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Avaliação da Qualidade de Vida Infantil: O Inventário Sistémico de Qualidade de Vida para Crianças

Children's Quality of Life Assessment: Child Quality of Life Systemic Inventory

Resumos

A avaliação da qualidade de vida infantil apresenta especificidades metodológicas. O objetivo do presente estudo é analisar as características psicométricas da versão portuguesa do Inventaire Systémique de Qualité de Vie pour Enfants(ISQV-C), que assenta numa abordagem conceptual e metodológica inovadora para a autoavaliação da qualidade de vida, por ser interativo e lúdico, possuir uma psicometria que explora diversas pontuações e permitir uma análise de cada domínio de vida. Participaram do estudo 120 crianças portuguesas, dos 8 aos 12 anos de idade. Os resultados apontam para uma consistência interna satisfatória das quatro pontuações do ISQV-C (Estado, Objetivo, Importância e Qualidade de Vida), atestam validade convergente ao instrumento, não sendo favoráveis à existência de uma estrutura fatorial. Demonstra-se a adequação psicométrica e o interesse da versão portuguesa do ISQV-C.

Qualidade de vida; criança; avaliação; ISQV-C


The assessment of children's quality of life presents specific methodological aspects. The objective of this study was to examine the psychometric properties of the Portuguese version of the Child Quality of Life Systemic Inventory (CQLSI). It is based on an innovative conceptual and methodological approach to quality of life self-assessment. It is interactive and playful, has a psychometry which operates several scores, and allows the analysis of each domain of life. One hundred twenty Portuguese children, from 8 to 12 years old, participated in the study. Results show that internal consistency of the four scores of the CQLSI (State, Goal, Rank and Gap) is satisfactory and all scores have their own specificity. Findings reveal the feasibility of this self-assessment instrument for children's quality of life, demonstrating psychometric adequacy of the Portuguese version.

Quality of life; children; assessment; CQLSI


O termo qualidade de vida testemunha um interesse crescente pelos aspetos qualitativos da vida, colocando-se a questão "o que é uma vida de qualidade e como podemos avaliá-la?". No âmbito da Saúde Pública, a adoção de uma abordagem ligada à qualidade de vida pode contribuir para a compreensão e o conhecimento da saúde das crianças e dos adolescentes e para o estabelecimento de políticas que favoreçam e promovam a sua saúde e o seu bem-estar (Ravens-Sieberer et al., 2007Ravens-Sieberer, U., Auquier, P., Erhart, M., Gosch, A., Rajmil, L., Bruil, J., ...The European KIDSCREEN Group. (2007). The KIDSCREEN-27 quality of life measure for children and adolescents: Psychometric results from a cross-cultural survey in 13 European countries. Quality of Life Research, 16(8), 1347-1356.; Ravens-Sieberer et al., 2005Ravens-Sieberer, U., Gosch, A., Rajmil, L., Erhart, M., Bruil, J., Duer, W., ...The European KIDSCREEN Group. (2005). KIDSCREEN-52 quality of life measure for children and adolescents. Expert Review of Pharmacoeconomics & Outcomes Research, 5(3), 353-364.).

A importância do estudo da qualidade de vida na criança é amplamente reconhecido. Contudo, subsistem dificuldades quanto à sua conceptualização e avaliação. De um modo geral, a literatura evidencia um pobre desenvolvimento de modelos teóricos subjacentes aos instrumentos de avaliação da qualidade de vida infantil (e.g., Davis et al., 2006Davis, E., Waters, E., Mackinnon, A., Reddihough, D., Graham, H. K., Mehmet-Radji, O., & Boyd, R. (2006). Paediatric quality of life instruments: A review of the impact of the conceptual framework on outcomes. Developmental Medicine and Child Neurology, 48(4), 311-318.).

A avaliação da qualidade de vida infantil apresenta determinadas especificidades metodológicas. Desde logo, uma questão central prende-se com a utilização de ins- trumentos de auto ou de heteroavaliação. Questão que, segundo Speyer, Herbinet, Vuillemin, Chastagner e Brianc (2009)Speyer, E., Herbinet, A., Vuillemin, A., Chastagner, P., & Brianc¸ S. (2009). Agreement between children with cancer and their parents in reporting the child's health-related quality of life during a stay at the hospital and at home. Child: Care, Health and Development, 35(4), 489-495., ainda não encontrou uma resposta categórica. A autoavaliação da qualidade de vida infantil tornou-se particularmente pertinente, desde que este construto deixou de fazer simplesmente referência a informação meramente funcional da vida do indivíduo. Para grande parte dos autores, a criança é tida como sendo a pessoa mais indicada para expressar a perceção que tem acerca da sua própria qualidade de vida, evitando enviesamentos resultantes da heteroavaliação (e.g., Eiser, 1997Eiser, C. (1997). Children's quality of life measures. Archives of Disease in Childhood, 77(4), 350-354.; Harding, 2001Harding, L. (2001). Children's quality of life assessments: A review of generic and health related quality of life measures completed by children and adolescents. Clinical Psychology and Psychotherapy, 8, 79-96.; Siméoni, Auquier, Delarozière, & Béresniak, 1999Siméoni, M. C., Auquier, P., Delarozière, J. C., & Béresniak, A. (1999). Evaluation de la qualité de vie chez l'enfant et l'adolescent. La Presse Médicale, 28(19), 1033-1039.; Theunissen et al., 1998Theunissen, N. C., Vogels, T. G., Koopman, H. M., Verrips, G. H., Zwinderman, K. A., Verloove-Vanhorick, S. P., & Wit, J. M. (1998). The proxy problem: Child report versus parent report in health-related quality of life research. Quality of Life Research, 7(5), 387-397.; Varni, Burwinkle, & Lane, 2005Varni, J. W., Burwinkle, T. M., & Lane, M. M. (2005). Health-related quality of life measurement in pediatric clinical practice: An appraisal and precept for future research and application. Health and Quality of Life Outcomes, 3(34), 1-13.). Para fundamentar esta opção, estes autores referem a ausência ou pouca concordância demonstrada entre a auto e a heteroavaliação da qualidade de vida.

