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Eu não ando só: Hannah Arendt e o compromisso da educação

No camino sola: Hannah Arendt y el compromiso de la educación

Je ne marche pas seul: Hannah Arendt et l’engagement de l’éducation

Resumo

Este artigo apresenta considerações acerca da relação entre o eu e o mundo, ou ainda entre ética e política, no pensamento de Hannah Arendt. O propósito é analisar a afirmação da autora de que o educador assumiria uma responsabilidade pelo mundo ao apresenta-lo à criança. Temos como hipótese que a educação, esse ato de compromisso com o mundo, pode ser sustentada como uma articulação de política e ética no pensamento de Hannah Arendt.

Palavras-chave:
Hannah Arendt; 1906-1975; educação; ética; política

Resumen

Este artículo presenta consideraciones relativas a la relación entre el yo y el mundo, o entre ética y política, en el pensamiento de Hannah Arendt. El objetivo es analizar la declaración de la autora de que el educador asumiría la responsabilidad del mundo al presentarlo al niño. Planteamos la hipótesis de que la educación, este acto de compromiso con el mundo, puede sostenerse como una articulación entre política y ética en el pensamiento de Hannah Arendt.

Palabras clave:
Hannah Arendt; 1906-1975; educación; ética; política

Résumé

Cet article présente des considérations sur la relation entre le moi et le monde, ou entre l’éthique et la politique dans la pensée de Hannah Arendt. Notre but est d’analyser la déclaration de l’auteur affirmant que l’éducateur assume une responsabilité envers le monde en le présentant à l’enfant. Nous avons l’hypothèse que l’éducation, cet acte d’engagement envers le monde, peut être comprise comme l’articulation de la politique et de l’éthique dans la pensée de Hannah Arendt.

Mots-clés:
Hannah Arendt; 1906-1975; éducation; éthique; politique

Abstract

This article presents considerations concerning the relationship between the self and the world, or between ethics and politics, in Hannah Arendt’s theory. The purpose is to analyze the author’s statement that the educator would undertake responsibility for the world by presenting it to the child. The hypothesis posed here is that education, this act of engagement with the world, can be sustained as an articulation between politics and ethics in Hannah Arendt’s theory.

Keywords:
Hannah Arendt; 1906-1975; education; ethics; politics

Bate o vento eu movo volta a bater de novo a me mover eu volto sempre em volta deste meu amor ao vento (Paulo Leminski)

Neste ensaio pretendemos apresentar algumas reflexões que percorremos ao estudar mais detidamente o pensamento de Hannah Arendt. Temos por intuito maior destacar alguns pontos que nos permitam tecer considerações acerca da relação entre o eu e o mundo, ou ainda, entre ética e política, uma vez que tomamos como pano de fundo a afirmação de (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva.), em “A crise na educação”, de que o educador, em face da criança, teria que assumir uma responsabilidade pelo mundo ao dizer “isto é o mundo” (p. 239).

O mundo não é idêntico à natureza, ele tem a ver com “artefato humano, com o produto de mãos humanas” (Arendt, 1997Arendt, H. (1997). A condição humana (8a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1958), p. 62). É aquilo que transcende a duração de uma vida, “preexistia à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência” (Arendt, 1997Arendt, H. (1997). A condição humana (8a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1958), p. 65). Cada novo ser que se insere no mundo requer cuidado e proteção tanto no sentido de zelar pelo seu desenvolvimento como de zelar pela continuidade do mundo. Esta relação de cada singularidade com o mundo é chamada de natalidade e definida como sendo “o fato de todos nós virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante o nascimento” (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 247). Nesse sentido, a natalidade é nascermos para o mundo e não simplesmente o advento de um nascimento. Conforme comenta (Passos, 2013Passos, F. A. (2013). Uma análise acerca da relação entre filosofia, política e mundo em Hannah Arendt. In M. Carvalho, & V. Figueiredo, (Orgs.), Filosofia contemporânea: ética e politica contemporânea (pp. 251-260). São Paulo, SP: ANPOF.), para Arendt é inconcebível pensar o eu isolado e individual1 1 Fábio Passos em sua pesquisa se debruça sobre a relação entre filosofia, política e mundo no pensamento de Hannah Arendt. Para isso ele aborda as análises fenomenológicas de Husserl e Heidegger, lançando luz naquilo que ele defende como sendo avanços da autora em relação a concepções fenomenológicas tradicionais, especialmente as de Heidegger. Arendt valoriza a concepção de que o homem habita o mundo com seus pares, enquanto para Heiddeger “o Eu, quando não está isolado, deixa de ser um Eu autêntico, pois está submerso na vida cotidiana do indivíduo público” (Passos, 2013, p. 259). , pois a verdadeira humanidade do homem estaria “em seu ser junto aos outros e em sua preocupação de cuidar do mundo e preservá-lo” (p. 259).

