvem desde os elementos de fundo perceptivo em relação aos quais me encontro situado, mesmo sem atentar a eles, como o conjunto sensível da livraria, até o meu interesse literário e o uso que espero fazer desse livro. O campo temático, ou contexto, possui relação intrínseca com o tema, emerge a partir de um campo, ou de um fundo, e passa a ocupar o centro da atenção. Há, além disso, inúmeros dados copresentes que não possuem relação direta com o tema, como a rua em que me encontro e os transeuntes que a movimentam. Eles compõem o que podemos chamar, ainda com base em Gurwistch, de margem do campo perceptivo. Na maior parte do tempo, nossa experiência corpórea encontra-se, justamente, à margem do nosso foco perceptivo.

O campo perceptivo é, igualmente, um campo de ação. A distinção clássica entre percepção e ação nos remete a um nível de abstração incompatível com uma descrição heurística da nossa mundanidade. Percepção e ação são dimensões inextricavelmente unidas da nossa experiência viva, mais especificamente, de uma das modalizações principais da nossa existência corpórea, a saber, nosso ser-no-espaço (être-à-l’espace). É forçoso reconhecer que a própria percepção é uma atividade motora. Falávamos, há pouco, dos movimentos incessantes, ainda que impercebidos, da cabeça, dos olhos, das pernas, todos envolvidos na nossa experiência perceptual. Além disso, o mundo percebido “está sempre saturado pela presença implícita da motilidade” (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press., p. 17). A dimensão espacial do mundo percebido, a profundidade das coisas, sua proximidade e distância em relação a nós, implicam, necessariamente, um ser que se move no espaço. Encontramos, pois, da parte do mundo, um convite constante à ação, que participa da constituição de um campo da práxis e não somente sensorial. Da parte do sujeito, revela-se, primordialmente, um sujeito da ação, um “eu posso”, ao invés de atividades de pensamento ou de representação do mundo (Merleau-Ponty, 2003Merleau-Ponty, M. (2003). L’institution, la passivité: notes des cours au Collège de France, 1954-1955. Paris, France: Belin.).

O que nos interessa, particularmente, é discutir o papel do corpo em relação à nossa potência sensório-motora, ao nosso ser-no-espaço, e à constituição do campo de percepção-ação. Como o corpo faz parte do panorama sensório? Como integra o campo perceptivo? Como se caracterizam os modos de doação e de ausência do corpo próprio?

Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.) distingue três dimensões do telos sensório-motor corpóreo, ou do caráter intencional do corpo próprio: a dimensão física, a atencional e a funcional. Em todas elas, destaca-se o “autoapagamento” (self-effacement) (p. 25) mediante o qual o corpo próprio opera, embora permaneça indireta e marginalmente acessível à experiência. Tomaremos essas categorias como pontos de orientação do nosso estudo sobre a presença do corpo no campo sensório-motor. Conquanto elas sejam inter-relacionadas a ponto de não encontrarmos fronteiras bem delineadas entre suas principais referências temáticas, nos permitem a abordagem de três tópicos fundamentais: o corpo como ponto zero da atividade sensório-motora; o corpo como agente e objeto da atenção; e a atmosfera de generalidade que marca nossas ações.

O ponto zero da atividade sensório-motora

A dimensão física refere-se à constatação de que nossos atos perceptivos, a partir de um corpo situado aqui-e-agora, voltam-se a objetos espaço-temporalmente não coincidentes. Trata-se de uma estrutura que pode ser expressa pela fórmula de-para, ou daqui-para lá (from-at ou from-to). Essa estrutura dialoga com o que Gennart (2011Gennart, M. (2011). Corporeité et présence: jalons pour une approche du corps dans la psychose. Argenteuil, France: Le Cercle Herméneutique.) denomina intencionalidade gnósica. Voltamo-nos, habitualmente, para as coisas ao nosso redor, de modo que nossa atividade perceptiva parece imbuída de sentido, eminentemente, identificatório. Em prol do quê, esquecemo-nos da dimensão pática, ou patética, dessa atividade, que se refere ao como da percepção-ação. Isso implica reconhecer, de acordo com Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.), que nossas intenções perceptivas e práticas são encobertas pelo aparecimento das coisas. A manifestação das coisas carrega um sentido objetivo que parece desligado da nossa visada constante em perspectiva. Essa independência aparente das coisas manifesta-se tanto no tempo quanto no espaço. Os objetos com os quais nos deparamos, no contexto do esquecimento da intencionalidade corpórea, dão-se como anteriores e exteriores a ela. O espaço corporal permanece como termo impercebido da relação intencional envolvida no aparecimento das coisas.

O corpo figura, pois, como ponto zero da atividade sensório-motora, recuando, no mais das vezes, para uma zona de invisibilidade, ou de ausência produtiva. O “ponto zero” a que se refere Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.) remete-nos à caracterização, por parte de Husserl (1952/1996Husserl, E. (1996). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phénoménologique pures: livre second: recherches phénoménologiques pour la constitution. Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1952).), do corpo próprio como centro da nossa orientação espacial. Tudo que aparece a nós perceptivamente se expõe mediante tal ou tal face, de um ângulo determinado, a uma certa distância, sob um certo jogo de iluminação. No modo de aparição de uma coisa qualquer está necessariamente incluída uma relação “com um ‘aqui’ e suas direções fundamentais”, afirma Husserl (1952/1996Husserl, E. (1996). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phénoménologique pures: livre second: recherches phénoménologiques pour la constitution. Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1952)., p. 223). Trata-se, justamente, do corpo próprio, ponto zero (Nullpunkt) da percepção, “aqui” essencial. Em direção semelhante, Von Weizsäcker (1939/1950Von Weizsäcker, V. (1950). Der Gestaltkreis: theorie der einheit von wahrnehmen und bewegen. Leipzig, Deutschland: Georg Thieme Verlag. (Trabalho original publicado em 1939).), ao falar do espaço biológico em oposição ao espaço geométrico, analisa sua configuração genética, cujo desenvolvimento dá-se a partir do “aqui respectivo” (jeweiligen Hier), o “aqui” de cada um. O corpo próprio, mediante sua capacidade de automovimento,1 1 Weizsäcker (1939/1950) refere-se ao movimento intencional, que caracteriza a relação do sujeito com o mundo exterior (Umwelt), como automovimento (Selbstbewegung). O autor fala, igualmente, em movimento voluntário (Willkürbewegung). altera suas posições no espaço objetivo, sem, no entanto, jamais deixar de figurar como centro da experiência perceptiva. É nesse sentido, como centro inalienável da atividade perceptiva, que Husserl caracteriza o corpo, igualmente, como “ponto que não é efetivamente visto” (Husserl, 1952/1996Husserl, E. (1996). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phénoménologique pures: livre second: recherches phénoménologiques pour la constitution. Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1952)., p. 223). Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard., 2011Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses.) imprime novos elementos nessa tradição de análise da intencionalidade corpórea mediante a utilização de instrumentos conceituais da psicologia, especialmente o conceito de esquema corporal. Segundo o autor, quando se aplica a palavra “aqui” para se referir ao corpo próprio, não se designa sua posição relativa a coordenadas exteriores, mas “a instalação das primeiras coordenadas” (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard., p. 117). E não se trata apenas disso. Quer-se afirmar a situação do corpo em relação a suas tarefas. O espaço corporal, escreve Merleau-Ponty, é “o fundo de sono ou a reserva de potência vaga sobre as quais se destacam o gesto e seu objeto, a zona de não-ser diante da qual podem aparecer seres precisos, figuras e pontos” (1945, p. 117). A estruturação do gesto e sua precisão motora, sua capacidade de se voltar para um objeto ou acontecimento qualquer, exigem o desaparecimento do próprio corpo como espetáculo. Suas partes ligam-se, sinergicamente, umas às outras, funcionam articulada e silenciosamente em prol do aparecimento das coisas, foco de atenção e de ação. O “aqui” do corpo não é, portanto, o termo de uma relação interobjetiva, diz Merleau-Ponty (2011Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses.), mas o lugar de onde se dá o contato do eu com o mundo exterior. Sua unidade, que corresponde à “noção moderna do esquema corporal” (Merleau-Ponty, 2011Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses., p. 133), não é a de um objeto intencional; trata-se, antes, de uma unidade “lateral”, ou “vivida”, o “fundo de uma práxis” (Merleau-Ponty, 2011Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses., p. 133). Voltaremos a isso no momento de abordar a dimensão atencional do telos sensório-motor corpóreo. Cumpre, por ora, abordar a dissenção entre o corpo enquanto ponto de abertura do campo de ação e os momentos em que a sua ausência pode ser parcialmente contornada.