Neste contexto, a opção por instrumentos de autoavaliação da qualidade de vida requer a adoção de uma perspectiva desenvolvimental, que considere o nível cognitivo, a capacidade de atenção/concentração, a autonomia da criança e a capacidade de se pronunciar sobre o seu estado de satisfação relativamente aos diferentes domínios da sua vida (Missotten, Etienne, & Dupuis, 2007Missotten, P., Etienne, A.-M., & Dupuis, G. (2007). La qualité de vie infantile: état actuel des connaissances. Revue Francophone de Clinique Comportementale et Cognitive, 12(4), 16-27.). Desta forma, será desadequado procurar aplicar um único instrumento a crianças de faixas etárias diferentes. Para o efeito, a estratégia mais viável constitui a criação de múltiplos formatos de instrumentos de autoavaliação para diferentes grupos de idades. Estes formatos deverão variar em termos de conteúdo, extensão, tipo de escala de resposta e grau de autonomia requerida para o completar (Matza, Swensen, Flood, Secnik, & Leidy, 2004Matza, L. S., Swensen, A. R., Flood, E. M., Secnik, K., & Leidy, N. K. (2004). Assessment of health related quality of life in children: A review of conceptual, methodological, and regulatory issues. Value in Health, 7(1), 79-92.; Wallander, Schmitt, & Koot, 2001Wallander, J. L., Schmitt, M., & Koot, H. M. (2001). Quality of life measurement in children and adolescents: Issues, instruments and applications. Journal of Clinical Psychology, 57(4), 571-585.).

Outro aspeto relacionado com a qualidade de vida infantil concerne as dimensões pertinentes e necessárias para a avaliar. O carácter multidimensional da qualidade de vida constitui uma característica consensualmente aceite pela comunidade científica (Seidl & Zannon, 2004Seidl, E., & Zannon, C. (2004). Qualidade de vida e saúde: Aspetos conceituais e metodológicos. Caderno de Saúde Pública, 20(2), 580-588.). Contudo, a avaliação deste construto não assenta sobre as mesmas dimensões na criança e no adulto. Se o número de dimensões varia em função dos autores, as dimensões física, psicológica e social, que se organizam em subdimensões, encontram-se integradas na maior parte dos instrumentos de avaliação da qualidade de vida infantil (Rajmil et al., 2004Rajmil, L., Herdman, M., Fernandez de Sanmamed, M. J., Detmar, S., Bruil, J., Ravens-Sieberer, U., ...The KIDSCREEN Group. (2004). Generic health related quality of life instruments in children and adolescents: A qualitative analysis of content. Journal of Adolescent Health, 34(1), 37-45.). Atualmente, é frequente considerar-se que existem quatro grandes domínios de qualidade de vida infantil: físico/funcional; psicológico/emocional; social; escolar.

