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A captura da subjetividade pela violência simbólica da indústria cultural: da submissão à culpabilidade dos indivíduos

La captura de la subjetividad por la violencia simbólica de la industria cultural: de lo sometimiento a la culpabilidad de los individuos

The appropriation of subjectivity by the symbolic violence of the cultural industry: submission to the culpability of individuals

La capture de la subjectivité par la violence symbolique de l’industrie culturelle: la soumission à la culpabilité des individus

Resumos

Neste artigo adentramos a profundidade do conceito de indústria cultural, cunhado por Horkheimer e Adorno (1985), para atravessar suas imbricações com as fantasias inconscientes, em especial as de natureza destrutiva. A violência simbólica da indústria cultural, quando internalizada pelos indivíduos, veicula os modelos identificatórios exigidos pela sociedade de consumo para universalizar a lógica da mercadoria entre todos eles. Essa perversão nos processos de constituição das subjetividades conduz às suas estandardizações nos moldes que Theodor Adorno identifica como de pseudoindivíduos, atados simbioticamente uns aos outros. Existe uma similaridade entre esses conceitos adornianos e o de “sentimento inconsciente de culpabilidade” de Freud, em que esse autor identifica processos de autopunição subjetiva quando, sob a “mais-repressão social”, os indivíduos estão proibidos de reagir. O sadomasoquismo sustenta a cumplicidade dos indivíduos com esse status quo opressor, orquestrado pelo engano das ideologias difundidas pela indústria cultural. Será possível que esses indivíduos venham a assumir as suas criticidades para tornarem-se construtores da cultura?

Indústria cultural; Mercadoria; Modelos identificatórios; Violência simbólica; Sadomasoquismo


En este artículo adentramos a la profundidad del concepto de industria cultural, acuñado por Horkheimer y Adorno (1985), para atravesar sus imbricaciones con las fantasías inconscientes, en especial las de naturaleza destructiva. La violencia simbólica de la industria cultural, cuando interiorizada por los individuos, lleva los modelos identificativos exigidos por la sociedad de consumo para universalizar la lógica de la mercadería entre todos ellos. Esa perversión en los procesos de constitución de las subjetividades conduce a sus estandarizaciones en los moldes que Theodor Adorno identifica como de pseudo-individuos, atados simbióticamente unos a los otros. Existe una similitud entre esos conceptos adornianos y el de “sentimiento inconsciente de culpabilidad” de Freud, en que ese autor identifica procesos de auto-punición subjetiva cuando, bajo la “más-represión social”, los individuos están prohibidos de reaccionar. El sadomasoquismo defiende la complicidad de los individuos con ese status quo opresor, orquestado por el engaño de las ideologías difundidas por la industria cultural. ¿Será posible que esos individuos vengan a asumir sus criticidades para que se tornen constructores de la cultura?

Industria cultural; Mercadería; Modelos identificatorios; Violencia simbólica; Sadomasoquismo


This current research deepens the concept of cultural industry, coined by Horkheimer and Adorno (1985), so that its overlapping with unconscious fantasies, especially destructive one, may be understood. When subjects internalize the symbolic violence of cultural industry, they transfer the identification models required by consumption society and universalize the object logic among all. The perversion in the subjectivities’ constitution processes leads towards the standardization of models which Adorno identifies as pseudo-individual symbiotically linked to one another. A similarity exists between these concepts by Adorno and Freud’s “unconscious feeling of guilt” in which the latter identifies processes of subjective self-punishment when subjects are impaired to react due to “social repression”. Sadomasochism sustains the subjects’ complicity with such an oppressing status quo, orchestrated by the mistake of ideologies diffused by the cultural industry. Is it possible that these subjects appropriate their critical possibilities to become culture-builders?

Cultural industry; Consumer objects; Identification models; Symbolic violence; Sadomasochism


Dans cet article nous nous sommes enfoncées dans le concept de l’industrie culturelle, battu par Horkheimer e Adorno (1985), pour traverser ses imbrications avec les fantaisies inconscientes, notamment celles de nature destructive. La violence symbolique de l’industrie culturelle, quand internalizée par les individus, véhicule les modèles identificatoires exigés par la société de consommation pour universalizer parmis ceux-là, la logique de la marchandise. Cette perversion dans les processus de constitution des subjectivités, emmène vers ses standardisations dans des modèles identifiés par Theodor Adorno comme des pseudo-individus attachés symbiotiquement les uns aux autres. Il existe une similarité entre ces concepts adorniens et celui de « sentiment inconscient de culpabilité » de Freud où il identifie des processus d’auto-punition subjective quand les individus sont interdits de réagir sous une forte représsion sociale. Le sadomasochisme soutien la cumplicité des individus avex ce status-quo oppresseur, orchestré par la trompérie des idéologies difusées par l’industrie culturele. Sera-t-il possible que ces individus assumissent ses esprits critiques pour devenir bâttisseurs de la culture?

Industrie culturele; Marchandise; Modèles identificatoires; Violence symbolique; Sadomasochisme


ARTIGO ORIGINAL

A captura da subjetividade pela violência simbólica da indústria cultural: da submissão à culpabilidade dos indivíduos

The appropriation of subjectivity by the symbolic violence of the cultural industry: submission to the culpability of individuals

La capture de la subjectivité par la violence symbolique de l’industrie culturelle: la soumission à la culpabilité des individus

La captura de la subjetividad por la violencia simbólica de la industria cultural: de lo sometimiento a la culpabilidad de los individuos

Angela Caniato; Claudia Cotrim Cesnik; Samara Megume Rodrigues

Universidade Estadual de Maringá

RESUMO

Neste artigo adentramos a profundidade do conceito de indústria cultural, cunhado por Horkheimer e Adorno (1985), para atravessar suas imbricações com as fantasias inconscientes, em especial as de natureza destrutiva. A violência simbólica da indústria cultural, quando internalizada pelos indivíduos, veicula os modelos identificatórios exigidos pela sociedade de consumo para universalizar a lógica da mercadoria entre todos eles. Essa perversão nos processos de constituição das subjetividades conduz às suas estandardizações nos moldes que Theodor Adorno identifica como de pseudoindivíduos, atados simbioticamente uns aos outros. Existe uma similaridade entre esses conceitos adornianos e o de “sentimento inconsciente de culpabilidade” de Freud, em que esse autor identifica processos de autopunição subjetiva quando, sob a “mais-repressão social”, os indivíduos estão proibidos de reagir. O sadomasoquismo sustenta a cumplicidade dos indivíduos com esse status quo opressor, orquestrado pelo engano das ideologias difundidas pela indústria cultural. Será possível que esses indivíduos venham a assumir as suas criticidades para tornarem-se construtores da cultura?

