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PSICODRAMA NO BRASIL: APLICAÇÕES CONTEMPORÂNEAS EM SAÚDE MENTAL, EDUCAÇÃO E COMUNIDADES

PSICODRAMA EN BRASIL: APLICACIONES CONTEMPORÁNEAS EN SALUD MENTAL, EDUCACIÓN Y COMUNIDADES

Embarcando em uma jornada literária pelas páginas de Psicodrama no Brasil: aplicações contemporâneas em saúde mental, educação e comunidades (Fleury, Marra & Hadler, 2022Fleury, H. J., Marra, M. M., & Hadler, O. H. (org.). (2022). Psychodrama in Brazil: Contemporary Applications in Mental Health, Education, and Communities. Springer. https://doi.org/10.1007/978-981-19-1832-2
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), revelam-se ricas contribuições da teoria e da prática do psicodrama no Brasil, um país que deu ao mundo figuras influentes nas ciências sociais e nas artes dramáticas, como Paulo Freire e Augusto Boal. O solo cultural e sócio-histórico brasileiro abraça a revolução criativa proposta por Jacob Levy Moreno, cuja teoria encontra solo fértil no país florescendo com a criatividade e espontaneidade de um povo que obtém força e resiliência de laços coletivos e raízes ancestrais. Naturalmente, tal abordagem revolucionária emerge não apenas como uma técnica psicológica, mas como uma força dinâmica, uma ferramenta transformadora que perpassa os campos da arte, da pedagogia, da psicoterapia, da política e das dinâmicas psicossociais.

Seguindo os fundamentos epistemológicos da teoria psicodramática, o livro é composto de 24 capítulos, organizados em quatro atos, abordando respectivamente: “Ato histórico: fundamentos do psicodrama brasileiro”, “Atos clínicos: psicodrama, psicoterapia, desenvolvimento humano”; “Ato socioterapêutico: psicodrama, práticas psicossociais e populações vulneráveis (ou tornadas vulneráveis)”; e finalmente, o ato final, “Atos socionômicos: psicodrama, política e sociedade”. Ao navegarmos pelos capítulos deste extenso trabalho, elaborado por mais de 40 autores de diversas perspectivas, desvendamos os distintos fios da evolução do psicodrama no Brasil. Testemunhamos sua emergência como um poderoso catalisador de transformação, abordando desafios contemporâneos no contexto brasileiro com foco em resistência, inventividade e transformação social (capítulo 1).

O primeiro ato é um convite para compreender as raízes do psicodrama no Brasil. Começando com seus fundamentos filosóficos e históricos, incorporados aos aspectos demográficos, político-sociais e culturais do Brasil, Brito e Merengué (capítulo 2) identificam momentos históricos significativos relacionados à opressão política (como eventos durante a ditadura autoritária, períodos de redemocratização e anos de democracia contemporânea em meio às mudanças de poder entre as alas esquerda e direita); momentos com destaque para a produção científica, sobretudo nas ciências da saúde, trazendo a teoria e a prática moreniana para o ambiente universitário. O capítulo traz marcos relevantes, como o surgimento do psicodrama ligado aos direitos das minorias, desde sua introdução no Brasil pelo sociólogo Guerreiro Ramos (1915–1982), colocando o debate étnico-racial no palco, até discussões recentes, como movimento indígena, diversidade sexual, saúde e doença e todas as patologias sociais resultantes, como machismo, racismo, homofobia, elitismo e classismo brasileiros, fundamentalismo religioso ou filosófico e temas anticiência, recentemente abordados por vários autores no psicodrama.

Após compreender alguns aspectos filosóficos e teóricos entrelaçados com o contexto histórico e cultural brasileiro, os capítulos seguintes do primeiro ato elucidam o desenvolvimento do teatro espontâneo brasileiro (capítulo 4), o psicodrama público no Brasil (capítulo 5) e os fundamentos da formação em psicodrama, destacando as raízes da Federação Brasileira de Psicodrama e seu compromisso com o projeto político-pedagógico de formar profissionais em sua abordagem progressista e emancipatória.