Na opinião de Missotten et al. (2007)Missotten, P., Etienne, A.-M., & Dupuis, G. (2007). La qualité de vie infantile: état actuel des connaissances. Revue Francophone de Clinique Comportementale et Cognitive, 12(4), 16-27., outro aspecto que se coloca ao nível da avaliação da qualidade de vida infantil, desta feita em termos conceptuais, prende-se com o facto de ser avaliada essencialmente no aqui e agora, sem levar em linha de conta as expectativas da criança, o seu projeto de vida e os seus comportamentos orientados para a prossecução de objetivos. Apesar dos conceitos de objetivos e expectativas serem elementos centrais da definição de qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde (OMS)1, os instrumentos não os incluem na avaliação da qualidade de vida infantil (e.g., Child Health Questionnaire; Landgraf & Abetz, 1997Landgraf, J. M., & Abetz, L. N. (1997). Functional status and well-being of children representing three cultural groups: Nitial self-reports using CHQ-CF87. Psychology and Health, 12, 839-854.). Uma revisão desses instrumentos (Bullinger & Ravens-Sieberer, 1995Bullinger, M., & Ravens-Sieberer, U. (1995). Evaluation de qualité de vie des enfants: revue de littérature. Revue Européenne de Psychologie Appliqueé, 45(4), 255-256.; Connolly & Johnson, 1999Connolly, M. A., & Johnson, J. A. (1999). Measuring quality of live in paediatric patients. Pharmacoeconomics, 16(6), 605-625.; Davis et al., 2006Davis, E., Waters, E., Mackinnon, A., Reddihough, D., Graham, H. K., Mehmet-Radji, O., & Boyd, R. (2006). Paediatric quality of life instruments: A review of the impact of the conceptual framework on outcomes. Developmental Medicine and Child Neurology, 48(4), 311-318.; Eiser & Morse, 2001aEiser, C., & Morse, R. (2001a). A review of measures of quality of life for children with chronic illness. Archives of Disease in Childhood, 84, 205-211., 2001bEiser, C., & Morse, R. (2001b). Can parents rate their child's health-related quality of life? Results of a systematic review. Quality of Life Research, 10, 347-357.; Levi & Drotar, 1998 Levi, R., & Drotar, D. (1998). Critical issues and needs in health quality of life assessment of children and adolescents with chronic health conditions. In D. Drotar (Ed.), Measuring health-related quality of life in children and adolescents (pp. 3-24). London: Lawrence Erlbaum.; Matza et al., 2004Matza, L. S., Swensen, A. R., Flood, E. M., Secnik, K., & Leidy, N. K. (2004). Assessment of health related quality of life in children: A review of conceptual, methodological, and regulatory issues. Value in Health, 7(1), 79-92.; Raat, Mohangoo, & Grootenhuis, 2006Raat, H., Mohangoo, A. D., & Grootenhuis, M. A. (2006). Pediatric health-related quality of life questionnaires in clinical trials. Current opinion in Allergy and Clinical Immunology, 6(3), 180-185.; Schmidt, Garratt, & Patrick, 2002Schmidt, L. J., Garratt, A. M., & Fitzpatrick, R. (2002). Child/parent-assessed population health outcome measures: A structured review. Child: Care, Health and Development, 28(3), 227-237.; Spieth & Harris 1996Spieth, L. E., & Harris, C. V. (1996). Assessment of health related quality of life in children and adolescents: An integrative review. Journal of Pediatric Psychology, 21, 175-193.) revelou que este construto é avaliado em termos do estado atual, não considerando as expectativas da criança relativamente a cada domínio de vida, sendo exceção o Exeter Health-Related Quality of Life Questionnaire (EHRQL; Eiser, Vance, & Seamark, 2000Eiser, C., Vance, Y. H., & Seamark, D. (2000). The development of a theoretically generic measure of quality of life for children aged 6-12 years: A preliminary report. Child: Care, Health and Development, 26(6), 445-456.). Este é o primeiro instrumento a considerar a qualidade de vida como a diferença entre as expectativas de um indivíduo e a perceção acerca da sua experiência presente ou situação atual. Será igualmente de acrescentar a ausência de instrumentos de avaliação que contemplem a importância que cada domínio de vida assume para a criança, uma vez que o EHRQL não avalia este aspeto.

Este contexto metodológico e conceptual conduziu ao desenvolvimento do Inventaire Systémique de Qualité de Vie pour Enfants (ISQV-E; Etienne, Dupuis, Spitz, Lemétayer, & Missotten, 2011), baseado no instrumento homónimo para os adultos (Dupuis, Taillefer, Rivard, Roberge, & St-Jean, 2001Dupuis, G., Taillefer M. C., Rivard, M. J., Roberge, M. A., & St-Jean, K. (2001). Quality of Life Systemic Inventory (QLSI): Sensitivity to change and psychometric characteristics. Annals of Behavioral Medecine, 23(Suppl.), 160.). Trata-se de uma medida genérica de autoavaliação da qualidade de vida, à qual podem ser acrescentados módulos específicos para a avaliação da qualidade de vida em determinadas doenças (e.g., cancro, asma, obesidade), tornando-se assim um instrumento modular. Para a sua construção, os autores basearam-se na abordagem sistémica de Bertalanffy (1973)Bertalanffy, L. (1973). Théorie Générale des Systèmes. Paris: Dunod., nos trabalhos de Ashby (1956)Ashby, W. R. (1956). An introduction to cybernetics. London: Methuens., Powers (1973)Powers, W. T. (1973). Behavior: The control of perception. Chicago, IL: Aldine. e Weiner (1948)Weiner, N. (1948). Cybernetics. New Tork: John Wiley. do domínio da cibernética. Dupuis, Perrault, Lambany, Kennedy e David (1989)Dupuis, G., Perrault, J., Lambany, M.-C., Kennedy, E., & David, P. (1989). A new tool to assess quality of life: The quality of life systemic inventory. Quality of Life and Cardiovascular Care, 5, 36-45. definiram qualidade de vida como sendo um estado alcançado pelo sujeito na prossecução dos seus objetivos organizados hierarquicamente. Ao desenvolverem a sua definição de qualidade de vida, Dupuis et al. (2000) Dupuis, G., Taillefer, M.-C., Etienne, A.-M., Fontaine, O., Boivin, S., & Von Turk, A. (2000). Measurement of quality of life in cardiac rehabilitation. In J. Jobin, F. Maltais, P. LeBlanc, C. Simard, & H. Kinetics (Eds.), Advances in cardiopulmonary rehabilitation (pp. 247-273). Champaign, IL: Human Kinetics.basearam-se também na noção Aristotélica de felicidade, considerada como a capacidade de adaptação do indivíduo. O enquadramento teórico destes autores assenta nas noções de objetivos, controlo, feedback positivo e negativo, organização hierárquica dos objetivos. Neste sistema, os comportamentos tendem a reduzir a diferença entre a situação atual e os objetivos do indivíduo, tendo em conta o facto desses objetivos não terem todos o mesmo grau de importância para o sujeito.

