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Dois caminhos para aproximar a universidade da escola: a equipe de supervisores de estágio e a formação continuada 1 1 Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924 2 2 Normalização, preparação e revisão textual em português: Lucas Giron (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br 3 3 Texto original submetido em francês. Tradução: Nicolás Campanário – ncampanario@gmail.com. Revisão: Eliana Ayoub

Two ways to bring the university closer to the school: the team of internship supervisors and continuing education

Resumo

A universidade consegue manter relações de confiança com os professores que ela formou? Os pesquisadores denunciam regularmente as diferenças que separam a formação inicial e o ensino no meio escolar, em razão da falta de (re)conhecimento e de interesse mútuos. Ao contrário, este artigo analisa duas experiências positivas. A primeira delas revela o funcionamento de uma equipe de orientadores que acompanham os pares estagiários-supervisores de estágio, com ênfase na transmissão da paixão e no compartilhamento do prazer de ensinar e de aprender. A segunda, por sua vez, estuda a construção de uma relação positiva entre uma pesquisadora e os colegas envolvidos em uma pesquisa participativa. Esta última estuda a sensibilidade desses colegas durante o reinvestimento, em suas aulas, dos conhecimentos adquiridos em uma formação continuada ocorrida na universidade. Os resultados mostram a gratidão desses colegas em relação a essa pesquisadora quando ela constrói seu mapa de identidade profissional, decodifica seu aprendizado em condições reais de trabalho e valoriza suas artes do fazer.

Palavras clave
formação inicial de professores; equipe de supervisão de estágios; formação continuada; aprendizagem em situação de trabalho

Abstract

Does the university succeed in establishing trusting relationships with the teachers it trained? The researchers frequently highlight the differences between the academic training and the school teaching. This gap is due to a lack of mutual interest and a poor public acknowledgement. On the contrary, this article analyses two positives experiences. The first one shows the work of a team supervising duets master – students in teacher training course, highlighting the sharing of a passion as well as the pleasure of teaching and learning. The second experience studies the building of a positive relationship between a researcher and the colleagues involved in a participatory research which studies the sensitivity of these colleagues when they are teaching pupils what they were taught themselves at university, in a continuing education course in university. The results show that those colleagues are very grateful to the researcher when she builds their professional identity card, decodes their learning in real working conditions and values their art of teaching.

Keywords
teacher training; internship supervision; continuing education; workplace learning

Introdução

Para que uma instituição funcione adequadamente, é importante que os parceiros que a compõem interajam de modo complementar e harmônico. Frequentemente isso não ocorre no ensino. Duas categorias de atores principais, os professores-pesquisadores da formação inicial e os professores do ensino obrigatório muitas vezes se consideram como estranhos, indiferentes, e até mesmo muito críticos em relação aos seus respectivos trabalhos. Os universitários censuram os professores escolares por não se interessarem por seus escritos e por não atualizarem seus conhecimentos, enquanto os professores escolares lamentam o isolamento dos universitários em sua torre de marfim: eles não conhecem suficientemente a realidade ordinária e cotidiana da profissão. Como consequência disso há uma perda de energia e de recursos prejudicial à qualidade da formação dos estudantes universitários e dos alunos. Felizmente, existem experiências positivas que produzem eficiência, eficácia e desenvolvimento nos atores em presença. O objetivo deste artigo é, em primeiro lugar, analisar as características do mundo universitário e as do mundo do ensino obrigatório. Em segundo lugar, pretende-se descrever duas experiências de interação harmoniosa vividas na Universidade Católica de Louvain4 4 Université Catholique de Louvain (UCLouvain), Ottignies-Louvain-la-Neuve, Bélgica. . A primeira dessas experiências relata o papel dos orientadores universitários (OU) ante os supervisores de estágio (SE) e os estagiários (ES) no ensino de educação física. A segunda expõe os benefícios de uma pesquisa colaborativa que se interessa pelo reinvestimento, nas aulas, do que os professores aprendem após um estágio de formação continuada. Dessas duas experiências emergem perspectivas de melhoria das relações entre os dois mundos.