O segundo ato explora o aspecto clínico do psicodrama, principalmente a parte sociátrica da teoria moreniana e como ela é aplicada na psicoterapia e no desenvolvimento humano. A leitura aborda a modalidade psicoterapêutica do psicodrama com crianças, adolescentes e idosos, terapia familiar e em grupo, acrescentando um capítulo sobre o psicodrama como modalidade de escolha para o tratamento de disfunções sexuais em um programa temático de psicoterapia em grupo, como visto no capítulo 14. Explorando desafios durante a crise de saúde da Covid-19, o segundo ato fornece exemplos práticos de como conduzir sessões psicodramáticas online em psicoterapia.

Além disso, outro movimento interessante da seção é o aprofundamento no aspecto minimalista do psicodrama, provavelmente a maneira mais reduzida e simplificada de aplicar a teoria moreniana, na psicoterapia individual, chamada psicoterapia da relação, por Fonseca, no capítulo 10. O leitor obtém uma luz sobre como essa simplificação também pode ser útil para incorporar o psicodrama de forma rentável em uma abordagem clínica de psicoterapia, na conhecida sessão individual de 50 minutos, sem abrir mão da teoria do psicodrama.

Dirigindo-se ao terceiro ato, o leitor encontra uma impressionante compilação de aplicações socioterapêuticas do psicodrama com populações vulneráveis – ou tornadas vulneráveis. Mantendo um olhar sobre os processos de exclusão social, o contexto social cru no Brasil é marcado por práticas coloniais, resultando em uma maior opressão de grupos sociais específicos, gerando e reproduzindo ciclos de violência. Em resposta a essa realidade, a terceira seção traz exemplos de intervenções psicossociais usando o psicodrama de maneira transformadora para lidar com ela, como ao abordar intervenções contra a violência sexual no capítulo 15, seguido por um capítulo de Conceição e Penso, que mostra intervenções psicodramáticas com crianças e adolescentes sob a proteção do sistema judicial.

Na mesma seção, após a reflexão sobre um país de imensa desigualdade social, as intervenções psicossociais em psicodrama surgem com ações práticas para assegurar os direitos humanos de grupos profundamente marginalizados no Brasil, como a população em situação de rua (capítulo 17) e os povos indígenas (capítulo 18), advogando por eles. Ambos os capítulos trazem reflexões importantes sobre opressão étnico-racial e de classe.

O capítulo sobre psicodrama com a população em situação de rua salienta as contribuições da parceria profissional entre a psicologia e as redes de assistência social, que pode usufruir o sociodrama para fortalecer políticas públicas de justiça social, proteger os direitos de cada cidadão, especialmente os mais vulneráveis no ambiente urbano, trazendo reflexões necessárias sobre a aplicação de sociodramas em métodos de pesquisa-ação nas áreas da psicologia e do serviço social.

Seguindo, em Hardler et al. (capítulo 18), o leitor explora emaranhados de abordagens filosóficas originadas da teoria moreniana conectando-se ao renomado autor indígena Ailton Krenak e até a abordagem dialógica da pedagogia de Paulo Freire, favorecendo múltiplas perspectivas de conhecimento e transformação aplicadas no palco da educação popular em saúde com os povos indígenas no sistema público de saúde.

Finalmente, a quarta seção aprofunda-se no cerne das raízes socionômicas na sociedade brasileira, unindo psicodrama e política na luta contra desigualdades, múltiplas marginalizações e práticas coloniais, visando à justiça social. Dessa maneira, o ato final trata de psicodrama e política (capítulo 19), de psicodrama étnico (capítulo 20), mediante uma abordagem afrocentrada focando em uma aplicação antirracista do psicodrama, do sociodrama público contra a homofobia (capítulo 21), das experiências de uso do psicodrama como estratégia pedagógica para implementar políticas públicas em saúde e educação (capítulo 22), entre outros exemplos.