O presente estudo pretende analisar as características psicométricas da versão portuguesa do Inventaire Systémique de Qualité de Vie pour Enfants (Etienne et al., 2011Etienne, A.-M., Dupuis, G., Spitz, E., Lemétayer, F., & Missotten, P. (2011). The gap concept as a quality of life measure: Validation study of the Child Quality of Life Systemic Inventory. Social Indicators Research, 100(2), 241-257.), através de uma amostra de crianças da população portuguesa com idades compreendidas entre os 8 e os 12 anos.

Método

Amostra

No estudo participaram 120 crianças portuguesas que frequentavam o 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico. As crianças foram selecionadas de acordo com o critério idade: compreendida entre os 8 e os 12 anos. Os critérios de exclusão foram a existência de dificuldades de aprendizagem e/ou de doença física incapacitante. Esta informação foi obtida junto do Professor Titular de Turma, no caso dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico, e do Diretor de Turma, para os alunos do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico.

A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas dos participantes e dos seus pais, com idades compreendidas entre os 8 e os 12 anos (M = 10,30; DP = 1,40).

Tabela 1
Características Sociodemográficas dos Participantes

Medidas

O protocolo de investigação foi constituído pelos seguintes instrumentos:

Questionário de informação sociodemográfica, construído pelos investigadores.

Inventário Sistémico de Qualidade de Vida para Crianças (ISQV-C): traduzido da língua original - francês europeu - para português europeu e posteriormente retro-traduzido. A versão portuguesa foi analisada por técnicos das áreas da Língua Portuguesa e da Psicologia. A elaboração da versão final teve em conta as informações provenientes destes técnicos e o desempenho de cinco crianças, às quais foi administrado o ISQV-C. Este estudo piloto revelou uma boa compreensão de todas as questões por parte das crianças. Nenhum item foi alterado. O tempo médio necessário à sua administração foi de 25 a 30 minutos.

O ISQV-C é um instrumento de autoavaliação da qualidade de vida desenvolvido para crianças dos 8 aos 12 anos de idade. Foi construído com base na revisão da literatura e consequente constatação da inexistência de um instrumento de avaliação da qualidade de vida infantil que contemplasse as noções de objetivos e de importância/prioridade de cada domínio de vida para a criança. Mede a diferença existente entre a avaliação atual da criança acerca de determinado domínio de vida e os seus objetivos em relação a esse mesmo domínio, sendo esta medida ponderada pela importância que a criança lhe atribui e pela perceção de melhoria ou de deterioração do domínio durante os últimos dias. A versão genérica inclui vinte domínios de vida (Tabela 2) referentes a aspetos físicos, emocionais, cognitivos, sociais, escolares e familiares.

O ISQV-C é administrado individualmente à criança por um entrevistador. Cada domínio é apresentado de forma verbal e não verbal, através de vinte pranchas com figuras coloridas (Figura 1). O ISQV-C é constituído por mais três pranchas (Figura 2) com figuras coloridas, que a criança vai manipulando de forma a dar a sua resposta através do recurso a setas e peões. A primeira placa a ser apresentada tem uma Escala Visual Analógica, acompanhada de caras que representam estados emocionais diferentes. Com recurso a setas, a criança deverá situar a sua situação atual e os seus objetivos face ao domínio abordado. Na segunda placa, a criança deverá indicar se tem a perceção que nos últimos dias a sua situação relativa a determinado domínio de vida está estável, se se aproxima ou se pelo contrário se se distancia da situação ideal. Se considera que se distancia ou que se aproxima da situação ideal, a criança deverá especificar a velocidade. Para este efeito, são-lhe proporcionadas quatro figuras. A terceira placa permitir-lhe-á indicar a importância que cada domínio tem para si (escala de Likert de sete pontos).

Figura 1
Apresentação verbal e não verbal dos domínios de vida do ISQV-C: o sono.

Figura 2
Formato do ISQV-C.

As quatro pontuações finais serão obtidas através de um programa informático, a saber: (i) Estado (0 a 100) - distância média entre a situação atual e a situação ideal; (ii) Objetivo (0 a 100) - distância média entre a situação desejada e a situação ideal; (iii) Importância (0,14 a 2) - média da classificação do domínio de vida na hierarquia de prioridades da criança. (iv) Qualidade de Vida (-100 a 100) - distância média entre o Estado e o Objetivo, ponderada pela importância que a criança atribui ao domínio de vida; esta pontuação corresponde ao nível de qualidade de vida. Quanto mais elevadas são as distâncias, mais elevadas são as pontuações, dizendo respeito a níveis mais deteriorados de situação atual e de qualidade de vida, bem como a expectativas mais baixas. Relativamente à pontuação Importância, quanto mais elevada for maior é o grau de importância atribuído ao domínio de vida.