1. Para um melhor entendimento das artes do fazer dos professores escolares por parte dos pesquisadores

1.1 Nós pesquisamos e eles ensinam!

Por que nós, pesquisadores, nos preocupamos tanto em sermos lidos pelos professores das escolas… para logo depois lamentarmos não sermos lidos? E isso quando, na maioria das vezes, sequer escrevemos para eles! Ao procurarmos satisfazer as exigências acadêmicas, encerramos nossas pesquisas dentro dos limites estabelecidos pelos quadros teóricos, às vezes assimilados com dificuldade e esforço, e que defendemos vigorosamente em debates calorosos entre nós mesmos. Defendemos firmemente o rigor de nossas metodologias. Escrevemos manipulando os códigos e o estilo ditados pela noosfera e pela intelligentsia que controla as revistas indexadas. Reivindicamos nossa identidade de pesquisadores, que nos distingue dos profissionais do mundo da prática e, envoltos por toda essa couraça, ficamos surpresos ao não sermos lidos pelos professores! Ora, examinemos por um instante o sumário de nossas revistas científicas. Que palavras-chave podem ser lidas nos títulos de nossos artigos? Ali são abundantes problemas, dificuldades, fracassos, sofrimento, conflitos, violência, reforma, penúria etc. Isso está longe de ser atraente para os professores que vivem essas situações cotidianamente e que não nos convocaram nem tampouco nos deram mandato para falarmos em seu lugar! Por conseguinte, eles não podem – e provavelmente não poderão nunca – se inspirar nessa literatura de gosto tão amargo para eles, uma vez que esta volta a mergulhá-los no sofrimento que sentem no exercício de seu trabalho.

Na verdade, os professores das escolas conhecem e administram melhor que nós, pesquisadores, a banalidade de seu cotidiano ordinário. Eles experimentam pessoalmente ou com seus colegas as dificuldades, o cansaço, os fracassos, a imperfeição e os problemas associados ao ato de ensinar e ao ato de aprender ou de desaprender. Ou, inversamente, quando tudo está bem, o contentamento, a alegria, o prazer de captar a atenção e o interesse dos alunos e de constatar sua aprendizagem. Os pesquisadores levam em consideração suficientemente sua maneira de pensar, organizar, observar, resolver problemas e improvisar em cada situação?

1.2. Detentores de saberes práticos

Ao longo da história, no entanto, numerosos autores salientaram as características do funcionamento das práticas dos professores. Cada um ao seu modo, esses autores evidenciaram as singularidades e as regularidades da função docente, diferentes de uma abordagem teórica baseada em conceitos que a dominam. Uma breve revisão sinótica demonstra isso. Os filósofos gregos já faziam a distinção entre o saber constituído, que eles denominavam episteme, a ciência, e a phrónesis, que evoca a sabedoria da práxis, a temperança, a prudência.