Não podemos nos afastar do próprio corpo. Nossa situação corpórea implica, ao mesmo tempo, que tenhamos acesso limitado às aparências do nosso próprio corpo (Husserl, 1952/1996Husserl, E. (1996). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phénoménologique pures: livre second: recherches phénoménologiques pour la constitution. Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1952).), que este, na condição de corpo próprio, não se desdobre diante do nosso olhar (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.). Não são poucas, no entanto, nossas “possibilidades reflexivas” (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press., p. 18), que permitem o traspassamento da transparência corpórea. Além de sermos aptos a ver e tocar diretamente partes do nosso corpo, com o auxílio de espelhos e outras superfícies refletoras podemos ter acesso visual a áreas ou perfis de nós mesmos normalmente ocultos. Somos capazes, diante do espelho, de ver nossos olhos, os órgãos da visão. Sem esforço, podemos coçar as palmas de uma mão com os dedos dela própria, ou tocar o dorso de uma das mãos com a outra. Mas o fenômeno especular, ou reflexivo, apenas reforça “a estrutura original do corpo próprio” (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses., p. 107). No caso de ver os próprios olhos no espelho, ou nos atentamos àquilo que vemos, os olhos como objetos no mundo, ou ao ato de ver. Não somos capazes de ver o olhar (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.). Nosso corpo possui certas características materiais de coloração, de textura, de peso, e é suscetível a toda ordem de relações de causalidade com o mundo exterior, como o contato com energias de fontes discretas, o som de um instrumento musical, por exemplo, ou de fontes severas, capazes de impactá-lo, deslocá-lo e até de ferir gravemente sua integridade física. Mas o corpo é, também, o “suporte de sensações”, e “órgão que se move livremente” (Husserl, 1952/1996Husserl, E. (1996). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phénoménologique pures: livre second: recherches phénoménologiques pour la constitution. Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1952)., p. 226), “corpo de carne [Leibkörper]” (Husserl, 1952/1996Husserl, E. (1996). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phénoménologique pures: livre second: recherches phénoménologiques pour la constitution. Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1952)., p. 206), o que o distingue dos outros corpos, no sentido de coisas físicas. Nossas impressões sensíveis são, ademais, abertas a um duplo horizonte intencional. Se repouso uma de minhas mãos sobre a mesa, faço a experiência tátil deste objeto, apreendo sua aparência lisa e fria. Mas, se dou outra direção à orientação da minha atenção, tenho acesso a uma camada de apreensão distinta: percebo a sensação de pressão na mão. Esta sensação não é, contudo, algo que se apresenta como objeto, ou propriedade de objeto; ela é sentida na mão. Não posso tocar minha sensação de tocar. A sensação é, inclusive, imprecisa tanto espacial quanto temporalmente. Posso tocar minha mão direita com minha mão esquerda, e perceber a materialidade da primeira, em seguida, mediante novo esforço de transição atencional, posso dar-me conta da natureza sensível da minha mão direita. Este movimento, contudo, não resiste durante muito tempo. Volto-me, logo, para algum objeto do meu campo de presença intencional, que inclui minha própria mão tocada. Eis um elemento fundamental da estrutura do corpo próprio, que serve de fundo ao aparecimento das coisas. E quando nos apercebemos da sua natureza sensível, ela não se expõe explicitamente. Nossas sensações fazem parte da estrutura tácita do “aqui”, do from corpóreo.

Agente e objeto de atenção

A dimensão atencional do telos sensório-motor começou a ser tematizada na seção anterior, consoante à estreita relação entre nossa vivência perceptiva e os processos de atenção. No que diz respeito à estrutura atencional, é preciso assinalar que, ao focalizarmos algo em nosso campo perceptivo, ou de ação, não levamos em conta apenas o objeto temático, mas, também, uma série de condições e sentidos que, embora não sejam diretamente tematizados, fazem parte do enquadramento e participam da composição do sentido temático do objeto percebido. No ato de ver, de atentar a algo, trata-se, como diz Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.), de obscurecer a circunvizinhança “para ver melhor o objeto” (p. 81), “perder em fundo aquilo que se ganha em figura” (p. 82). No sistema que as coisas compõem, em que um objeto não pode ser focalizado sem que as coisas circundantes tornem-se horizonte, o fundo perceptivo, todavia, não perde importância. O fundo é aquilo que temos presente justamente quando não pensamos nele, aquilo cuja eficácia depende, em grande medida, da sua não tematização expressa (Merleau-Ponty, 2011Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses.). Von Weizsäcker (1939/1950Von Weizsäcker, V. (1950). Der Gestaltkreis: theorie der einheit von wahrnehmen und bewegen. Leipzig, Deutschland: Georg Thieme Verlag. (Trabalho original publicado em 1939).), ao referir-se a essa dinâmica da percepção, afirma, por exemplo, que o organismo sacrifica (opfert) uma parcela de suas atitudes motoras e dos movimentos aparentes do ambiente em prol da conservação do equilíbrio corporal e da aparência constante do meio. É, contudo, necessário que a ideia de sacrifício não implique desprezo ou anulação dos elementos que recuam como fundo perceptivo. As partes sacrificadas no rendimento perceptivo permanecem atuantes. Importa, precisamente, compreender seu modo de “presença-ausência” (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press., p. 24). No que diz respeito especificamente ao corpo, Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses.) reporta-se a ele como “permanência absoluta que serve de fundo à permanência relativa dos objetos que podem entrar em eclipse, dos verdadeiros objetos” (p. 108). Iniciamos nossa discussão tratando, justamente, da “natureza transitiva do corpo” (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press., p. 19), ou seja, do caráter intencional da atividade perceptiva, que se volta para as coisas, enquanto o próprio corpo mantém-se, ou recua, como ponto zero (Nullpunkt, nullpoint) do horizonte perceptivo. Nessa direção, pode-se afirmar, juntamente com Merleau-Ponty, que a estrutura figura e fundo subentende um terceiro termo: o corpo próprio. O filósofo afirma: “toda figura se perfila sobre o duplo horizonte do espaço exterior e do espaço corporal” (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses., p. 117). A estrutura figura-fundo, descrita inicialmente pela teoria da Gestalt, pode então ser redefinida como estrutura fundo-figura-fundo, com a especificação de que, de um lado se trata do horizonte corporal. O corpo não é, pois, ordinariamente, o foco da atividade atencional, já o dissemos. Ele é parte essencial do nosso campo de ação, aquilo sem o que este campo não existiria; ele estabelece, todavia, o fundo corpóreo do centro atencional. Nas palavras de Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.), o corpo “tende a desaparecer da consciencialização [awareness] explícita” (p. 25) em favor da primazia dos fins das nossas ações.

Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.) distingue duas formas complementares de autoencobrimento (self-concealment) da superfície corpórea: o desaparecimento focal (focal disappearance) e o desaparecimento de fundo (background disappearance), o que nos leva a considerar a própria condição corporal a partir da noção gestáltica de figura-fundo. Retornemos à cena da atenção dispensada ao livro encontrado na vitrine de uma livraria. Meus olhos participam ativamente da situação, embora não se tornem em momento algum o tema da minha atenção. Eles se encontram no registro da estrutura gnósica do daqui-para lá. A despeito de participarem como órgãos de origem focal do meu campo de ação, eles próprios não aparecem. É o que Leder chama de desaparecimento focal. Em relação aos meus olhos, outros órgãos da superfície sensório-motora são vividos na condição denominada de desaparecimento de fundo. Meus ouvidos, por exemplo, continuam fazendo parte da minha estrutura de ação, do meu “eu posso”, apesar do seu repouso atencional momentâneo. O desaparecimento de fundo é ainda mais claro no que se refere à dimensão recessiva do meu corpo, quer dizer, suas partes que não ensejam nenhum campo projetivo, como os órgãos viscerais.

A distinção proposta por Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.) entre desaparecimento focal e desaparecimento de fundo nos endereça às formulações de Goldstein (1934/1983Goldstein, K. (1983). La structure de l’organisme: introduction à la biologie à partir de la pathologie humaine. (E. Burckdardt & Jean Kuntz, trads.). Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1934).). Este autor afirma, com base no estudo de casos neuropatológicos, que a precisão funcional de operações centradas em determinadas regiões do organismo, como a visão, está atrelada à possibilidade dessa área destacar-se num primeiro plano de atividade funcional orgânica. As demais regiões do organismo devem, então, constituir um plano de fundo que assegure o equilíbrio geral do sistema e dê condições ao destaque figural do campo proximal mais diretamente envolvido com determinada ação. Lesões do sistema nervoso acarretam, segundo Goldstein, o enfraquecimento da capacidade orgânica de funcionar segundo o estabelecimento da dinâmica de figura e fundo, o que determina, por sua vez, a manifestação de diversas perturbações do sistema sensório-motor. Afirma-se que tais perturbações expressam níveis rebaixados de diferenciação do rendimento orgânico.

Enfatizamos até aqui o desaparecimento do corpo. Devemos, contudo, insistir em suas manifestações como parte do campo perceptivo, o que vale, naturalmente, no plano atencional. Se subo numa cadeira para alcançar alguma coisa e, subitamente, perco meu equilíbrio, dou-me conta, num instante, da minha posição precária e busco corrigi-la. Num jogo de tênis, o foco da minha atenção é, principalmente, a bola e a posição do adversário, mas se, de repente, sinto dores lacerantes nas costas, o foco de atenção se inverte para o meu corpo. A dor, comenta Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.), possui uma “força ‘centrípeta’” (p. 76), que nos lembra de nosso corpo aqui-e-agora. Quando aprendemos a utilizar um instrumento, a dançar ou a praticar uma luta marcial, temos que nos ater ao nosso corpo. A própria atenção teórica endereçada ao corpo é uma forma de manifestação da nossa corporalidade. Na reflexão fenomenológica, suspende-se o realismo ingênuo e revela-se o corpo como sujeito de toda atividade intencional. De acordo com a fenomenologia heideggeriana, esta última forma de manifestação do corpo escapa, entretanto, do modo primário de viver a corporalidade. A atenção teórica seria um modo deficiente, sem sentido pejorativo, de relação com o mundo. Mediante essa estratégia, buscam-se benefícios epistemológicos, estéticos e contemplativos, modos derivativos, que exigem a suspensão da natureza transitiva do corpo (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.). De um modo ou de outro, observa-se que o corpo integra o campo de ação igualmente como objeto intencional.

Esquema, imagem e atenção

A dinâmica entre o corpo como regulador do campo perceptivo e do corpo como parte do próprio campo perceptivo aparece nas discussões sobre os conceitos de esquema e de imagem corporal. Já fizemos referência ao esquema corporal e à sua natureza, não de objeto intencional, mas de fundo para a ação. Gallagher (2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.), em direção semelhante, caracteriza o esquema corporal como um sistema sensório-motor recessivo, enquanto reserva ao conceito de imagem corporal a ideia de um “sistema de percepções, atitudes e crenças” (p. 24) voltadas ao corpo próprio. O autor preocupa-se em diferenciar os dois conceitos, cuja utilização advém de disciplinas variadas, como a psicologia, a neurologia, a psicanálise e a filosofia. Segundo o filósofo, observa-se, historicamente, confusão terminológica, metodológica e conceitual em torno dos dois conceitos, o que acarreta, por exemplo, inconsistências em resultados experimentais referentes ao estudo da corporalidade, bem como em aplicações clínicas. O fundamento da distinção proposta por Gallagher (2005Corraze, J. (1973). Introduction. In Schéma corporel et image du corps (pp. 7-19). Toulouse, France: Privat.) repousa na diferença entre “possuir uma percepção de (ou crença sobre) alguma coisa e possuir a capacidade de se mover (ou uma habilidade para fazer alguma coisa)” (p. 24). Nessa medida, o esquema corporal diz respeito a capacidades motoras, habilidades e hábitos que propiciam e modelam o movimento e a manutenção postural. Seu modo de operação primordial é relacionado a ocasiões em que o objeto intencional de percepção é algo distinto do corpo próprio. Já a imagem corporal envolve estados intencionais e disposições cujo objeto é o corpo próprio, configurando uma forma de intencionalidade reflexiva, quer dizer, referida ao eu (self).

O esquema corporal, tal como definido por Gallagher (2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.), ajusta-se à ideia de autoencobrimento do corpo? O sistema de funções sensório-motoras condizente ao esquema corporal “opera abaixo do nível da intencionalidade autorreferencial [self-referential]” (p. 26), afirma o autor. Trata-se de performances tácitas, “pré-conscientes” (p. 26), “processos subpessoais” (p. 26) e automáticos envolvidos na regulação da postura e do movimento. Essas formulações estão em consonância com algumas das primeiras definições do esquema corporal, como as encontradas nos trabalhos do neurologista Henry Head (Corraze, 1973Corraze, J. (1973). Introduction. In Schéma corporel et image du corps (pp. 7-19). Toulouse, France: Privat.). Não precisamos, para nos mover no mundo, manter o corpo constantemente como percepto. “Nesse sentido”, escreve Gallagher (2005Corraze, J. (1973). Introduction. In Schéma corporel et image du corps (pp. 7-19). Toulouse, France: Privat.), “o corpo-em-ação tende a apagar-se na maioria das atividades propositadas” (p. 26). Podemos direcionar nossa atenção para a posição dos nossos membros ou aos nossos movimentos, monitorando-os. Embora essa tomada de consciência do corpo tenha influência sobre o esquema corporal, não deve, contudo, ser confundida com ele. Nas palavras de Gallagher (2005Corraze, J. (1973). Introduction. In Schéma corporel et image du corps (pp. 7-19). Toulouse, France: Privat.), “o esquema corporal é sempre algo que excede aquilo do que posso tornar-me consciente” (p. 38). Não se trata, tampouco, de aproximar o esquema corporal da ideia de reflexo. O automatismo do esquema corporal diz respeito, precisamente, ao seu funcionamento fora da esfera da atenção temática. Se movo minha mão em direção a um livro que me interessa, posso ter uma experiência voluntária, dirigida a um fim, sem que os movimentos necessários à consecução da ação sejam monitorados ou mesmo conhecidos. O foco da minha atenção é o livro, e não meu movimento ou as partes do meu corpo envolvidas na ação. Nesse quadro, o esquema corporal pode ser compreendido, segundo as suas primeiras acepções históricas, como uma realidade somática capaz de sustentar a ação e a percepção, realidade não percebida ela mesma (Corraze, 1973Corraze, J. (1973). Introduction. In Schéma corporel et image du corps (pp. 7-19). Toulouse, France: Privat.), e que se aproxima, portanto, da ideia do autoencobrimento corpóreo.