O estudo psicométrico da versão original, francesa, do ISQV-E (Etienne et al., 2011Etienne, A.-M., Dupuis, G., Spitz, E., Lemétayer, F., & Missotten, P. (2011). The gap concept as a quality of life measure: Validation study of the Child Quality of Life Systemic Inventory. Social Indicators Research, 100(2), 241-257.) incidiu sobre 288 crianças, 116 rapazes (40%) e 172 raparigas (60%), com idades compreendidas entre 8 e 12 anos (M = 10,42; DP = 1,06). Neste estudo, a fidelidade aponta para níveis satisfatórios nas quatro pontuações do ISQV-E, com a obtenção dos seguintes valores de alfa de Cronbach: Estado α = 0,86; Objetivo e Importância α=0,92; Qualidade de Vida α = 0,71. As correlações obtidas entre as diferentes pontuações do ISQV-E são inferiores ou iguais a 0,20. Os resultados não revelaram a existência de uma estrutura fatorial satisfatória do instrumento. O estudo da validade descriminante do ISQV-E com recurso ao STAIC (ansiedade) e ao CDI (depressão) revelou correlações positivas significativas: r = 0,15 com p = 0,014 e r = 0,57 com p < 0,001, respetivamente. Os autores procuraram analisar a validade de constructo do ISQV-E com base na pontuação Qualidade de Vida, através de uma Análise Fatorial Exploratória com extração em componentes principais (com Rotação Varimax). Os resultados não permitiram obter uma estrutura factorial satisfatória.

Inventário de Ansiedade Estado-Traço para Crianças (STAIC; Spielberger, Edwards, Lushene, Montuori, & Platzek, 1973Spielberger, C. D., Edwards, C. D., Lushene, R. E., Montuori, J., & Platzek, D. (1973). State-trait anxiety inventory for children (How I feel questionnaire): Professional manual. Redwood, CA: Mind Garden., traduzido por Dias & Gonçalves, 1999Dias, P., & Gonçalves, M. (1999). Avaliação da ansiedade e da depressão em crianças e adolescentes (STAIC-C, CMAS-R, FSSC-R e CDI): Estudo normativo para a população portuguesa. In A. P. Soares, S. Araújo, & S. Caires (Eds.), Avaliação psicológica: Formas e contextos (Vol. VI, pp. 553-564). Braga, Portugal: Associação dos Psicólogos Portugueses.) no seu formato "ansiedade-estado", que se reporta à ansiedade sentida num determinado momento. O STAIC é um instrumento de autoavaliação da ansiedade amplamente utilizado em investigação. É constituído por 20 itens e permite obter uma pontuação global que pode oscilar entre 20 e 60 pontos; pontuações mais elevadas indicam níveis de ansiedade mais elevados. No presente estudo, o STAIC apresenta um alfa de Cronbach de 0,86.

Inventário de Depressão para Crianças (CDI; Kovacs & Beck, 1977 Kovacs, M., & Beck, A. T. (1977). An empirical clinical approach towards definition of childhood depression. In J. G. Sculterbrandt & A. Raskin (Eds.), Depression in childhood: Diagnosis, treatment and conceptual models (pp. 1-25). New York: Raven Press., traduzido por Marujo, 1994Marujo, H. (1994). Síndromas depressivos na infância e na adolescência (Tese de doutorado, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal).). O CDI autoavalia a sintomatologia depressiva nas crianças dos 7 aos 17 anos de idade, compreendendo 27 itens. A pontuação total pode variar entre 0 e 54; pontuações mais elevadas indicam mais sintomas de depressão. No presente estudo, o CDI apresenta um alfa de Cronbach de 0,80.

Procedimento

A recolha dos dados realizou-se em seis estabelecimentos do ensino básico portugueses. Após uma primeira reunião com os diretores das escolas e posteriormente com os professores titulares de turma e os diretores de turma, os encarregados de educação foram contactados através de documento entregue pelos professores. Deste documento constavam o convite para a participação da criança, o resumo do estudo e o respetivo consentimento informado. Este último foi assinado pelos encarregados de educação e pelas crianças com 10 anos de idade ou mais. Todas as crianças foram informadas sobre o caráter voluntário da sua participação e asseguradas do anonimato e da confidencialidade das suas respostas. A administração do protocolo de investigação completo decorreu sempre individualmente. Os momentos para a sua administração foram escolhidos de forma a não prejudicar a criança e o normal desenrolar das aulas e das atividades escolares. A administração do protocolo durou entre 40 e 50 minutos, com um tempo médio de 25 a 30 minutos para o ISQV-C.

Para o tratamento estatístico dos dados, foi o utilizado o Statistical Package for Social Sciences, versão 17.0 para Windows. Foram determinadas as frequências, as médias e os desvios-padrão no que respeita às características sociodemográficas da amostra e às variáveis contínuas em estudo. Para a análise da consistência interna do ISQV-C, calcularam-se os alfa de Cronbach para as suas quatro pontuações, assim como as correlações de Pearson entre elas. A validade convergente do ISQV-C foi estudada com recurso ao STAIC e ao CDI, através de correlações de Pearson. Os níveis de qualidade de vida obtidos pelo ISQV-C foram comparados em função de variáveis sociodemográficas e escolares através do teste t para Amostras Independentes. Quanto à análise da validade de constructo, através de uma Análise Factorial Confirmatória, não foi possível o seu estudo, em virtude do reduzido número de elementos da amostra.