Bourdieu (1980)Bourdieu, P. (1980). Le sens pratique. Paris: Éditions de Minuit. propõe a valorização do senso prático. Argyris (1995)Argyris, C. (1995). Savoir pour agir: surmonter les obstacles à l’apprentissage organisationnel. Paris: InterEditions. convoca os saberes acionáveis (ou mobilizáveis), constituintes das ciências da ação. Reboul (1980)Reboul, O. (1980). Qu’est-ce qu’apprendre ? Paris: PUF. afirma que a teoria não preexiste à prática. Tardif e Lessard (1999)Tardif, M., & Lessard, C. (1999). Le travail enseignant au quotidien: expérience, interactions humaines et dilemmes professionnels. Bruxelles: De Boeck. importam o conhecimento trabalhado para traduzir working knowledge de Kennedy (1983)Kennedy, M.M. (1983). Working knowledge: Science Communication, 5(2), 193-211.. Ele é constituído por crenças, postulados, interesses e experiências utilizados de modo rotineiro e individual. Donnay e Charliez (2006)Donnay, J., & Charliez, E. (2006). Apprendre par l’analyse des pratiques: initiation au compagnonnage réflexif. Namur: Presses Universitaires de Namur. definem os saberes práticos. Estes últimos se caracterizam por sua disponibilidade, acessibilidade, comunicabilidade, singularidade e transferibilidade. Dupont-Beurier (2006)Dupont-Beurier, P.-P. (2006). Petite philosophie du bricoleur. Paris: Milan. constata que é o concreto que inspira a imaginação do bricoleur. Serres (2014)Serres, M. (2014). Pantopie: de Hermès à Petite Poucette. Paris: Le Pommier. mostra que os saberes são construídos e validados a partir de duas lógicas diferentes: a conceitualização e as singularidades. Ele defende uma sensibilização ao concreto singular, que se tornou possível graças às tecnologias da informação e da comunicação para o ensino. Blais, Gauchet e Ottavi (2014)Blais, M.-C., Gauchet, M., & Ottavi, D. (2014). Transmettre, apprendre. Paris: Stock. falam em bricolagem, citando Lévi-Strauss. Han (2015)Han, B.-C. (2015). Dans la nuée: réflexions sur le numérique. Paris: Actes Sud. se interessa pela revolução digital que impacta o tratamento de dados.

O recorte direto de pacotes de dados substitui os modelos teóricos hipotéticos. Não é mais a causalidade, mas sim a correlação que passa a preponderar. De acordo com esse autor, a questão do porquê torna-se inútil diante da evidência do é assim: é o fim de todas as teorias do comportamento humano, da linguística à sociologia…. A teoria é uma construção, um adjuvante que permite compensar uma falta de dados. Portanto, quanto estes existem em quantidade suficiente, a teoria não tem mais razão de ser. A possibilidade de ler os esquemas comportamentais das massas nos aglomerados de Big Data anuncia, segundo ele, o começo de uma psicopolítica digital5 5 “Le recoupement direct de paquets de données remplace les modèles théoriques hypothétiques. Ce n’est plus la causalité mais la corrélation qui est mise en avant. Selon lui, la question du pourquoi devient inutile devant l’évidence du c’est ainsi : c’en est fini de toutes les théories du comportement humain, de la linguistique à la sociologie… La théorie est une construction, un adjuvant qui permet de compenser un manque de données. Donc, lorsque celles-ci existent en quantité suffisante, la théorie n’a plus de raison d’être. La possibilité de lire les schémas comportementaux des masses dans les amas de Big Data annonce, selon lui, le début d’une psychopolitique numérique”. . (pp. 100-101)

1.3. Seu concreto singular

Quanto tempo será preciso ainda para que os pesquisadores compreendam e aceitem que os professores das escolas – sujeitos singulares, subordinados a regulamentos e divididos (Terrisse, Carnus, & Loizon, 2010Terrisse, A., & Carnus, M.-F. (2010) La didactique clinique en EPS: quels outils pour l’analyse des enseignants d’EPS? eJRIEPS, 20, 135-147.) – funcionam de acordo com uma lógica diferente da aplicacionista derivada das pesquisas inteligentemente construídas com base em um quadro teórico? Na verdade, a lógica própria dos professores, presente em suas preocupações, ocupações e pós-ocupações, é a do concreto singular de Serres (2014)Serres, M. (2014). Pantopie: de Hermès à Petite Poucette. Paris: Le Pommier.. Eles certamente estão subordinados à instituição escolar, como explicam os colegas da didática clínica (Terrisse & Carnus, 2010Terrisse, A., Carnus, M. F., & Loizon, D. (2010). La didactique clinique de l’EPS: perspectives pour la formation. In M. Musard, M. Loquet, & G. Carlier (Eds.), Sciences de l’intervention en EPS et en sport (137-159). Paris: Éditions EPS.), mas com certeza não às produções dos pesquisadores!