Conforme alerta a autora,

o problema da educação no mundo moderno está no fato de, por sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição. (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 245-246)

Em uma das aulas compilada no livro “Responsabilidade e julgamento” ela cita Churchill, que declara que todas suas certezas sobre o que era impossível aconteceram. Ela destaca que as poucas regras morais que serviram aos homens para distinguir o certo do errado desmoronaram:

Foi como se a moralidade de repente se revelasse no significado original da palavra, como um conjunto de costumes (mores), usos e maneiras, que poderia ser trocado por outro conjunto sem maior dificuldade do que a enfrentada para mudar as maneiras à mesa de um individuo ou povo. (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 113)

O que havíamos aprendido como sendo certo e errado, que era transmitido de geração para geração, já não operava mais como referência ou padrão para a conduta do homem. Isso é nomeado como sendo a ruptura com a tradição.

Ela se debruça sobre acontecimentos ocorridos na Alemanha durante o nazismo. O sistema nazista “provava que ninguém tinha de ser nazista convicto para se adaptar e para esquecer da noite para o dia, por assim dizer, não o seu status social, mas as convicções morais que antes acompanhavam essa posição” (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 117). Lançando luz não sobre os nazistas, os que poderíamos chamar de vilões, mas sobre aqueles que não agiram por convicção, apenas foram bons funcionários e cumpriram a contento as ordens a que eram submetidos. Nesse sentido eram apenas executores.

Dito isso, Arendt escreve que “ninguém em sã consciência pode ainda afirmar que a conduta moral é algo natural” (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 124). Ela busca suporte em pensadores que se propuseram a abordar a ética, que se interrogaram sobre a suposição de que o homem possuiria uma espécie de voz interna que o ajudaria a distinguir o certo do errado.

Ela toma o imperativo categórico kantiano, que diz o que fazer de modo universal e sem ser condicionado por um outro (uma sanção por exemplo). A dificuldade estaria no homem que, passando a vida entre patifes, não teria tido um exemplo de virtude. (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras.) ressalta com isso que Kant “não queria dizer mais do que o fato de a mente humana se guiar por exemplos nessas questões” (p. 125). Assim, se esse homem que viveu entre patifes fosse confrontado com um exemplo de virtude, ele também poderia discernir o certo do errado. Se em Kant o conhecimento moral é natural, a conduta não o é. “O homem não é apenas um ser racional, ele também pertence ao mundo dos sentidos, que o tentará a se render às suas inclinações em vez de seguir a razão ou coração” (p. 126). Kant chama de mal radical o fato do homem fazer o mal por se render às suas inclinações.

Segundo (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras.), Kant coloca os deveres que o homem tem consigo à frente dos deveres para com os outros. A conduta moral é consequência de um relacionamento do homem consigo mesmo. “O padrão não é nem o amor por algum próximo, nem o amor por si próprio, mas o respeito por si” (p. 131). Nesse ponto, a autora busca em Sócrates a afirmação de que “é melhor sofrer o mal do que o cometer” (p. 136).

Ela ressalta que, em Sócrates, não está presente o imperativo, o dever, mas o que seria preferível. Ainda assim há um senão: “no caso de Kant, a consciência ameaça com o desprezo por si próprio; no caso de Sócrates, como veremos, com contradizer-se a si mesmo” (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 142).

Para Sócrates, “se pratico o mal vivo junto com um malfeitor” (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 155). Haveria uma necessidade do homem falar consigo mesmo; todos os homens seriam dois em um, no sentido “muito especifico e ativo desse diálogo silencioso, de terem uma interação constante, de estarem em condições de poder falar consigo mesmos” (p. 157). Dessa forma os “homens não só existem no plural, como todos os seres terrenos, mas também trazem em si mesmos uma indicação dessa pluralidade” (Arendt, 2002Arendt, H. (2002). Filosofia e política. In H. Arendt, A dignidade da política (3a ed., pp. 91-190). Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará., p. 103). Segundo (Passos, 2013Passos, F. A. (2013). Uma análise acerca da relação entre filosofia, política e mundo em Hannah Arendt. In M. Carvalho, & V. Figueiredo, (Orgs.), Filosofia contemporânea: ética e politica contemporânea (pp. 251-260). São Paulo, SP: ANPOF.), o diálogo do eu consigo mesmo “ratifica a certeza de que a diversidade é a característica principal do mundo, pois não somos somente um quando ativamos o pensar, mas somos dois em um, em interação com os demais indivíduos ao antecipar diferentes pontos de vista” (p. 254).