Resultados

Situação Atual, Objetivo, Importância e Qualidade de Vida para Cada Domínio do ISQV-C

Do ponto de vista descritivo, as pontuações obtidas de (Tabela 2): Estado - revelam um melhor estado atual para os itens relativos ao relacionamento com a mãe, atividades desportivas, relacionamento com os avós, autonomia e relacionamento com o pai; os domínios nos quais o estado atual se revelou menos bom foram a tolerância à frustração e os resultados escolares. Objetivo - apontam para expectativas mais elevadas nos domínios do relacionamento com os pais e da saúde e marcadamente menos elevadas para a tolerância à frustração. Importância - registam uma muito pequena dispersão dos valores. Qualidade de Vida - revelam que os domínios com melhor qualidade de vida são as atividades desportivas, a autonomia, o quarto, o relacionamento com os avós e as atividades escolares não desportivas. Os itens que apresentam níveis de qualidade de vida mais deteriorada são os resultados escolares, a tolerância à frustração e o relacionamento com o pai.

Fidelidade

Para avaliar a fidelidade deste instrumento analisámos a sua consistência interna, através da determinação dos valores de alfa de Cronbach para cada uma das quatro pontuações do ISQV-C. Os valores obtidos apontam para bons índices de consistência interna para as quatro pontuações, variando entre α = 0,75 (Importância) e α = 0,86 (Estado), com α = 0,80 para a pontuação Objetivo e α = 0,79 para a Qualidade de Vida.

Intercorrelações das Pontuações do ISQV-C

O cálculo dos coeficientes de correlação de Pearson entre as quatro pontuações do ISQV-C (Tabela 3) revelou que as pontuações Estado, Objetivo e Qualidade de Vida se correlacionam positiva e significativamente entre si (Estado e Objetivo: r = 0,65; p < 0,001; Estado e Qualidade de Vida: r = 0,70; p < 0,001; Objetivo e Qualidade de Vida: r = 0,22; p = 0,014). A Importânciacorrelaciona-se significativamente apenas com o Estado, tratando-se de uma correlação negativa (r = -0,18; p = 0,046).

Validade Convergente

No que diz respeito à validade convergente entre o ISQV-C e o STAIC (ansiedade) e o CDI (depressão), o cálculo dos coeficientes de correlação de Pearson revelou que as pontuações Estado, Importância e Qualidade de Vida estão significativamente correlacionadas com os resultados do STAIC e do CDI (Estado e STAIC: r = 0,35; p < 0,001; Estado e CDI: r = 0,55; p < 0,001; Importância e STAIC: r = -0,25; p = 0,006; Importância e CDI: r = -0,19; p = 0,037; Qualidade de Vida e STAIC: r = 0,47; p < 0,001; Qualidade de Vida e CDI: r = 0,53; p < 0,001). Crianças mais ansiosas e deprimidas revelam uma situação atual e níveis de qualidade de vida menos satisfatórios. A correlação negativamente significativa verificada entre Importância e resultados emocionais significa que crianças mais ansiosas e deprimidas atribuem menor importância a um menor número de domínios de vida.

Tabela 2
Pontuações Médias para Cada Domínio de Vida do ISQV-C e Pontuações Médias Globais
Tabela 3
Correlações de Pearson entre as Pontuações do ISQV-C

Pontuações do ISQV-C em Função de Variáveis Sociodemográficas e Escolares

Para analisar o ISQV-C em função de variáveis sociodemográficas, considerámos o género (rapazes versus raparigas), a idade (8 aos 10 anos vs. 11 aos 12), o meio habitacional (rural versus urbano), o aproveitamento escolar (sem retenções escolares versus com pelo menos uma retenção escolar), o número de amigos (5 amigos ou menos versus 6 amigos ou mais) e a situação conjugal dos pais (casados ou em união livre versus divorciados ou separados). As pontuações Estado, Objetivo e Qualidade de Vida diferem significativamente em função de determinadas variáveis. Os rapazes percebem a sua situação atual (M = 22,26; DP = 10,81) e a sua qualidade de vida (M = 3,83; DP = 3,76) como mais deterioradas quando comparados com as raparigas (Estado: M = 18,18; DP = 8,77; Qualidade de Vida: M = 2,73; DP = 2,09), tendo sido obtidas diferenças estatisticamente significativas (Estado: t[118] = 2,27; p = 0,025; Qualidade de Vida: t[118] = 1,99; p = 0,049). Quanto ao aproveitamento escolar, as crianças que ficaram retidas pelo menos uma vez apresentam um estado atual (M = 28,19; DP = 10,80) e níveis de qualidade de vida (M = 4,77; DP = 4,03) significativamente menos bons do que os seus pares que nunca ficaram retidos (Estado: M = 18,81; DP = 9,23; t[118] = -3,87; p < 0,001; Qualidade de Vida: M = 3,02; DP = 2,83; t[118] = -2,27; p = 0,025). As crianças que consideram ter menos de seis amigos relatam ter uma situação atual menos positiva (M = 27,78; DP = 8,76), objetivos de vida menos elevados (M = 11,05; DP = 3,78) e qualidade de vida menos satisfatória (M = 5,79; DP = 4,93) do que os seus pares que referem ter seis ou mais amigos (Estado: M = 18,93; DP = 9,67; Objetivo: M = 7,71; DP = 3,83; Qualidade de Vida: M = 2,97; DP =2,71), tendo sido estas diferenças estatisticamente significativas (Estado: t[113] = 3,13; p = 0,002; Objetivo: t[113] = 2,97; p = 0,004; Qualidade de Vida: t[113] = 3,16; p = 0,002). Os filhos de pais separados ou divorciados também apresentam um estado atual (M = 25,05; DP = 11,15) menos satisfatório do que os filhos de pais casados ou que co-habitam (M = 19,31; DP=9,57), sendo esta diferença estatisticamente significativa (t[118] = -2,33; p = 0,021). As pontuações do ISQV-C não apresentam diferenças estatisticamente significativas em função da idade e do meio habitacional.

