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Etologia, Antropologia e cinema: uma etnografia da violência em Sob o Domínio do Medo

Ethology, Anthropology and cinema: an ethnography of violence in Straw Dogs

Agresión, Etnología, Antropología y Cine: una etnografía de la violencia en Perros de Paja

Agression, Éthologie, Anthropologie et Cinéma: une ethnographie de la violence dans Les Chiens de Paille

Resumos

Este artigo aparece como uma tentativa de compreensão do fenômeno da agressão em seus múltiplos aspectos, tarefa para a qual contaremos com os referenciais teóricos advindos da Etologia e da Antropologia Social. Para melhor expressar as idéias aqui expostas utilizaremos o cinema como recurso etnográfico. Neste sentido, destacaremos alguns trechos do filme Sob o Domínio do Medo (1971), os quais serão trabalhados em maiores detalhes.

Agressividade; Etologia humana; Antropologia; Cinema


This article is as an attempt to comprehend the phenomenon of aggression in its multiple aspects. In such a task we will take into account the theoretical references of Ethology and Social Anthropology. In order to better illustrate the ideas exposed here, cinema will be used as an ethnographical resource. Therefore, some parts of the movie Straw Dogs (1971) are going to be analyzed in more details.

Aggressiveness; Human ethology; Anthropology; Cinema


Lo presente artículo representa una tentativa de comprensión de lo fenómeno de la violencia en sus múltiplos aspectos. Para tanto, conta con los referenciales teóricos de la etnología y de la antropología social. De forma a mejor expresar las ideas aquí expuestas utilizaremos el cine como recurso etnográfico. Así, destacaremos algunos trechos de la película Perros de Paja, los cuáles serón discutidos en mayores detalles.

Agresividad; Etología humana; Antropología; Cine


Cett’article est un essai pour comprendre les multiples aspects du phénomène de l’agression avec l’aide des référentiels téoriques de l’Éthologie et de l’Anthropologie Sociale. Nous utilisarons le cinéma pour meilleur expresser les idées qui seront ici exposées. Dans cette sens, nous détacherons quelques scènes du film Les Chiens de Paille (1971), lequelles seront analisés en détail.

Agressivité; Éthologie humaine; Anthropologie; Cinéma


ARTIGOS ORIGINAIS

Etologia, Antropologia e cinema: uma etnografia da violência em Sob o Domínio do Medo1 1 Este artigo é uma versão ligeiramente modificada do trabalho desenvolvido na disciplina Agressão: Biologia e Cultura, oferecida pelo Depto. de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e pelo Depto. de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Agradeço ao Prof. Renato Queiroz que ministrou a disciplina ao longo do 2º Semestre de 2003 e aos colegas de sala de aula pelos comentários e sugestões que em muito estimularam as idéias desenvolvidas nas próximas páginas.

Ethology, Anthropology and cinema: an ethnography of violence in Straw Dogs

Agression, Éthologie, Anthropologie et Cinéma: une ethnographie de la violence dans Les Chiens de Paille

Agresión, Etnología, Antropología y Cine: una etnografía de la violencia en Perros de Paja

Mauricio Rodrigues de Souza

Universidade Federal do Pará

RESUMO

Este artigo aparece como uma tentativa de compreensão do fenômeno da agressão em seus múltiplos aspectos, tarefa para a qual contaremos com os referenciais teóricos advindos da Etologia e da Antropologia Social. Para melhor expressar as idéias aqui expostas utilizaremos o cinema como recurso etnográfico. Neste sentido, destacaremos alguns trechos do filme Sob o Domínio do Medo (1971), os quais serão trabalhados em maiores detalhes.

Palavras-chave: Agressividade. Etologia humana. Antropologia. Cinema.

ABSTRACT

This article is as an attempt to comprehend the phenomenon of aggression in its multiple aspects. In such a task we will take into account the theoretical references of Ethology and Social Anthropology. In order to better illustrate the ideas exposed here, cinema will be used as an ethnographical resource. Therefore, some parts of the movie Straw Dogs (1971) are going to be analyzed in more details.

Keywords: Aggressiveness. Human ethology. Anthropology. Cinema.

RÉSUMÉ

Cett’article est un essai pour comprendre les multiples aspects du phénomène de l’agression avec l’aide des référentiels téoriques de l’Éthologie et de l’Anthropologie Sociale. Nous utilisarons le cinéma pour meilleur expresser les idées qui seront ici exposées. Dans cette sens, nous détacherons quelques scènes du film Les Chiens de Paille (1971), lequelles seront analisés en détail.

Mots-clés: Agressivité. Éthologie humaine. Anthropologie. Cinéma.

RESUMEN

Lo presente artículo representa una tentativa de comprensión de lo fenómeno de la violencia en sus múltiplos aspectos. Para tanto, conta con los referenciales teóricos de la etnología y de la antropología social. De forma a mejor expresar las ideas aquí expuestas utilizaremos el cine como recurso etnográfico. Así, destacaremos algunos trechos de la película Perros de Paja, los cuáles serón discutidos en mayores detalles.

Palabras-clave: Agresividad. Etología humana. Antropología. Cine.

O presente trabalho representa uma tentativa de discutir o fenômeno da agressão em algumas das suas variadas nuances, adotando para tanto uma perspectiva multidisciplinar e que engloba simultaneamente elementos da Etologia e da Antropologia Social. Com isso, aprofundando nossa análise pela via de ferramentas teóricas oferecidas por estas duas disciplinas, pretendemos demonstrar que a aparente (embora sempre chocante) simplicidade de atos carregados de explícita violência física ou psicológica esconde um caráter multifacetário que envolve variados tipos de comportamento. Estes, por sua vez, encontram-se atrelados a diferentes e específicas funções adaptativas que, no reino animal, podem ser de natureza territorial, sexual, predatória etc.

Para ilustrar nossa perspectiva, utilizaremos o cinema como uma espécie de recurso etnográfico, retirando daí alguns exemplos favoráveis à melhor compreensão das idéias aqui desenvolvidas. Com efeito, resgataremos alguns trechos de Sob o Domínio do Medo (1971), polêmico filme do diretor norte-americano Sam Peckimpah, os quais serão trabalhados em maiores detalhes.

O Conceito de Agressão: Algumas Contribuições da Etologia

Como esperamos deixar claro ao longo do texto, a perspectiva norteadora deste artigo é a de uma caracterização da agressão como fenômeno multifacetário e, portanto, sujeito à apreciação de múltiplos olhares e disciplinas. Assim, tomaremos como ponto de partida uma abordagem de caráter fundamentalmente biológico e natural, fornecida pela etologia, disciplina que se caracteriza pelo estudo das relações dos animais entre si e com o meio ambiente que os cerca. Com isso, a análise de um trabalho como o de Johnson (1979), didático e, ao mesmo tempo, conceitual, pode se revelar bastante promissora. Passemos a ela então.

