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DESCORTINANDO E AMPLIANDO HORIZONTES: AÇÕES AFIRMATIVAS E ANTIRRACISMO COMO ESTRATÉGIAS DE INCLUSÃO EDUCACIONAL

DESCUBRIENDO Y AMPLIANDO HORIZONTES: ACCIONES AFIRMATIVAS Y ANTIRRACISMO COMO ESTRATEGIAS PARA LA INCLUSIÓN EDUCATIVA

UNCOVERING AND EXPANDING HORIZONS: AFFIRMATIVE ACTIONS AND ANTI-RACISM AS STRATEGIES FOR EDUCATIONAL INCLUSION

Resumo

Neste artigo, busca-se descortinar o processo de implementação das Ações Afirmativas e de Antirracismo como estratégias de inclusão educacional. A tratativa da intersecção raça-gênero-classe social é propícia para os descortinamentos do racismo, do machismo, da LGBTfobia e das desigualdades, e também para indicar formas de superá-los. Nesse exercício, ao observar as pessoas, os coletivos, as instituições e a sociedade em movimento, é importante reconhecer os diálogos e as negociações entre o ativismo negro e as instituições estatais. Porém, a vivência não ocorre apenas a partir de entendimentos, pois é também um campo de conflito e tensionamento. O artigo divide-se em cinco tópicos: Desigualdade, racismo e o grito por justiça; Lutas cotidianas, um caminho para as conquistas históricas; Ações afirmativas e Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Com oportunidades, mesmo frente a dificuldades, as mudanças acontecem; Descortinar o vivido, como um exercício para modificar a vida.

Palavras-chave:
Ações Afirmativas; Educação Étnico-racial; Cotas Raciais; Antirracismo

Resumen

Dar a conocer el proceso de implementación de Acciones Afirmativas, Antirracismo, e estrategias de inclusión en la educacion es el propósito de este artículo. Abordar la intersección raza-género-clase social conduce a descubrir el racismo, el machismo, la LGBTfobia y las desigualdades, así como formas de superarlas. En este ejercicio es importante observar en movimiento: las personas, los colectivos, las instituciones y la sociedad en su conjunto. Por tanto, es de relieve reconocer los diálogos y negociaciones entre el activismo negro y las instituciones estatales. Sin embargo, la experiencia no se produce sólo a partir de entendimientos, también es un campo de conflicto y tensión. El artículo contiene cinco partes: desigualdad, racismo y el grito de justicia; luchas cotidianas, caminos hacia las conquistas históricas; acciones y políticas afirmativas para promover la igualdad racial; dificultades, logros y desafíos para acceder a cuotas raciales y; develar lo vivido como un ejercicio para cambiar de vida.

Palabras clave:
Acciones Afirmativas; Educación Étnico-Racial; Cuotas raciales; Antirracismo; Políticas de igualdad racial

Abstract

This article aims to uncover the process of implementation of Affirmative Actions and Anti-racism as educational inclusion strategies. The race-gender-social class intersection leads to uncovering racism, sexism, LGBTphobia and inequalities, as well as ways to overcome them. In this exercise it is important to recognize the dialogues and negotiations between Black activism and State institutions when observing people, groups, institutions and society as a whole in movement. However, the experience is not produced only from understandings, it is also a field of conflict and tension. The article contains five parts: Inequality, racism and the cry for justice; Daily struggles, a path towards historical conquests; Affirmative actions and Racial Equality Promotion Policies; Even with difficulties, with opportunities, changes happen; Uncovering the lived experience, as an exercise to change life.

Keywords:
Affirmative Actions; Ethnic-Racial Education; Racial Quotas; Anti-racism; Racial Equality Policies

Apresentação

Cabeça feita Fio a fio teço a cabeça viajo pela ancestralidade busco marcas do passado Ontem e hoje se trançam traçando um novo destino Faço a cabeça embelezo e remoço a vida teço nova imagem de alteridade. Matilde Ribeiro, 1993Ribeiro, Matilde (1993). “Memórias Poéticas” [Poesia Publicada]. YouTube., online

Descortinar e ampliar horizontes da vida cotidiana e política é uma ação que exige energia física, motora, mental e afetiva. Exige também o reconhecimento dos fazeres e saberes populares e intelectuais, mas, acima de tudo, ancestrais, na busca por oferecer uma vida com mais dignidade para todas as pessoas, independente de sexo, gênero, raça e condição social (conforme consta na Constituição Federal de 1988). Porém, existem os senões que determinam lugares para uns em detrimento de outros. O poema “Cabeça Feita”, escrito em 1993, encaixa-se como uma luva nessa perspectiva, valorizando a ancestralidade.

Olhar para a história brasileira é encontrar antes truculência e desrespeito, do que convergência de interesses, sobretudo quando o assunto é a relação da sociedade civil e do Estado na construção de Ações Afirmativas e de Igualdade Racial, no campo das políticas públicas. Para essa tarefa, em nome da vida criativa, e com esperança, é válido o legado de Paulo Freire em Pedagogia da Esperança:

É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo.1 1 https://ailpcsh.org/2021/02/12/centenariopaulofreire_esperancar/#:~:text=%C3%89%20preciso%20ter%20esperan%C3%A7a%2C%20mas,construir%2C%20esperan%C3%A7ar%20%C3%A9%20n%C3%A3o%20desistir

Desigualdade, racismo e o grito por justiça

As universidades públicas brasileiras, na maioria das vezes, desconsideram a existência da desigualdade, do racismo, do machismo e da LGBTfobia. Por isso, é importante estimular reflexões sobre o assunto, o que será feito a partir de cinco pontos:

  1. 1

    A desigualdade é a palavra-chave que define o Brasil: Alexandre F. Barbosa (2011Barbosa, Alexandre de Freitas (Org.). (2011). Análises e propostas - Cenários do desenvolvimento do Brasil 2020. Fundação Friedrich Ebert.) afirma que a palavra-chave que define o Brasil, do ponto de vista social e econômico, é a desigualdade. E a ela se soma a discriminação, a exclusão social, econômica e étnico-racial, desde a invasão do país e do período colonial, quando teve início o genocídio dos povos indígenas. E, após quatro séculos de escravização, a abolição não possibilitou a inclusão dos ex-escravos, o que leva à histórica vulnerabilidade da população negra, até os dias atuais.