Palavras-chave: Indústria cultural. Mercadoria. Modelos identificatórios. Violência simbólica. Sadomasoquismo.

ABSTRACT

This current research deepens the concept of cultural industry, coined by Horkheimer and Adorno (1985), so that its overlapping with unconscious fantasies, especially destructive one, may be understood. When subjects internalize the symbolic violence of cultural industry, they transfer the identification models required by consumption society and universalize the object logic among all. The perversion in the subjectivities’ constitution processes leads towards the standardization of models which Adorno identifies as pseudo-individual symbiotically linked to one another. A similarity exists between these concepts by Adorno and Freud’s “unconscious feeling of guilt” in which the latter identifies processes of subjective self-punishment when subjects are impaired to react due to “social repression”. Sadomasochism sustains the subjects’ complicity with such an oppressing status quo, orchestrated by the mistake of ideologies diffused by the cultural industry. Is it possible that these subjects appropriate their critical possibilities to become culture-builders?

Keywords: Cultural industry. Consumer objects. Identification models. Symbolic violence. Sadomasochism.

RÉSUMÉ

Dans cet article nous nous sommes enfoncées dans le concept de l’industrie culturelle, battu par Horkheimer e Adorno (1985), pour traverser ses imbrications avec les fantaisies inconscientes, notamment celles de nature destructive. La violence symbolique de l’industrie culturelle, quand internalizée par les individus, véhicule les modèles identificatoires exigés par la société de consommation pour universalizer parmis ceux-là, la logique de la marchandise. Cette perversion dans les processus de constitution des subjectivités, emmène vers ses standardisations dans des modèles identifiés par Theodor Adorno comme des pseudo-individus attachés symbiotiquement les uns aux autres. Il existe une similarité entre ces concepts adorniens et celui de « sentiment inconscient de culpabilité » de Freud où il identifie des processus d’auto-punition subjective quand les individus sont interdits de réagir sous une forte représsion sociale. Le sadomasochisme soutien la cumplicité des individus avex ce status-quo oppresseur, orchestré par la trompérie des idéologies difusées par l’industrie culturele. Sera-t-il possible que ces individus assumissent ses esprits critiques pour devenir bâttisseurs de la culture?

Mots-clés: Industrie culturele. Marchandise. Modèles identificatoires. Violence symbolique. Sadomasochisme.

RESUMEN

En este artículo adentramos a la profundidad del concepto de industria cultural, acuñado por Horkheimer y Adorno (1985), para atravesar sus imbricaciones con las fantasías inconscientes, en especial las de naturaleza destructiva. La violencia simbólica de la industria cultural, cuando interiorizada por los individuos, lleva los modelos identificativos exigidos por la sociedad de consumo para universalizar la lógica de la mercadería entre todos ellos. Esa perversión en los procesos de constitución de las subjetividades conduce a sus estandarizaciones en los moldes que Theodor Adorno identifica como de pseudo-individuos, atados simbióticamente unos a los otros. Existe una similitud entre esos conceptos adornianos y el de “sentimiento inconsciente de culpabilidad” de Freud, en que ese autor identifica procesos de auto-punición subjetiva cuando, bajo la “más-represión social”, los individuos están prohibidos de reaccionar. El sadomasoquismo defiende la complicidad de los individuos con ese status quo opresor, orquestado por el engaño de las ideologías difundidas por la industria cultural. ¿Será posible que esos individuos vengan a asumir sus criticidades para que se tornen constructores de la cultura?

Palabras-clave: Industria cultural. Mercadería. Modelos identificatorios. Violencia simbólica. Sadomasoquismo.

Atravessando com o indivíduo a indústria cultural

O presente artigo buscar adentrar a profundidade do conceito de indústria cultural, cunhado por Horkheimer e Adorno (1985), e articulá-lo a uma compreensão psicanalítica da subjetividade. Com isso buscamos dar subsídio teórico para reflexões a respeito da formação da subjetividade contemporânea e da violência simbólica à qual ela está submetida. Em nosso percurso reflexivo analisamos que tal violência quando internalizada manifesta-se em traços sadomasoquistas, em que o indivíduo torna-se indiferente ao próprio sofrimento e ao sofrimento alheio. Impedido de direcionar sua agressividade a essa violência externa, ela volta-se ao próprio ego do indivíduo, expressando-se em autopunições, principalmente no sentimento de culpabilidade, delineado por Freud (1930/1981).

O conceito de indústria cultural foi cunhado por Horkheimer e Adorno (1985) em 1947 para substituir a expressão “cultura de massa”, a qual conduz à interpretação de que o conteúdo veiculado por ela provém das próprias massas. Os autores aprofundam a proposição marxista de que no capitalismo as produções humanas tornaram-se alheias ao próprio homem, sendo que a própria cultura é um produto que passou a ser utilizado para dominar os homens e mantê-los na condição de opressão. Com o desenvolvimento capitalista a “cultura” passou a ser regida pelas leis da mercadoria. Assim, o termo “indústria cultural” conceitua um fenômeno em que ocorre a total mercantilização da produção simbólica dos indivíduos e com isso a anulação da sua humanidade.

Adorno (1986a) afirma que a cultura deveria proporcionar aos indivíduos os elementos necessários para uma oposição crítica à realidade e, com isso, ferramentas para a construção da sua autonomia. A cultura, segundo Freud (1930/1981), deve ser entendida como “la suma de las producciones e instituciones que distancian nuestra vida de la de nuestros antecesores animales y que sirven a dos fines: proteger al hombre contra la Naturaleza y regular las relaciones de los hombres entre sí” (p. 3033). Ela seria, então, um elemento de amparo aos sujeitos, construída por eles próprios, sendo tais aquisições históricas transmissíveis às gerações seguintes a fim de melhorar as condições de existência dos homens.

Com base nessa definição, podemos entender que a indústria cultural não é cultura. Ela não é algo construído pelos próprios indivíduos, mas imposto. Seu objetivo primeiro não é a melhoria das condições humanas, mas o lucro. A indústria cultural vai na contramão da construção da autonomia, visto que busca manipular as massas de consumidores e lhes transmitir padrões de comportamento conformistas. Ou seja: “o consumidor não é rei como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é sujeito da indústria, mas seu objeto” (Adorno, 1986b, p. 93).