Arendt dá destaque a esse diálogo silencioso, que é a própria atividade do pensamento. Ela diz que “a maneira mais segura para um criminoso nunca ser descoberto e escapar da punição é esquecer o que fez e não pensar mais no assunto” (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 158). Se uma pessoa nunca pensou na questão, nada conseguirá detê-la. Essas considerações permitem que Arendt afirme que “o maior mal não é radical, não possui raízes e, por não ter raízes, não tem limitações, pode chegar a extremos impensáveis e dominar o mundo todo” (p. 160).

Gostaríamos de neste ponto fazer uma breve pausa para poder trazer um exemplo retirado do campo de trabalho com a educação. Esperamos com isso fazer uma reflexão acerca do que nos parece ser o posicionamento da autora e tentar extrair algumas consequências para pensar a articulação entre moral e política.

Certa vez, ao supervisionar o estágio de graduação de alunos de psicologia em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) de São Paulo uma situação ganhou destaque. Os estagiários haviam contado que a escola havia realizado um passeio pago para um parque e que, ao longo do dia, uma empresa havia feito o registro fotográfico das crianças em vários momentos de diversão. Após alguns dias a escola entregou essas fotos em sala de aula para os alunos que deveriam, caso quisessem adquirir as fotos, trazer certa quantia em dinheiro ou então devolver as fotos para a escola. Essa situação gerou um desconforto: algumas crianças levaram as fotos e pagaram por elas, outras devolveram-nas e outras ainda levaram e não pagaram.

Em uma reunião que fizemos, com o grupo de professores que estava próximo ao estágio, esse acontecimento foi tematizado. Uma das professoras falou sobre como se sentia incomodada com o fato de que os pais das crianças davam como exemplo para seus filhos que eles poderiam se apropriar de algo sem pagar por isso, uma vez que haviam ficado com as fotos. O tema do roubo ganha a cena e algumas manifestações relacionam o mau exemplo ou a má educação que estes alunos recebem em casa à conduta deles na escola.

Tentamos retomar essas três respostas dos pais: devolver as fotos, pagar por elas ou ficar com as fotos sem pagar. Ao tratarmos destas posturas como respostas, uma pergunta ganhou relevância: se elas são respostas o que elas nos contam? Elas seriam respostas à que? Outra professora fala então de seu extremo desconforto, e que, junto à diretoria, se recusou a entregar as fotos para seus alunos, pois não entendia isso como uma atividade pedagógica. Ela completou dizendo que a deixou pessoalmente indignada o fato de que os professores que conseguissem vender “x” fotos seriam premiados com um relógio.

Esse exemplo possibilita que revisitemos certas proposições já anunciadas neste breve ensaio.

Retomemos o que foi desenvolvido acerca da banalidade do mal que reside em realizar algo pois isso foi o que me foi solicitado. Não importa a natureza, a finalidade, o que conta é que executei meu trabalho. É interessante que apareça no discurso de alguns dos professores uma visão moral do outro, por assim dizer: determinada mãe dá mau exemplo para o filho, ou ainda, a explicação de certos comportamentos das crianças fica justificada por uma postura fora da lei dos pais.

Não há pensamento, conversa silenciosa, não há implicação desses professores naquilo que acontece. Eles simplesmente entregaram fotos para seus alunos. Realizaram seu trabalho.

Esta dimensão fica evidenciada quando uma das professoras se recusa a fazer tal tarefa. (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras.) afirma que “moralmente, as únicas pessoas confiáveis nos momentos de crise e exceção, ‘quando as cartas estão sobre a mesa’, são aquelas que dizem ‘não posso’” (p. 143). Podemos pensar que há nesta postura da professora essa enunciação do não posso.

A autora afirma que as decisões acerca do certo e do errado vão depender de quem escolhemos como companhia. Ela receia, sobretudo, que alguém diga que não se importa, que qualquer companhia lhe cai bem. “Em termos morais e até políticos, essa indiferença, embora bastante comum, é o maior perigo” (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 212). Soma-se a isso a recusa de julgar.