No estudo em questão, embora afirme a dimensão adaptativa da agressão, Johnson (1979) propõe que a relação entre si e a sobrevivência das espécies deveria ser matizada, já que os indivíduos bem sucedidos na tarefa de deixar descendentes não seriam necessariamente os mais guerreiros, mas sim, os que se valessem do comportamento agressivo de maneira seletiva. Em outras palavras, segundo Johnson ficaria razoavelmente claro um improvável favorecimento evolutivo da agressão em particular, já que haveria outras formas utilizadas pelos animais como medidas de sobrevivência.

Nesse sentido, avança Johnson (1979), deveríamos considerar que mesmo quem desenvolveu armas nem sempre as utilizaria. Isso em benefício da própria espécie - como as serpentes, que, ao lutarem umas com as outras em combates interespecíficos, subjugam-se pelo peso e força dos seus corpos, e não pelo poder letal das suas presas. Poderíamos pensar também no exemplo da utilização de displays ou comportamentos ritualizados que evitariam o embate direto, sendo que, no caso do homem, temos ainda a própria utilização da linguagem e dos valores morais como mediadores de conflitos2 2 Aliás, eis aqui um outro argumento em prol da relativização do comportamento agressivo, pois se levarmos em conta apenas a luta aberta, deixaremos de lado muitas manifestações violentas de certa forma camufladas por rituais, palavras ou outras expressões intimidadoras. .

Dessa maneira, sustenta esse autor, a agressão não se configuraria nem como o único e nem como o melhor caminho evolutivo. Não sendo tampouco necessariamente boa ou má, deteria sim um caráter situacional, respondendo de maneira adaptativa à mutabilidade do meio ambiente, mesmo quando direcionada à própria espécie do suposto agressor, como nos casos de rapinagem ou canibalismo. Daí o reforço de Johnson à posição inicialmente defendida no presente trabalho, segundo a qual uma análise produtiva deste tema exigiria enfoques variados, cuidadosos e, de preferência, desvinculados de julgamentos previamente estabelecidos.

Outro referencial teórico que certamente vale a pena citar nesta revisão bibliográfica é o de Tinbergen (1978). Para este autor, a agressão envolveria a aproximação junto a um oponente que, uma vez alcançado, sofreria prejuízos de algum tipo, sendo também forçado à submissão contra a sua vontade. Nesse caso, poder-se-ia falar em contatos intra e extra-específicos (ou seja, entre indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes).

Ao dar prosseguimento à sua discussão, Tinbergen (1978) enfoca o valor de sobrevivência do comportamento agressivo, incluindo um debate sobre as suas causas. Aqui, pensa ele, caberia abordar o problema não apenas no espaço de tempo de sua ocorrência em segundos ou minutos de luta aberta, mas em termos consideravelmente mais longos e evolutivos. Portanto, para se responder à pergunta sobre o que nos faz lutar em determinados momentos, seria necessário primeiramente pesquisar como este comportamento específico se desenvolveu, considerando ainda em tal processo a importância de fatores endógenos e exógenos (relativos à constituição do indivíduo/espécie ou do meio ambiente).

Em seguida, o autor questiona o porquê de o homem, entre todas as espécies, ser o único a realizar matanças em massa. Ele sugere que, para tentarmos responder satisfatoriamente esta pergunta, poderíamos considerar que a agressão dificilmente ocorre em uma forma pura, mas sim, como parte de um sistema adaptativo mais amplo. Segundo Tinbergen (1978), o medo seria a outra parte importante neste processo, facilmente observada nas divisões territoriais e, em decorrência, na realização de rituais hostis entre moradores e invasores, evitando, assim, o conflito direto. Haveria também os casos em que certos animais defenderiam os territórios possuídos por grupos mais amplos aos quais pertenceriam.

É com base nesta argumentação que esse autor alcança a hipótese de que o homem, um macaco social que acabaria por se tornar carnívoro, ainda carregaria consigo a herança desta territorialidade coletiva. Então, enquanto primata social e caçador, seria plausível que tivesse se organizado originalmente pelo princípio da territorialidade em grupos, aspecto este reforçado posteriormente pela nossa evolução cultural.

Tais explicações, porém, servem apenas como um preâmbulo para Tinbergen (1978) retomar a sua questão norteadora. Qual seja: por que não resolvemos nossas disputas internacionais por um método relativamente indolor como o da utilização de expressões rituais ameaçadoras, tão caras ao reino animal? Segundo o autor, isto se deve em grande medida por havermos embarcado em um novo tipo de evolução. Trata-se daquela determinada pela transmissão cultural, a qual teria extrapolado os limites adaptativos da nossa própria constituição biológica.

Mas – podemos perguntar - de que forma isso teria se dado? Para esse autor, pela explosão populacional, associada, por sua vez, aos avanços da agricultura e da medicina. Daí parecermos não ter lugar em nossa própria sociedade, o que nos conduziria de volta ao problema da guerra e da matança em larga escala. Estas também relacionadas a avanços culturais, como o desenvolvimento das telecomunicações e de poderosos armamentos que, funcionando à longa distância, vetariam ao atacado a possibilidade de enviar sinais apaziguadores diante da fúria de seu oponente.

Com tudo isso, o cérebro, perfeita criação em termos de uma função adaptativa às variações externas, estaria se tornando o seu próprio inimigo, constatação que nos remeteria ao campo da educação. Teria esta o poder de produzir homens não agressivos? Embora sugira que eliminar o que qualifica como uma propensão do ser humano à agressão seria muito difícil, senão impossível, Tinbergen (1978) aposta que um primeiro passo para averiguar esta questão residiria na análise das interações entre padrões inatos e adquiridos de comportamento. Desta forma, valeria a pena considerarmos seriamente o fato do aprendizado não ser indiscriminado, mas guiado por uma certa seletividade por parte do animal, o que, por sua vez, tornaria muito bem vinda uma progressiva interação entre estudos do comportamento e da embriologia experimental.

Além da perspectiva de Tinbergen (1978), outro exemplo da busca por definições para a questão da agressão pode ser encontrado no trabalho de Wilson (1987), que corrobora com as idéias aqui defendidas, reforçando o caráter multifacetário do comportamento agressivo. Nestes termos, defende a idéia de que este último poderia ter diferentes funções - como o acasalamento ou a busca por abrigo ou recursos naturais - conforme a espécie.

Esse autor formula, assim, a proposição de que a agressão seria uma forma particular de técnica competitiva. Para ilustrar suas idéias, fornece ao leitor uma série de casos que demonstrariam a grande diversidade de tal técnica entre diferentes espécies animais (por exemplo, no caso da agressão direta). Conclui, então, sugerindo a inversão de uma norma anteriormente atribuída a Lorenz (1966) e alguns dos seus seguidores. Trata-se daquela que afirma que embora ocorressem “acidentes” fatais durante as disputas intraespecíficas, a agressão jamais teria a morte como finalidade imediata. Para Wilson (1987), ao contrário, a morte via luta intraespecífica seria até mais comum e “normal” entre as múltiplas espécies de vertebrados que entre o próprio homem.

