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Editorial

É com imensa satisfação que entregamos à comunidade científica o terceiro número de 2002, de Psicologia Reflexão e Crítica. Essa iniciativa em aumentar a peridiocidade da revista, resulta do compromisso da Comissão Editorial em ampliar e agilizar a divulgação da produção científica em nosso país. Entretanto, é digno de nota a situação paradoxal em que esses esforços acontecem. Sabe-se que há no Brasil, mais de 40 cursos de pós-graduação em Psicologia e que o critério de maior peso no processo de avaliação desses cursos, de concessão de bolsas para alunos e pesquisadores, de financiamentos para as pesquisas, é justamente o da produção científica. Entretanto, é imperativo que se discuta, incessantemente, as condições precárias em que isso acontece. Pensa-se que, apesar das discussões que têm ocorrido através de editoriais e eventos, ainda não é clara, para a comunidade científica, a real situação dos periódicos científicos no país. Pouco se sabe acerca do custo de fazer circular, com qualidade e ética, o conhecimento gerado pelo movimento dinâmico da comunidade. A cada artigo que chega, corresponde uma contínua batalha por verbas e o instigante investimento na qualificação de todos aqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos no processo editorial: equipe de editoração gráfica, secretárias, bolsistas, consultores, conselheiros, pesquisadores e comissão editorial. O processo de aprendizagem é contínuo e recíproco. Os custos são palpáveis, mas os benefícios impossíveis de serem calculados em sua plenitude. O cenário que prevalece é o ato humanitário, onde ganha relevo o trabalho dos inúmeros consultores de todo o país que, anonimamente, contribuem para o avanço da ciência. A análise criteriosa do Conselho Editorial, por sua vez, juntamente com o editor, busca garantir a qualidade do que é divulgado. Fala-se em ato humanitário porque o maior critério subjacente a esse processo é o compromisso pessoal com a ciência e com a ética, uma vez que consideramos o trabalho de consultores e conselheiros ainda pouco valorizado em nosso meio. Portanto, nosso profundo agradecimento e respeito a todas essas pessoas, bem como aos assinantes, Curso de Pós- graduação em Psicologia da UFRGS e CNPq, que auxiliam na garantia da circulação desse periódico.

Nesse número, apresenta-se um estudo, na área de psicologia experimental, que investigou o efeito da seqüência de apresentação de estímulos durante o fortalecimento da resposta (pré-treino) de bicar em pombos, sobre a aquisição do matching de identidade e oddity-from-sample, cujos resultados indicaram que o controle realizado sobre a seqüência de tentativas no pré-treino não teve efeito sobre a aquisição dos fenômenos investigados. As considerações teóricas e metodológicas realizadas pelos autores, auxiliam na ampliação do conhecimento nessa área.

Outro estudo traz uma contribuição para a área de psicologia da aprendizagem com interessantes implicações educacionais, ao tratar do efeito de intervenções sobre o raciocínio proporcional. Concluiu que crianças podem ser ensinadas a fazer julgamentos proporcionais, de forma sistemática, sendo a estratégia de `metade' um referencial que auxilia a lidar com as quantidades e as relações cruciais ao raciocínio proporcional. Ainda na área de aprendizagem, um estudo trouxe a sua contribuição para a área ao investigar os efeitos de testes de leitura sobre a generalização em crianças em processos de alfabetização, cujos resultados demonstraram que os testes de leitura não produziram generalização diferencial entre os grupos (etapas dos pré e pós-testes). Por outro lado, um outro estudo investigou as propriedades psicométricas de um instrumento de avaliação da compreensão em leitura utilizando a técnica de Cloze. Os resultados serviram de base para a discussão do avanço das interpretações de proficiência em leitura referenciadas nos itens do teste. Ainda na área de instrumentos de avaliação psicológica, um artigo apresenta as alterações efetuadas entre as versões americanas dos testes WISC-III e WAIS-III e as adaptadas para uso no Brasil, demonstrando que essas mudanças acarretaram em alterações nas versões originais dos testes, em diversos aspectos. Esses resultados tornam evidente a controversa questão sobre a necessidade de rigorosa adaptação de instrumentos provenientes de outros contextos sócio-culturais para a realidade brasileira.