  2. 2

    O racismo brasileiro é um crime perfeito: Kabengele Munanga (2010Munanga, Kabengele (2010). Nosso racismo é um crime perfeito, Entrevista com Kabengele Munanga. Fundação Perceu Abramo. https://fpabramo.org.br/2010/09/08/nosso-racismo-e-um-crime-perfeito-entrevista-com-kabengele-munanga/
    https://fpabramo.org.br/2010/09/08/nosso...
    ) expõe, na entrevista concedida à Fundação Perseu Abramo, a reflexão de que o “racismo brasileiro é um crime perfeito”. Na sequência de sua reflexão, indaga como combater esse crime, já que muitas vezes o brasileiro chega a comentar ao negro que reage de que ele é complexado, de que o problema está na cabeça dele. Assim, “ele rejeita a culpa e coloca na própria vítima. Já ouviu falar de crime perfeito?”2 2 https://fpabramo.org.br/2010/09/08/nosso-racismo-e-um-crime-perfeito-entrevista-com-kabengele-munanga/ .

  3. 3

    Não à história única: A nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (2019Adichie, Chimamanda Ngozi (2019). O perigo de uma história Única. Companhia das Letras.) preocupa-se com O perigo de uma história Única. Para tanto, reflete de maneira crítica sobre “a história única”, valorizando a diversificação das fontes de conhecimento e partindo do princípio de que “as histórias importam” (Adichie, 2019, p. 23).

  4. 4

    Entrelaçamento entre Políticas Universais e Ações Afirmativas: Mário Theodoro (2008Theodoro, Mário (2008). A formação do mercado de trabalho e a questão racial no Brasil. In As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição (pp. 15-43). IPEA., 2022Theodoro, Mário (2022). A sociedade desigual: Racismo e branquitude na formação do Brasil. Zahar.) se posiciona fortemente em defesa das cotas, validando-as como um impulso à construção da justiça social e racial. Para ele, as políticas universais produzem impactos positivos sobre a redução da desigualdade racial. E embora isso não elimine a necessidade das Ações Afirmativas, o enfrentamento à pobreza ocorre por meio de um amplo conjunto de cunho universalista, enquanto que o enfrentamento ao racismo por meio delas.

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    O Movimento Negro é Educador: Nilma Lino Gomes, em O Movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas por emancipação, aponta o papel educador dos Movimentos Negros como o “resultado de um aprendizado e resistência [que] representam, ao mesmo tempo, um tributo ao investimento intelectual, político, de vida e à trajetória persistente e tensa construída por tantos militantes do Movimento Negro e de Mulheres Negras” (Gomes, 2017Gomes, Nilma Lino (2017). O Movimento Negro educador: saberes construídos em lutas por emancipação. Vozes., p. 134).

Desde a invasão, a vivência brasileira tem sido desdenhada e omitida por parte das políticas públicas estatais. Os povos indígenas, africanos e seus descendentes foram desumanizados e desconsiderados. E isso nos leva a uma fala de Abdias do Nascimento, que argumentava que a “luta pela liberdade e justiça racial inicia-se desde o momento que as negras e os negros foram escravizados no Brasil, após terem sido capturados na África3 3 Abdias verbalizava geralmente esta frase nos eventos em que participava, sendo que tive a oportunidade de ouvir e registrá-la em anotações pessoais. ”. Essa condição fez com que, ao longo da história, a população negra levasse a vida sem planos, sem projetos de futuro. Por isso, é importante destacar o papel dos coletivos e da organização política de pessoas negras para a conquista de direitos, de justiça e de um melhor “lugar ao sol”.

Lutas cotidianas, um caminho para as conquistas históricas

A dimensão aprofundada do racismo e do machismo, engendrados em todas as áreas da vida, gera a invisibilidade para negros, mulheres e mulheres negras. Esta situação envolve não só as pessoas negras, mas também suas conquistas. Portanto, o grito contra a invisibilidade, o apagamento/esquecimento e a história única é uma perspectiva inclusiva. Nessa perspectiva, dois casos traduzem a realidade de invisibilização e apagamento, que também significa resistência:

( Maria do Carmo Gerônimo, em sua vida supercentenária4 4 Expressão utilizada para designar as pessoas que vivem após 110 anos. https://www.oguiadeitajuba.com.br/Personalidades/Pers_M/Maria-Carmo-Jeronimo.php , acumulou muitos saberes, mas nunca teve consciência política acerca do que acontecia consigo e ao seu redor. Nasceu em 5 de março de 1871 e faleceu em 14 de junho de 2000, tendo vivido 17 anos como escrava e falecido aos 129 anos. No início de 1994, ela foi indicada, por setores do Movimento Negro de Minas Gerais, para receber o título de Cidadã Itajubense, outorgado pela Câmara de Vereadores de Itajubá. No entanto, os vereadores, ao avaliarem que não havia motivos para conceder o título a uma mulher negra ex-escrava, empregada doméstica e analfabeta, decidiram, como veredito final, que a vítima não tinha nenhuma grande obra ou invenção a ser referendada. Em um ato de desagravo pelo veto da Câmara de Vereadores de Itajubá, a Câmara de Vereadores de São Paulo, em 30 de maio de 1994, concedeu a Maria do Carmo o Título de Cidadã Paulistana. Curiosamente, anos depois do veto dos vereadores de Itajubá, e após o falecimento da anciã, as instituições públicas do município não só prestaram honrarias, como instituíram, por meio do Projeto de Decreto Legislativo nº 021/01, a criação da “Rua Maria do Carmo Gerônimo”. E também, por meio da Lei n° 3.220/17, incluíram, no Calendário de Festas e Eventos da cidade, o “Dia de Maria do Carmo Gerônimo e da Mulher Negra e Índia” (Ribeiro, 2022Ribeiro, Matilde (2022). Mulheres Negras em Movimento. Nova Práxis.).

A existência supercentenária de Maria do Carmo instiga o descortinamento da história, causando muitas curiosidades e inquietações que permeiam a realidade de discriminação e exclusão vivenciada pela população negra, especialmente pelas mulheres negras.