A partir da recusa ou da incapacidade de escolher os seus exemplos e a sua companhia, e a partir da recusa ou incapacidade de estabelecer uma relação com os outros pelo julgamento surgem os skandala reais, os obstáculos reais que os poderes humanos não podem remover porque não foram causados por motivos humanos ou humanamente compreensíveis. Nisso reside o horror e, ao mesmo tempo, a banalidade do mal. (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 212)

Conforme destaca (Carvalho, 2002Carvalho, J. S. (2002). Podem a ética e a cidadania ser ensinadas? Pro-posições, 13(3),157-168.) a melhor forma de cultivar a transmissão dos valores democráticos e de participar da formação de cidadãos éticos é “torná-los presentes não só em nossas palavras, mas em nossas ações como professores e profissionais de educação” (p. 166). Ao se recusar a entregar as fotos, a professora transmite em sua ação valores éticos. Nesse sentido, “os princípios e valores característicos da instituição escolar estão contidos nos próprios conteúdos aprendidos, nas próprias formas de conhecimento ensinadas e, portanto, se encarnam nas atividades e práticas docentes que os materializam como conteúdos didáticos” (p. 165). O destaque aqui recai na importância desses valores virem encarnados não apenas nos conteúdos pedagógicos, mas sobretudo nas ações que se dão no terreno escolar. Vemos aqui ressonâncias da importância que ganha o “exemplo” em Arendt como sendo uma maneira de propor certo modo de conduta. Para a autora “julgamos e distinguimos o certo do errado por termos presentes em nosso espirito algum incidente e alguma pessoa, ausentes no tempo ou no espaço, os quais se tornaram exemplos” (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 211).

A recusa de escolher e julgar coloca esse homem como não responsável por suas escolhas (que seriam não escolhas do ponto de vista moral). Conforme o exemplo trazido, os professores apenas entregaram as fotos, fizeram o que lhes foi pedido, o que poderia ser visto inclusive como um índice de eficiência: são bons funcionários. Essa planificação do homem como um, e não como dois em um, faz que este não deite raízes no mundo, e, no limite, um projeto de destruição - como o nazismo - encontre terreno fértil.

O que restaria à politica? Imaginemos que fosse possível ao homem preferir estar em acordo com o mundo do que consigo próprio. E que isso fosse uma escolha, fruto de um diálogo consigo e, mais ainda, expressão de um julgamento. Ou seja, alguém que decida pelo mundo. (Passos, 2013Passos, F. A. (2013). Uma análise acerca da relação entre filosofia, política e mundo em Hannah Arendt. In M. Carvalho, & V. Figueiredo, (Orgs.), Filosofia contemporânea: ética e politica contemporânea (pp. 251-260). São Paulo, SP: ANPOF.) sustenta que Arendt alerta, em vários momentos de sua obra, que a “política tem como tarefa principal o cuidado com o mundo e não com os homens, pois visar o homem sem o mundo é uma contradição, na medida em que somos seres no e do mundo” (p. 252).

Entendemos que o próprio Sócrates atesta isso uma vez que entende que não deveria fugir da Polis, mesmo que isso significasse ser julgado e condenado. A ênfase “em sua defesa perante os cidadãos e juízes atenienses estivera em que seu comportamento tinha em vista o bem da cidade” (Arendt, 2002Arendt, H. (2002). Filosofia e política. In H. Arendt, A dignidade da política (3a ed., pp. 91-190). Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará., p. 91-92). Sócrates não consegue persuadi-los com seu discurso. (Arendt, 2002Arendt, H. (2002). Filosofia e política. In H. Arendt, A dignidade da política (3a ed., pp. 91-190). Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará.) vê, neste episódio, a abertura do abismo entre filosofia e política: “O espetáculo de Sócrates submetendo sua própria doxa às opiniões irresponsáveis dos atenienses e sendo suplantado por uma maioria de votos, fez com que Platão desprezasse as opiniões e ansiasse por padrões absolutos” (p. 92).

Essa hipótese põe em cena que - seja do lado do mundo, seja do lado do eu - a atividade de pensar, o diálogo consigo, é a condição para um julgamento e um posicionamento de um eu no mundo a partir desse julgamento. A professora que enuncia o eu não posso junto aos seus pares assume a responsabilidade pelo mundo quando se posiciona publicamente a partir do seu julgamento do que seria pertinente a um ambiente educativo.