Nesta mesma linha de raciocínio, tece duas outras observações importantes e contundentes. Primeiro, diferentemente do senso comum, considera que o homem não seria o único animal “perverso” o suficiente para matar pelo simples prazer de fazê-lo. Isso porque observações de campo apontariam para o fato de que leões e hienas também agiriam da mesma forma. Segundo, em consonância com o que foi exposto acima, sustenta não haver nem uma regra de conduta em termos de comportamento competitivo e predador e nem um instinto agressivo de caráter universal. Ambos pela mesma razão: seriam totalmente oportunistas. Seus esquemas de comportamento não se conformariam a nenhuma restrição inata e geral, sendo guiados, como todos os outros traços biológicos, unicamente por aquilo que se apresentasse como mais vantajoso em um período de tempo suficiente para permitir a intervenção evolutiva.

Então, ao discutir os limites da agressão, Wilson (1987) se pergunta a razão de os animais preferirem o pacifismo e a agressão ritualizada ao embate propriamente dito. Para ele, a resposta residiria no fato de existir para cada espécie um nível ótimo de agressividade em função de detalhes como ciclo de vida e preferências alimentares, nível esse que controlaria as atitudes individuais. Com efeito, as particularidades ambientais de espécies diferentes estariam ligadas de maneira direta às formas e intensidade do comportamento agressivo que as caracteriza.

Em seguida, ao debater as causas da agressão, ele considera que tal comportamento não evoluiria em um processo biológico contínuo, mas de acordo com contingências. Afinal, tratar-se-ia de um conjunto de respostas complexas e relativas ao sistema endócrino e nervoso dos animais, programadas para serem acionadas em períodos de estresse. Para o mesmo Wilson, a agressão seria genética na medida em que seus componentes estariam limitados por um alto grau de herança, sendo também submetidos à evolução. Mais ainda, na medida em que as respostas de agressão e submissão seriam estereotipadas e previsíveis na presença de estímulos específicos. Assim, o significado adaptativo da agressão (para o autor, a sua causa última) residiria nas pressões ambientais que guiariam a seleção natural na sua variabilidade genotípica. Com isso, estas deveriam ser levadas em conta a cada descoberta de comportamentos de agressão ou submissão em cada forma de interação social.

Wilson (1987) passa, então, a enfatizar as causas da variabilidade também da agressão, que, para si, residiriam em fatores externos (ambientais) e também internos (de caráter aprendido ou endócrino). Quanto aos primeiros, envolveriam encontros no seio do grupo (particularmente com a intromissão de estrangeiros), questões de subsistência alimentar, superpopulação (o que significaria encontros mais frequentes), bem como mudanças periódicas, como aquelas evidenciadas nas épocas de acasalamento – bastante propícias, sugere Wilson, ao aumento do comportamento agressivo. Já os segundos incluiriam experiências prévias e particulares de cada animal. Neste sentido, uma maior ou menor exposição a contatos sociais ao longo da vida, além da qualidade dos resultados de embates anteriores (proporção entre vitórias e derrotas), agiria como fator importante no disparo de respostas agressivas ulteriores.

Como vimos há pouco, porém, para Wilson (1987) também o sistema endócrino agiria como um instrumento fundamental no ajustamento da agressão entre os vertebrados, influenciando sua disponibilidade ao combate e a qualidade e velocidade das respostas comportamentais a situações estressantes. Neste sentido, os androgênios (em particular a testosterona) são apontados pelo autor como a classe de hormônios mais diretamente associada à agressão. Contudo, também a progesterona deteria papel importante neste processo, tanto pelo seu potencial em diminuir as respostas agressivas dos machos quanto, no caso das fêmeas, pela regulação que promove entre a diminuição do potencial agressivo em períodos de disponibilidade ao acasalamento e o seu aumento quando da necessidade de defesa da prole.

A título de conclusão, Wilson (1987) retoma a discussão sobre o comportamento agressivo no ser humano. Neste sentido, defende o autor, não importaria tanto o caráter mais ou menos aprendido da agressão, uma vez que, em última análise, mesmo o aprendizado de padrões comportamentais estaria em função de um controle genético, por sua vez submetido à evolução via seleção natural. É desta maneira que ele qualifica os primeiros como respostas adaptativas e programadas visando o aumento nas taxas de sobrevivência e o sucesso reprodutivo - mesmo na nossa espécie -, ainda que assumam formas estranhas em condições anormais de subsistência ditadas, por exemplo, pela superpopulação.

Em continuidade com tal linha de raciocínio é que advém a recomendação de Wilson (1987) de que se quisermos manter reduzido o nosso comportamento agressivo, deveríamos necessariamente conservar nossa densidade demográfica, bem como nossos sistemas sociais, de uma maneira tal que não passem a disparar respostas agressivas na maioria das circunstâncias de interação ditadas pela vida cotidiana. Isso posto, passemos agora a uma análise da agressão que, de maneira complementar, comporte também a sua dimensão sócio-cultural.

Por uma Antropologia da Agressão

Sem necessariamente deixar de reconhecer a dimensão também biológica da agressão, a Antropologia propõe uma equação do problema orientada para o seu caráter de resposta a padrões culturais específicos que, por seu turno, obedecem a diferentes necessidades e visões de mundo. Neste sentido, a análise de um trabalho como o de Montagu (1968) se torna muito bem vinda pela sua crítica ao que qualifica como o reforço da Ciência à noção de que haveria uma natureza agressiva no ser humano. Ao contrário, enfatiza ele que, em termos inatos, haveria sim menos violência e mais cooperação em nossa espécie3 3 Também um trabalho como o de Leakey (1982) corrobora com tal afirmação ao propor a espécie humana como eminentemente cooperativa. Desta forma, no que se refere aos aspectos específicos da nossa conduta (como a agressividade), confere uma ênfase bem maior à relação entre aprendizado e meio ambiente do que a um eventual papel desempenhado pelos genes. Portanto, nem a guerra e nem tampouco a paz deteriam um caráter inato, mas seriam, sim, determinadas por formações e interesses culturais. . Com isso, o homem primitivo caçaria não por simples prazer instintivo, mas por uma questão de sobrevivência.

Também ligada à suposta natureza agressiva do homem, uma segunda hipótese igualmente combatida por Montagu (1968) diz respeito a uma territorialidade inata no Homo sapiens. Para desconstruir tal argumento, este autor busca ocorrências na própria natureza, as quais atestariam o fato de que a territorialidade não seria tão importante para os mamíferos quanto para outras espécies, como a dos pássaros, por exemplo. Desta forma, aposta o mesmo, a qualidade última do ser humano seria precisamente a ausência de qualquer espécie de instintos absolutamente pré-determinados, sendo o seu comportamento algo bem mais relativo ao aprendizado cultural.