Vicente do Espírito Santo foi funcionário da Eletrosul, em Florianópolis/SC. Foi incluído na lista de demissões da empresa durante uma onda de cortes, ocorrida em 1992. Inconformado com a situação, buscou explicações junto à diretoria. Naquele momento, um integrante da gerência manifestou: “Mas o que esse negão está querendo? Justo agora que a gente conseguiu branquear o departamento?”. Após o fato, Vicente procurou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e abriu um inquérito policial, que acabou sendo arquivado na 3ª Vara Criminal de Santa Catarina. O funcionário, em vias de demissão, recusou-se a assinar a rescisão contratual, e, com o apoio de entidades do Movimento Negro, levou a causa ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), resultando em indenização e consequente reintegração. O veredito de reintegração em causa trabalhista, com parecer favorável à parte vitimada (neste caso, um trabalhador negro) e não à empresa pública, é algo totalmente inédito no país. Em 1996, quando ainda não havia recebido a indenização, Vicente retornou ao trabalho e argumentou: “Tenho certeza que fiz o que deveria ser feito. Dei aos meus filhos uma herança em vida, que é a minha luta” (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, 1997Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT. (1997). A história de Vicente, o homem que “escurecia” o departamento. Ceert (São Paulo), 1(1).).

No mundo do trabalho, para as pessoas negras, as barreiras ao acesso, à permanência e à mobilidade são frequentes. E só não enxerga quem não quer vê-las, já que as histórias de Maria do Carmo e Vicente são emblemáticas. A primeira se dá em um contexto de total inconsciência política, enquanto que a segunda se imbui de conhecimentos acerca de direitos sociais e trabalhistas. Esses fatos confirmam a regra, pois, segundo Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg (2022Gonzalez, Lélia & Hasenbalg, Carlos (2022). Lugar de Negro. Zahar., p. 21-22), o lugar natural do negro é oposto ao do branco, isto é, “da senzala às favelas, cortiços, porões e invasões”. Logo, “o critério tem sido simetricamente o mesmo: divisão racial do espaço”.

O remédio para essas situações são a denúncia e a contestação. Desta forma, serão destacadas as histórias de duas lideranças, um quilombola e uma empregada doméstica, atuantes em nossos dias, cujas histórias deixam entrever meios possíveis de reverter essa situação de opressão:

  • Benedito Alves da Silva (Ditão) é uma liderança do Quilombo de Ivaporunduva, em Eldorado, no Vale do Ribeira/SP. Em seu histórico como ativista político, participou do MNU (Movimento Negro Unificado), do PT (Partido dos Trabalhadores) e do CBH-RB (Comitê da Bacia Hidrográfica do Ribeira, Iguape e Litoral Sul). Historicamente esquecida no Vale do Ribeira, Ivaporunduva é uma das comunidades quilombolas beneficiados pelo Decreto nº 4887/2003, que garante a propriedade da terra aos quilombolas, de maneira coletiva. Para Ditão, as principais heranças que os quilombolas carregam é a capacidade para lutar pelos direitos comuns: “O uso coletivo da terra, o rodízio das capoeiras - que a agricultura moderna chama de plano de manejo - e as festas tradicionais, são característica desse quilombo”5 5 Jornal da USP - 6 a 12 de agosto de 2007, ano XXII, nº 804. As histórias e as lutas de Ivaporunduva. https://www.usp.br/jorusp/arquivo/2007/jusp804/pag0405.htm .

  • Creuza Oliveira nasceu no Estado da Bahia e atua em uma das maiores categorias laborais do país: as empregadas domésticas. Foi presidenta da FENATRAD (Federação Nacional de Trabalhadores Domésticos), sendo hoje uma de suas principais lideranças. A quantidade de prêmios que recebeu contrasta com as dificuldades da própria categoria, como a invisibilidade e o isolamento. Em 2013, em entrevista à Revista Raça Brasil, relatou as lutas e o “orgulho dessa categoria, pois antes trabalhavam como escravos - os homens nas lavouras, canaviais, [enquanto] as mulheres iam para o trabalho doméstico, no qual eram tornadas mucamas, amas de leite ou quituteiras”6 6 https://revistaraca.com.br/trabalhadoras-domesticas/ . Trata-se de uma luta incessante que merece ser reconhecida. Em novembro de 2023, ela será femenageada pela Universidade Federal da Bahia com o título de Doutora Honoris Causa, sendo a primeira empregada doméstica a receber esse título.

A partir dessas escolhas, pretende-se ampliar o leque de informações sobre as diferentes formas de enfrentamento ao racismo, destacando, para tanto, lideranças que atuam em duas situações desconhecidas da sociedade: as comunidades quilombolas e a organização sindical das empregadas domésticas. A promoção do conhecimento público acerca da potência da vida das pessoas negras por reverter a situação de subalternização compulsória deve ser uma tarefa coletiva. Com isso, pode-se afirmar um contraponto frente às inverdades sobre a história de vida da maioria da população negra, como se constata, por exemplo, no jargão: “negro parado é suspeito, correndo é ladrão”. Quanto à ação para a superação do racismo, Ditão e Creuza vinculam a realidade à busca por uma “luz no fim do túnel”.

  • “Estamos envolvidas no projeto da PEC das Domésticas desde 1985. As vitórias foram poucas, mas nunca perdemos a esperança. O avanço foi maior a partir do governo Lula”7 7 https://atarde.com.br/economia/se-a-pec-das-domesticas-existisse-nao-teria-sofrido-tanto-519209 (Creuza Oliveira).

  • “Desde a época da escravidão [...], para deles por conta dos ataques dos capitães do mato, os escravizados tinham que estar unidos. Tivesse desunido, era a mesma coisa de uma formiga fora do formigueiro. Era esmagado. Essa coisa está na mente do povo aqui, que a união faz a força8 8 https://porlatierra.org/docs/66d95331f930a16edc5e4ceecde8b6b3.pdf ” (Ditão).

As atuações demonstram um profundo compromisso com a construção das mudanças urgentes que precisam acontecer no Brasil. Logo, é importante a vinculação das experiências à construção das políticas públicas, possibilitando a conexão entre a vida, a teoria e a política. Para avançar nessa reflexão, serão destacadas duas visões presentes no cenário político atual:

  • Necessidade de investimento efetivo e continuado nas políticas públicas para quem delas precisa. Esta perspectiva está contida na fala de Ditão, quando afirma serem “necessárias as Políticas para as Comunidades Quilombolas, com base na posse da terra, [pois] servem de âncora para a cidadania, com acesso à educação, saúde, etc”.