No que diz respeito à imagem corporal, Gallagher (2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.), mediante análise bibliográfica, identifica três tipos de conteúdos intencionais que lhe conferem sentido: o corpo como percepto, que concerne à experiência perceptiva do próprio corpo; o corpo conceitual, relativo ao entendimento conceitual que podemos desenvolver sobre nosso corpo, incluindo-se elementos do senso comum e do conhecimento científico; e o corpo afetivo, que se sustenta em nossa atitude emocional com nosso corpo. O corpo pode manifestar-se como percepto mesmo que não estejamos atentos diretamente a ele. Temos, nesse caso, uma consciência marginal a seu respeito. Nas ocasiões em que o corpo torna-se objeto explícito de consciência atencional, ele tende a expor-se mais claramente diferenciado em relação ao seu meio, participando, inclusive, do senso de eu pessoal (personal self). Seu aparecimento como objeto intencional integra a experiência pessoal de consistência (Gennart, 2011Gennart, M. (2011). Corporeité et présence: jalons pour une approche du corps dans la psychose. Argenteuil, France: Le Cercle Herméneutique.), quer dizer, de existir dentro de certos limites, ainda que sejam imprecisos, conforme evidencia o exemplo dos artefatos que somos capazes de incorporar, como nossas roupas, óculos etc. Vale dizer que a atenção perceptiva ao corpo jamais o abarca como um todo. Gallagher (2005Corraze, J. (1973). Introduction. In Schéma corporel et image du corps (pp. 7-19). Toulouse, France: Privat.) comenta: “Mesmo uma ‘consciencialização global’[global awareness] é apenas uma consciencialização de aspectos gerais ou esboços do corpo próprio; não é uma consciência de cada parte em relação holística com cada outra parte” (p. 29). Temos, portanto, atenção a partes do corpo. É preciso considerar, igualmente, que determinadas partes corporais devem apresentar maior ou menor relevância atencional, dependendo da sua posição relativa no campo visual direto ou às diversas condições e circunstâncias a que o corpo pode ser exposto, como o tipo de atividades desenvolvidas pelo sujeito, habitualmente ou em situações especiais, tais quais as experiências de dor ou prazer intensos, e seu estado de saúde ou de doença.

Mas o corpo não é apenas percebido. Retomando os tipos de conteúdos intencionais referentes à imagem corporal elencados acima, é preciso levar em conta que lembramos, imaginamos, conceitualizamos, estudamos, amamos ou odiamos nosso próprio corpo (Gallagher, 2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.). Em meio a essa variedade de atos intencionais, podem-se observar, inclusive, inconsistências e contradições entre eles. O que sei do meu corpo pode não suplantar a força de uma insegurança ou de uma ansiedade dirigida a ele. Isso fica claro, por exemplo, nos casos de anorexia. Em um trecho de vinheta clínica, apresentada por Ripa Di Meana (1999 apud Knockaert & Steenhoudt, 2005Knockaert, V. & Steenhoudt, K. (2005). Anorectics and the mirror. In H. De Preester & V. Knockaert, Body image and body schema: interdisciplinar perspectives on the body (pp. 283-297). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.), lê-se o seguinte: “Sinto-me gorda, estou cheia de ansiedade. Sinto vergonha de mim mesma . . . estou revoltada, odeio-me. Estou furiosa comigo, porque me sinto inchada. Talvez isso não seja realmente verdade, mas é como eu vejo as coisas” (p. 283). Malgrado a perda significativa de massa corpórea que o anoréxico pode alcançar, ele continua percebendo-se gordo. Outro importante aspecto da anorexia é a submissão do sujeito ao olhar de outrem. Os comentários de outrem sobre seu corpo causam-lhe horror e medo, e disparam a compulsão pela modificação do corpo.

A questão da alteridade na anorexia realça a dimensão intersubjetiva, não apenas da constituição da imagem corporal, mas igualmente do esquema corporal. À parte os sinais de outrem em quase tudo que nos cerca, o outro se expõe mediante sua “manifestação corporal concreta” (Gennart, 2011Gennart, M. (2011). Corporeité et présence: jalons pour une approche du corps dans la psychose. Argenteuil, France: Le Cercle Herméneutique., p. 135). A natureza transitiva da intencionalidade mantém latente a presentação da nossa própria corporalidade, enquanto a presentação corpórea do outro dá-se, no mais das vezes, de imediato. Este outro, que se manifesta corporalmente, dirige seu olhar, seus gestos, sua fala e sua fisionomia para mim, expondo a realidade da minha própria unidade corpórea. Nos termos de Gennart (2011Gennart, M. (2011). Corporeité et présence: jalons pour une approche du corps dans la psychose. Argenteuil, France: Le Cercle Herméneutique.), o ganhar-corpo (prendre-corps), quer dizer, nosso aparecer, é, com efeito, um entreaparecer (entre-apparaître), na medida do entrelaço que une o ser-corpo e o ser-com-o-outro.