1.4. Especialistas nas artes do fazer

A lógica dos professores, o concreto singular, portanto, se traduz em suas artes do fazer (Certeau, 1990Certeau, M. de (1990). L’invention du quotidien: 1. arts de faire. Paris: Gallimard.). Canal (2002Canal, J.-L. (2002). Ethnologie d’une classe banale de sixième en éducation physique: l’épreuve des limites. Tese de doutorado, Université de Montpellier I, Montpellier.; Canal & Gleyse, 2004)Canal, J.-L., & Gleyse, J. (2004). Ethnologie de l’EPS: normes institutionnelles et “arts de faire” ou comment un cours se fabrique au quotidien? In G. Carlier (Dir.), Si l’on parlait du plaisir d’enseigner l’éducation physique (pp. 183-211). Montpellier: Éditions Afraps. foi um dos primeiros pesquisadores francófonos a ter mobilizado o conceito artes do fazer no âmbito de uma pesquisa doutoral em ciências e técnicas das atividades físicas e desportivas, seguindo-se aos trabalhos de Gleyse e Valette (1999)Gleyse, J., & Valette, M. (1999). Rites initiatiques et rituels de passage ou de purification dans l’école, l’éducation physique et le sport: trois exemples particuliers pour participer à la construction d’une théorie. Corps et Culture, (4), 1-20. no laboratório Corps & Culture. Sua pesquisa demonstrou que os alunos aprendem tanto de seus pares como do professor, pela experiência das dificuldades e do teste dos limites, que desenvolvem sua socialidade. Desse modo, é principalmente o grupo que está no âmago da aprendizagem, muito mais que o aluno singular. Desse ponto de vista, o professor tem tanto a aprender dos alunos quando estes dele. Além disso, os professores destacam-se por professar à margem. Como demonstra Guégan (2008)Guégan, Y. (2016). Les ruses éducatives: agir en stratège pour mobiliser les élèves. Paris: ESF., eles usam truques, astúcia, rotinas e manias. Eles recorrem a ardis (Lantheaume, 2007Lantheaume, F. (2007). L’activité enseignante entre prescription et travail réel: ruses, petits bonheurs, souffrance. Éducation et Sociétés, (19), 67-81.), protegendo desse modo uma parte do trabalho que não lhes pode ser confiscado (Martinelli, 2001Martinelli, D. (2001). Dominations ordinaires: explorations de la condition moderne. Paris: Balland.).

Eles encenam e praticam a reticência didática. Ensinam prioritariamente suas situações ou saberes fetiches. Confiam em suas próprias tarefas vitoriosas, que funcionam ano a ano, e alegram-se com suas próprias inovações. Acabam por adquirir – às vezes com grande dificuldade, algo que nem todos conseguem! – a habilidade necessária para lidarem com suas turmas. Improvisam de modo estruturado (Durand, 2001Durand, M. (2001). Chronomètre et survêtement: reflets de l’expérience quotidienne d’enseignants en éducation. Paris: EP&S.), sabem enfrentar o imprevisto, experimentam, graças a habilidades aprendidas na prática. Suas emoções, positivas ou negativas, são expressas ou reservadas de acordo com sua personalidade e em função do contexto.

Vocês pensam que eles ensinam aplicando as teorias da aprendizagem prescritas na formação inicial, as teorias professadas? Teorias que se tornaram para eles conhecimentos ornamentais ou decorativos, isso quando não são esquecidas? Nada disso! Eles trapaceiam, desviam ou torcem as regras e seus alunos se deliciam com as aprendizagens furtivas que ocorrem quando matam aula. Na escola, a pasta do currículo oculto geralmente está bastante cheia. Não é raro que os professores se limitem a fingir que ensinam e os alunos que aprendem… tornando-se esquivadores competentes (Florence, Brunelle, & Carlier, 1998Florence, J., Brunelle, J., & Carlier, G. (1998). Enseigner l’éducation physique au secondaire: motiver, aider à apprendre, vivre une relation éducative. Bruxelles: De Boeck.). Quando os alunos estão busy, happy and good (Placek, 1983Placek, J. H. (1983). Conceptions of success in teaching: busy, happy and good? In T. Templin, & J. Olson (Eds.), Teaching in physical education (pp. 46-56). Champaign: Human Kinetics.), todos ficam contentes… Por fim, no curto prazo: o engajamento disciplinar produtivo (EDP) nem sempre está presente nas salas de aula! Enquanto, de acordo com a época e segundo a sucessão de prescrições institucionais, se espera que os professores avaliem em referência aos objetivos, às competências, aos learning outcomes, eles são frequentemente obrigados a trapacear, inclusive nas provas e, graças ao seu olho de vendedor de cavalos, eles aceitam fazer arranjos avaliativos.

