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Apresentação

DOSSIÊ: WILHELM REICH

Apresentação

Paulo Albertini

Instituto de Psicologia - USP

O austríaco Wilhelm Reich participou ativamente da vida científica, cultural e política da primeira metade do século 20. Combatente na I Guerra Mundial, membro da Associação Psicanalítica Internacional de 1920 até 1934, militante do Partido Comunista Alemão no início dos anos 30, Reich produziu uma vasta obra vinculada a vários ramos e objetos do conhecimento: técnica psicoterapêutica, sexualidade, educação, psicologia política.

No Brasil, após uma inserção mais ligada ao campo da prática clínica e à discussão da moralidade sexual no clima cultural dos anos 60, o pensamento reichiano, em suas múltiplas facetas, tem sido, a partir dos anos 90, tema de diversos estudos acadêmicos. Este Dossiê Reich, além de conter a tradução de um texto do próprio Reich, apresenta uma pequena amostra desses estudos - três artigos focalizando diferentes assuntos relacionados às idéias desse autor.

Abre esse conjunto de escritos a tradução, efetuada por Sara Quenzer Matthiesen, do fragmento reichiano "Rules to Follow in Basic Research", publicado originalmente em 1951, nos EUA. Deve-se esclarecer que Reich viveu de 1939 até sua morte, em 1957, nos Estados Unidos, onde, como outros intelectuais e artistas de alguma forma vinculados ao comunismo, enfrentou sérios problemas no período pós II Guerra Mundial. Nesse contexto social, o material em tela revela o estado de ânimo de um pesquisador que se sente pessoal e cientificamente perseguido. Ao retratar uma situação limite, esse texto pode servir como um valioso estímulo para reflexões sobre o ofício, e a postura, do cientista.

Após essa abertura, a mesma Sara Quenzer Matthiesen, em um trabalho dedicado à área educacional, defende a posição de que a perspectiva reichiana de investir no potencial psicoprofilático da educação tem suas bases em determinada orientação presente em escritos mais iniciais de Freud. Para a autora, Reich teria desenvolvido linhas de pensamento iniciadas e, depois, abandonadas pelo mestre psicanalista. Assim, de acordo com esse entendimento, a visão presente em textos mais tardios de Freud, de falta de confiança na capacidade psicoprofilática da educação, não seria única, nem hegemônica na obra desse autor.

A seguir, Ricardo Amaral Rego, tendo como objeto de estudo a psicoterapia corporal reichiana, procura situar essa atividade clínica dentro de um certo domínio conceitual do campo freudiano. Com tal proposta, o autor aponta para a existência de consistentes vínculos entre a abordagem corporal reichiana e conceitos ou proposições associados à primeira teoria freudiana das pulsões. Assim, por meio de um detalhado exercício de fundamentação teórica, esse trabalho busca mostrar, em linguagem psicanalítica, o sentido de várias técnicas empregadas em psicoterapia corporal.

Depois desse percurso pelos caminhos da educação psicoprofilática e da abordagem corporal em psicoterapia, além de algumas formulações instigantes sobre a atividade de pesquisa, o último artigo desse conjunto, de minha autoria, investiga as idéias reichianas, do final dos anos 20, que se opõem às teses freudianas do texto "O Mal-Estar na Cultura". As principais noções focalizadas, de acordo com as perspectivas de Freud e Reich, são as de sexualidade, agressividade e formação reativa. O ponto de partida desse estudo é um depoimento de Reich, dado em entrevista, de que "O Mal-Estar na Cultura" fora escrito em resposta a uma conferência que ele proferira na casa de Freud sobre o tema profilaxia das neuroses.

Uma breve apreciação global dos trabalhos que compõem esse dossiê permite, pelo menos, uma observação. Nota-se, claramente, uma tendência no sentido da busca de um intenso diálogo com a matriz freudiana. A nosso ver, esse diálogo implica em aproximações e afastamentos, mas, sobretudo, em um ganho significativo em termos de fundamentação teórica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    2003
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