Schilder (1935/1968Schilder, P. (1968). L’image du corps: étude des forces constructives de la psyché. (F. Gantheret & P. Truffert, trads.) Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1935).) dedica uma parte do seu célebre estudo sobre a imagem do corpo aos aspectos sociológicos da corporalidade, ou, mais propriamente, à “identidade relacional da imagem do corpo” (Saint Aubert, 2013Saint Aubert, E. (2013). Être et chair: du corps au désir: l’habilitation ontologique de la chair. Paris, France: Vrin., p. 124). O autor escreve: “A imagem do corpo é um fenômeno social” (Schilder, 1935/1968Schilder, P. (1968). L’image du corps: étude des forces constructives de la psyché. (F. Gantheret & P. Truffert, trads.) Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1935)., p. 233). Essa afirmação adquire envergadura própria quando atentamos para a relação que o autor estabelece entre processos perceptivos e processos emocionais, ou libidinais. A separação entre percepção e emoção é um artifício teórico com implicações negativas para a compreensão da amplitude da nossa experiência social. Nossas emoções, atesta Schilder (1935/1968Schilder, P. (1968). L’image du corps: étude des forces constructives de la psyché. (F. Gantheret & P. Truffert, trads.) Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1935).), são dirigidas aos outros e “possuem sempre uma dimensão social” (p. 234). Nossas tendências libidinais dirigem-se, em grande parte, a imagens do corpo presentes no mundo exterior. Segundo o autor, “o desejo de ser visto, de ser olhado, é tão primitivo quanto o desejo de ver” (Schilder, 1935/1968Schilder, P. (1968). L’image du corps: étude des forces constructives de la psyché. (F. Gantheret & P. Truffert, trads.) Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1935)., p. 233). A nossa própria imagem do corpo e a imagem do corpo de outrem “são dois dados de experiência primária” (Schilder, 1935/1968Schilder, P. (1968). L’image du corps: étude des forces constructives de la psyché. (F. Gantheret & P. Truffert, trads.) Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1935)., p. 250), e compõem “uma corrente permanente de trocas mútuas” (Schilder, 1935/1968Schilder, P. (1968). L’image du corps: étude des forces constructives de la psyché. (F. Gantheret & P. Truffert, trads.) Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1935)., p. 242). De acordo com Merleau-Ponty (1956-19602 2 Trata-se de notas de trabalho inéditas sobre o corpo, escritas entre 1956 e 1960, depositadas na Bibliotèque Nationale de France, e consultadas por Saint Aubert. apud Saint Aubert, 2013Saint Aubert, E. (2013). Être et chair: du corps au désir: l’habilitation ontologique de la chair. Paris, France: Vrin.), Schilder funda um sistema entre a “organização de meu corpo” e a “organização das suas relações com os outros corpos”, em resumo, uma “intercorporeidade” (p. 131). No plano mais exatamente sociológico, é preciso reconhecer as estreitas relações entre a imagem do corpo e as normas e contextos socioculturais. Há, em nossa experiência social, uma percepção esquemática, simbólica e normativa dos corpos que participa da determinação dos nossos afetos e juízos no âmbito da corporalidade (Gallagher, 2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.; Simondon, 2013Simondon, G. (2013). Cours sur la perception (1964-1965). Paris, France: PUF.).

À luz dessas considerações, é preciso reconhecer a diferença entre o corpo como agente da atenção e o corpo como objeto da atenção. Embora haja certa correspondência entre essa variação na dimensão atencional e a distinção entre esquema corporal e imagem corporal, elas não podem ser simplesmente justapostas. Gallagher (2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.) faz a seguinte pergunta: “encontro-me sempre consciente do meu corpo como um objeto intencional, ou como parte de um estado intencional de ocupações?” (p. 27). Se o termo “consciente” implicar o corpo como foco de atenção, a resposta deve ser negativa. Conforme nossa argumentação, o corpo, na maior parte do tempo, recua como fundo, ou margem, do campo de percepção-ação, ou, na terminologia de Gurwitsch (1957Gurwitsch, A. (1957). Théorie du champ de la conscience. Bruges, Belgique: Desclée de Brouwer.), do campo de consciência. A questão é como dar, então, status positivo ao fundo perceptivo, no caso presente, ao corpo. Merleau-Ponty (2011Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses.), por exemplo, fala em “impercepção eficaz” (p. 59) ao referir-se à participação do fundo perceptivo na aparição do objeto intencional. O corpo é, justamente, um fundo sempre presente. Pode-se mesmo afirmar que um dos aspectos gerais da obra de Merleau-Ponty é mostrar, com fundamentação fenomenológica, que não há atividade humana, por mais desengajada que possa parecer, como quando dormimos ou quando tentamos resolver um problema abstrato de matemática, que não tenha o corpo como sujeito.

No que diz respeito à imagem corporal, malgrado sua caracterização como complexo de estados e disposições em que o objeto intencional é o corpo próprio, cumpre admitir que diversos aspectos dessa relação intencional ficam de fora do âmbito da atenção temática, ou consciente. É importante reconhecer isso, pois podemos evitar que a distinção entre imagem e esquema corporal seja reduzida a dicotomias como consciente e inconsciente, explícito e tácito, entre outras.

Convém indagar, outrossim, se a univocidade estabelecida por Gallagher (2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.) acerca das fronteiras entre esquema e imagem corporal não comprometeria a definição e o entrelaço da percepção e da motricidade. Além disso, a clareza das definições não pressupõe, nesse caso, redução dos fenômenos examinados, quais sejam, o nosso ser-no-espaço e o nosso ser-com-outrem? Na opinião de Saint Aubert (2013Saint Aubert, E. (2013). Être et chair: du corps au désir: l’habilitation ontologique de la chair. Paris, France: Vrin.), a distinção pretendida pelo autor conduz a uma antinomia entre o automatismo do esquema corporal, que dispensa a percepção do corpo, e a imagem corpórea, sustentada por controle perceptivo. Teríamos, desse modo, o reavivamento de duas posturas objetivantes em relação ao corpo: de um lado, a formulação de uma estrutura neurológica subconsciente que fundamenta a ação, e, de outro, um sistema intelectualista de representação do corpo. Perde-se de vista que “toda percepção implica um movimento implícito”, de que “não há percepção do movimento sem o despertar de projetos motores” (Saint Aubert, 2013Saint Aubert, E. (2013). Être et chair: du corps au désir: l’habilitation ontologique de la chair. Paris, France: Vrin., p. 48). No campo teórico, é útil assinalar que, se a abordagem do esquema e da imagem corporal por autores como Schilder e Merleau-Ponty carece da preocupação com a exatidão do significado das terminologias empregadas, elas reúnem, além da neurologia, referências de disciplinas como a psicanálise e a psicologia da Gestalt. A concepção de esquema corporal nesses autores possui como horizonte o conceito de desejo, e ideias como a de estrutura, de campo e de unidade percebida. Essas referências permitem o delineamento de uma unidade corpórea vivida, cuja assunção pelo sujeito da percepção independe da sua definição como processo neurológico, ou como objeto de pensamento vinculado a um sistema explícito de perceptos. O recurso de Gallagher à fenomenologia não é o bastante para suprir a falta dos dispositivos psicanalíticos e gestálticos explorados a fundo em autores como Schilder e Merleau-Ponty. Retomaremos, mais adiante, o exame crítico do conceito de esquema corporal.

Atmosfera de generalidade

Chegamos à terceira dimensão do telos sensório-motor referida por Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.), a dimensão funcional, que complementa as dimensões física e atencional, evidenciando algumas questões que, embora façam parte de ambos os temas antecedentes, podem ser discutidas num âmbito específico. Há um limite à realização da consciência do si mesmo corpóreo, ou da “presença pessoal” (self-presence) (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press., p. 19) na atividade perceptiva. Gallagher e Zahavi (2008Gallagher, S. & Zahavi, D. (2008). The phenomenological mind: an introduction to philosophy of mind and cognitive science. New York, NY: Routledge.), apoiados em Sartre, afirmam que o corpo vivo é invisivelmente presente, que é antes existencialmente vivido do que conhecido. Não podemos trazer à consciência expressa os inúmeros processos que sustentam a percepção e a ação. Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.) comenta: “Ao perseguir meus objetivos explícitos, ajo na direção do mundo a partir de um poder funcional não tematizado” (p. 20). Ao me voltar visualmente para um objeto qualquer, a própria visão apresenta-se como algo que faz parte das minhas inúmeras possibilidades de ação e, contudo, repousa sobre uma dimensão de desconhecimento. Eu simplesmente quero ver, e vejo. Um impulso volitivo é o bastante para que se faça a visão do objeto. Eu não preciso, e nem saberia, mobilizar voluntariamente minhas estruturas corpóreas da visão. Em face dos nossos conhecimentos em neurofisiologia, é válido pensar que não vemos apenas com os olhos, mas com os nervos retinianos e com o córtex visual, embora essas sejam estruturas que permanecem marginais à experiência de ver. Posso, igualmente, me concentrar no ritmo da minha caminhada, mas jamais tenho acesso direto à fisiologia do movimento de marcha. Temos um comando tácito do nosso corpo (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.). Realizamos inúmeras atividades que não seríamos capazes de efetuar de modo reflexivo. Como realizar a marcha mediante a manipulação consciente dos próprios músculos? Saberíamos enviar sinais nervosos ao nosso córtex cerebral? O conhecimento refinado da fisiologia pouco altera a utilização tácita do corpo. O neurocientista pode objetivar o corpo do outro, mas não o seu próprio. É bastante limitada a aplicação de referências do conhecimento objetivo do corpo ao corpo próprio, que se esquiva ao controle de sua potência funcional.