  • Tem sido crescente a visão teórico-política de que a referência à interseccionalidade de raça, gênero e classe social amplia horizontes. Creuza enfatiza a “importância do reconhecimento da situação de vulnerabilidade imposta às empregadas domésticas, que são [em sua] maioria mulheres negras”.

Ditão e Creuza, ao abordar a realidade “nua e crua” das comunidades quilombolas e das empregadas domésticas e de suas necessidades, reforçam a importância da ação da sociedade civil e das instituições públicas, que obtêm maior efeito quando combinadas.

Ações afirmativas e Políticas de Promoção da Igualdade Racial

O tratamento das Ações Afirmativas na área educacional deve partir da compreensão de que são políticas que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos historicamente discriminados. Com isso, é possível enfrentar o efeito das desigualdades até os dias atuais. Neste sentido, serão apresentadas as iniciativas de Ações Afirmativas desenvolvidas pelo governo federal após a aprovação da Constituinte, promulgada em 05 de outubro de 1988. Conhecida como a Constituição Cidadã, seu estabelecimento supôs um clima de avanços democráticos em relação às adversidades do racismo.

Ao longo da história, percebe-se, de forma inequívoca, que o Movimento Negro e as organizações de Mulheres Negras tensionaram o Estado brasileiro para a viabilização de direitos sociais, políticos e econômicos para a população negra, com destaque para as mulheres negras. O nome disso é resistência!

Marcha Zumbi dos Palmares pela Cidadania e pela Vida, ocorrida em 1995Marcha Zumbi dos Palmares (1996). Por uma política nacional de combate ao racismo e a desigualdade racial/Marcha Zumbi Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida. Cultura Gráfica e Editora., em Brasília. No desfecho do evento, foi protocolado pela coordenação, em audiência com o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, o Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial. As principais reivindicações dessa iniciativa eram a implementação e a avaliação de políticas públicas, o que propiciou a criação, em 1996, do GTI (Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra), e em 1997, do GTDEO (Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação).

Marcha Nacional das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver/MNMN, realizada em 2015, em Brasília. A marcha denunciava como a sociedade brasileira e o Estado excluem, violam e negligenciam os corpos negros, especialmente os das mulheres negras. A Carta/Declaração da MarchaMarcha Nacional de Mulheres Negras. (2015). Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. Documento Analítico. Nacional de Mulheres foi entregue em audiência à Presidenta da República, Dilma Rousseff, com proposições para as políticas públicas voltadas ao setor.

Mesmo que espaçadas cronologicamente, há proximidade de propósitos entre os dois eventos, demonstrando coerência, resistência e acúmulo político para a indicação de políticas públicas no intuito de obter mudanças a curto, médio e longo prazo. Destaca-se a importância da proposição da sociedade civil organizada, manifestando postura política proativa e contribuindo para a vida institucional brasileira.

À movimentação política da sociedade civil e aos diálogos com o governo brasileiro, tendo por base a estruturação dos instrumentos legais e normativos nacionais, como a CF, agregam-se os processos internacionais, sobretudo a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Intolerâncias Correlatas, realizada na África do Sul, denominada como a Conferência de Durban. A Declaração e o Plano de Ação de Durban indicam firmemente aos países a necessidade de assumirem suas responsabilidades, em resposta à urgência do desenvolvimento das Ações Afirmativas, combinadas com as Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Ribeiro, 2014Ribeiro, Matilde (2014). Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil (1986-2010). Garamond.).

No pós Durban (2001 e 2002Durban (2002). Declaração E Programa De Ação De Durban, In III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, Nova Iorque.) surgiram políticas importantes, como a reação do governo brasileiro aos indicativos citados anteriormente: (a) a criação de cota de 20% para negros na estrutura institucional do MDA/Ministério do Desenvolvimento Agrário e do INCRA/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; (b) a contratação de 20% de negros, 20% de mulheres e 5% de pessoas com deficiência para os cargos de assessoria ao MJ/Ministério da Justiça; e (c), a destinação de bolsas de estudo federais a negros que se preparam para o concurso de admissão ao Instituto Rio Branco, encarregado da formação do corpo diplomático brasileiro vinculado ao Ministério das Relações Exteriores.

Com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, foi intensificado o exercício da implementação das Ações Afirmativas combinadas com as Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Em 09 de janeiro de 2003, a primeira ação voltada à questão racial incidiu diretamente no sistema educacional9 9 A lei alterou o artigo 26A da Lei de Diretrizes da Educação Nacional, reconhecendo, dessa forma, uma antiga reivindicação das organizações negras favoráveis à introdução de conteúdos relacionados à história de África, dos africanos e da diáspora como dispositivo de reparação pelos danos causados pela escravidão. , prevendo o desenvolvimento da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a partir da Lei 10.639/03. Posteriormente algumas alterações foram feitas a partir da Lei nº 11.645/08, que obriga o ensino da História e Cultura Indígena, e da Lei 13.146/15, que prevê cotas para as pessoas com deficiência.

No processo de implementação da Lei 10.639/2003 ocorreram alguns desdobramentos, como a homologação, em 18 de maio de 2004, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Parecer n° 03/2004)10 10 Aprovado no Pleno do Conselho Nacional de Educação em 10/03/2023, tendo como relatora a professora Petronília Beatriz Gonçalves e Silva, da Universidade Federal de São Carlos, que representava o Movimento Negro no Conselho Nacional da Educação. . O documento prevê a elaboração e a divulgação de instrumentos voltados aos conhecimentos e estímulos à valorização da história e cultura negra. Em 2012, são publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena e a Educação Escolar Quilombola, resguardando o respeito à base educacional nacional comum, a partir da Educação Básica e das especificidades contidas em cada uma das diretrizes.

Em 21 de março de 2003, pela Lei n° 10.678/2003, foi criada a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), com status de Ministério e com a função de desenvolver uma ação transversal, conectando os demais órgãos do governo federal, descentralizando para os estados e municípios e prezando a relação com a sociedade civil. O objetivo central foi o atendimento à população negra e aos grupos que vivenciam discriminações históricas.

A partir do início da gestão do governo Lula, além da Lei n° 10.639/03Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Inclusão no currículo da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. (2003). Diário Oficial da União. e da SEPPIR, várias ações foram sendo estruturadas por diferentes setores, como o Programa Brasil Quilombola (SEPPIR), o PROUNI - Programa Universidade para Todos (MEC), o Programa Trabalho Doméstico Cidadão (MTE) e a cooperação com o Continente Africano (MRE).