Na área de desenvolvimento, a perspectiva etológica foi utilizada na compreensão da questão da segregação sexual entre crianças, identificando-se, entre outros aspectos, os fatores situacionais e os estilos de brincadeira como determinantes deste fenômeno. Um outro estudo apresenta uma interessante discussão sobre a questão da continuidade/descontinuidade nos processos de desenvolvimento, mais especificamente, no que se refere ao envolvimento com o crime. O estudo faz uma análise da literatura, criticando a relação linear de causa e efeito implícita nos estudos sobre o comportamento infracional e identificando os diferentes fatores e suas associações em relação ao envolvimento com atos criminais.

Outro artigo faz uma análise histórica na área do desenvolvimento cognitivo, colocando em relevo um dos aspectos desconhecidos do trabalho de Bärbel Inhelder a concepção de um método científico capaz de refutar um modelo hipotético-dedutivo na área da Psicologia, antes ou simultaneamente à idéia de Popper. No que se refere ao desenvovimento social, um outro estudo faz uma densa análise acerca de como a mente se torna social, com base numa perspectiva sociocultural. Para tanto, as autoras elaboram uma síntese entre a unidade de análise proposta por Barbara Rogoff e a perspectiva de Jaan Valsiner acerca da autonomia de um sujeito semiótico.

A área da História da Psicologia está contemplada através de um estudo que, a partir da análise de documentos e depoimentos, narra a história do ensino de Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), desde a instalação do Departamento de Psicologia até o reconhecimento do curso de graduação.

Apresenta-se ainda um estudo transcultural que comparou os mecanismos atribuicionais utilizados por alunos brasileiros, argentinos e mexicanos, ao explicarem o sucesso e fracasso escolar, identificando diferenças entre os padrões atribuicionais, em função da nacionalidade, sexo e tipo de escola.

Na área de Ciência, Religião e Psicologia, um estudo comparou as respostas ao Questionário de Leuba relativo à crença dos cientistas num Deus pessoal e na imortalidade pessoal, obtidas em diferentes décadas, discutindo, entre outros aspectos, as posições de Barbour, Haught e Hefner, enquanto tentativas recentes de entendimento mútuo entre ciência e religião.

As discussões em torno da formação do psicólogo é contemplada no estudo cujo objetivo foi a análise das possíveis interações de atividades de ensino-aprendizagem, especialmente entrevistas feitas com psicólogos sobre sua profissão, com concepções de alunos sobre sua futura profissão de psicólogo(a). Os resultados mostraram que as entrevistas e a reflexão orientada sobre elas constituem-se em atividade relevante na formação do psicólogo.

No campo da psicologia da saúde, um dos artigos aborda as implicações da doença orgânica crônica na infância para as relações familiares, examinando algumas questões teóricas e achados de estudos recentes Os estudos revisados sugerem que mudanças importantes nos relacionamentos familiares podem ocorrer nesse contexto.

Outro tema freqüente nas pesquisas atuais é o que trata do estresse. Apresenta-se um estudo que averiguou o stress ocupacional, níveis de qualidade de vida, fontes de stress e estratégias de enfrentamento em Magistrados da Justiça do Trabalho. Os resultados demonstraram haver mais mulheres com stress do que homens, comprometimento na qualidade de vida nas áreas social, afetiva, profissional e da saúde, provavelmente decorrentes de sobrecarga de trabalho e interferência com a vida familiar.

A questão das relações entre saúde, trabalho e processos de subjetivação na escola pública é o foco do estudo que investiga se o conceito de subjetividade é utilizado nas práticas de saúde, com base nos pressupostos teórico-filosóficos da obra de M. Foucault e na ergologia de linhagem francesa. É ressaltada a importância de se pesquisar as articulações entre organização do trabalho, produção de saúde-doença e processos de subjetivação em curso.

Outro estudo na área da saúde mental avaliou a assertividade de pacientes psicóticos, em situações de fazer e receber críticas, demonstrando que esse grupo apresentou um déficit significativo de assertividade global, verbal e não-verbal comparativamente ao grupo não-clínico. As cotas globais e verbais dos dois grupos foram significativamente superiores nas situações de fazer crítica comparadas às de receber crítica.

Finalmente, um artigo na área da psicanálise faz uma análise acerca das relações entre a psicanálise, neurociência e auto-organização psíquica. Apresenta-se ainda uma resenha de um livro cujo tema é o autismo, também sob o prisma da psicanálise.

Mais uma vez, com base no material divulgado acima, registra-se a necessidade de garantia de espaços como esse que oportunizem a atualização do conhecimento científico, através do respaldo contínuo aos eventos e periódicos de qualidade da área. Boa leitura, reflexão e crítica!

Cordialmente,

Cleonice Alves Bosa

Editora

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    2002
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