Nessa última seção, deve-se destacar o capítulo de Malaquias et al., que fala do etnodrama moreniano e da psicologia africana, entrelaçando relações étnico-raciais e o futuro do psicodrama. Com essa leitura, é importante recordar que as raízes profundas das questões étnico-raciais remontam ao primeiro sociodrama realizado no Brasil, quando o sociólogo negro Guerreiro Ramos abordou questões relativas ao movimento negro no Brasil ao final da década de 1940. A invisibilidade paradoxal desse fato nas memórias do psicodrama brasileiro até tempos recentes é também um indicador da grande relevância que deve ser dada às discussões étnicas na cena psicodramática, que deve ocupar seu espaço merecido para crescer no futuro do psicodrama brasileiro.

O livro Psicodrama no Brasil: aplicações contemporâneas em saúde mental, educação e comunidades explora extensiva e criticamente as contribuições decoloniais na prática do psicodrama no Brasil, clamando por uma revolução cultural criativa na sociedade. Enquanto a psicologia como ciência com frequência reflete paradigmas eurocêntricos, esse livro navega corajosamente pelas intrincadas camadas dos legados coloniais, convocando uma mudança transformadora de perspectivas, lançando holofotes sobre vozes marginalizadas e desafiando a hegemonia dos discursos dominantes, mostrando as contribuições do psicodrama refletidas em áreas mais amplas das ciências sociais, educacionais e de saúde, assim como em seu primeiro berço, nas artes dramáticas.

O leitor se depara com um psicodrama interseccional que faz sentido em sua prática na sociedade brasileira, reconhecendo a natureza interconectada das identidades sociais e dos sistemas de opressão. Nesse sentido, um livro elaborado por várias mãos traz perspectivas múltiplas, resultando em um psicodrama que reconhece a interação complexa entre raça, gênero, classe e outros eixos de identidade na história e dinâmicas contemporâneas no Brasil.

Apesar de abranger a diversidade e reconhecer a amplitude do livro, um ponto que fez falta foi uma abordagem mais abrangente do enfoque anticapacitista na prática do psicodrama no Brasil. Essa questão foi brevemente mencionada apenas no capítulo 7, no qual as autoras destacam os resultados do psicodrama com crianças neurodivergentes. Talvez em futuras edições, o potencial do psicodrama como ferramenta para abordar as questões e os direitos das pessoas com deficiência encontre espaço, assim como outros temas emergentes na prática psicodramática.

Finalmente, destaca-se o encontro entre autores renomados do cenário psicodramático brasileiro e novas vozes emergentes, resultando em uma perspectiva plural e moderna que reflete a força da diversidade na elaboração do livro, no entanto fica a reflexão sobre a importância de disponibilizar versões em português e espanhol da obra para o público brasileiro e latino-americano, ampliando o alcance das discussões. Embora sejam compreensíveis as razões editoriais para promover um acesso mais amplo e inclusivo internacionalmente ao lançá-lo em inglês, as contribuições do livro poderiam enriquecer ainda mais o diálogo no contexto brasileiro. O livro traz uma jornada literária agradável e intrigante, que abre as cortinas para vozes do sul global compartilharem ricas contribuições para o desenvolvimento do psicodrama em todo o mundo. O sabor disso desperta a mente do leitor e o instiga a explorar futuras edições dessa série editorial ao redor do mundo.

AGRADECIMENTOS

Não aplicável.

  • FINANCIAMENTO

    Não aplicável.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS

Não aplicável.

REFERÊNCIA

  • Fleury, H. J., Marra, M. M., & Hadler, O. H. (org.). (2022). Psychodrama in Brazil: Contemporary Applications in Mental Health, Education, and Communities Springer. https://doi.org/10.1007/978-981-19-1832-2
    » https://doi.org/10.1007/978-981-19-1832-2

Editado por

Editora de seção: Oriana Hadler https://orcid.org/0000-0001-9736-2224

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2024
  • Aceito
    08 Fev 2024
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