Por outro lado, a indústria cultural não pode ser entendida como indústria no sentido tradicional de produção de mercadorias, pois tem mais relação com a circulação do que com a produção (Conh, 1986). Pode-se compará-la como indústria quando contrastada às suas atividades que estão voltadas para a massificação, integração, padronização e passividade dos indivíduos.

Os indivíduos, nessa perspectiva, são tratados ardil e glamourosamente pela indústria cultural como objetos coisificados, a serem moldados por ela para reproduzirem as condições sociais vigentes em benefício dos detentores do poder hegemônico, com vista a promover e facilitar a manutenção do status quo. Dessa forma os sujeitos são produtos padronizados e forjados em série pela indústria cultural, que nessa atividade se caracteriza fortemente como indústria: fabrica subjetividades semiformadas; nas quais a “consciência sofre novas transformações regressivas” (Adorno, 1986b, p. 98).

A indústria cultural anulou a distância entre indivíduo e sociedade, no sentido de que impôs a total assimilação, criando uma “falsa identidade do universal e do particular” (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 114, itálicos nossos). O particular (indivíduo) passou a ser diluído na universalidade do social. Esse indivíduo não consegue se distanciar das ideologias e da sociedade – visto que ela própria tornou-se ideologia. Nesse sentido, a indústria cultural é implacavelmente indústria: ela segue uma racionalidade técnica (instrumental), pautada na lógica da identidade e nunca da diferença – uma totalização que não apenas equaliza os indivíduos, mas veda o desenvolvimento de relações pautadas na alteridade, em vínculos verdadeiramente humanos, pois a vida torna-se mecânica, tecnificada, instrumentalizada.

Nessas condições, o desenvolvimento da consciência pelo contato reflexivo com a realidade é um processo doloroso, como o é a própria civilização na concepção freudiana. Trata-se de um processo difícil de ser suportado por pessoas cuja estrutura de personalidade foi moldada para reproduzir a heteronomia e para fugir do esforço de defrontar-se com a diferença e com o novo. (Conh, 1986, p. 17)

Na tentativa de afastar do sujeito o novo e o diferente, que podem suscitar a reflexão e a crítica, os produtos a serem consumidos pela indústria cultural são hierarquizados em termos qualitativos. Como salientam Horkheimer e Adorno (1985), isso está a serviço de uma quantificação dos indivíduos ainda mais completa; relaciona-se menos ao conteúdo do que à “classificação, organização e computação estatística dos consumidores. Para todos, algo está previsto; para que ninguém escape as distinções são acentuadas e difundidas” (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 116). Os indivíduos devem, então, preocupar-se em consumir os produtos dedicados ao seu nível, ao grupo no qual foram enquadrados, para que de maneira nenhuma entrem em contato com o diferente. Aliás, isso esconde a igualdade dos produtos consumidos e o sujeito acredita piamente que o que consome é diferente do que é consumido pelo outro.

Não obstante, esse esquematismo não se deve à diferença de necessidades entre indivíduos divididos em categorias de consumo, uma vez que a diferenciação dos produtos não existe, porque eles acabam por revelar que são sempre a mesma coisa (Horkeimer & Adorno 1985). O que se busca com esse esquematismo é manter o indivíduo – teórica e glamourosamente difundido como autônomo e livre – na falsa sensação de ter liberdade de escolher, mesmo que entre objetos e produtos em que ele confia cegamente e que são diferenciados para as diferentes categorias de consumidores em que os sujeitos se transformaram.

Para que produtos iguais – enganosa e ardilosamente mostrados como diferentes – possam ser consumidos pelos indivíduos ditos autônomos e livres é preciso que estes tenham necessidades idênticas. O que ocorre é um “círculo da manipulação e da necessidade retroativa” (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 114). Assim, indivíduos iguais consomem produtos iguais, seguem o padrão de comportamento manipulado via indústria cultural. Então, mais do que nunca, o indivíduo é mantido distante do novo e do diferente: o outro, enquanto diferente, o é apenas em termos corporais, pois todos se encontram fundidos, da mesma forma como se integram o todo e a parte na veiculação feita pela indústria cultural. Nisso ela demonstra seu poder: a ideologia que transmite atua não só na consciência, mas também no inconsciente; ela imprime necessidades idênticas em indivíduos homogeneizados, interdita o contato com a realidade e obstrui a consciência.

Esse processo, evidentemente, não é transmitido de forma escancarada e explícita, pois nesse caso o sujeito o perceberia facilmente. A indústria cultural atua de forma glamourizada, ou seja, envolve o indivíduo transmitindo-lhe o que ele pode ser, pode ter, pode conseguir e possuir, desde que se integre, desde que consuma, participe. Ele será um rei, identificando-se, vestindo-se com o véu da cultura que a indústria cultural insiste em transmitir e chamar como tal. No entanto, é o rei destronado, porque é o ser do conformismo, da subordinação e da simbiose, mas que goze do status que lhe é conferido. Torna-se, então, mesmo sem o saber, cúmplice do processo psicossocial que o violenta.

Pela indústria cultural a cultura deixa de ter um caráter formador, e atua por meio de uma semiformação, que significa a “ produção da consciência no plano da consolidação da sociedade vigente” (Leo Maar, 2001, p. 124). Ela sujeita os indivíduos às violências sociais. Transforma-os em indivíduos semiformados, desprovidos e expropriados da condição de crítica, de modo que possam favorecer e fortalecer a ordem social, e remetidos a uma massificação e idiotização, já que o conteúdo apresentado é sempre o mesmo. Um espectador, desde o começo do filme, já sabe como ele termina, quem é o vilão, quem é o mocinho e quem será recompensado. Soma-se a isso o fato de que o indivíduo acaba por regozijar-se com esse saber, o qual foi calculado pelos produtores para ser facilmente dedutível pelos espectadores (Horkheimer e Adorno, 1985).

Não obstante, a indústria cultural não se restringe à produção de necessidades iguais, de comportamentos padronizados, de obstrução à consciência e veto à crítica. Ela também exerce uma importante função na diversão. Aliás, o controle da indústria cultural sobre os consumidores sofre mediação da diversão, que sob o império do capitalismo, é um prolongamento do trabalho, pois ao fim do dia, quando o trabalhador volta para casa, se defronta novamente com a lógica a qual estava submetido: a mecanização, a padronização, a repetição, a submissão e a passividade.