Em 2010, foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial - Lei n° 12.288/10Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial. Presidência da República/Casa Civil. (2010)., destinado a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades para a população negra, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos, o combate à discriminação e às demais formas de intolerância racial. O Estatuto é um instrumento voltado ao apoio e fortalecimento da Constituição Federal.

Em 2010, foi criada também a UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, por meio da Lei n° 12.289/2010Lei n. 12.289, de 20 julho de 2010. Criação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB. Presidência da República/Casa Civil. (2010)., com duas unidades, na Bahia e no Ceará. Os dois principais pilares dessa instituição federal são a interiorização e a internacionalização do ensino, com vistas ao fortalecimento da relação Sul-Sul. A UNILAB é composta por estudantes brasileiros e do PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), que inclui Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Em 2012, na gestão da Presidenta Dilma Rousseff, após tramitar por muito tempo no Executivo e Legislativo federal, foi aprovada, no Congresso Nacional, a Lei n° 12.711/12Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Reserva de vagas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Presidência da República/Casa Civil. (2012)., conhecida como a Lei de Cotas. Voltada ao ingresso nos cursos de graduação, outorgava o mínimo de 50% das vagas das IES (Instituição de Ensino Superior) para estudantes que tivessem cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas (pobres, negros e indígenas). Em 2016, ocorreu uma alteração na Lei n° 13.409/16, que passou a incluir vagas para as pessoas com deficiência. E, em 2023, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram o projeto de Lei n° 5.384/2011 11 O PL foi apresentado pela Deputada Federal Maria do Rosário (PT/RS), com a relatoria da Deputada Federal Danara Tonantins (PT/MG). . Neste momento, houve a exigência de se trilhar novos passos em defesa da política de cotas e do reforço às ampliações, como a garantia de cotas para estudantes quilombolas e pós-graduandos, e também, a priorização de bolsas para cotistas.

A partir de 2018, aprimorando o monitoramento das cotas, foram criadas as Comissões de Heteroidentificação Racial12 12 Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). , no intuito de proteger os interesses individuais e coletivos diante das fraudes contra a política pública. Essa medida reafirma a necessidade de fiscalizar e avaliar as cotas, considerando o terreno arenoso que é a autodeclaração.

No Brasil, em 2023, registra-se o número de 69 (sessenta e nove) universidades públicas federais que já “adotaram a política de Ação Afirmativa que reserva vagas para pessoas pobres, negras e indígenas em seus cursos de graduação” (Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis, 2020Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis - FONAPRACE. (2020). Manifesto pela prorrogação da Lei de Cotas nas Instituições Federais de Ensino Superior e Técnico Brasileiras. https://www.ufopa.edu.br/media/file/site/proges/documentos/2020/2538c8887d612e1907e1a5c75fcf123c.pdf
https://www.ufopa.edu.br/media/file/site...
, p. 2).

Em 2014, foi aprovada a Lei n° 12.990, referente às Cotas nos Concursos Públicos, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos para provimento de cargos efetivos e empregos no âmbito da administração federal, das autarquias, fundações e empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Esta lei terá vigência de 10 (dez) anos, com duração até 09 de junho de 2024. Esta situação requer mais que alerta, pois exige uma movimentação urgente da sociedade civil com vistas à ampliação ou extinção do prazo para a validade da lei.

No período de 2003 a 2016 (nos governos Lula e Dilma), mesmo que incipientes, foram desenvolvidas importantes políticas de igualdade racial. Porém, em 2016, ocorre o “Golpe de Estado” e o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, que resultam em retrocesso e no desmonte das políticas públicas, por meio da gestão conservadora do Presidente Michel Temer e da política de extrema direita do Presidente Jair Bolsonaro.

Em 2023, com o terceiro mandato do Presidente Lula, ressurgem as políticas de direito social, sendo que um dos órgãos criados foi o Ministério da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas. Em 21 de março de 2023, no Dia Internacional contra todas as Formas de Discriminação Racial, foi assinado o Decreto n° 11.443/23, que garante 30% das vagas na administração pública para pessoas negras, com paridade de gênero na ocupação desses cargos13 13 https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-diz-que-precisamos-combater-racismo-como-praga-em-plantacao/ , até 31 de dezembro de 2026. Portanto, deve haver formas de monitoramento para que os cargos sejam destinados de maneira democrática, pois os cargos mais valorosos, em status e salário, são disputadíssimos. Logo, deve-se considerar que as pessoas negras têm que fazer parte dessa disputa.

Com oportunidades, mesmo frente a dificuldades, as mudanças acontecem

No item anterior, consta um compêndio de leis e normatizações para políticas públicas de igualdade racial, assim como um breve enredo do processo institucional e político em atenção à população negra. É importante identificar que, no fazer das Ações Afirmativas, dificuldades e desafios sempre se interpuseram às conquistas. Isso pode ser observado a partir de várias fases de elaboração da política de cotas, antes, durante e depois da aprovação da Lei. Na sociedade e nas instituições públicas, principalmente nos ambientes acadêmicos, conforme as Políticas de Ação Afirmativa e a Promoção de Igualdade Racial iam tomando corpo, formou-se um clima de muitas disputas, tensões e incompreensões, sendo que os questionamentos contrários a elas se resumiam a indagar se: Seriam as cotas/ações afirmativas um perigo para a sociedade e para as políticas públicas? A adoção de cotas/ações afirmativas no Brasil caracterizaria a garantia de um direito ou o estabelecimento de um privilégio?

Diante disso, de maneira direta, Sabrina Moehlecke (2002Moehlecke, Sabrina (2002). Ação afirmativa: história e debates no Brasil.Cadernos de Pesquisa, 117, 197-217.) argumenta que as cotas são um direito constitucional, à medida que procuram corrigir uma situação real de discriminação, de modo que não constituem uma discriminação porque seu objetivo é justamente atingir uma igualdade de fato. Nessa mesma direção, Sales Augusto dos Santos et al. (2008Santos, Sales Augusto, Cavalleiro, Eliane, Barbosa, Inês Maria, & Ribeiro, Matilde (2008). Ações afirmativas: polêmicas e possibilidades sobre igualdade racial e papel do Estado. Estudos feministas, Florianópolis, 16(3), 913-929.) alegam que alguns cientistas sociais são contrários às cotas para pessoas negras por desconsiderarem a produção acadêmica sobre o tema, muitas vezes, feitas por pesquisadores afrodescendentes. O tema é tratado como futurologia, sendo que muitos se afastam da elaboração de fundamentações com rigor acadêmico, ficando apenas na fomentação dos debates e alimentando previsões catastróficas insustentáveis.

