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Apresentação

APRESENTAÇÃO

Belinda Mandelbaum11 Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia -USP Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia -USP

Instituto de Psicologia – USP

No percurso de leitura por entre os artigos que compõem este dossiê, corremos o risco de ter, a cada momento, algumas de nossas mais íntimas e arraigadas concepções sobre a família arranhadas de alguma forma. Não apenas os modelos hegemônicos de família em nossa sociedade são aqui postos em confronto com outros arranjos familiares mas, examinando mais de perto a família a partir de diferentes olhares - oriundos das diferentes disciplinas aqui presentes -, são concepções bastante específicas nossas que vêm a ser questionadas e revistas.

O psicanalista Isidoro Berenstein começa seu artigo perguntando-se se as novas formas familiares que encontramos na contemporaneidade respondem, de fato, como pode parecer à primeira vista, à produção de algo novo. Para responder a esta pergunta, ele examina situações familiares a partir dos critérios de invariância - evolução de formas anteriores - e novidade - ruptura e recomposição -, e termina por concluir que a família não é nova ou velha, mas pode fazer algo novo ou não. A análise da família, segundo ele, deve incluir uma análise do fazer em seus vínculos e das conseqüências desse fazer.

Eni de Mesquita Samara coloca em questão a imagem que temos da família colonial brasileira, advinda principalmente das imagens fornecidas pela literatura, vinculadas ao modelo patriarcal da família extensa. A partir de dados de recenseamento dos últimos 150 anos, sua pesquisa aponta para diferenças no tempo, nas etnias, nos grupos sociais, nos contextos econômicos regionais e nos movimentos populares, numa análise que integra o processo de formação das famílias ao desenvolvimento econômico e ao processo de crescimento populacional do país.

O trabalho de Rita de Cássia Santos Freitas sobre as "mães de Acari" mostra como um acontecimento de profunda violência como a chacina de onze jovens em Magé, Rio de Janeiro - acontecimento que foi conhecido nacionalmente como "caso Acari" -, teve um impacto transformador sobre as mães desses jovens, ao tirá-las de seus papéis e contextos habituais e lança-las para as praças públicas, onde contribuíram para a emergência de uma nova figura para o imaginário materno: a imagem de mães que lutam.

Vera Paiva et al. abordam a questão do desejo de ser pai entre portadores do vírus HIV, desmistificando o senso comum discriminatório segundo o qual a paternidade seria inacessível a esses homens. Os autores mostram como uma série de medidas preventivas e de novas descobertas no campo médico possibilitam tornar realidade esse desejo, que tem por outro lado que se confrontar, na sociedade de forma geral e entre os próprios portadores em particular, com obstáculos centrais ao acesso às informações apropriadas: o estigma e o desconforto dos portadores frente aos profissionais de saúde.

Zeidi Araújo Trindade e Sônia Regina Florim Enumo investigam as representações sociais da infertilidade feminina entre mulheres de diferentes estratos sociais, casadas e solteiras, com e sem filhos. A investigação confirma a permanência da concepção de infertilidade como uma condição estigmatizante para a mulher, pondo assim a nu a prevalência, ainda hoje, de uma versão romântica e idealizada da maternidade, que dificulta a visão e interação com outros arranjos familiares possíveis.

Claudia Fonseca toma o fenômeno da circulação de crianças entre mães de família das classes populares como exemplo de dinâmicas familiares alternativas às normas hegemônicas, que têm a família nuclear conjugal - o casal de pais que vivem com seus filhos - como modelo. A circulação de crianças aponta para formas alternativas que são tidas como legítimas em certos setores da sociedade.

Como se não bastasse tudo o que a leitura desses trabalhos nos obriga a rever no campo de nossas concepções sobre a família e suas transformações, sobre a maternidade, a paternidade e a criação de filhos - sobre o que nos parece ser, desde sempre, tão familiar e estabelecido - as cartas de Kafka à sua irmã, Eli Herrmann, que tratam da educação de filhos, são implacáveis em sua denúncia da família como uma organização violenta que, no processo de educar seus filhos, os destrói.

No conjunto deste dossiê, pesquisas sistemáticas em diferentes disciplinas - Psicanálise, Psicologia Social, Serviço Social, Saúde Pública, Antropologia e Literatura - confluem para pôr concepções de família em questão, ao examiná-las em algumas de suas diversas interfaces com o indivíduo, a comunidade, a sociedade e a cultura. Esperamos com isto contribuir para a ampliação do campo de compreensão desta complexa e conflitiva instituição social, que se faz tão presente sempre que procuramos entender e intervir junto aos homens.

  • 1 Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia -USP
    Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia -USP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      2002
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