Voltemos a Sócrates, para quem “a razão pela qual não devemos matar, mesmo quando não podemos ser vistos por ninguém, é que não queremos de modo algum estar junto a um assassino” (Arendt, 2002Arendt, H. (2002). Filosofia e política. In H. Arendt, A dignidade da política (3a ed., pp. 91-190). Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará., p. 103). Isso é consequente a sua afirmação de que “viver junto com os outros começa por viver junto a si mesmo” (p. 102). Em outras palavras, “um assassino não está apenas condenado à companhia permanente do seu próprio eu homicida, mas irá ver todas as outras pessoas segundo a imagem de sua própria ação. Viverá em um mundo de assassinos potenciais”. (Arendt, 2002Arendt, H. (2002). Filosofia e política. In H. Arendt, A dignidade da política (3a ed., pp. 91-190). Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará., p. 103). Temos aqui outro ponto de relação com a cena escolar. Interessante notar que os professores que realizaram bem o trabalho, venderam as fotos e como compensação ganharam um relógio, localizam nas relações familiares o mau exemplo. Podemos parafrasear a própria Arendt e substituir o termo assassino, por ela utilizado, por trapaceiro. O fato dos professores verem as famílias como trapaceiras não estaria falando também que, uma vez tendo sido eles oportunistas e tirado vantagens veladas, estariam vendo a todos os outros como trapaceiros em potencial?

Conforme alerta (Arendt, 2002Arendt, H. (2002). Filosofia e política. In H. Arendt, A dignidade da política (3a ed., pp. 91-190). Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará.), os gregos entendiam a Polis como domínio do público-político, “em que os homens atingem sua humanidade plena, sua plena realidade como homens, porque não apenas são (como na privacidade de casa): também aparecem” (p. 102). Não é o seu próprio ato isolado - homicida segundo o exemplo - que tem relevância política, mas essa dimensão de como aparece no mundo, contida no conselho de Sócrates: “‘Seja como você gostaria de aparecer aos outros’, isto é, apareça para você mesmo como você gostaria de aparecer quando visto pelo outros” (p. 102). O conselho, retomado por ela, carrega tanto o compromisso consigo mesmo como a dimensão de estar no mundo. Há aqui uma indicação precisa da articulação presente no pensamento de Arendt entre ética e política. Segundo sua leitura de Sócrates, o importante, para os mortais, seria “falar de tal maneira que a verdade da opinião de um homem revele-se para si e para os outros” (p. 100, grifo nosso).

Em “A crise na cultura: sua importância social e política” (Arendt, 2005aArendt, H. (2005a). A crise na cultura: sua importância social e política. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 248-281). São Paulo, SP: Perspectiva.), a autora afirma que “o julgamento é uma, se não a mais importante atividade em que ocorre esse compartilhar-o-mundo” (p. 276).

Nesse texto, Arendt pensa a obra de arte como aquilo que existe de “mais mundano entre todas as coisas” (p. 262). Ela destaca a obra e não o fazer arte, pois a obra seria um produto que requer o espaço público, assim como os atos políticos. Obra de arte e atos políticos se aproximam, em outras palavras, “cultura indica que arte e política, não obstante seus conflitos e tensões, se inter-relacionam e até são dependentes” (p. 272). A grandeza dos produtos políticos, que são os atos e palavras, “pode durar no mundo na medida em que se lhe confere beleza” (p. 272).

Para que haja o julgamento do que é belo é necessário estar livre para que se estabeleça certa distância entre o eu e o objeto. Essa distância pode surgir em uma situação adequada, ou seja, uma vez que as necessidades do indivíduo tenham sido supridas. Nesse sentido, se o relógio (prêmio pelas vendas das fotos) estivesse como uma necessidade de vida para os professores, poderíamos dizer que eles não conseguiam ter, naquela situação, o distanciamento necessário para se posicionarem no mundo como decorrência de um julgamento.

Ao esquecer a si mesmo e tomar a distância necessária ao julgamento, o homem estará livre para o mundo. A articulação entre julgamento e mundo fica clara em (Arendt, 2005aArendt, H. (2005a). A crise na cultura: sua importância social e política. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 248-281). São Paulo, SP: Perspectiva.) quando ela afirma que tal atitude de alegria desinteressada “só pode ser vivida depois que as necessidades do organismo vivo já foram supridas, de modo que, liberados das necessidades da vida, os homens possam estar livres para o mundo” (p. 263).

A arte convoca ao julgamento, e o julgamento, segundo a leitura da autora de Kant, é “a faculdade de ver as coisas não apenas do próprio ponto de vista, mas na perspectiva de todos aqueles que porventura estejam presentes” (Arendt, 2005aArendt, H. (2005a). A crise na cultura: sua importância social e política. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 248-281). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 275).