A principal tarefa não se trata apenas de defender as cotas, mas também reconhecer e absorver a importância da necessidade dessa medida14 14 Em 2010, diante da complexidade da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, na área de quilombos, o ministro do STF convocou uma Audiência Pública sobre Políticas de Ações Afirmativas e Cotas nas Universidades, onde foram ouvidos acadêmicos, parlamentares, representantes de movimentos sociais e de órgãos governamentais. As reações, após a Audiência Pública, registram uma atmosfera favorável à adoção da política de cotas, significando um divisor de águas no processo de implementação de políticas de igualdade racial no país. , contribuindo para o seu aprimoramento. Denise Carreira e Rosana Heringer (2022Carreira, Denise & Heringer, Rosana (2022). Considerações finais e recomendações. In 10 Anos da Lei de Cotas, Conquistas e perspectivas (pp. 547-555). Faculdade de Educação da UFRJ e Ação Educativa., p. 520) destacam que ainda não foram gerados programas de acompanhamento do desempenho e do percurso dos estudantes cotistas suficientes, o que indica as muitas “dificuldades relacionadas ao pleno acolhimento e à participação destes estudantes na instituição”. Neste sentido, é preciso contestar o modelo de produção de conhecimento adotado pelas instituições de ensino, que ainda reproduz a colonialidade do saber.

Bia Ferreira15 15 Cantora, compositora brasileira e ativista. Define sua música como “MMP - Música de Mulher Preta”, sendo que os temas de suas composições, em geral, abordam o feminismo, o antirracismo e a LGBTfobia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Bia_Ferreira , em sua canção intitulada “Cota não é esmola”, elucida com acerto essa questão, quando diz que: “Experimenta nascer preto, pobre na comunidade/Cê vai ver como são diferentes as oportunidades/E nem venha me dizer que isso é vitimismo/ Não bota a culpa em mim pra encobrir o seu racismo/Que isso é vitimi, que isso é vitimi, que isso é vitimismo”.

E, de fato, cota não é esmola, e sim, uma oportunidade, pois as ações afirmativas e as cotas propiciam a inclusão de um grande contingente de jovens negros, indígenas e pobres nas universidades públicas. E também possibilitam melhorias na qualidade de vida de maneira individual, na família e na comunidade. Na maioria das vezes, os estudantes cotistas são os primeiros da família ou da comunidade a ingressarem em uma universidade pública. Porém, reconhece-se que a simples inclusão desses estudantes é insuficiente para mudar a realidade global do setor e mesmo toda a sociedade em uma perspectiva antirracista.

Dado o perfil dos estudantes cotistas, Maria Aparecida Miranda (2021Miranda, Maria Aparecida (2021). Narrativas de Estudantes Negros e as Ações Afirmativas como reparações. In C. S. Vieira, I. Soares da Silva, & M. A. Farias Malcher (Orgs.), Escola de Políticas de Ações Afirmativas (pp. 269-292). ABPN - Associação Brasileira de Pesquisadoras/es Negras/os.) identificou que os auxílios são gastos com demandas básicas, como alimentação, mobilidade e material didático, mas também com a contribuição familiar, desonerando os gastos coletivos. Desta forma, percebe-se que os estudantes de baixa renda compreendem a utilização dos auxílios, para além do atendimento às necessidades cotidianas da dinâmica escolar. Logo, assumem importância na composição do orçamento familiar.

Na atualidade, são várias as pesquisas e os estudos que demonstram a necessidade da política de cotas como uma alavanca para processos democráticos, pois consideram a universidade pública como um direito de todos. Em geral, quando são apresentados os processos e resultados do monitoramento e avaliação das políticas públicas, são esperadas estatísticas, tabelas e gráficos demonstrando a concretude dos resultados, mas é importante ver que, além dos números, existem as pessoas e suas histórias.

Com as cotas, foi oportunizada a vivência em ambientes com maior diversidade, a considerar: a presença dos estudantes cotistas; a existência dos coletivos estudantis, formados por pessoas negras, indígenas, quilombolas, LGBTQAPN+, feministas, pessoas com deficiências, entre outras; a inserção de docentes negros e/ou que correspondem ao perfil das políticas de cotas; a criação dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) e Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABIS).

Tem sido crescente o desenvolvimento de atividades oriundas de projetos e grupos de estudo, pesquisa e extensão que se centram em questões étnicas, raciais e de gênero, e também, os vínculos dos pesquisadores com instituições de pesquisa e de fomento. Nesse quadro, deve se estimular igualmente a vinculação de estudantes, docentes e pesquisadores a associações democráticas que seguem a linha da intersecção entre raça, gênero e classe social, ou então, de perspectivas decoloniais e afro-referenciadas.

As necessidades cotidianas dos estudantes, no que diz respeito à permanência, têm se apresentado a partir de: demandas de bolsas e auxílios financeiros, assim como acolhimento, respeito e escuta ativa; simplificação de procedimentos burocráticos excludentes; acesso a cursos de línguas estrangeiras; habitação e habitabilidade; acessibilidade à cultura e estímulos a novos conhecimentos; e informação ampla sobre oportunidades acadêmicas, dentro e fora das instituições.

Diante de tantas questões acerca da necessidade de combater fragilidades da política de cotas, algumas perspectivas de fortalecimento foram retratadas no Relatório Final da Comissão de Juristas (2021Comissão de Juristas (2021). Relatório Final. Câmara de Deputados. https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/56a-legislatura/comissao-de-juristas-combate-ao-racismo-no-brasil/outros-documentos/relatorio-final
https://www2.camara.leg.br/atividade-leg...
), instituída pela Câmara dos Deputados e “destinada a avaliar e propor estratégias normativas com vistas ao aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo estrutural e institucional no país”. Como ponto de partida, e reforçando posições já apresentadas anteriormente, a comissão considera que as ações afirmativas:

(a) fortalecem laços sociais, impedindo o isolamento de grupos e retirando a força de práticas discriminatórias; (b) permitem o exercício de pluralidade de visões de mundo e interesses do contrário silenciados e; (c) permitem redistribuição de recursos materiais e simbólicos a grupos historicamente discriminados (2021, p. 19).