Dessa forma, a diversão é utilizada para manter o indivíduo em condições de voltar a trabalhar novamente. O momento de interromper o trabalho é um intervalo de parada e não de descanso, pois o sujeito para a atividade laboral, no entanto, sob a exigência social de desvio para a diversão, impõe a si próprio os produtos fabricados pela mecanização, tornando-se ele próprio um autômato. O que há é uma adaptação dos indivíduos ao trabalho em seu horário de parada para que a atividade laboral seja sua única meta: para eles o descanso não é a possibilidade de não estar ocupado, é apenas a falsa ideia de desocupação, que o prepara para o trabalho do dia seguinte.

Nos filmes, nas novelas e nos programas o protagonista é exibido como ideal a ser atingido por todos. O espectador é o mocinho ou a mocinha que devem se acostumar com surras, suportar todos os males, pois no fim será recompensado. Assim, “a quantidade de diversão organizada converte-se na qualidade da crueldade organizada” (Horkheimer & Adorno 1985, p. 129). Ou seja: “o prazer com a violência infligida ao personagem transforma-se em violência contra o espectador, a diversão em esforço” (Horkheimer & Adorno 1985, p. 130). A distração se fundamenta numa promessa de satisfação que nunca se realizará, num aguçamento do desejo que leva o indivíduo a pensar que pode fugir de seu cotidiano. Dessa forma, Horkheimer e Adorno (1985) analisam que:

A impotência é sua própria base [da diversão]. É na verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir. A liberação prometida pela diversão é a liberação do pensamento como negação. O descaramento da pergunta retórica: “Mas o que é que as pessoas querem?” Consiste em dirirgir-se às pessoas como sujeitos pensantes, quando sua missão específica é desacostumá-las da subjetividade. (p. 135)

O entretenimento oferecido pela indústria cultural apresenta-se com uma fachada de liberdade, em que o indivíduo acredita que é ele quem escolhe o conteúdo de sua diversão: pseudoindivíduo (Adorno). No entanto, nesse processo ele não é mais sujeito, mas sujeitado à reprodução das condições sociais vigentes.

O indivíduo subjugado pela indústria cultural.

Se na obra fílmica o mal nunca recai sobre aquele que é bom, puro, digno e honesto, na vida real essa premissa passa a ser uma verdade necessária, uma vez que o sujeito somente atravessa condições de sofrimento porque merece e se não está conforme as regras morais que lhe são impostas. O indivíduo, como o protagonista, deve ser um cordeiro passivo e não pacífico, obediente e não contestador, pois agindo dessa maneira ele sempre será recompensado no final, tal como o protagonista que sofre durante todo o filme e que ao final da última cena conquista a felicidade que merece sua pessoa, tão digna e honesta. Do contrário, seu fim será trágico, tal como o do próprio vilão.

No entanto, tal felicidade nunca chega. Ao contrário, o indivíduo que constrói essa identificação destrutiva é levado à infelicidade e ao autodesprezo. Afinal, é preciso desacreditar-se de si mesmo, se despir de toda singularidade, renunciando à própria vida, acreditando que tudo que é oferecido (exibido) é superior. Só assim é possível se enquadrar no ideal de ser indivíduo propagado socialmente. Por esse motivo, Hokheimer e Adorno (1985) irão afirmar que diante das atuais condições de vida os indivíduos são levados a construir em sua subjetividade traços peculiarmente masoquistas, visto que a realidade tornou-se “um contínuo rito de iniciação, em que todos devem se identificar integralmente com o poder de quem não cessam em receber pancadas” (p. 44).

Inferiorizado, o indivíduo é exposto a uma intensa sedução, em que é fisgado pela construção de necessidades que nunca serão atendidas, por promessas que desfilam aos seus olhos como um cardápio que só deve olhar. Tudo não deve passar de uma vitrine, “ela [a indústria cultural] apenas excita o prazer preliminar não sublimado que o hábito da renúncia há muito mutilou e reduziu ao masoquismo” (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 130).

O ideal da indústria cultural é o indivíduo que aceita sua derrocada e goza de seu próprio sofrimento: o prazer na dor. Esse masoquismo também apresenta um sadismo, visto que:

Em última análise, a elogiada têmpera para a qual se é educado significa pura e simplesmente indiferença à dor. E não se faz tanta distinção assim entre uma e outra. Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar, que precisou reprimir. (1986c, p. 39)

Não obstante, segundo Freud (1930/1981), se a destrutividade do indivíduo massificado é direcionada para um objeto externo, esse objeto só pode ser um igual, já que a única classe a quem é permitido agredir o outro-diferente é aquela classe que detém o poder econômico, a qual agredirá aqueles que lhe são subordinados.

A violência da indústria cultural não pode ser personificada, trata-se de uma violência simbólica, cuja agressão é sutil e velada, por isso intensamente devastadora da subjetividade. Ela internaliza nos indivíduos a lógica advinda da base econômica da sociedade: o modo de produção capitalista (e a violência intrínseca a ele). Consequentemente, quando o indivíduo busca um objeto externo para depositar sua destrutividade ele só pode enxergar a seus pares – a quem é permitido agredir, por serem ambos da mesma classe social, desprovidos de poder econômico. Ou, ainda, na impossibilidade de eleger outro algoz, o ego tende a atacar-se, destruindo-se em uma autopunição, num sentimento de culpabilidade (Freud, 1930/1981).

O modo de produção e reprodução da sociedade nunca é questionado. Os detentores de tal poder estão embasados em um conjunto de aparatos institucionais que os protegem contra a destrutividade que poderia advir dos sujeitos das outras classes. Muito mais que isso, esses aparatos institucionais legitimam práticas repressoras, violentadoras e cruéis, fundamentadas na estigmatização, estereotipação e rotulação, veiculadas pela mídia, as quais são exercidas contra a população pobre. O desdobramento disso é que essa classe passa a representar extremo perigo e, por isso, deve ser contida e ter represados seus impulsos destrutivos. Entretanto, não é perigosa apenas para os detentores do poder, mas também para os seus próprios parceiros, os quais passam, por isso, a vigiar-se e delatar-se mutuamente a si mesmos e aos seus agressores. Esses fenômenos são estudados por Cecília Coimbra (2001) e Gilberto Velho (1987).