Discussão

O presente trabalho teve como principal objetivo analisar as características psicométricas da versão portuguesa do ISQV-C para crianças dos 8 aos 12 anos de idade. Os resultados obtidos demonstram o interesse e a viabilidade deste instrumento de autoavaliação da qualidade de vida infantil, apontando para a presença de boas qualidades psicométricas na versão portuguesa. Contudo, as médias e os desvios padrão aqui apresentados não deverão ser considerados dados normativos, dada a dimensão da amostra e o facto de não abranger outros locais do país. Desta forma, não se pode assegurar a representatividade da população portuguesa.

Relativamente à aplicabilidade, à semelhança do sucedido com as crianças francesas (Etienne et al., 2011Etienne, A.-M., Dupuis, G., Spitz, E., Lemétayer, F., & Missotten, P. (2011). The gap concept as a quality of life measure: Validation study of the Child Quality of Life Systemic Inventory. Social Indicators Research, 100(2), 241-257.), o ISQV-C foi muito bem aceite pelas crianças portuguesas, quer do ponto de vista do conteúdo quer da forma. Consideramos que para o envolvimento das crianças terá contribuído o facto de se tratar de um instrumento interativo e lúdico, que implica a manipulação do material pela própria criança.

A fidelidade aponta para níveis satisfatórios de consistência interna nas quatro pontuações da versão portuguesa do ISQV-C. Os valores alfa de Cronbach obtidos são claramente superiores aos do EHRQL (Eiser et al., 2000Eiser, C., Vance, Y. H., & Seamark, D. (2000). The development of a theoretically generic measure of quality of life for children aged 6-12 years: A preliminary report. Child: Care, Health and Development, 26(6), 445-456.). Se compararmos os resultados obtidos na versão portuguesa do ISQV-C com os da versão francesa (Etienne et al., 2011Etienne, A.-M., Dupuis, G., Spitz, E., Lemétayer, F., & Missotten, P. (2011). The gap concept as a quality of life measure: Validation study of the Child Quality of Life Systemic Inventory. Social Indicators Research, 100(2), 241-257.) o alfa de Cronbach de Estado é igual, o de Objetivo e o de Qualidade de Vida são inferiores e o de Qualidade de Vida é superior. No presente estudo, as intercorrelações encontradas entre Estado e Qualidade de Vida e entre Estado e Objetivo eram esperadas, visto que a situação atual da criança afetará os seus objetivos e níveis de qualidade de vida. As outras intercorrelações obtidas indicam uma fraca associação entre elas, sugerindo que avaliam conceitos específicos e separados, ou seja, que nenhuma das pontuações se pode substituir por outra.

A ansiedade e a depressão são frequentemente citadas e analisadas nos estudos sobre qualidade de vida. Relativamente a estes construtos, o ISQV-C revela possuir validade convergente ao nível das pontuações Estado,Importância e Qualidade de Vida. As correlações significativas entre estas pontuações do ISQV-C e os valores de ansiedade e de depressão apontam para a existência de uma associação entre qualidade de vida e aspetos emocionais, tal como os estudos de Annett, Bender, Lapidus, DuHamel e Lincoln (2001)Annett, R. D., Bender, B. G., Lapidus, J., DuHamel, T. R., & Lincoln, A. (2001). Predicting children's quality of life in an asthma clinical trial: What do children's report tell us? Journal of Pediatrics, 139(6), 854-861. e de De Maso et al. (2004)De Maso, D. R., Lauretti, A., Spieth, L., Van Der Feen, J. R., Jay, K. S., Gauvreau, K., ...Berul, C. I. (2004). Psychosocial factors and quality of life in children and adolescents with implantable cardioverterdefibrillators. American Journal of Cardiology, 93, 582-587., sendo igualmente concordantes com os de Etienne et al. (2011)Etienne, A.-M., Dupuis, G., Spitz, E., Lemétayer, F., & Missotten, P. (2011). The gap concept as a quality of life measure: Validation study of the Child Quality of Life Systemic Inventory. Social Indicators Research, 100(2), 241-257.. Numa abordagem que visa assegurar uma avaliação independente da qualidade de vida (Leventhal & Colman, 1997Leventhal, H., & Colman, S. (1997). Quality of life: A process view. Psychology & Health, 12(6), 753-767.), verificamos que a ansiedade e a depressão se encontram ligadas, em certa medida, à qualidade de vida, mas os resultados obtidos permitem concluir que não se verifica igualdade de construtos (i.e., que não há convergência total entre eles). A associação verificada entre ansiedade, depressão e qualidade de vida era esperada e poderá ser explicada pelo facto de estes fatores emocionais limitarem as interações sociais e as capacidades de atenção e aprendizagem, repercutindo-se ao nível da qualidade de vida, sendo que crianças mais ansiosas e mais deprimidas tendem a avaliar menos satisfatoriamente a sua qualidade de vida.