Embora se espere que tenham conhecimento, os professores possuem muitas lacunas de saber. No entanto, eles têm dificuldade em atingir o ideal de Rancière (1987)Rancière, J. (1987). Le maître ignorant: cinq leçons sur l’émancipation intellectuelle. Paris: PUF. em relação à emancipação: “É possível ensinar o que se ignora se o aluno for emancipado, isto é, se ele for obrigado a usar sua própria inteligência”6 6 “On peut enseigner ce que l’on ignore si l’on émancipe l’élève, c’est-à-dire si on le contraint à user de sa propre intelligence”. (p. 29). Rancière precisa a etimologia de emancipação: emancipatio: fato de libertar da autoridade paterna. Ele é ainda mais radical: “Quem ensina sem emancipar embrutece. E quem emancipa não tem de se preocupar com o que o emancipado deve aprender. Ele aprenderá o que bem entender. Talvez até mesmo nada!”7 7 “Qui enseigne sans émanciper, abrutit. Et qui émancipe n’a pas à se préoccuper de ce que l’émancipé doit apprendre. Il apprendra ce qu’il voudra. Rien peut-être!”. (p. 33). Esse mesmo autor confessa que “aprendi muitas coisas sem qualquer explicação”8 8 “J’ai appris beaucoup de choses sans explications”. (p. 30).

A respeito dos saberes a serem transmitidos, nem sempre é fácil para os professores corresponder à definição de Pennac em Chagrin d’école (2007)Pennac, D. (2007). Chagrin d’école. Paris: Gallimard.: “… sua primeira qualidade deveria ser a aptidão de conceber o estado daquele que ignora o que você sabe!”9 9 “… votre première qualité devrait être l’aptitude à concevoir l’état de celui qui ignore ce que vous savez!”. (p. 297). Deve-se reconhecer que as tarefas do cotidiano não são fáceis para muitos professores. Para muitos, usar tais artes do fazer com alunos recalcitrantes, não é senão uma posição de retração, um mal menor, até mesmo uma solução de sobrevivência. Essa situação corresponde ao que Rosa (2014)Rosa, H. (2014). Aliénation et accélération: vers une théorie critique de la modernité tardive. Paris: La Découverte. qualifica de alienação.