Não obstante, os indivíduos produzidos pela indústria cultural mantêm entre si relações simbióticas (a própria simbiose subentende transitar destrutividade entre eles: não separação do eu e do não eu). Por isso, ao direcionarem destrutividade ao outro, estão direcionando-a para si mesmos.

Destruindo o outro e a si próprio, torna-se vulnerável, não identificando que a violência que o destrói é de origem externa a si e, sem essa percepção, deixa de acionar seus aparatos psíquicos protetores e é incapaz de identificar e destruir seus verdadeiros agressores: a estrutura social capitalista e suas ideologias legitimadoras. Nessa perspectiva, os indivíduos equalizados e massificados são os algozes de si mesmos e cúmplices do processo social que os mortifica.

A indústria cultural atua, prioritariamente, como repressão. Não permite a sublimação e a conscientização das falsas necessidades que ela própria cria, pois nega aos indivíduos a possibilidade de satisfação de suas reais necessidades, uma vez que “a lei suprema é que eles não devem, a nenhum preço, atingir seu alvo, é exatamente com isso que eles devem, rindo, satisfazer-se” (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 132). Trata-se do indivíduo que escarnece de si mesmo, que pode rir por sentir-se integrado ao sistema que o hostiliza. Esse é o engodo no qual o indivíduo é aprisionado: consumidor que é, não pode ser solto do sistema.

Consequentemente, o indivíduo jamais deixará de ser consumidor nem deixará de estar subordinado à indústria cultural, “única” capaz de “satisfazer” as necessidades que ela própria cria. Esse é o processo que conduz o sujeito a conformar-se ao que se lhe oferece: a possibilidade de satisfação longínqua se utiliza do engolfamento do desejo e da sobreposição deste a uma falsa necessidade, porém mantendo-o confinado à promessa ilusória de satisfação de um desejo que já está fisgado socialmente. Assim, o objeto de satisfação inespecífico do desejo é incapaz de satisfazer a necessidade real, porque esta possui um objeto específico, que não é substituível por nenhum outro objeto: o desejo foi capturado pela mercadoria.

Destarte, a satisfação da necessidade produzida pela indústria cultural funciona sob catarse, pois os objetos oferecidos por ela satisfazem parcialmente; logo, o sujeito precisa estar consumindo produtos contínua e incessantemente. Horkheimer e Adorno (1985) analisam que:

A produção capitalista os mantêm tão bem presos em corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido. Assim como os dominados sempre levaram mais a sério do que os dominadores a moral que deles recebiam, hoje em dia as massas logradas sucumbem mais facilmente ao mito do sucesso do que os bem-sucedidos. Elas têm os desejos deles. Obstinadamente insistem na ideologia que as escraviza. (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 125, itálicos nossos)

A vulnerabilidade e sujeição do indivíduo contemporâneo se dão por um processo em que o medo é reprimido. Todo o aparato técnico da indústria cultural cria um véu em torno das mercadorias materiais e espirituais. Assim, comprando determinado produto, ou incorporando característica dos seus ídolos da mídia, o indivíduo tem a sensação de onipotência.

O medo e a agressividade são elementos da subjetividade protetores da vida. O medo sinaliza o perigo, deixando a consciência em alerta para preservar a integridade física e psíquica do indivíduo (Freud, 1920). A agressividade permite ao indivíduo não apenas externalizar a pulsão de morte, mas principalmente colocá-la a serviço da vida (Freud, 1930/1981). Ambos (medo e agressividade) são reprimidos e controlados pela indústria cultural, deixando o indivíduo cada vez mais distante de si mesmo, de sua interioridade.

Se o indivíduo direcionasse sua destrutividade para lutar contra os processos veiculados pela indústria cultural, ele estaria agredindo a quem lhe oferece, nesta sociedade implacavelmente excludente e individualista, alguma satisfação, mesmo que extrema e ardilosamente violentadora.

O indivíduo que não se enquadra nesses padrões não interessa mais ao sistema, à medida que ele contesta ou difere daquilo que é requerido, é marginalizado/excluído e um outro “qualquer” assume sua posição tão almejada. Além disso, para ser excluído, não é preciso que o sujeito esteja radicalmente dentro do sistema, como um trabalhador, empregado ou consumidor fisgado. A própria miséria do sujeito é objeto da indústria cultural. “No liberalismo, o pobre era tido como preguiçoso, hoje ele é radicalmente suspeito. O lugar de quem não é objeto da assistência externa de ninguém é o campo de concentração.” (Horkheimer & Adorno, 1985, p. 141, itálicos nossos).

A condição de flagelado do indivíduo é, dessa forma, o meio pelo qual se expressa a “solidariedade” entre os homens. A indústria cultural, portanto, chama de solidariedade a “assistência aos flagelados”, um fictício interesse humano. Tratar a condição dos flagelados como solucionável individualmente, o que a indústria cultural insiste em transmitir como solidariedade, é negar e ocultar que a miséria conjuntural que vem esmagando os sujeitos é resultado de uma construção social e histórica, a qual vem se perpetuando e demolindo os indivíduos na legitimação desse processo.

Assim, o último reduto no qual o indivíduo ainda é considerado como inserido, mesmo que perversamente, na sociedade violentadora, são as instâncias assistencialistas. Na condição de ter que ser assistido, o indivíduo ainda está submisso, pois se deixa ajudar e passa a ser o meio pelo qual a sociedade se afirma bondosa, caridosa e solidária.

Segundo Horkheimer e Adorno (1985), essa insistência na “solidariedade” e na bondade entre os homens é a forma pela qual a sociedade reconhece o sofrimento que ela própria gera. Seu principal objetivo nisso não é esconder o sofrimento dos indivíduos atrás das cortinas de “assistência aos flagelados”, mas sim “encará-lo virilmente nos olhos com uma fleuma difícil de manter. O patos da frieza de ânimo justifica o mundo que a torna necessária. Assim é a vida, tão dura, mas por isso mesmo tão maravilhosa, tão sadia.” (p. 141).

Da mesma forma que o sofrimento do indivíduo é controlado, limitado e vilmente apropriado, como uma maneira de limitar ainda mais suas chances de resistência, de não sucumbir aos ditames da ordenação social vigente, o trágico também se transforma num elemento controlável. Ele passa a possuir um local específico, tanto no filme quanto na vida dos homens. No filme, quem é acometido pelo fim trágico é o vilão, aquele que foge às regras e que de alguma forma comete maldades contra os outros homens, e por isso merece ser punido. Na vida real, a indústria cultural controla o sofrimento que ela própria produz, a quantidade de satisfação e assistência que cada sujeito merece obter, bastando que ele participe conformadamente daquilo que o sistema solicita/seduz/impõe.

