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Editorial

EDITORIAL

Não é fácil hoje, na Universidade, dizer sim a mais um convite. Por isso, sou especialmente grata a todos que participam deste número especial da Psicologia USP.

De minha parte, entretanto, foi fácil dizer sim ao convite para editá-lo. Primeiro, porque o via como uma honra (é minha instituição de origem, graduação e pós-graduação), principalmente depois de provocativo texto publicado neste periódico em 2004 na seção Debate. Depois, porque é tema que precisa ainda de muita discussão. E de modo mais amplo do que se tem feito até agora: para além de discordâncias com critérios Capes para avaliação de periódico e da pós-graduação, mas admitindo que avaliar é preciso; mais profundamente, embora focalizando o questionamento do produtivismo exigido hoje; e admitindo que, sozinhos, não saberemos fazê-lo.

Por isso, para discutir Publicação em Psicologia, este número traz autores de outras áreas além da psicologia e oferece ao debate provocações as mais diversas: a lembrança de como a leitura da história pode ajudar numa boa análise; questionando o em geral inquestionável procedimento que é a avaliação por pares; uma convocação ao estudo da difusão como relações que se processam entre uma classe comportamental associada à citação do artigo e os meios sociais que estimulam essa classe verbalmente; dois convites à discussão que, na psicologia (mas não só) se impõe: avaliação da disseminação do conhecimento científico por outros meios que não os periódicos; um alerta para os equívocos que editor e autor podem cometer se a publicação não mais atende à disseminação de conhecimento novo. Para completar, traz também relatos de experiências - de um editor científico e de um bibliotecário, que generosamente põem à disposição suas histórias de aprendizagem no trabalho de difusão; e, em Debate, a análise especial de um editor incansável na defesa da ciência brasileira, além de uma bem-humorada comparação entre o tamanduá e a ciência produzida pelos brasileiros, consequência das distorções a que nos levaram às recentes propostas de classificação de programas de pós-graduação.

Em 2010, por ocasião da Bienal do Livro em São Paulo, alguém disse, num blog:1 1 Lido no blog de Carlos Nepomuceno: Nepôsts. Rascunhos compartilhados, em 16 de agosto de 2010. "Existe algo + s/ sentido do q 'Bienal do livro'? Ñ seria 'Bienal das ideias presas nos livros'. Protesto: 'Libertem as ideias!'"

O que se discutiu, a partir dessa provocação? De um lado, alguns tentavam "explicar" a existência e o fetiche do livro: já significou libertação, é um condutor de ideias... De outro, os que se voltam contra ele por razões aparentemente variadas, mas desembocando, afinal, em não mais que duas frentes: a que defende o acesso livre ao conhecimento (sem intermediários) e a que simplesmente resume: o tempo dele passou, é um suporte ultrapassado.

Como se situam pesquisadores científicos num embate como esse?

Em seu compromisso com a produção, o registro e a difusão do conhecimento científico, muitos papéis se sobrepõem: o de autor de diferentes tipos textuais (relato de pesquisa, ensaio, ponto de vista, relato de experiência, artigo de revisão, resenha, memória) e o de parecerista, conselheiro editorial e editor. Mesmo o autor termina por ter dois papéis; e, embora muito diferente do papel do jornalista científico, o fato é que, autor de sua própria pesquisa, fica agora submetido aos ritos impostos pela publicação - tipo de texto, formato e número de páginas, para começar.

No entanto, que periódicos científicos são componente essencial da comunicação acadêmica é ainda consenso na sociedade em geral, e não só na comunidade científica. Embora outros meios se apresentem hoje para registro e difusão de conhecimento (bases de dados, arquivos abertos...), o fato é que não chegam a abalar o prestígio do periódico (impresso ou eletrônico). O que mantém o pesquisador não só autor de textos para periódicos científicos, mas também intermediário entre autor da pesquisa e leitor.

Mas, diferente do que possa acontecer na publicação em geral - discussão provocada por nosso "blogueiro" -, a área acadêmica respeita ainda a hierarquia do conhecer sobre o não conhecer. Nosso problema não está ainda, parece,2 2 Entretanto, vale à pena conferir análise de Dowbor, L. (2009, 17 de novembro). Da propriedade intelectual à economia do conhecimento. Disponível em http://dowbor.org/09propriedadeintelectual7out.doc em ser intermediários. Embora fruto da mesma globalização, nosso problema está mais na disputa por controle de mercado - de artigos (pelos editores), de periódicos (pelos autores) e de dados bibliométricos (pelos indexadores).

Em que pese à ciência desenvolver-se de modo análogo ao observado nos demais campos sociais (a partir de conflitos, crises, revoluções), a atividade científica é uma atividade cultural específica, seja no que diz respeito a aspectos de produção do conhecimento, seja relativamente à circulação social desse conhecimento - pelo ensino, aplicação e divulgação. Essa compreensão implica, por sua vez, compromisso social e ético que a publicação científica deve assumir. Como assumi-lo, e nestes já nem tão novos tempos, é o nosso problema.

Que este número especial da Psicologia USP possa ajudar no encaminhamento dessa discussão.

Maria do Carmo Guedes

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    Lido no blog de Carlos Nepomuceno:
    Nepôsts. Rascunhos compartilhados, em 16 de agosto de 2010.
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    Entretanto, vale à pena conferir análise de Dowbor, L. (2009, 17 de novembro). Da propriedade intelectual à economia do conhecimento. Disponível em
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
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