Ainda segundo Montagu (1968), esta nova liturgia da agressão inata não pretenderia servir para justificar o comportamento agressivo, mas para tentar exercer algum controle sobre ele. Isso por não haver a menor evidência de que supostos comportamentos instintivos filogeneticamente adaptados de outros animais (no caso, os agressivos) fossem relevantes para a discussão sobre a qualidade da conduta humana. Mais ainda, acrescenta o antropólogo inglês, tais proposições evidenciariam um parco entendimento acerca do caráter único da evolução humana e, ao mesmo tempo, uma maneira de forçosamente encaixar fatos em uma teoria prévia.

No caso particular da agressão, esse autor aponta como pesquisas de campo conduzidas junto a primatas demonstrariam não o seu caráter irascível, mas sim amigável, não havendo, portanto, razão para supor que um eventual ancestral humano agisse de forma diferente. Nestes termos, qualquer afirmação contrária careceria de evidências científicas concretas, negligenciando, inclusive, o fato de que boa parte do comportamento agressivo responderia à frustração, sendo, então, bastante situacional e orientado pela experiência e pelo aprendizado.

É desta maneira que, diante de tal polêmica acerca de uma eventual “natureza humana”, Montagu (1968) reafirma a sua opinião de que a única condição inata do homem seria a de aprendiz em uma relação de feedback recíproco entre o desenvolvimento do cérebro e aquele próprio às manifestações culturais. Em tal contexto, comportamentos instintivos perderiam completamente a sua razão de ser, pois, dentro dos limites impostos pela sua carga genética, o homem nada mais seria do que aquilo que aprende a ser.

Então, ao se encaminhar para o final do seu trabalho, Montagu (1968) inclui a proposta de uma agressividade inata como mais um dos mitos do porte de um “pecado original”. Qual a razão da sua tentadora aceitação? O seu caráter projetivo, ao eleger a natureza como “culpada” pelas desordens sociais e problemas ecológicos resultantes de um processo de industrialização predatório, que instiga a dominação do meio ambiente como forma de atingir produtividade e lucro a qualquer preço.

Dado o valor da sua obra no escopo do pensamento antropológico contemporâneo, outra companhia que se torna muito bem vinda neste nosso percurso teórico pela dimensão cultural da agressão é a de Clastres (1980). Ao debater o tema da guerra entre grupos indígenas, este autor nos aponta um quadro – pintado, segundo ele, pela literatura etnográfica contemporânea -, onde a violência seria temida e evitada pelas sociedades ditas “primitivas”

Estaria tal discurso expondo a verdade dos fatos? Para Clastres (1980), seguramente não. Assim, caberia perguntar ainda: por que o silêncio etnográfico em relação aos conflitos armados, quando os primeiros europeus que aqui chegaram descreviam os “selvagens” como bastante belicosos? Uma das respostas possíveis a estas indagações residiria na própria destruição dos aborígines por via do contato com o imperialismo das sociedades brancas supostamente “civilizadas”. Como, então, no meio de um processo de total desmembramento, exibir um espetáculo de vitalidade guerreira? Segundo Clastres, porém, não haveria somente esta razão. Isso porque esta suposta ausência da guerra significaria ainda uma falta de liberdade que submeteria os povos indígenas a um pacifismo forçado.

É com base nestes argumentos que ele passa a uma desconstrução do que qualifica como três dos mais populares discursos acerca da guerra. Primeiro, o naturalista, que identificaria a violência como um dado intrínseco à espécie humana, associando-a ainda a uma subsistência ditada pela predação. Ou seja, tomaria a atividade guerreira como uma variante da caça. Aqui a ressalva de Clastres aparece, antes de mais nada, pela consideração de que a sociedade humana não se organizaria em termos zoológicos, mas sim sociológicos. Ainda segundo esse autor, outra diferença importante residiria no fato de que a atividade caçadora não apresentaria em si mesma a agressividade que caracterizaria em muito as lutas tribais. Assim, biologizar a guerra seria esvaziá-la da sua dimensão universalmente sócio-cultural.

Em segundo lugar, avança Clastres (1980), teríamos o discurso econômico- marxista, que, ao caracterizar as forças produtivas “primitivas” como miseráveis, inseriria aí o fenômeno da guerra como luta voltada para a obtenção de recursos visando a sobrevivência alimentar. Para ele, porém, tal explicação deteria contra si o forte argumento de que a economia “selvagem” garantiria sim uma satisfação bastante razoável das necessidades básicas de seus membros. A violência, portanto, não se articularia com a miséria.

Finalmente, chegamos ao discurso cambista, base da teoria sociológica de Lévi-Strauss (1943, 1949/1967), no qual, de acordo com a leitura feita por Clastres (1980), a atividade guerreira e as relações comerciais estariam necessariamente relacionadas. De que forma? Pela aposta em que as relações estabelecidas pelas diferentes comunidades indígenas deteriam um caráter prioritariamente comercial, aparecendo os ataques mútuos em segundo plano e na qualidade de respostas ao eventual fracasso daquelas transações. Conforme Clastres, porém, tal teoria destituiria a guerra de qualquer positividade uma vez que aqui esta não expressaria a substância da sociedade primitiva, mas tão somente a sua não realização enquanto ser para a troca. Com isso, chegar-se-ia quase a uma dissolução do fenômeno guerreiro, o qual, uma vez situado em função do câmbio, perderia toda a sua dimensão institucional4 4 Em outros termos, para Clastres (1980), o erro de Lévi-Strauss (1943, 1949/1967) estaria em localizar as duas situações - a da troca e a da guerra - em um mesmo plano sociológico, eliminando ou deformando a função da atividade guerreira nos grupos primitivos. .

A partir de tais ressalvas, Clastres (1980) expõe a sua própria concepção da guerra “primitiva” como meio para um fim político: o constante desmembramento de sociedades que, na sua essência e vontade sociológica, estariam associadas à fragmentação. Para chegar a tal conclusão, o autor adota como ponto de partida a noção de que a unidade de tais comunidades se daria na sua inscrição espacial imediata em um determinado habitat. Nesta perspectiva, temos o território não só como lugar de reserva de recursos (questão de economia), mas também – e principalmente – enquanto local destinado ao exercício de direitos comunitários com a consequente exclusão de estranhos.

Para Clastres (1980), a afirmação frente à outra comunidade se daria, então, em termos eminentemente políticos. Este postulado lhe permite sustentar, em seguida, que a sociedade “primitiva” se apresentaria, simultaneamente, como uma totalidade (conjunto autônomo e permanentemente disposto a preservar a sua completude) e também como uma unidade (homogeneidade baseada na recusa à divisão social, desigualdade e alienação).