Com o intuito de contribuir para a clarificação do problema da dimensão funcional do telos sensório-motor, propomos uma distinção entre a funcionalidade no registro do corpo latente, segundo a terminologia empregada por Thinès (1968Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff.) e cuja acepção difere da que Leder dá à latência do corpo, e no registro do corpo fenomenal, a que nos interessa mais propriamente. Segundo Thinès (1968Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff.), cumpre identificar um dualismo entre corporeidade patente e corporeidade latente, correspondendo esta última “a tudo que a psicologia pode, como ciência, chamar de psíquico” (p. 21, grifo nosso). A corporeidade latente é, antes de tudo, fruto da experiência que fazemos de um “dualismo constitucional” (Thinès, 1968Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff., p. 21), que separa as dimensões corpóreas acessíveis e inacessíveis. Experimentamos um fechamento físico do nosso corpo, cuja percepção admite a ideia de “um organismo que contém um número definido de montagens e de órgãos, cuja exploração direta me é sempre recusada” (Thinès, 1968Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff., p. 21). Thinès (1968Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff.) comenta: “todo o inverso da minha corporeidade me é dada e recusada ao mesmo tempo”, e aquilo que se apresenta como o centro da intimidade é “um desconhecido que carrego e que sou eu” (p. 21). O trabalho do autor é mostrar como a psicologia experimental, desde o final do século XIX, valendo-se desse dualismo constitucional, e com o propósito de ater-se cientificamente ao problema da subjetividade, situa a consciência na corporeidade, tratando-a como “interioridade dissimulada, mas suscetível de revelação” (p. 13). O pressuposto básico dessa psicologia experimental, que pode ser estendido às neurociências contemporâneas, é a compreensão da consciência como um invisível provisório no quadro da promessa positivista de acessibilidade total às coisas, uma dimensão oculta temporariamente. Trata-se de “uma interioridade suscetível de se liberar um dia” (Thinès, 1968Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff., p. 14), tal como se dá na pesquisa fisiológica mediante a dissecção integral. Considera-se que o desconhecimento por parte da neurofisiologia acerca da estrutura e das funções nervosas é um estado temporário e que deverá ser ultrapassado pelo aperfeiçoamento metodológico.

O conceito de esquema corporal é muitas vezes abordado no registro do corpo latente, como se pode depreender das nossas análises anteriores. Gallagher (2005Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.) refere-se não apenas ao nível experiencial, mas, igualmente, ao nível neurológico do esquema corporal, conceitualizado nas neurociências como “repertório de esquemas motores” (p. 47), inatos ou aprendidos, relativos a padrões complexos de ativação neuronal de áreas do córtex pré-motor e motor. Berthoz (1997/2013Berthoz, A. (2013). Le sens du mouvement. Paris, France: Odile Jacob. (Trabalho original publicado em 1997).), por sua vez, fala em “mecanismos de controle superior do equilíbrio e da postura” (p. 247) que constituem um esquema de ações possíveis. O autor relata protocolos experimentais que envolvem a realização, por parte dos sujeitos, de atividades cognitivas de reconhecimento do corpo, enquanto passam por exames de imagem cerebral. O objetivo por trás desse desenho experimental é mapear as bases neurais do esquema corporal, e a pergunta que orienta a sua concepção é sobre o modo de integração desses sistemas neuronais locais num esquema corporal.

Sheets-Johnstone (2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.) critica a concepção de esquema corporal como sistema motor cerebral, destinado a associar inputs e outputs. Nessa acepção, o termo “motor” deixa de fazer referência às dinâmicas de corpos vivos para se remeter a uma “força diretora” (driving force) (Sheets-Johnstone, 2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins., p. 55), “algo dentro, algo oculto da visão” (Sheets-Johnstone, 2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins., p. 55). Não é esse mesmo o cerne da ideia de corpo latente apresentada por Thinès (1968Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff.)? Sheets-Johnstone (2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.) afirma, ainda, que “um esquema corporal não possui base na experiência” (p. 61), reduzindo-se a uma conveniência explanatória, “uma entidade hipotética no cérebro” (p. 61). Com base em trabalhos do neuropsicólogo russo, Aleksandr Luria, a autora propõe, no âmbito da consciencialização do nosso próprio corpo-em-movimento, a ideia de melodias cinéticas que se organizam na forma de memórias cinestésicas. Retornamos, a partir desses conceitos, à esfera do corpo fenomenal, embora seja necessário anotar que, malgrado as críticas de Sheets-Johnstone ao conceito de esquema corporal, consideramos válidas as apropriações desse conceito no registro do corpo fenomenal. Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.) já indicava a ambiguidade da noção de esquema corporal, conceito cujo desenvolvimento pleno envolveria uma “reforma dos métodos” (p. 114), referência crítica às teorias neurológicas do seu tempo.

Segundo Sheets-Johnstone (2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.), as melodias cinéticas estão inscritas no nosso corpo como “padrões dinâmicos de movimento” (p. 49), e constituem o repertório básico e potencialmente expansível dos “eu posso” que permeiam nossa vida, como andar, falar, pegar, abraçar etc. Esse repertório amplia-se na constituição das mais variadas atividades das esferas profissional, esportiva e estética. As melodias cinéticas possuem caráter automático, no sentido de que um único impulso, voluntário ou involuntário, é capaz de ativá-las. Não se trata, com isso, nem de afirmar a impossibilidade da consciencialização acerca do movimento nem, tampouco, de dizer que iniciar uma melodia cinética é o bastante para garantir a performance motora inteira. O movimento flui numa dinâmica coerente na medida em que “conhecemos e lembramos da corrente num sentido corpóreo: nós atualizamos [instantiate] cineticamente o que sabemos cinestesicamente”, afirma Sheets-Johnstone (2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins., p. 53). As memórias cinestésicas não são, portanto, entidades abstratas. Ao contrário, encontram-se presentes no corpo como dinâmicas corporais específicas e “enactadas”, que emergem, pois, de maneira contextual.3 3 Sobre o conceito de enação, ver Varela (1988/1996).

A informação cinestésica, ou proprioceptiva, não pode ser suprimida do nosso campo de presença. Podemos fechar os olhos e os ouvidos e deixar de ter sensações visuais e auditivas, mas não podemos abandonar a esfera de consciencialização do nosso próprio corpo-em-movimento. A presença do nosso corpo tátil-cinestésico pode, portanto, apresentar-se em graus variáveis de consciencialização, do nível marginal ao maximal. Temos a possibilidade, igualmente, de atentar, quando quisermos, para a dinâmica dos movimentos habituais, realizando uma espécie de “atenção focal na memória cinestésica” (Sheets-Johnstone, 2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins., p. 47). Mesmo a “dinâmica de movimento qualitativamente estruturada” (Sheets-Johnstone, 2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins., p. 45) pode ser experienciada na forma de gesto e ritmo, como no caso da dança.