A adesão do indivíduo às premissas da indústria cultural retira-lhe a sua singularidade. Ele não é uno, mas universal. Sua integração pressupõe a derrota da oposição, da resistência, da ousadia de ser-sujeito.

A fusão do indivíduo com os processos que o violentam e agridem significa a derrocada de sua humanidade, de sua autonomia, porque esse indivíduo é só mais um componente da massa amorfa de pessoas transformadas em coisas, a ser capturado e manipulado. A finalidade disso: manter os homens atuando prioritariamente sob consciência regressiva e estados fusionais semelhantes aos do bebê, dependente de sua “grande mãe” que lhe satisfaz e mantém longe de seu ego a ameaça de aniquilação. Nesse caso, a indústria cultural é que torna o sujeito extremamente subordinado a ela; por isso, ameaçá-la significa pôr em risco a “grande mãe” onipotente.

A pseudoindividualidade é um pressuposto para compreender e tirar da tragédia toda a sua virulência; é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade. (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 145, itálicos nossos)

Diante disso, a cultura, que se torna inócua, tem a crítica (elemento que lhe é inalienável e tem como função principal a demolição da própria cultura) arrancada de si e sua função de amparo forjada (Freud, 1930/1981). Integrando-se ao sistema, o indivíduo barra suas próprias possibilidades de ser sujeito ativo na construção e produção da existência. Para isso, ele é cooptado para ser produzido enquanto objeto a ser componente/legitimador da construção de um processo social que interessa a poucos, apenas àqueles que buscam a manutenção das condições sociopolítico-econômicas vigentes.

Dessa forma, o indivíduo é esvaziado ou impedido de utilizar-se daquilo que lhe confere sua humanidade, isto é, suas capacidades de julgar, decidir, discriminar, escolher, amar e se relacionar com a alteridade.

A captura do indivíduo pela violência simbólica da indústria cultural

Para Adorno, segundo Cohn (1986),

a ideologia da indústria cultural, além de ser um processo formador da consciência e não apenas instalado nela, opera no nível inconsciente, no sentido forte do termo: ela não apenas oculta dados da realidade, mas os reprime, deixando-os sempre prontos a retornar à consciência, ainda que de novo sob formas ideológicas. Nessas condições, o desenvolvimento da consciência pelo contato reflexivo com a realidade é um processo doloroso, como é a própria civilização na concepção freudiana. Trata-se de um processo difícil de ser suportado por pessoas cuja estrutura de personalidade foi moldada para reproduzir a heteronomia e para fugir do esforço de defrontar-se com a diferença e o novo. Dai a tendência, engendrada por esse tipo de sociedade, para aceitar sem mais o que já vem pronto e devidamente rotulado.

A fraqueza do ego, associada ao investimento que o próprio processo ideológico exige dos que nele estão envolvidos, constitui a base subjetiva para a reprodução das condições sociais vigentes. (pp. 17-18, itálicos nossos)

A violência simbólica produzida pela indústria cultural (Adorno, 1986b) tem na mídia seu principal aliado. Essa difunde e acalenta as falaciosas promessas de “felicidade” da lógica da mercadoria e faz silenciar qualquer reação de intolerância e represália dos indivíduos sofridos. Seu poder de manipulação e penetração nas mentes desavisadas dos indivíduos vem produzindo profunda alienação, porquanto essa violência simbólica internalizada consegue perpassar os processos da consciência (pensamento, julgamento, discriminação, decisão) e, destruindo-os, deixa os indivíduos à mercê das manipulações identificatórias e de seus impulsos destrutivos inconscientes.

A ação das estratégias de sedução e manipulação da indústria cultural, que se institui como um dos principais baluartes da sociedade capitalista sob a égide do consumismo, pode explicar a contrariedade do “destino” da vida humana em seu caminhar para a felicidade. Se identificarmos que a violência social, na maioria de suas expressões, extravasa sob a forma camuflada, fica possível entender e acompanhar sua penetração na estrutura psíquica, identificar quais processos subjetivos são atingidos e reconhecer as perturbações que ocasionam na estrutura psíquica que tornam os indivíduos submissos e permeáveis ao acatamento dos ditames da sociedade.

Vem sendo cada vez mais difícil os indivíduos conseguirem escapar dessa captura. Vão ficando mais complexas as estratégias de simulação/disfarce para ludibriar o pensamento reflexivo dos homens: o ser humano parece que não está podendo chegar às verdades lógicas e, consequentemente, não está conseguindo se desvincular da impregnação pela violência simbólica que o amordaça e paralisa. Ele se prostra, sem coragem, diante do que a sociedade de consumo e/ou a de exclusão, ironicamente, faz e produz para enganá-lo e dirigi-lo para ver atendidos seus próprios interesses. Contenta-se – até quando, não se sabe.

A perversão dos processos identificatórios é a forma de que se valem as sociedades autoritárias para a captura das subjetividades. As identificações passam a ser feitas não com o próximo – que, desqualificado, tornou-se desprezível e/ou até perigoso –, mas com objetos distantes, abstratos, que não dão retorno afetivo à idealização que deles fazem os indivíduos. Cada qual está efetivamente só, regredido e enfraquecido, e apenas a dimensão destrutiva de seu narcisismo o compele à ilusão de ser maravilhoso como seu modelo o é. Isso lhe desperta o desejo de cada vez mais se aproximar das qualidades exibidas por esse modelo, sem jamais ser por ele verdadeiramente reconhecido e acolhido. As identificações se processam no âmbito de um simbólico enganoso, no qual a irracionalidade dessa maquinação social se torna facilmente assimilável pelas fantasias inconscientes do sujeito.