Mais adiante, porém, esse autor chama a nossa atenção para a ressalva de que o fato da comunidade “primitiva” poder se considerar uma totalidade ao se instituir enquanto unidade não nos autorizaria a concebê-la como pura inércia. Ao contrário, tal sistema se organizaria na qualidade de perpétuo movimento, abrindo-se, inclusive, sobre outros grupos. Daí a constante tensão que o caracterizaria. A lógica dos “selvagens”, portanto, residiria na diferença, e não na identidade. Eis o porquê da recusa a uma hipótese como a cambista (troca generalizada) para se pensar a guerra entre aqueles povos5 5 Trata-se, enfim, de uma questão mesmo de autonomia, mantida pelo necessário estabelecimento da distância em relação ao outro, estrangeiro, inimigo e, importante, testemunha de que a violência guerreira estaria antecipadamente inscrita de maneira ontológica na sociedade aborígine. Esta, por sua vez, não suportando nem a amizade e nem tampouco a guerra generalizadas. No primeiro caso, pela perda da sua autonomia. No segundo, da sua unidade, dois princípios básicos que, como aposta Clastres (1980), estariam no âmago do seu ser social. .

Nos termos de Clastres (1980), vale lembrar, a troca e a guerra teriam lugar em planos distintos. Assim, a resposta para a indagação sobre as razões de se ter aliados residiria na seguinte constatação: porque se tem inimigos. Ou seja, a atividade guerreira, na qualidade de instituição, determinaria a aliança (e, por derivação, a troca) enquanto tática de defesa. Desta forma, retomando a crítica que tece a Lévi-Strauss (1943, 1949/1967), o qual teria confundido um meio com um fim ao postular a troca como ideal último das sociedades ditas primitivas, Clastres sustenta que semelhante discurso, a despeito da sua brilhante coerência, ignoraria o fato de que, ao contrário de alargar o contexto de trocas, as sociedades primitivas preferencialmente o reduziriam. Aí entraria a importância da violência enquanto meio que, embora mais arriscado, seria também mais vantajoso para a obtenção de um maior saldo de recursos junto a outros povos. Portanto, em uma escala “selvagem” de prioridades, não seria a troca a surgir em primeiro lugar, mas a guerra.

Neste mesmo sentido, ainda segundo Clastres (1980) o problema essencial das sociedades primitivas não seria o “com quem iremos trocar”, mas sim o “como iremos manter, da melhor forma possível, a nossa independência”. Em um contexto como esse, a troca apareceria sim como uma espécie de mal necessário visando a garantia de aliados que, perpetuando um círculo originalmente violento, funcionariam como fiadores para novos assaltos a povos inimigos também eventualmente poderosos.

Com efeito, vale dizer que, na acepção de Clastres (1980), o princípio verdadeiramente estrutural e permanente das sociedades “selvagens” seria o estado de guerra enquanto tensão visando a sua autonomia, e não verdadeiras batalhas campais em si mesmas. Em outros termos, a luta aparece aqui como uma política exterior e preocupada em assegurar o próprio conservadorismo intransigente destes povos – a sua essência indivisa -, onde a capacidade guerreira adquiriria ares de condição sine qua non para a liberdade. Mais ainda, uma garantia da sua própria vivacidade enquanto grupos regidos por uma postura centrífuga. Daí sua conclusão, segundo a qual tais sociedades, em sua violenta recusa à submissão, seriam também “sociedades contra o Estado”. Este último na qualidade de morte do “primitivo” por via de um princípio homogêneo e que englobaria todas as diferenças, substituindo, assim, a lógica da multiplicidade pela da unificação e o movimento pela inércia.

Antes de passarmos ao nosso próximo tópico, torna-se interessante para os nossos propósitos mencionar as contribuições de dois outros trabalhos que, voltados para uma análise histórica, também guardam certa relação com o artigo de Clastres (1980) enfatizado anteriormente, ao debaterem as diferentes manifestações e concepções da agressão orientadas pela cultura. Um primeiro exemplo é o de Hobsbawm (1978) em seus estudos sobre movimentos sociais nos séculos XIX e XX. Aqui, ao examinar detalhadamente figuras como a do “bandido social” – cujo maior exemplo provavelmente ainda seja Robin Hood -, este historiador nos mostra o quanto as violentas ações de pilhagem perpetradas por personagens como esse eram em muitos casos consideradas criminosas não pelas convenções camponesas e locais, mas pelo Estado centralizador.

Em outras palavras, algo como um contraponto entre a “nossa” lei e a lei “deles”. Afinal, poder-se-ia pensar, como o faz Hobsbawm (1978), que ambos - o bandido e a comunidade camponesa - lutavam, ao menos de certa maneira, contra os mesmos inimigos: a desigualdade social ocasionada pelos abusos de poder dos seus governantes. O banditismo da época, porém, ainda que servisse como um paliativo aos anseios igualitários dos camponeses, impondo certo limite à opressão, permaneceria como fenômeno rural e que careceria de uma organização política solidamente estabelecida (daí não poder ser considerado verdadeiramente “revolucionário”). Assim, estaria fadado a desaparecer juntamente com a ideologia que lhe dava suporte. De qualquer forma, interessa-nos aqui chamar atenção para esta mostra de uma legitimação da agressão em sociedades com concepções paralelas de justiça, orientadas por uma ideologia rural ou pré-capitalista (Franco, 1997)6 6 Ainda que o trabalho de Hobsbawm (1978) seja passível de ressalvas por separar em demasia o “arcaico” do “moderno”. Neste sentido, cabe lembrar que movimentos messiânicos, embora embasados em princípios que poderiam ser considerados antiquados pela razão instrumental, são constantemente reelaborados e continuam a ocorrer no seio da contemporaneidade tecnocrata. .

Um outro bom indício de que momentos históricos e contextos culturais específicos orientam diferentes olhares e relativizam o tema da agressão é fornecido por Vigarello (1998), o qual nos mostra o quanto a história do estupro é também a história da (in)sensibilidade a este ato brutal. Com isso, a diversidade de causas para se apreciar este crime no ancien régime - como a tolerância difusa orientada pela desigualdade social, a maior atenção ao ato como ferida moral do que como violência física, bem como o preconceito contra o agredido -, contribuía para o paradoxo na avaliação de uma violência, que, embora condenada pela legislação da época, efetivamente era punida com pouca severidade.

Após este percurso teórico, convido o leitor a uma espécie de exercício etnográfico. Neste sentido, como sugerido anteriormente, descreveremos o enredo do filme de Sam Peckimpah ao mesmo tempo em que, pincelando algumas das suas cenas, tentaremos efetuar um diálogo produtivo entre a teoria e, digamos assim, a “vida real” (ainda que representada aqui pela magia do cinema).