A dimensão neurológica do movimento permanece, por sua vez, fechada à experiência direta. Pode-se, contudo, elaborar uma teoria neurológica amparada na descrição fenomenológica, evitando-se que o aparato teórico seja concebido na esfera própria ao que Thinès (1968Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff.) chama de corpo latente. É o que se observa na obra de autores da “biologia descritiva” (Merleau-Ponty, 1942/2006Merleau-Ponty, M. (2006). La structure du comportement (3a ed.). Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1942)., p. 170), como Goldstein, Weizsäcker, Buytendijk, e, por que não, Luria. Sheets-Johnstone (2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.) insiste em considerar as melodias cinéticas como uma “dinâmica particular neurológica e experiencial” (p. 62). Com o que se sabe acerca do funcionamento estrutural da atividade nervosa, da sua irredutibilidade a estratégias de pensamento causal, nada mais sensato do que amparar o conhecimento neurofisiológico nas estruturas que regem a capacidade de ação de um organismo. Essas estruturas são apreendidas tanto por autopercepção quanto pela percepção que se tem do comportamento de terceiros, a chamada perspectiva do espectador estrangeiro. Há, contudo, erros históricos a se evitar, como o que se verifica na teoria do isomorfismo radical proposta pela psicologia da Gestalt, cujo mote é afirmar a redutibilidade das estruturas percebidas a processos estruturais neurofisiológicos. Nesse caso, a forma da atividade cerebral seria, em última instância, a razão de uma experiência perceptiva qualquer. O gênero de intelecção exigido em biologia, ao contrário, reconhece o organismo como “unidade de significação” (Merleau-Ponty, 1942/2006Merleau-Ponty, M. (2006). La structure du comportement (3a ed.). Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1942)., p. 169) cujos gestos e atitudes encontram-se coordenados num sentido ou numa estrutura de comportamento. Apenas a partir daí pode-se reconhecer a função nervosa como uma “melodia cinética”, “inteiramente presente no seu início”, como diz Merleau-Ponty (1942/2006Merleau-Ponty, M. (2006). La structure du comportement (3a ed.). Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1942)., p. 168).4 4 Merleau-Ponty (1942/2006, 1945) também fala em “melodia cinética”, o que não impede Sheets-Johnstone (2012) de tecer duras críticas à sua teoria da intencionalidade motora. Sheets-Johnstone (2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.), nessa direção, afirma: “A melodia cinética não é uma coisa no cérebro” (p. 62, grifo da autora). Noë (2004Noë, A. (2004). Action in perception. Cambridge, MA: The MIT Press.), representante das abordagens “enactivas” da percepção, caminha em sentido semelhante. Segundo ele, a consciência perceptiva não é uma função de acontecimentos cerebrais e deve ser compreendida com base em “padrões e estruturas de atividade habitual [skillful activity]” (Noë, 2004Noë, A. (2004). Action in perception. Cambridge, MA: The MIT Press., p. 227). Evidencia-se, nesses termos, que, a despeito de depender causalmente do cérebro, a experiência não ocorre nele, mas no mundo.

As referências de Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.) ao que chamamos dimensão funcional do corpo fenomenal ajudam-nos a concluir essa discussão. “Toda percepção”, afirma o filósofo, “ocorre numa atmosfera de generalidade e se dá a nós como anônima”. E continua: “Não posso dizer que eu vejo o azul do céu no sentido que digo que compreendo um livro ou, ainda, que decido consagrar minha vida às matemáticas” (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard., p. 249, grifo do autor). A percepção, diz ele, “exprime uma situação dada” (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard., p. 249): sou sensível ao azul, ao passo que os atos pessoais criam situações. Toda sensação, e cumpre lembrar que não há sensação sem adaptação corpórea, quer dizer, sem movimento, “comporta um germe de sonho ou de despersonalização”, escreve ainda Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard., p. 249). O mesmo é válido quando se trata, especificamente, do movimento. Nossos movimentos corpóreos “antecipam diretamente a situação final” (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard., p. 110), quer dizer, desde o início, o movimento é dirigido ao seu objeto. O corpo, na acepção fenomenal, transcende seus processos em direção ao mundo. Movemos os objetos de um ponto a outro do espaço. Nosso corpo, contudo, é movido diretamente. Não o encontramos em um local do espaço, não precisamos procurá-lo, nem conhecer expressamente suas partes, “ele já está comigo” (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard., p. 110).

Vale lembrar que o corpo como totalidade e suas potencialidades mudam permanentemente. Conforme o que dizíamos há pouco ao destacar as contribuições de Sheets-Johnstone (2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.), nosso repertório sensório-motor transforma-se pela aquisição de novas habilidades e novos hábitos que, no mais das vezes, envolvem a utilização de instrumentos ou, mesmo, de órgãos artificiais. E, se a ausência é uma dimensão estrutural do corpo vivido, as extensões dos seus poderes sensório-motores devem abranger algum grau de ausência (Leder, 1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.). A aprendizagem de novos hábitos e a habilidade no uso de novos instrumentos envolvem a dinâmica de passagem da atenção explícita ao corpo, às regras da performance e à natureza do instrumento, ao apagamento dessas bases em prol do exercício pleno da atividade. Quando aprendemos a dançar ou a tocar um instrumento, o próprio corpo, bem como a forma e o ritmo dos nossos movimentos, torna-se o foco da atividade, o “para” ao qual devemos nos voltar continuamente. Com o tempo, o “para” volta à posição “de”; é quando podemos dizer que os movimentos ou o instrumento foram assimilados à corporalidade. O parceiro, a coreografia ou a música a ser executada, e não mais o corpo e seus movimentos, passam a ser, então, os objetos intencionais. Esse processo de incorporação possui não apenas um aspecto temporal, mas igualmente um aspecto espacial. Trata-se de estender os limites do corpo próprio e da sua funcionalidade. Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.) analisa a aquisição de hábitos corpóreos. O processo de desenvolvimento de ações habituais implica o remanejamento e a reestruturação daquilo que o filósofo chama de esquema corporal. “A bengala do cego deixou de ser um objeto para ele”, comenta Merleau-Ponty (1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.), “não é mais percebida por ela mesma, sua extremidade transformou-se em uma zona sensível, ela aumenta a amplitude e o raio de ação do tocar” (p. 167). A bengala, quando incorporada, deixa de ser um objeto percebido e passa a manifestar-se como instrumento com o qual se percebe. Pode-se dizer que sua perfeita manifestação envolve seu desaparecimento como objeto de percepção. Trata-se, tanto no que diz respeito à aquisição de um novo movimento quanto na incorporação de um instrumento, de fazê-los “participar da voluminosidade do corpo próprio” (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard., p. 168) e de integrá-los à espontaneidade e ao caráter “melódico” das suas ações.