Os resultados obtidos apontam para a existência de diferenças significativas entre as pontuações Estado, Objetivo e Qualidade de Vida do ISQV-C e determinadas variáveis sociodemográficas. Ser rapaz, ter ficado retido em pelo menos um ano de escolaridade e considerar ter poucos amigos são fatores associados a uma qualidade de vida menos satisfatória. Os resultados de Etienne et al. (2011)Etienne, A.-M., Dupuis, G., Spitz, E., Lemétayer, F., & Missotten, P. (2011). The gap concept as a quality of life measure: Validation study of the Child Quality of Life Systemic Inventory. Social Indicators Research, 100(2), 241-257. vão neste mesmo sentido, à exceção das diferenças associadas ao género encontradas no presente estudo. O facto de a pontuação Qualidade de Vida não discriminar grupos de crianças em função da idade vai igualmente ao encontro dos resultados do estudo de Etienne et al. (2011)Etienne, A.-M., Dupuis, G., Spitz, E., Lemétayer, F., & Missotten, P. (2011). The gap concept as a quality of life measure: Validation study of the Child Quality of Life Systemic Inventory. Social Indicators Research, 100(2), 241-257.. Uma das explicações para este resultado prender-se-á com a própria estrutura do ISQV-C que, tendo sido construído numa lógica desenvolvimentista, implicou uma avaliação centrada numa faixa etária reduzida. Este resultado é concordante com os trabalhos levados a cabo com outros instrumentos de avaliação, tais como o KidlQoL (Gayral-Taminh et al., 2005Gayral-Taminh, M., Matsuda, T., Bourdet-Loubère, S., Lauwers-Cances, V., Raynaud, J. P., & Grandjean, H. (2005). Auto-évaluation de la qualité de vie d'enfants de 6 à 12 ans: construction et premières étapes de validation du KidlQol, outil générique présenté sur ordinateur. Santé Publique, 17(2), 167-177.) e o EHRQL (Eiser & Morse, 2001aEiser, C., & Morse, R. (2001a). A review of measures of quality of life for children with chronic illness. Archives of Disease in Childhood, 84, 205-211., 2001bEiser, C., & Morse, R. (2001b). Can parents rate their child's health-related quality of life? Results of a systematic review. Quality of Life Research, 10, 347-357.).

Considerações Finais

O ISQV-C, através de uma relação estabelecida entre o psicólogo e a criança, pode constituir um instrumento útil para a autoavaliação da qualidade de vida genérica das crianças de língua materna portuguesa. Trata-se de um instrumento que tem a vantagem de apresentar uma definição e um modelo teórico de qualidade de vida bem fundamentados (Etienne et al., 2011Etienne, A.-M., Dupuis, G., Spitz, E., Lemétayer, F., & Missotten, P. (2011). The gap concept as a quality of life measure: Validation study of the Child Quality of Life Systemic Inventory. Social Indicators Research, 100(2), 241-257.; Missotten et al., 2007Missotten, P., Etienne, A.-M., & Dupuis, G. (2007). La qualité de vie infantile: état actuel des connaissances. Revue Francophone de Clinique Comportementale et Cognitive, 12(4), 16-27.), o que não é frequente na literatura (Davis et al., 2006Davis, E., Waters, E., Mackinnon, A., Reddihough, D., Graham, H. K., Mehmet-Radji, O., & Boyd, R. (2006). Paediatric quality of life instruments: A review of the impact of the conceptual framework on outcomes. Developmental Medicine and Child Neurology, 48(4), 311-318.). O ISQV-C enquadra-se numa abordagem de investigação atual, centrando-se na subjetividade do conceito de qualidade de vida e sendo: (i) inovador na sua psicometria, pois explora diversas pontuações e proporciona uma análise sobre cada domínio de vida; (ii) interativo, lúdico e próximo das preocupações quotidianas da criança; (iii) clínico, no sentido em que poderá fornecer uma linha de base útil à definição de objetivos terapêuticos e proporcionar, à própria criança, uma perceção sobre as mudanças desejadas em determinados domínios da sua vida. Contudo, consideramos importante assinalar algumas limitações do estudo. Em primeiro lugar, a amostra é reduzida, o que se prende com o facto de se tratar de administrações individuais extensas do protocolo de avaliação. Em segundo lugar, sendo um estudo transversal, não possibilita a avaliação da fidelidade teste-reteste. Neste sentido, será interessante que estudos futuros utilizem desenhos longitudinais e que contemplem grupos em diferentes situações de vulnerabilidade. Para este efeito, o ISQV-C possui a vantagem de se poder tornar modular, ou seja, poder-lhe-á ser adicionado um módulo específico para determinada doença ou situação, estando em estudo pelos autores deste trabalho um módulo para o cancro infantil.

Agradecimento: Este estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) do Ministério da Educação e Ciência português, através de uma Bolsa de Doutoramento (SFRH/BD/35869/2007).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2012
  • Aceito
    01 Fev 2013
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