Embora ao julgar eu leve em consideração os outros, isso não significa que me adapte em meu julgamento aos julgamentos dos outros. Ainda falo com minha própria voz e não conto votos para chegar ao que penso ser certo. Mas meu julgamento não é subjetivo, no sentido de que chegaria às minhas conclusões levando apenas a mim mesma em consideração. (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 207)

De modo que “o juízo para ser válido depende da presença dos outros” (Arendt, 2005aArendt, H. (2005a). A crise na cultura: sua importância social e política. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 248-281). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 275), sem com isso significar que o julgamento de uma pessoa seja universal, ou ainda, subsumível aos julgamentos dos outros. Ele é, talvez, a “mais importante atividade em que ocorre esse compartilhar-o-mundo” (p. 276).

Essas breves considerações ajudam-nos a recolocar a questão que serve de motor para este artigo: se a educação é um compromisso com o mundo, ela poderia ser pensada como uma articulação de política e ética para Arendt?

Cabe primeiro uma ressalva, as obras de arte “não são fabricadas para os homens, mas antes para o mundo que está destinado a sobreviver ao período de vida dos mortais, ao vir e ir das gerações” (Arendt, 2005aArendt, H. (2005a). A crise na cultura: sua importância social e política. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 248-281). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 262), ou seja, elas seriam algo que o homem concebeu para durar mais do que ele próprio, como algo que resistiria ao processo vital do consumo. No tocante ao filisteísmo - “uma mentalidade que julgava todas as coisas em termos de utilidade imediata” (p. 253) -, os objetos da cultura cada vez mais são apropriados como objetos de entretenimento, portanto consumíveis. A educação não estaria livre desse risco do consumo do mundo, de servir ao entretenimento de massas, o que a condenaria à ruina. O aprofundamento dessa questão, no entanto, nos desviaria do objeto de interesse no presente estudo. Vale ressaltar que a educação poderia ser lida, dentro dessa perspectiva do entretenimento, em termos de sua utilidade imediata, o que nos afastaria da articulação ético-política aqui defendida.

Em seu ensaio sobre “A crise na educação”, (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva.) introduz já no primeiro parágrafo o cenário norte-americano. É verdade que ela toma a crise na educação norte-americana tanto no que ela tem de específica como também uma oportunidade de investigar a essência da educação, que segundo afirma é “a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo” (p. 223).

Nos Estados Unidos, conforme explicita a autora, a educação teria um papel incomparavelmente mais importante politicamente do que em outros países. A razão disso estaria no fato deste ser um país de recém-chegados (imigrantes) e, sobretudo, na função de uma Nova Ordem do Mundo2 2 “Para os Estados Unidos o fator determinante sempre foi o lema impresso em toda nota de dólar – Novus Ordo Seclorum, Uma Nova Ordem do Mundo”. (Arendt, 2005b, p. 224) , na qual haveria um entusiasmo pelo novo em detrimento do Velho Mundo.

O papel político que a educação efetivamente representa em uma terra de imigrantes, o fato de que as escolas não apenas servem para americanizar as crianças, mas afetam também a seus pais, e de que aqui as pessoas são de fato ajudadas a se desfazerem de um mundo antigo e a entrar em um novo mundo, tudo isso encoraja a ilusão de que um mundo novo está sendo construído mediante a educação de crianças. (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 226)

A ilusão de que a construção de um novo mundo passa pela educação de crianças é uma tese que será discutida pela autora no desenrolar do texto. Ela dirá na sequência de sua argumentação que não é disso que se trata uma vez que, mesmo nos Estados Unidos, o mundo ao qual se introduz a criança “é um mundo preexistente, construído pelos vivos e pelos mortos” (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 226). Soma-se a isso o destaque dado por ela ao papel que a igualdade desempenha na vida norte-americana, que tenta apagar - tanto quanto possível - as diferenças, inclusive a existente entre entre aluno e professor.

Segundo Arendt, ao falarmos do âmbito político, estamos necessariamente falando da igualdade entre os participantes desta relação. Já o papel do professor junto a seus alunos é marcado por uma assimetria que seria condição para a introdução das crianças no mundo. Os alunos e professores não estariam em posição de igualdade no que toca à responsabilidade pelo mundo (Carvalho, 2014Carvalho, J. S. (2014). Política e educação em Hannah Arendt: distinções, relações e tensões. Educação & Sociedade, 35(128), 813-828. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302014122568
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).