Considerações finais

Tratamos da percepção do corpo a partir da fenomenologia, abordando seus modos de presença e de ausência no campo sensório-motor. Privilegiamos a discussão em torno de princípios estruturais da atividade sensório-motora, no que seguimos a estratégia metodológica adotada por Leder (1990Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.). Três dimensões do telos sensório-motor corpóreo, as dimensões física, atencional e funcional, discriminadas pelo autor, serviram de referência para nosso estudo. Vimos o quanto se interpenetram, embora tenham permitido a elaboração de análises em torno de três tópicos distintos: o corpo como ponto zero da atividade sensório-motora, como agente e objeto da atenção, e a generalidade que envolve a experiência sensório-motora.

O pressuposto fenomenológico do apagamento das estruturas perceptivas do corpo em prol dos objetos intencionais foi mantido. O corpo integra o campo perceptivo na qualidade de sistema de referência e de horizonte a partir dos quais nos voltamos a objetos espaço-temporalmente não coincidentes. Embora o corpo próprio possa tornar-se tema de atenção focal, a consciência do si mesmo corpóreo possui limites significativos. Não poderia ser diferente. Tome-se a dimensão física do telos sensório-motor como exemplo. Para que as coisas se apresentem em perspectiva, para que mostrem apenas uma face por vez, é preciso que o corpo ocupe um lugar, o ponto zero do campo de presença, e que resista à variação perspectiva, caso contrário precisaríamos de um segundo corpo que observasse o primeiro (Merleau-Ponty, 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.).

Convém frisar que a discussão da corporalidade a partir da descrição fenomenológica da atividade sensório-motora desloca os eixos tradicionais do pensamento acerca do corpo. Embora a dimensão funcional do telos sensório-motor aproxime-se do ponto de vista organicista, não coincide com ele na medida em que se dirige à qualidade pré-pessoal da corporalidade, e não a princípios de fisiologia. Por outro lado, a fenomenologia do corpo exige que a diferenciação clássica entre o ser como consciência e o ser como transcendente, ou seja, como objeto que se anuncia à consciência, seja modificada em função de um corpo cognoscente, que habita o mundo.

Cabe, por fim, salientar o valor heurístico que o tema da atenção adquire como categoria capaz de articular as dimensões de presença e de ausência que marcam o telos sensório-motor corpóreo. É importante observar que o tema da atenção promove a pesquisa de princípios de organização da atividade intencional, não apenas a partir do foco atencional, mas, igualmente, com base em seus elementos contextuais e marginais.

Referências

  • Barbaras, R. (2007). Âme: l’âme et le corps. In Marzano, M. (Org.), Dictionnaire du corps (pp. 52-57). Paris, France: PUF.
  • Benoist, J. (2007). Phénoménologie. In Marzano, M. (Org.), Dictionnaire du corps (pp. 708-711). Paris, France: PUF.
  • Berthoz, A. (2013). Le sens du mouvement. Paris, France: Odile Jacob. (Trabalho original publicado em 1997).
  • Chirpaz, F. (1969). Le corps (2a ed.). Paris, France: PUF.
  • Corraze, J. (1973). Introduction. In Schéma corporel et image du corps (pp. 7-19). Toulouse, France: Privat.
  • Gallagher, S. (2005). How the body shapes the mind. Oxford, England: Oxford University Press.
  • Gallagher, S. & Zahavi, D. (2008). The phenomenological mind: an introduction to philosophy of mind and cognitive science. New York, NY: Routledge.
  • Gennart, M. (2011). Corporeité et présence: jalons pour une approche du corps dans la psychose. Argenteuil, France: Le Cercle Herméneutique.
  • Goldstein, K. (1983). La structure de l’organisme: introduction à la biologie à partir de la pathologie humaine. (E. Burckdardt & Jean Kuntz, trads.). Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1934).
  • Gurwitsch, A. (1957). Théorie du champ de la conscience. Bruges, Belgique: Desclée de Brouwer.
  • Heidegger, M. (2001). Seminários de Zollikon (G. Arnhold & M. F. Almeida Prado, trads.). São Paulo, SP: Educ. (Trabalho original publicado em 1987).
  • Husserl, E. (1996). Idées directrices pour une phénoménologie et une philosophie phénoménologique pures: livre second: recherches phénoménologiques pour la constitution. Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1952).
  • Knockaert, V. & Steenhoudt, K. (2005). Anorectics and the mirror. In H. De Preester & V. Knockaert, Body image and body schema: interdisciplinar perspectives on the body (pp. 283-297). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.
  • Leder, D. (1990). The absent body. Chicago, IL: The University of Chicago Press.
  • Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.
  • Merleau-Ponty, M. (2003). L’institution, la passivité: notes des cours au Collège de France, 1954-1955. Paris, France: Belin.
  • Merleau-Ponty, M. (2006). La structure du comportement (3a ed.). Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1942).
  • Merleau-Ponty, M. (2011). Le monde sensible et le monde de l’expression: cours au Collège de France, notes, 1953. Genève, Suisse: MetisPresses.
  • Noë, A. (2004). Action in perception. Cambridge, MA: The MIT Press.
  • Saint Aubert, E. (2013). Être et chair: du corps au désir: l’habilitation ontologique de la chair. Paris, France: Vrin.
  • Schilder, P. (1968). L’image du corps: étude des forces constructives de la psyché. (F. Gantheret & P. Truffert, trads.) Paris, France: Gallimard. (Trabalho original publicado em 1935).
  • Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.
  • Simondon, G. (2013). Cours sur la perception (1964-1965). Paris, France: PUF.
  • Thinès, G. (1968). La problématique de la psychologie. La Haye, Pays-Bas: Martinus Nijhoff.
  • Varela, F. (1996). Invitation aux sciences cognitives. (P. Lavoie, trad.). Paris, France: Seuil. (Trabalho original publicado em 1988).
  • Von Weizsäcker, V. (1950). Der Gestaltkreis: theorie der einheit von wahrnehmen und bewegen. Leipzig, Deutschland: Georg Thieme Verlag. (Trabalho original publicado em 1939).
  • 1
    Este artigo é fruto de pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
  • 1
    Weizsäcker (1939/1950Von Weizsäcker, V. (1950). Der Gestaltkreis: theorie der einheit von wahrnehmen und bewegen. Leipzig, Deutschland: Georg Thieme Verlag. (Trabalho original publicado em 1939).) refere-se ao movimento intencional, que caracteriza a relação do sujeito com o mundo exterior (Umwelt), como automovimento (Selbstbewegung). O autor fala, igualmente, em movimento voluntário (Willkürbewegung).
  • 2
    Trata-se de notas de trabalho inéditas sobre o corpo, escritas entre 1956 e 1960, depositadas na Bibliotèque Nationale de France, e consultadas por Saint Aubert.
  • 3
    Sobre o conceito de enação, ver Varela (1988/1996Varela, F. (1996). Invitation aux sciences cognitives. (P. Lavoie, trad.). Paris, France: Seuil. (Trabalho original publicado em 1988).).
  • 4
    Merleau-Ponty (1942/2006Merleau-Ponty, M. (2006). La structure du comportement (3a ed.). Paris, France: PUF. (Trabalho original publicado em 1942)., 1945Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Paris, France: Gallimard.) também fala em “melodia cinética”, o que não impede Sheets-Johnstone (2012Sheets-Johnstone, M. (2012). Kinesthetic memory: further critical reflections and constructive analyses. In S. Koch, T. Fuchs, M. Summa & C. Müller, Body memory, metaphor and movement (pp. 43-72). Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.) de tecer duras críticas à sua teoria da intencionalidade motora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2016
  • Aceito
    04 Jan 2017
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revpsico@usp.br