Os modelos identificatórios impostos socialmente são preparados de forma cuidadosa para se tornarem atraentes – sob glamour (Adorno, 1986d, pp. 126-128) e porque, escamoteadas suas dimensões de opressão, servem à imediatez não seletiva do princípio do prazer. Eles portam o signo de uma suposta superioridade social que todos almejam e freneticamente assimilam porque massivamente difundidos pela mídia. Só aí, quando todos estão destituídos de sua identidade particular, um passa a ter sentido e valor para o outro (Aulagnier, 1985). As individualidades tornadas estereotipias são partilháveis entre os sujeitos porque assimiladas falsamente como se fossem próprias a cada um. Constituem-se nos indivíduos como tendências subjetivas que, quando atualizadas, asseguram a continuidade do status quo opressor,1 1 Adorno também trabalha com o conceito psicanalítico de identificação para esclarecer o processo cultural de construção de estereótipos – fundamento da personalidade autoritária e manipulativa – por ele designados de mentalidade do ticket (Rouanet, 1983, pp. 188-197). . É assim que vêm sendo modeladas subjetividades conservadoras, que parecem caracterizar uma forte tendência das personalidades na atualidade: estas não conseguem mudar as condições objetivas que as oprimem, não são capazes de assumir a condição de cidadãos e de agentes ativos da cultura.

O silenciamento do pensamento reflexivo e a captura do desejo dos indivíduos se configuram na sua submissão a tais ditames e ficam expressos na não reação dos indivíduos a tantas injunções perversas: as diferentes expressões da violência na sociedade contemporânea são internalizadas de forma inconsciente. Sob essas condições torna-se impossível aos indivíduos identificar os perigos que cercam suas vidas e, sob o impacto dos sustos traumáticos, cada um e todos podem ser jogados à repetição compulsiva da destrutividade psíquica (Freud, 1920/1948). A queda do indivíduo nessa destruição, sem que ele consiga se reerguer, denuncia a presença do sinistro (Freud,1919/1981) e o deslocamento autopunitivo do arbítrio da mais-repressão que arrasta os indivíduos para o silenciamento de sua dor, que desemboca em vínculos sadomasoquistas. Talvez seja possível identificar os prejuízos na capacidade dos indivíduos de se reorganizarem psiquicamente se atentamos a esses abalos contínuos vividos no cotidiano de suas vidas, tão a gosto do engano imposto para fazê-los sentir “heróis flexíveis” (Sennett, 2001) e capazes de suportar calados o sofrimento. Guinsberg (1991) reafirma que:

a violência simbólica é melhor aceita socialmente do que a violência ostensiva realizada pela força das armas. As formas de repressão política via ideologias, entretanto, têm um grande poder de penetração na sociedade porque atingem toda a estrutura da sociedade e promovem o controle social por meio da homogeneização que produzem. (p. 26)

O objetivo dessa atuação da sociedade é o controle social dos indivíduos pela lógica da mercadoria, que deixa, certamente, inúmeras distorções destrutivas no desejar, sentir, pensar dos indivíduos e contamina, de forma perversa, os vínculos entre eles (Mariotti, 2000). Essa fetichização exige a cooptação de indivíduos isolados, deformados e fragilizados pelo individualismo imperante e contraria a necessidade de dependência inerente às relações entre os indivíduos singulares que necessitam cuidados mútuos no acolhimento. Essa privação/afastamento dos demais é sorrateiramente imposta pela mídia, que forja os “pseudoindivíduos” estandardizados, que assim se tornam mais facilmente aliciáveis pela indústria cultural (Adorno, 1986b).

A sociedade de consumo exige que cada um e todos os indivíduos sejam servos fiéis de um único senhor, que lhes promete alçarem-se ao mundo dos “prazeres infindáveis”. Seus reais desejos estão em suspensão, seus sentimentos voltados para um único objeto – a mercadoria – e seus pensamentos estão sob o controle inconsciente da farsa das ideologias consumistas. A felicidade está deslocada da vida de relações entre os homens e se expressa na captura da libido pela mercadoria e na satisfação de ter o vínculo amoroso sexual substituído pelo contentamento de ter dinheiro para tomar o “banho de loja” (Arreguy & Garcia, 2002).

Nesse âmbito da vida dos indivíduos, a violência social se configura, preferencialmente, como exercício de manipulação político-ideológica e de opressão/conformação por meio de diferentes estratégias e instrumentos de ameaças mais ou menos sutis.

A vida de relações na sociedade também está sob controle. A pretensão do poder hegemônico é provar que tais relações são universais, perenes e imutáveis, como estratégia para mantê-las como estão. Muitas culturas diferentes vêm sendo destruídas e sugadas pelos ditames da globalização (Baudrillard, 2002) e até exterminadas pela “sucção” de hábitos, costumes e atitudes, modificando-se para modelos necessários à manutenção do poder, em virtude da imposição do conquistador (Ali, 2003). As diferenças individuais e culturais não podem existir; têm de desaparecer, são suprimidas. É frequente a atribuição de malignidade aos grupos discordantes e/ou subalternos que passam a ser identificados socialmente como perigosos e merecedores de exclusão social, prisão ou assassinato – “categoria de acusação” (Velho, 1987).

Esclarecendo melhor o caráter repressivo e de controle social da violência simbólica, Guinsberg (1991) assevera no trabalho citado:

Formas de violência muito mais sutis e seguramente mais efetivas, por não serem tão visíveis, com efeitos não em quantidade mais ou menos reduzida de pessoas, mas, na população em geral. Trata-se, em definitivo, das formas repressivas que se inscrevem dentro da central e fundamental problemática pertinentes ao controle social que requerem todas as estruturas sociais; para sua manutenção e reprodução. Nas sociedades presentes mais ou menos "civilizadas" prefere-se, – enquanto isso seja possível – evitar as formas manifestas e abertas de repressão em geral condenadas e criticadas por amplos setores da população e do mundo, máxima quando muitas vezes podem se obter semelhantes resultados através da internalização das necessidades da dominação dos sujeitos: procura-se então o que pode denominar-se “o controle das consciências”. (p. 2, itálicos nossos)

Ao familiarizar-se com a hostilidade desse caos simbólico, o ser humano torna-se indiferente na relação com os seus iguais, converte-se em um pervertido social. Pior ainda, internaliza essa violência da sociedade e, não podendo usar sua agressividade vital (amálgama com libido) para se proteger dos seus algozes (violência social e mais-repressão social), descarrega contra si próprio toda a hostilidade que, de bom grado, teria usado contra seus inimigos. Fica prostrado na destrutividade, em face da autopunição do “sentimento inconsciente de culpabilidade” (Freud, 1930/1981).

Considerações finais

A indústria cultural mantém o indivíduo sob tutela, destruindo as capacidades egoicas que o possibilitariam compreender o terror, a violência e a destrutividade dos processos psicossociais e político-econômicos conduzentes à destruição e semiformação de suas subjetividades. Ela não deixa espaço para a construção, visto que impõe a reprodução, a padronização e legitimação das condições de existência vigentes até o momento.