Uma Etnografia da Violência: Territorialidade e Agressão em “Sob o Domínio do Medo”7 7 Straw Dogs (1971), filme dirigido por Sam Peckinpah e adaptado do romance The Siege of Trencher’s Farm, de Gordon Williams. Para mais informações, consultar, por exemplo: http://hometheaterinfo.com/straw.htm ou http://en.wikipedia.org/wiki/Straw_Dogs.

O filme tem início com o matemático norte-americano David Sumner (Dustin Hoffman) e sua esposa Amy (Susan George) chegando de automóvel para passar uma temporada em Wakley, cidade natal de Amy, situada no interior da Inglaterra. Assim, naquela aparente quietude rural, onde, inclusive, alugariam uma fazenda em reformas, David poderia melhor se dedicar às suas pesquisas acadêmicas.

Logo nas primeiras cenas, os personagens começam a se delinear, com Amy, ainda que supostamente uma respeitosa mulher casada, sendo mostrada usando uma blusa sem sutiã. Tal dubiedade – que, neste caso, talvez pudesse ser tomada como um conflito cultural entre a liberalidade dos grandes centros urbanos em contraste com o conservadorismo camponês -, viria por caracterizá-la ao longo de todo o filme, como veremos adiante.

Também no início do enredo é possível notar um outro aspecto que acabaria por se tornar o seu emblema último: a territorialidade expressa, por exemplo, no olhar diferente e inquisidor dirigido ao estrangeiro quando David entra no pequeno Pub da cidade para comprar cigarros. Imediatamente, Tom Hedden, um velho rufião do lugar, nota as roupas e sapatos daquele, bem como o fato de David – até de certa forma ostensivamente –, solicitar “qualquer cigarro do tipo americano”.

Ainda no bar, o velho Tom, já embriagado, quebra copos e fere a mão do atendente até ser confrontado pela autoridade legal de um policial (o “major” Scott) que lá estava sentado. Este conflito com a autoridade é continuado com a seguinte frase de Tom: “Sou o que sou”, algo que soa como: minha natureza bruta é assim e não se submeterá às leis impostas pela cultura e pelo convívio social. Ao se desculpar, ainda fanfarrão, Tom diz que pagará todo o prejuízo, até mesmo pelos “cigarros americanos”, em uma clara provocação ao estranho, o qual, situado em um canto, somente observava a cena.

De volta às externas, torna-se interessante destacar também um diálogo que se segue quando, avistando Henry Niles (um sujeito local com aparente distúrbio mental e natureza regredida) brincando com algumas crianças, Amy, em conversa com Charlie (outro nativo), afirma pensar que já o teriam trancafiado. Ao que Charlie responde: “Não, aqui sabemos cuidar de nós mesmos”. Ou seja, temos aí uma referência ao que parece ser o caráter hermético e isolado do lugar, regido por regras próprias não necessariamente instrumentalizadas.

No retorno de David e Amy para a fazenda que haviam alugado, há uma outra expressão do preconceito ante o estranho. Ela ocorre quando David é insistentemente perguntado por alguns trabalhadores locais acerca da violência na América e suas variadas expressões, como “bombas”, “esfaqueamentos” e “negros baleados”. Vale enfatizar aqui a posição de David enquanto estrangeiro (americano) e, ainda por cima, em uma condição socialmente superior de “patrão”, o que, inclusive, parece conduzir seus empregados a pensamentos sabotadores como os de roubo e cobiça da mulher do “forasteiro”.

A partir daí temos cenas do casal no interior de sua casa, onde este mesmo conflito de mentalidades (“racional” versus “local”) aparece nos desentendimentos entre Amy e David, com a esposa buscando direcionar a atenção do marido para si mesma, retirando-o da postura racional e acadêmica que em geral o caracteriza. Paralelamente, desenvolve-se a reforma do lugar e nesta um outro exemplo do dualismo de Amy, o qual aparece na sua relação com os ajudantes contratados por David (na verdade, antigos conhecidos de infância daquela). É como se ela, agora vinda da América, quisesse mostrar aos “caipiras” ignorantes a sua nova condição de mulher mais requintada, mais rica e casada com um intelectual.

Na relação de Amy com seus antigos colegas há também desleixe e provocação quando, em uma cena próxima à janela – ainda que no interior da casa -, ela, com os seios expostos e sabendo que estava sendo observada pelos rapazes que trabalhavam no conserto do telhado, deixa propositalmente de fechar as cortinas do banheiro e, ao ver-se observada, encara de volta. Isso parece ser feito tanto como vingança pelo modo frio e racional de David, quanto pelo seu próprio passado “caipira” e sujeito à modalidade de vida daquela comunidade.

Já na relação de David com os mesmos ajudantes é possível perceber bem a intenção dos realizadores do filme em ressaltar a diferença entre a racionalidade encarnada pelo primeiro, enquanto representante dos grandes centros urbanos em contraste com a pessoalidade do tratamento no interior da Inglaterra. Tal maneira circunscrita e pessoal de conduzir relações (e mesmo a lei) volta a aparecer em seguida, quando, em uma nova cena de bar, o irmão de Niles é ameaçado por Tom e sua turma. Aquele responde que mandaria prender quem desse um passo em falso e o silêncio se fez (destacando-se o conflito entre uma lei particular e outra racionalizada e impessoal, representada pela justiça do Estado).

O espectador é, então, novamente remetido à fazenda alugada pelo casal Sumner. Uma vez lá, expressões de territorialidade e xenofobia são novamente evidenciadas no riso e troça feitos pelos empregados de David ao verem as dificuldades deste último em dirigir um carro inglês com o volante situado do lado direito. Interessante notar a seguinte diferença: ao mesmo tempo em que a turma de Tom Venner despreza e destrata David, o oficial Scott, representando a lei e a sociedade “civilizada”, busca inseri-lo na comunidade - por exemplo, convidando-o para uma reunião social que ocorreria na igreja local.

Segue-se um clima progressivamente tenso que se fortalece com a morte da gata de Amy por enforcamento (encontrada no armário do quarto do casal). Amy chama a atenção de David de que isso teria sido feito por Charlie para provar que poderia entrar no quarto do casal quando bem entendesse. David retruca dizendo não acreditar em tal hipótese. Amy, então, cobra do marido uma atitude mais contundente em relação ao caso e, ao mesmo tempo, propõe-lhe que fossem embora, mas David se recusa a sair. Este, porém, sente o acúmulo de tensão e, ao invés de ser mais severo com os seus empregados, permanece lhes tratando de maneira polida até ser convidado para uma caçada que, na verdade, acabaria por se relevar um pretexto para que, em sua ausência, Amy fosse estuprada8 8 Aqui, mais uma vez, faz-se presente uma conduta dúbia por parte de Amy, que resiste à violência, mas, ao mesmo tempo, acaricia seu agressor (Charlie, um antigo namorado) em alguns momentos. O filme, inclusive, mistura cenas de David e Charlie como flashbacks na mente de Amy como se esta, no fundo, esperasse de seu marido algo daquele comportamento tão “irracional”. Ela até pede a Charlie que a beije, como se precisasse de carinho ou ser amada. A cena só se torna um verdadeiro estupro sem nenhum consentimento quando Amy e Charlie são surpreendidos por Scutt – comparsa de Charlie - que, armado e, em seguida, auxiliado por Charlie, também obtém seu quinhão em termos sexuais. .

