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A Dona Carolina que Conheci

A DONA CAROLINA QUE CONHECI

José Pereira de Queiroz Neto

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP

Ao receber (e por mãos de ninguém menos que Maria Ignez Cardim da Rocha e Silva!) o convite para participar da homenagem que o Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo prestará à Professora Emérita Doutora Carolina Martuscelli Bori, percebi que não seria pelos estudos e reflexões na sua área de trabalho que poderia passar: ela está fora do meu alcance e competência. Mas confesso que fiquei desvanecido, primeiro pela importância da pessoa homenageada e, segundo, por quem teve a lembrança de meu nome.

Como conheci Dona Carolina (como sempre a chamei)? Esfumou-se no tempo destes mais de 25 (30?) anos de convívio, em torno da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Foi ainda na rua Cunha Gago? Na Cardeal Arco Verde? Certamente bem antes da Pedroso de Morais, casa ampla e agradável. Vários episódios perpassaram pela memória, todos mostrando Dona Carolina ativamente presente, sempre nos representando a nós, comunidade científica, com altaneira dignidade. Que belo exemplo de alguém que conseguiu manter elevada a bandeira levantada pela geração dos Maurício da Rocha e Silva para nós, seus admiradores!

Lá pelos idos dos anos 70 a SBPC crescia; com a entrada das Ciências Humanas, as Reuniões Anuais de Belo Horizonte e Recife abriam-lhes as portas da mídia e do reconhecimento nacional.

O final de 75 fora de sobressaltos e 76 iniciava-se cheio de incertezas - como seria a Reunião Anual, que deveria realizar-se em Fortaleza? Entre os vais e vens da preparação, cai a bomba lançada pelo governo militar de plantão: os funcionários públicos estavam proibidos de participar e a Universidade fazia ver que os cientistas não seriam mais recebidos! O que fazer? Um elevado número de sócios convoca uma Assembléia Extraordinária, que se realiza numa grande sala dos antigos barracões da Cidade Universitária (que a seu tempo havia abrigado os desabrigados da Maria Antônia), depois substituídos pelas novas instalações da Psicologia. Reunião tempestuosa, presidida por Dona Carolina. Surge a decisão histórica: os sócios erguem a luva, lançam o desafio de enfrentar as autoridades e realizar sua Reunião Anual, onde pudessem, mas de modo autônomo. A Reitoria da PUC abre suas portas: Eppur si muove, estava salva a Reunião Anual, e que grande reunião!

A SBPC em fase de grande expansão reorganiza-se, muda de endereços, amplia suas instalações, cria novos setores, aumenta consideravelmente o número de sócios. Sua Secretária Geral a tudo acompanha, tudo organiza, moderniza-se: Dona Carolina é a grande maestra da orquestra, que rege com sabedoria. E um preito a seu braço direito durante anos a fio, o querido Marco Antônio Bruno.

Grande expansão em momento dos grandes debates e embates políticos: o Brasil se abre, a comunidade científica se manifesta cada vez mais. Presidir a SBPC era uma tarefa delicada: abrigou corajosamente o retorno de várias personalidades exiladas ou afastadas de seu convívio, com Reuniões Anuais que se transformaram em grandes fóruns de debate sobre as questões que interessavam a sociedade brasileira. Da sociedade à economia, do passado ao futuro, das ciências exatas às pouco exatas, tudo passava: buscavam-se soluções para o Brasil, que nunca chegaram a seu termo. Dona Carolina secretariava tudo, de início, participava sempre, até atingir a direção da SBPC: mantinha sua serenidade (a que custo?) com dignidade e o maior respeito por todos.

Vem a abertura total, é hora de pensar a nova Constituição. No embalo da década anterior, a SBPC é chamada a participar ativamente desse momento histórico. Lá estava ela, Dona Carolina investida do cargo de Presidente, tentando demonstrar a gregos e menos gregos, a troianos e outros que o desenvolvimento da Ciência Brasileira, das Universidades, dos Institutos de Pesquisa, enfim a ampliação da comunidade científica seria essencial para o desenvolvimento autônomo e independente de nosso país. E na base disso está o ensino, ao qual ela dedica sua especial atenção: buscava-se erguer uma Política Educacional consistente e lá estava ela, com sua experiência e conhecimento. A defesa da Escola Pública recebia um apoio inestimável: se não vingou totalmente, como seria desejável, de quem seria a culpa?

Nunca abandonou a SBPC: em todo esse período, não me lembro de ter percebido nenhum sinal de esmorecimento! Uma breve passagem, mais recente, na direção da Estação Ciência foi uma mostra de sua dedicação à causa talvez maior de suas preocupações: o aperfeiçoamento do ensino básico e a busca de novas vocações, ganhando a USP com sua colaboração.

Dona Carolina é uma lutadora infatigável pelas boas causas do ensino e pesquisa, da Educação Nacional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 1998
  • Data do Fascículo
    1998
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