Já em relação à estruturação das cotas, afirmam que:

É preciso garantir a implementação de mecanismos de governança que obriguem gestores públicos, de modo aberto e participativo, ao planejamento, execução, monitoramento e avaliação das políticas públicas de combate ao racismo, não apenas para melhorar seus desempenhos ou assegurar suas efetividades, mas também prevenir abandonos tácitos e descontinuidades (2021, p. 20).

Na fala de duas estudantes da UNILAB, diante das experiências vivenciadas, é possível adentrar universos que as leis e as formas de estruturação das políticas não permitem. Conforme dito anteriormente, a vivência das cotas muda o ambiente escolar:

“Meu perfil era aquele ‘sem futuro’, [pois] foi colocado na minha cabeça que eu não era inteligente e que não valia a pena estudar. A luta em relação às cotas mostrou que era contraditório não querer realizar o curso superior. A entrada pelas cotas me trouxe muitas responsabilidades: contribuir para o fortalecimento das Ações Afirmativas e defender não apenas a implantação, estimular outras pessoas a ingressarem na universidade, mas a manutenção e continuidade da política” (Geyse Anne Souza da Silva, natural de Fortaleza).

“Sou mãe de três filhos, e os dois mais novos nasceram nesse período em que estudo na UNILAB. Não é fácil ocupar os espaços que nos é de direito nas universidades públicas, [pois] a concorrência em termos de preparo para a vida acadêmica é muito difícil. Profissionalmente sou gestora na Escola Quilombola. Toda essa combinação foi uma grande conquista, um divisor de águas na minha vida. É muito importante estar no Mestrado Interdisciplinar de Humanidades, depois de ter estudado pedagogia no Edital para Indígenas e Quilombolas, apoiada pela Lei de Cotas na UNILAB. Ainda hoje existe reação de pessoas contra as cotas, ouvimos barbaridades dos docentes, de estudantes que questionam a capacidade dos negros, quilombolas e indígenas. A questão é a de sempre: a garantia do mérito. Nosso papel hoje é lutar para garantir que os jovens quilombolas, indígenas e pobres entrem e tenham permanente mobilidade nas universidades” (Francisca Marleide do Nascimento quilombola do Quilombo Alto Alegre, Horizonte/CE)16 16 Os depoimentos de Geyse Anne Souza e de Francisca Marleide do Nascimento (estudantes da UNILAB) são produto de uma Roda de Conversa: Reflexões a partir da condição de estudante cotista, coordenada por mim, na condição de professora da UNILAB, em novembro de 2022. As falas tiveram autorização das estudantes que, na luta política na academia, reafirmam seu espaço e assumem suas vozes ativas como cotistas. Concordaram em assumir este lugar com o uso do nome próprio. .

É óbvio que não se deve generalizar, mas ambos os depoimentos revelam muitas das adversidades vivenciadas pelo conjunto dos estudantes cotistas, através de alguns aspectos abordados, como: as dificuldades de acesso; a visão negativa de si mesmas quanto à capacidade; as jornadas extensas que se somam ao estudo, ao trabalho e à vivência familiar, às vezes, com filhos pequenos; a participação política; a expectativa do estudo como fonte de melhoria de vida; e a vivência com o preconceito e o racismo. São muitas as dificuldades, de fato, mas um elemento comum entre os depoimentos é o sentimento de conquista e a satisfação pela escolha e a oportunidade. As questões apresentadas pelas estudantes cotistas dialogam com as pesquisas e os estudos realizados recentemente, sendo que a política de cotas já soma uma década, com experiências muito diferenciadas em todo o território nacional.

Descortinar o vivido como um exercício para modificar a vida

É imensurável a contribuição para uma vivência mais democrática que as Ações Afirmativas propiciam, sobretudo em relação às cotas sociais e raciais. Porém, esta política ainda não é bem aceita dentro das instituições públicas e em alguns setores da sociedade. Nas universidades, coabitam, ao mesmo tempo, a alegria pela conquista do acesso e a dor pelas limitações estruturais, além do constante enfrentamento do racismo, do preconceito de raça, gênero, LGBTfobia, xenofobia, capacitismo, etarismo, entre outras formas de discriminação.

Fica evidente que o centro do debate é extremamente conservador e a serviço da perpetuação do racismo. Isso está longe da compreensão de que as Ações Afirmativas, na modalidade de cotas, são medidas emergenciais, havendo a iminência de construir caminhos mais efetivos e continuados. O debate a favor e contrário às cotas é contínuo, mesmo após o exercício feito por todas as universidades federais brasileiras. Nas análises, há uma “positividade no ar”, porém, é preciso entender que os setores progressistas e os estudantes cotistas ganharam uma “batalha”, e que a “guerra” ainda se faz presente.

É fundamental considerar as sabedorias e os aprendizados trilhados pelo Movimento Negro e pelas organizações de Mulheres Negras nos processos de luta por direitos e no diálogo e negociação com o Estado. Para tanto, deve haver o empenho na valorização das experiências em curso, seja das demandas históricas voltadas à igualdade racial, seja dos processos de luta desenvolvidos pela sociedade civil. É imprescindível a criação e/ou manutenção de fóruns governamentais (com a participação da sociedade civil) e também autônomos para a proposição, análise e monitoramento das Políticas de Ações Afirmativas em curso. Com isso, garante-se uma maior conexão no interior do sistema educacional e das instituições educacionais com os setores do Movimento Negro e as Organizações das Mulheres Negras. O resultado efetivo é, sem dúvida, o fortalecimento das ações coletivas nesse universo da educação étnico-racial e da inserção de setores excluídos, conforme almejam historicamente as pessoas que desenvolveram um senso crítico à sociedade quanto à necessidade de superar o racismo.

Acaba de ser aprovado, no Congresso Nacional, um novo PL sobre cotas. Portanto, para a sua devida continuidade, o Movimento Negro, as Organizações das Mulheres Negras, o Movimento Estudantil, os agentes educacionais e as próprias IES passam a ter prioridade na tarefa de monitorar, aprimorar e ajustar a política de cotas. Com isso, farão valer o ensinamento deixado pelo líder sul africano Steve Biko, assassinado em 1977 na luta contra o apartheid, quando afirmou: “Ou você luta, ou está morto!”. Resta complementar que um grande número de ativistas no Brasil e no mundo morre lutando, muitas vezes, por ação da polícia. E cabe mudar esse quadro.