As cenas seguintes mostram Amy visivelmente atormentada, abatida e deitada na cama do casal enquanto David chega a casa após se ver abandonado no mato por seus “colegas” de caçada. Amy nada diz a seu marido sobre o estupro. Este, contudo, resolve despedir seus empregados alegando que não os quer mais por ali.

Depois, atendendo ao convite anteriormente feito pelo oficial Scott, os Sumner vão à reunião social realizada na igreja local. Uma vez lá, Amy – visivelmente confusa - tem novamente de confrontar os seus agressores, que, bebendo e festejando entre si, agem como se nada houvesse acontecido. Também estava na festa o idiota Henry Niles, que, provocado por Janice (filha do velho Tom), sai com ela para uma espécie de celeiro onde, sem controlar seus impulsos e força, acidentalmente a mata. Segue-se que Tom e sua turma de arruaceiros dão por falta da pequena e associam seu desaparecimento à figura de Niles, saindo, então, à procura de ambos.

Neste meio tempo, David e Amy voltam para casa dirigindo sob forte neblina e atropelam Niles, que, perturbado, havia invadido a pequena estrada de terra que conduzia à fazenda do casal. Imediatamente David recolhe o corpo ferido de Niles e o leva consigo. Prevendo o que se sucederia, Amy, uma nativa consciente do tipo de lógica que regia a tradição local, diz que não quer aquela figura em sua casa, mas a razão de David insiste para que Niles fique até o socorro chegar. Sem saber a quem chamar, David comete o erro de ligar para o Pub da cidade, onde Tom e seus “hooligans” ficam sabendo do paradeiro de Niles e imediatamente se dirigem à fazenda. Afinal, seria a chance de matar dois coelhos com uma só cajadada: pôr as mãos em Niles e, ao mesmo tempo, barbarizar o odiável estrangeiro que, além de tomar uma das suas mulheres, mobilizava ciúmes por uma condição socioeconômica privilegiada.

O que se segue é uma progressiva escalada de terror para Amy e David, o qual, até então, parecia orgulhoso do brilhantismo lógico das suas idéias, aliado à sua natureza passiva. Logo se tornará evidente que tais qualidades, embora admiráveis no contexto cultural de uma sociedade “civilizada”, não lhe serão de muita valia em uma situação como aquela. Será mesmo? Eis o dilema ético de um homem constantemente balizado pela razão, mas que vê a si mesmo diante de uma situação extrema.

De volta à nossa história, quando os baderneiros embriagados liderados por Tom chegam à fazenda, seguem-se progressivas ameaças a David, que se recusa a entregar seu protegido a uma justiça do tipo “olho por olho, dente por dente”. Além disso, o matemático passa a ter plena consciência do dever de proteger a sua casa como medida última para garantir sua própria vida e também a de Amy. Ou seja, novamente aparece aqui o elemento primordial do filme, que pode ser caracterizado como a relação entre agressão e territorialidade.

Então, para defender seu território e a própria integridade física do casal, David usa dos mais diferentes ardis. Inicialmente, respondendo à algazarra que vem do lado de fora, apela ao diálogo racional, representado por valores humanitários e mesmo pela lei, aqui representada pela força policial. Só que esta, embora se faça presente ao local na figura do oficial Scott, é subitamente tornada impotente pela morte deste último graças a um tiro desferido por Tom.

Desta maneira, em virtude da brutalidade e acirramento dos ânimos de seus oponentes, evidenciado pela quebra de janelas, depredações e tentativas de arrombamento e invasão de território, o que resta ao estrangeiro? Paradoxalmente, utilizar a sua “velha e boa” razão, ainda que, neste caso, associada a medidas friamente calculadas da mais pura violência9 9 Várias frases proferidas por David atestam a sua motivação naqueles momentos dramáticos. Por exemplo: “Eu os manterei longe de casa”, “Querida, sei o que estou fazendo”, ou ainda: “Fui longe demais para poder recuar”. Interessante notar que a racionalidade do matemático é tão grande que, mesmo em momentos de absoluta tensão, leva-o até a acalmar um bastante nervoso Niles, que, embora idiotizado, pressentia o risco daquela situação para a sua própria vida. . Isso é feito de várias maneiras: pelo espancamento da mulher - forçando a sua cooperação -; pela construção de armadilhas que se mostraram bastante eficientes ao ferir ou mesmo exterminar os invasores; pela utilização de táticas de guerrilha para confundir seus adversários (como a música em alto volume); e, finalmente, pelo uso de instrumentos – como uma espingarda ou ainda uma armadilha para lobos -, quando da necessidade de luta corporal.

O resultado mostrado por Peckinpah é o do poder vencedor da razão instrumental sobre uma irracionalidade que beirava o animalesco. De sorte que, um a um, são impiedosamente derrotados todos os adversários de David, que, triunfante e – por que não dizer? –, até certo ponto, sadicamente satisfeito, mantém assim a sua “honra masculina”, intimamente ligada (importante ressaltar) à propriedade.

Considerações Finais

Para além de toda a violência quase surrealista que o compõe, algo que certamente torna Sob o Domínio do Medo um filme tão instigante é a multiplicidade interpretativa que suas cenas e personagens propõem ao espectador. No que se refere ao intuito do presente trabalho, que foi o de demonstrar o caráter amplo e multifacetário do comportamento agressivo, tal multiplicidade se evidencia em vários e complementares aspectos. Por exemplo, na dimensão territorial diretamente ligada ao disparo de respostas agressivas entre os personagens do filme, questão essa amplamente debatida pela Etologia ao analisar as relações entre os animais e seu meio ambiente (Johnson, 1979; Tinbergen, 1978; Wilson, 1987).

Esta mesma agressividade, porém, pode ser analisada sob uma ótica histórico-antropológica que confere um outro significado à violência, relacionando-a à cultura e ao reino do simbólico. Neste sentido, o tipo de justiça pelas próprias mãos praticado pelos habitantes da cidade de Wakley apareceria também como algo amparado pela tradição local e rural daquela população (Franco, 1997; Hobsbawm, 1978).