O conservadorismo estaria na essência da atividade educativa, na tarefa de proteger “a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novo contra o velho, o velho contra o novo” (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 242). A autoridade do professor reside na responsabilidade que ele assume pelo mundo e não na sua qualificação profissional, ainda que esta seja indispensável ela “nunca engendra por si só a autoridade” (p. 239).

Nossa esperança está pendente sempre do novo que cada geração aporta; precisamente por basearmos nossa esperança apenas nisso, porém, é que tudo destruímos se tentarmos controlar os novos de tal modo que nós, os velhos, possamos ditar sua aparência futura. Exatamente em beneficio daquilo que é novo e revolucionário em cada criança é que a educação precisa ser conservadora: ela deve preservar essa novidade e introduzi-la como algo novo em um mundo velho, que por mais revolucionário que possa ser em suas ações, é sempre, do ponto de vista da geração seguinte, obsoleto e rente à destruição. (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 243)

Assim, a autora dá lugar para o novo no futuro, sem com isso colocar que a educação de crianças tem por objetivo a revolução. É nesse sentido que, em benefício do novo, a educação deverá ser conservadora.

Arendt propõe, dessa forma, que a educação seria pré-política, fazendo justamente uma distinção baseada na função assimétrica da autoridade do professor, que teria a reponsabilidade de introduzir a criança no mundo e, ao mesmo tempo, possibilitar que este seja renovado mediante o nascimento. Caberia ao professor:

Assumir a responsabilidade pelo processo de iniciação de seus alunos nessa herança pública de práticas, linguagens e saberes que uma comunidade política - ou uma sociedade - escolheu preservar por meio da transmissão escolar. Apossar-se dela significa criar laços de pertencimento a um mundo comum e desenvolver qualidades e talentos por meio dos quais cada novo ser que vem ao mundo pode revelar sua singular unicidade. (Carvalho, 2014Carvalho, J. S. (2014). Política e educação em Hannah Arendt: distinções, relações e tensões. Educação & Sociedade, 35(128), 813-828. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302014122568
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, p. 821)

Há aqui uma cilada que o termo pré-política empregado pela autora talvez impulsione. Se a educação se distingue da política, e o ideal de igualdade entra aqui como divisor de águas, isso não significa que a educação seja apolítica. Trata-se de “alocar a relação pedagógica num âmbito intermediário ente esses domínios: numa esfera pré-política que, embora de grande relevância para ação politica, com ela não se confunde” (Carvalho, 2014Carvalho, J. S. (2014). Política e educação em Hannah Arendt: distinções, relações e tensões. Educação & Sociedade, 35(128), 813-828. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302014122568
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, p. 815). É justamente para resguardar o compromisso político da responsabilidade pelo mundo que a autora faz questão dessa diferenciação.

A escola,

tal como Arendt a compreende, corresponde à dimensão pública da educação, zeladora mais pela plenitude da singularidade que pelo aparelhamento para o bem-estar vital, que também é sua tarefa. Tudo isso em alguma medida se relaciona com a política, mas possivelmente diz respeito antes de tudo ao fato de que o amor ao mundo, indispensável para que cada recém-chegado como estrangeiro possa cada vez mais fazer do mundo um lar, é seguramente menos possível sem um amoroso convite à responsabilidade por ele. (Correia, 2010Correia, A. (2010). Natalidade e amor mundi: sobre a relação entre educação e política em Hannah Arendt. Educação e Pesquisa, 36(3), 811-822. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022010000300011
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, p. 821)

Arendt, ao falar da educação, põe a ênfase nesse convite à responsabilidade pelo mundo feito pelo adulto à criança. Mas como bem lembra (Carvalho, 2014Carvalho, J. S. (2014). Política e educação em Hannah Arendt: distinções, relações e tensões. Educação & Sociedade, 35(128), 813-828. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302014122568
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), a relação professor-aluno não encerra a totalidade das experiências que se dão na escola. O próprio exemplo que trabalhamos, ao longo do texto, ressalta a dimensão política da ação de um professor diante de seus pares.

É possível, tomando por base as articulações teóricas realizadas até aqui, extrairmos as consequências da afirmação feita por (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva.): “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos responsabilidade por ele” (p. 247).

O dois em um socrático, na leitura proposta pela autora, revelou-se em seu compromisso de estar consigo próprio e aparecer no mundo. Sustentamos, no presente artigo, esse desenvolvimento em termos de uma articulação entre política e ética.