A saída da condição de tutela implica um conflito/confronto capaz de demolir e depois construir melhores maneiras de sobrevivência e existência dos homens. Esse processo efetivaria a realização da cultura em seu sentido estrito. Em oposição à indústria cultural, a cultura seria aquela que possibilitaria os elementos necessários à construção da autonomia humana, da crítica (Adorno, 1986a). Seriam as produções construídas para e pelos homens, a fim de ampará-los (Freud, 1930/1981). Nesse sentido, torna-se necessário enfatizar que a mídia atual não é cultura, que os meios de comunicação atuando em prol do lucro e da lógica da mercadoria não são cultura. Para atuarem enquanto cultura eles deveriam estar a favor do homem e da humanidade.

Os meios técnicos não são fins em si mesmos. Eles podem ser utilizados tanto para produção da submissão quando para a construção de emancipação. Adorno (1986d), em debate transmitido na rádio, chegou a descrever o potencial emancipatório que os meios de comunicação possuem. Em suas palavras:

gostaria de acrescentar que não sou contra a televisão em si, tal como repetidamente querem fazer crer. Caso contrário, certamente eu próprio não teria participado de programas televisivos. Entretanto, suspeito muito do uso que se faz em grande escala da televisão, na medida em que creio que em grande parte das formas em que se apresenta, ela seguramente contribui para divulgar ideologias e dirigir de maneira equivocada a consciência dos espectadores. Eu seria a última pessoa a duvidar do enorme potencial da televisão justamente no referente à educação, no sentido da divulgação de informações de esclarecimento. (p. 77)

O grande problema que se coloca atualmente é a dominação simbólica mediada pelas tecnologias da comunicação. Impondo a lei da equalização, quase intrínseca à forma capitalista em que se encontra, ela priva os indivíduos de expressaram a multiplicidade e criatividade da subjetividade humana. Essa mutilação dos potenciais qualitativos leva à geração de traços sadomasoquistas, à indiferença à própria individualidade e, consequentemente, ao sofrimento alheio. A violência, a raiva e a frustração geradas voltam-se ao próprio indivíduo, principalmente na forma de autopunição, no sentimento de culpabilidade, analisado por Freud (1930).

No entanto, tal controle e punição dos homens nesse mundo administrado não consegue ser completamente efetivo. Algo extravasa. Algo de humano salta às bordas enclausuradas do capitalismo. Isso é evidenciado nos fenômenos ocorridos em 2011: na intensa eclosão simultânea e contagiosa de protestos por todo o mundo. Apesar de pautarem-se em questões regionais, todos os movimentos expressaram a solidariedade mútua. Ditaduras foram derrubadas na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen. Na Europa, com ocupações e greves da Espanha, Portugal, Grécia, em Londres, no Chile, em Wall Street, nos EUA, até na Rússia. Muitos pensadores analisam que em comum todos os protestos tiveram a mesma forma de ação política – ocupação de praças públicas, uso da internet como rede de comunicação para a articulação e a recusa da utilização do espaço institucional tradicional (Harvey et al., 2012b).

A internet foi amplamente importante nesse processo, ao ponto de países como a China censurarem a simples menção a ela. Nesses casos fica evidente que a indústria cultural foi minada pela cultura, por movimentos culturais. O que estava em jogo não era a lógica da mercadoria (razão industrial/lucro), mas a produção e apropriação dos homens dos bens simbólicos e materiais construídos por eles. Embora todos os analistas tivessem sido unânimes ao evidenciarem a falta de uma definição estratégica, programática e teórica nesses movimentos (Harvey et al., 2012b), houve por parte da população manifestações de seus anseios pela transformação e ruptura da realidade sociocultural, o que significa, pelo menos, um embrião de uma cultura, talvez, revolucionária. A crise econômico-social foi sentida por cada indivíduo, no entanto, eles não permaneceram prostrados na culpabilidade, mas uniram-se na revolta, na identificação da violência como algo externo.

David Harvey (2012a) escreveu que a internet foi importante nesse processo, mas o que se configurou como fundamental foi a união dos corpos no espaço público. Entendemos que os meios de técnicos de comunicação não foram fins em si mesmos, mas mediações da cultura. Não estavam atuando como indústria cultural, mas a favor do homem, da vida humana coletiva.

Esses movimentos culturais ainda são faíscas diante dos grandes holofotes da indústria cultural. Afinal, eles denunciam o modo de produção que a sustenta e é sustentado por ela. A cultura da crítica e do amparo, tratadas por Adorno (1986a) e Freud (1930/1981), respectivamente, precisam ser construídas por sujeitos capazes de julgar, discriminar, amar e se relacionar com o outro, e, desse modo, produzir sua existência de forma humanizada e humanizante. Desse modo, afastarão – ou pelo menos reduzirão – a violência, o terror e a crueldade que têm sido impingidos hierarquicamente aos indivíduos passivos, massificados e conformados, que acabam sendo subordinados, incluídos perversamente ou excluídos do processo sociopolítico-econômico.

Recebido em: 11/06/2011

Aceito em: 31/05/2012

Angela Caniato, professora doutora do Programa de Pós Graduação de Psicologia de Universidade Estadual de Maringá. Endereço para correspondência: Rua Joaquim Nabuco, 1496, Zona 04, Maringá, PR, 87014-100. Endereço eletrônico: angelacaniato@gmail.com.

Claudia Cotrim Cesnik, psicóloga formada pela Universidade Estadual de Maringá. Endereço para correspondência: Rua Carlos de Carvalho, 3579 ap. 301 CEP 5801-130, Cascavel, PR. Endereço eletrônico: claudiacesnik@yahoo.com.br.

Samara Megume Rodrigues, psicóloga formada pela Universidade Estadual de Maringá e integrante do projeto de pesquisa “Phenix: a ousadia do renascimento do indivíduo-sujeito”. Endereço para correspondência: Rua José Ferreia Maia, 85, Vila Esperança, 87020-730, Maringá, PR. Endereço eletrônico: samara.megume@gmail.com.

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    Adorno também trabalha com o conceito psicanalítico de identificação para esclarecer o processo cultural de construção de estereótipos – fundamento da personalidade autoritária e manipulativa – por ele designados de
    mentalidade do ticket (Rouanet, 1983, pp. 188-197).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      11 Jun 2011
    • Aceito
      31 Maio 2012
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