Tal tradição, é possível supor, ditaria ainda a insensibilidade daqueles sujeitos a um padrão de violência seguramente condenável pela ética das grandes metrópoles contemporâneas, representadas pelas características centralizadoras e impessoais do poder estatal (Clastres, 1980). Ligados a este último aspecto apareceriam também o temperamento e a motivação de David em defender a todo custo o seu território, algo que poderia ser tomado como exemplo típico da cultura norte-americana, baseada em ideais como a individualidade, a propriedade privada, a competição e a razão instrumental (Mead, 1976)10 10 David é um outsider no contexto cultural da terra natal de sua esposa. Porém, sua figura representa a introdução de um elemento racional, controlado e previsível que se sobressai no confronto com a irracionalidade violenta dos “caipiras” locais. Pode-se, então, pensar aqui a presença de um conteúdo claramente ideológico no filme, evidenciado pelo valor concedido à introdução de formas racionais de controle social (ainda que potencialmente repressivas), representadas pela educação e tecnologia (no caso de David) e pelo Estado (no caso do oficial Scott). Enfim, uma instrumentalização da agressão que, assim, não seria boa ou má, mas mais ou menos adaptativa. .

É bem verdade que a cena final do filme fornece margens a uma contestação desta interpretação. Nela, David é mostrado dirigindo seu carro ao lado de Niles e, ao comentário deste último de que não sabia onde era a sua própria casa, o matemático responde: “Nem eu”. Estaria, então, abalada a tão propagada razão de David em virtude de todos os acontecimentos de que fora vítima e algoz? Utilizando uma frase de efeito tão cara ao universo cinematográfico, tais conjecturas ficarão aqui sem uma resposta definida, funcionando, talvez, como leitmotiv para a imaginação de outros leitores-espectadores aos quais deixamos o encargo de ditar as “cenas para próximos capítulos”.

Recebido em: 13/10/2008

Aceito em: 21/05/2009

Maurício Rodrigues de Souza, Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo e Professor Adjunto da Faculdade de Psicologia e da Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Social da Universidade Federal do Pará. Rua Augusto Corrêa, 01 (Núcleo Universitário), CEP: 66075-900, Belém, Pará. Endereço eletrônico: mrsouza@ufpa.br

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  • Wilson, E. G. (1987). Agression. In E. G. Wilson, La sociobiologie (P. Couturiau, trad., pp. 255-274). Paris: LEsprit et la Matičre.
  • 1
    Este artigo é uma versão ligeiramente modificada do trabalho desenvolvido na disciplina
    Agressão: Biologia e Cultura, oferecida pelo Depto. de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e pelo Depto. de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Agradeço ao Prof. Renato Queiroz que ministrou a disciplina ao longo do 2º Semestre de 2003 e aos colegas de sala de aula pelos comentários e sugestões que em muito estimularam as idéias desenvolvidas nas próximas páginas.
  • 2
    Aliás, eis aqui um outro argumento em prol da relativização do comportamento agressivo, pois se levarmos em conta apenas a luta aberta, deixaremos de lado muitas manifestações violentas de certa forma camufladas por rituais, palavras ou outras expressões intimidadoras.
  • 3
    Também um trabalho como o de Leakey (1982) corrobora com tal afirmação ao propor a espécie humana como eminentemente cooperativa. Desta forma, no que se refere aos aspectos específicos da nossa conduta (como a agressividade), confere uma ênfase bem maior à relação entre aprendizado e meio ambiente do que a um eventual papel desempenhado pelos genes. Portanto, nem a guerra e nem tampouco a paz deteriam um caráter inato, mas seriam, sim, determinadas por formações e interesses culturais.
  • 4
    Em outros termos, para Clastres (1980), o erro de Lévi-Strauss (1943, 1949/1967) estaria em localizar as duas situações - a da troca e a da guerra - em um mesmo plano sociológico, eliminando ou deformando a função da atividade guerreira nos grupos primitivos.
  • 5
    Trata-se, enfim, de uma questão mesmo de autonomia, mantida pelo necessário estabelecimento da distância em relação ao outro, estrangeiro, inimigo e, importante, testemunha de que a violência guerreira estaria antecipadamente inscrita de maneira ontológica na sociedade aborígine. Esta, por sua vez, não suportando nem a amizade e nem tampouco a guerra generalizadas. No primeiro caso, pela perda da sua autonomia. No segundo, da sua unidade, dois princípios básicos que, como aposta Clastres (1980), estariam no âmago do seu ser social.
  • 6
    Ainda que o trabalho de Hobsbawm (1978) seja passível de ressalvas por separar em demasia o “arcaico” do “moderno”. Neste sentido, cabe lembrar que movimentos messiânicos, embora embasados em princípios que poderiam ser considerados antiquados pela razão instrumental, são constantemente reelaborados e continuam a ocorrer no seio da contemporaneidade tecnocrata.
  • 7
    Straw Dogs (1971), filme dirigido por Sam Peckinpah e adaptado do romance
    The Siege of Trencher’s Farm, de Gordon Williams. Para mais informações, consultar, por exemplo:
  • 8
    Aqui, mais uma vez, faz-se presente uma conduta dúbia por parte de Amy, que resiste à violência, mas, ao mesmo tempo, acaricia seu agressor (Charlie, um antigo namorado) em alguns momentos. O filme, inclusive, mistura cenas de David e Charlie como
    flashbacks na mente de Amy como se esta, no fundo, esperasse de seu marido algo daquele comportamento tão “irracional”. Ela até pede a Charlie que a beije, como se precisasse de carinho ou ser amada. A cena só se torna um verdadeiro estupro sem nenhum consentimento quando Amy e Charlie são surpreendidos por Scutt – comparsa de Charlie - que, armado e, em seguida, auxiliado por Charlie, também obtém seu quinhão em termos sexuais.
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    Várias frases proferidas por David atestam a sua motivação naqueles momentos dramáticos. Por exemplo: “Eu os manterei longe de casa”, “Querida, sei o que estou fazendo”, ou ainda: “Fui longe demais para poder recuar”. Interessante notar que a racionalidade do matemático é tão grande que, mesmo em momentos de absoluta tensão, leva-o até a acalmar um bastante nervoso Niles, que, embora idiotizado, pressentia o risco daquela situação para a sua própria vida.
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    David é um
    outsider no contexto cultural da terra natal de sua esposa. Porém, sua figura representa a introdução de um elemento racional, controlado e previsível que se sobressai no confronto com a irracionalidade violenta dos “caipiras” locais. Pode-se, então, pensar aqui a presença de um conteúdo claramente ideológico no filme, evidenciado pelo valor concedido à introdução de formas racionais de controle social (ainda que potencialmente repressivas), representadas pela educação e tecnologia (no caso de David) e pelo Estado (no caso do oficial Scott). Enfim, uma instrumentalização da agressão que, assim, não seria boa ou má, mas mais ou menos adaptativa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      13 Out 2008
    • Aceito
      21 Maio 2009
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