Referências

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  • Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT. (1997). A história de Vicente, o homem que “escurecia” o departamento. Ceert (São Paulo), 1(1).
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    » https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/56a-legislatura/comissao-de-juristas-combate-ao-racismo-no-brasil/outros-documentos/relatorio-final
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  • Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis - FONAPRACE. (2020). Manifesto pela prorrogação da Lei de Cotas nas Instituições Federais de Ensino Superior e Técnico Brasileiras https://www.ufopa.edu.br/media/file/site/proges/documentos/2020/2538c8887d612e1907e1a5c75fcf123c.pdf
    » https://www.ufopa.edu.br/media/file/site/proges/documentos/2020/2538c8887d612e1907e1a5c75fcf123c.pdf
  • Gomes, Nilma Lino (2017). O Movimento Negro educador: saberes construídos em lutas por emancipação. Vozes.
  • Gonzalez, Lélia & Hasenbalg, Carlos (2022). Lugar de Negro Zahar.
  • Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010. Estatuto da Igualdade Racial Presidência da República/Casa Civil. (2010).
  • Lei n. 12.289, de 20 julho de 2010. Criação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB. Presidência da República/Casa Civil. (2010).
  • Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Inclusão no currículo da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. (2003). Diário Oficial da União
  • Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Reserva de vagas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Presidência da República/Casa Civil. (2012).
  • Marcha Nacional de Mulheres Negras. (2015). Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver Documento Analítico.
  • Marcha Zumbi dos Palmares (1996). Por uma política nacional de combate ao racismo e a desigualdade racial/Marcha Zumbi Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida Cultura Gráfica e Editora.
  • Miranda, Maria Aparecida (2021). Narrativas de Estudantes Negros e as Ações Afirmativas como reparações. In C. S. Vieira, I. Soares da Silva, & M. A. Farias Malcher (Orgs.), Escola de Políticas de Ações Afirmativas (pp. 269-292). ABPN - Associação Brasileira de Pesquisadoras/es Negras/os.
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  • Ribeiro, Matilde (2014). Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil (1986-2010) Garamond.
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  • Theodoro, Mário (2008). A formação do mercado de trabalho e a questão racial no Brasil. In As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição (pp. 15-43). IPEA.
  • Theodoro, Mário (2022). A sociedade desigual: Racismo e branquitude na formação do Brasil. Zahar.

Notas

  • 1
    https://ailpcsh.org/2021/02/12/centenariopaulofreire_esperancar/#:~:text=%C3%89%20preciso%20ter%20esperan%C3%A7a%2C%20mas,construir%2C%20esperan%C3%A7ar%20%C3%A9%20n%C3%A3o%20desistir
  • 2
    https://fpabramo.org.br/2010/09/08/nosso-racismo-e-um-crime-perfeito-entrevista-com-kabengele-munanga/
  • 3
    Abdias verbalizava geralmente esta frase nos eventos em que participava, sendo que tive a oportunidade de ouvir e registrá-la em anotações pessoais.
  • 4
    Expressão utilizada para designar as pessoas que vivem após 110 anos. https://www.oguiadeitajuba.com.br/Personalidades/Pers_M/Maria-Carmo-Jeronimo.php
  • 5
    Jornal da USP - 6 a 12 de agosto de 2007, ano XXII, nº 804. As histórias e as lutas de Ivaporunduva. https://www.usp.br/jorusp/arquivo/2007/jusp804/pag0405.htm
  • 6
    https://revistaraca.com.br/trabalhadoras-domesticas/
  • 7
    https://atarde.com.br/economia/se-a-pec-das-domesticas-existisse-nao-teria-sofrido-tanto-519209
  • 8
    https://porlatierra.org/docs/66d95331f930a16edc5e4ceecde8b6b3.pdf
  • 9
    A lei alterou o artigo 26A da Lei de Diretrizes da Educação Nacional, reconhecendo, dessa forma, uma antiga reivindicação das organizações negras favoráveis à introdução de conteúdos relacionados à história de África, dos africanos e da diáspora como dispositivo de reparação pelos danos causados pela escravidão.
  • 10
    Aprovado no Pleno do Conselho Nacional de Educação em 10/03/2023, tendo como relatora a professora Petronília Beatriz Gonçalves e Silva, da Universidade Federal de São Carlos, que representava o Movimento Negro no Conselho Nacional da Educação.
  • 11
    O PL foi apresentado pela Deputada Federal Maria do Rosário (PT/RS), com a relatoria da Deputada Federal Danara Tonantins (PT/MG).
  • 12
    Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).
  • 13
    https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-diz-que-precisamos-combater-racismo-como-praga-em-plantacao/
  • 14
    Em 2010, diante da complexidade da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, na área de quilombos, o ministro do STF convocou uma Audiência Pública sobre Políticas de Ações Afirmativas e Cotas nas Universidades, onde foram ouvidos acadêmicos, parlamentares, representantes de movimentos sociais e de órgãos governamentais. As reações, após a Audiência Pública, registram uma atmosfera favorável à adoção da política de cotas, significando um divisor de águas no processo de implementação de políticas de igualdade racial no país.
  • 15
    Cantora, compositora brasileira e ativista. Define sua música como “MMP - Música de Mulher Preta”, sendo que os temas de suas composições, em geral, abordam o feminismo, o antirracismo e a LGBTfobia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Bia_Ferreira
  • 16
    Os depoimentos de Geyse Anne Souza e de Francisca Marleide do Nascimento (estudantes da UNILAB) são produto de uma Roda de Conversa: Reflexões a partir da condição de estudante cotista, coordenada por mim, na condição de professora da UNILAB, em novembro de 2022. As falas tiveram autorização das estudantes que, na luta política na academia, reafirmam seu espaço e assumem suas vozes ativas como cotistas. Concordaram em assumir este lugar com o uso do nome próprio.

Notas

  • Financiamento

    Não houve financiamento
  • Aprovação, ética e consentimento

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2023
  • Revisado
    03 Out 2023
  • Aceito
    03 Out 2023
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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