Além disso, a autora coloca a tônica não em fazer o bem ou o mal, mas introduz o julgamento como ponto central na decisão que cada um faz de com quem deseja estar junto. Há uma responsabilidade na escolha pelo “Barba Azul” (Arendt, 2004Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras., p. 212), conforme exemplo que ela utiliza, mas pior ainda seria a recusa a julgar, “que alguém venha nos dizer que não se importa com a questão e que qualquer companhia lhe será satisfatória” (p. 212).

Tendo em vista essas considerações podemos afirmar que a escolha pelo mundo é a escolha e responsabilidade pela partilha do mundo: “isto é o mundo”. É estar no mundo consigo e com os outros. Aqui ganha relevo um singelo alerta que a autora faz na última linha do texto “Filosofia e política” (2002): “não é bom para o homem estar só” (p. 115).

A responsabilidade política daqueles que educam é, pois, dupla: com uma herança comum e pública de saberes, instituições e relações e com os jovens que nela se iniciam; com o passado em que se enraíza o mundo e com o futuro que lhe empresta durabilidade. Por isso, para Arendt, do ponto de vista dos que são novos no mundo, os educadores e a instituição escolar representam o mundo e por ele devem assumir a responsabilidade. (Carvalho, 2014Carvalho, J. S. (2014). Política e educação em Hannah Arendt: distinções, relações e tensões. Educação & Sociedade, 35(128), 813-828. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302014122568
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, p. 821)

A educação é um ato de amor ao mundo. “É com atos e palavras que nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico original” (Arendt,1997Arendt, H. (1997). A condição humana (8a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1958), p. 189). Ela é um modo de imprimir movimento ao mundo, caso contrário ele seria tão mortal quanto nós mesmos.

Referências

  • Arendt, H. (1997). A condição humana (8a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1958)
  • Arendt, H. (2005a). A crise na cultura: sua importância social e política. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 248-281). São Paulo, SP: Perspectiva.
  • Arendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva.
  • Arendt, H. (2004). Algumas questões de filosofia moral. In H. Arendt, Responsabilidade e julgamento (pp. 112-212). São Paulo, SP: Companhia das letras.
  • Arendt, H. (2002). Filosofia e política. In H. Arendt, A dignidade da política (3a ed., pp. 91-190). Rio de Janeiro, RJ: Relume Dumará.
  • Carvalho, J. S. (2002). Podem a ética e a cidadania ser ensinadas? Pro-posições, 13(3),157-168.
  • Carvalho, J. S. (2014). Política e educação em Hannah Arendt: distinções, relações e tensões. Educação & Sociedade, 35(128), 813-828. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302014122568
    » http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302014122568
  • Correia, A. (2010). Natalidade e amor mundi: sobre a relação entre educação e política em Hannah Arendt. Educação e Pesquisa, 36(3), 811-822. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022010000300011
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  • Passos, F. A. (2013). Uma análise acerca da relação entre filosofia, política e mundo em Hannah Arendt. In M. Carvalho, & V. Figueiredo, (Orgs.), Filosofia contemporânea: ética e politica contemporânea (pp. 251-260). São Paulo, SP: ANPOF.
  • 1
    Fábio Passos em sua pesquisa se debruça sobre a relação entre filosofia, política e mundo no pensamento de Hannah Arendt. Para isso ele aborda as análises fenomenológicas de Husserl e Heidegger, lançando luz naquilo que ele defende como sendo avanços da autora em relação a concepções fenomenológicas tradicionais, especialmente as de Heidegger. Arendt valoriza a concepção de que o homem habita o mundo com seus pares, enquanto para Heiddeger “o Eu, quando não está isolado, deixa de ser um Eu autêntico, pois está submerso na vida cotidiana do indivíduo público” (Passos, 2013Passos, F. A. (2013). Uma análise acerca da relação entre filosofia, política e mundo em Hannah Arendt. In M. Carvalho, & V. Figueiredo, (Orgs.), Filosofia contemporânea: ética e politica contemporânea (pp. 251-260). São Paulo, SP: ANPOF., p. 259).
  • 2
    “Para os Estados Unidos o fator determinante sempre foi o lema impresso em toda nota de dólar – Novus Ordo Seclorum, Uma Nova Ordem do Mundo”. (Arendt, 2005bArendt, H. (2005b). A crise na educação. In H. Arendt, Entre o passado e o futuro (5a ed., pp. 221-247). São Paulo, SP: Perspectiva., p. 224)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2014
  • Revisado
    11 Abr 2015
  • Aceito
    05 Maio 2015
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