1.5. Os bons professores deixam sua marca

Felizmente, muitos dos professores mantêm uma boa relação com a escola, com seus colegas e com seus alunos. Eles conseguem não mais considerar estes últimos como inúteis, ignorantes, preguiçosos, maus alunos…, mas simplesmente como esperanças. Esse olhar muda tudo! Provavelmente justamente esses professores consigam aumentar o poder de agir e de existir de seus alunos, em vez de limitá-los a uma postura negativa alimentando sua impotência aprendida (Lavie & Gagnaire, 2014Lavie, F., & Gagnaire, P. (2014). (Eds.). Plaisir et processus éducatif en EPS: une pédagogie de la mobilisation. Saint-Mandé: AE-EPS.). Nicolas Mascret (2012)Mascret, N. (2012). N’oublions pas les bons profs. Paris: Anne Carrière. fala sobre isso em sua obra de fôlego N’oublions pas les bons profs (Não nos esqueçamos dos bons professores): seus antigos alunos lembram-se deles com entusiasmo e reconhecimento. Os mesmos professores são caracterizados por sua assertividade e empatia (Meyre, 2018Meyre, J.-M. (2018). Impact de la personnalité de l’enseignant sur le ressenti des élèves: l’assertivité socio-conative comme déterminant de la relation éducative. Tese de doutorado, Université de Montpellier III, Montpellier.), congruência e aceitação incondicional dos alunos, de cada um deles, em sua singularidade (Rogers, 1968Rogers, C. (1968). Le développement de la personne. Paris: Dunod.). Esses professores conseguiram suscitar em seus alunos – e em si mesmos, necessariamente! – o flow ou fluxo ou experiência ótima (Csikszentmihalyi, 2004Csikszentmihalyi, M. (2004). Vivre: la psychologie du bonheur. Paris: Robert Laffont.). O flow é o estado do professor ou do aluno totalmente absorvido pela atividade: ativação ótima, fluidez, sucesso, plenitude, bem-estar e prazer. O tempo não conta mais… “Ué, já acabou? Vamos fazer a mesma atividade da próxima vez, professor?”10 10 “Oh, c’est déjà fini? Est-ce que l’on refera la même activité la prochaine fois, M’sieur?”. , resumido por Brunelle e Brunelle (2012)Brunelle, J.-P., & Brunelle, J. (2012). Susciter la passion pour les activités physiques et sportives. Sherbrooke: Philia.. Quando a interação de ensino-aprendizagem ocorre harmoniosamente, a educação física oferece aos atores um verdadeiro “oásis de desaceleração” no sentido de Rosa (2014, p. 45-46)Rosa, H. (2014). Aliénation et accélération: vers une théorie critique de la modernité tardive. Paris: La Découverte., em contraponto à aceleração da vida contemporânea – e escolar – e à alienação provocada por ela.

1.6. Suscitar a paixão e compartilhar o prazer

Para atingir uma interação pedagógica dessa qualidade, esses professores transmitiram sua paixão harmoniosa (Brunelle & Brunelle, 2012Brunelle, J.-P., & Brunelle, J. (2012). Susciter la passion pour les activités physiques et sportives. Sherbrooke: Philia.) por sua disciplina e pela vida em geral. Eles compartilharam grandes momentos de prazer com seus alunos, os prazeres convexos, que não deixam apenas lembranças efêmeras, mas também e sobretudo os prazeres côncavos, que gravam marcas duráveis (Brunelle & Brunelle, 2012Brunelle, J.-P., & Brunelle, J. (2012). Susciter la passion pour les activités physiques et sportives. Sherbrooke: Philia.). Uns e outros compreenderam, como Haye (2007)Haye, G. (2007). Le plaisir en EPS n’est pas un problème, seule son absence en est un. In P. Gagnaire, & F. Lavie (Eds.), Le plaisir des élèves en éducation physique et sportive: futilité et nécessité (p. 15-27). Saint Mandé: Coédition AEEPS et AFRAPS., que “na educação física (ou em qualquer outra disciplina), não é o prazer que constitui um problema, mas sim a sua ausência” (p. 15)11 11 “le plaisir en EPS n'est pas un problème, seule son absence en est un”. . Talvez eles tenham inscrito no frontão de sua sala de aula ou de seu ginásio: “Que ninguém entre aqui se não estiver em busca do prazer. Que ninguém entre aqui se procurar somente o prazer!”12 12 “Que nul n’entre ici s’il ne cherche le plaisir. Que nul n’entre ici s’il ne cherche que le plaisir!”. (Bui-Xuân, 2014Bui-Xuân, G. (2014). Le plaisir, un fait conatif total. In G. Haye (Ed.), Le plaisir (pp. 49-66). Paris: EP&S., p. 18 - inspirado no frontão da Academia de Atenas)?

1.7. Finalmente reflexivos

O perfil dos professores assim descrito se assemelha ao do praticante-artesão (Paquay, Altet, Chaliez, & Perrenoud, 2006Paquay, L., Altet, M., Charliez, E., & Perrenoud, P. (2006). Former des enseignants professionnels: Quelles compétences? Quelles stratégies? Bruxelles: De Boeck.), com o qual se identificam, pouco ou muito, cedo ou tarde, muitos professores. É precisamente em suas artes do fazer que se enxerta o processo de reflexividade que conduz o profissional a desenvolver suas teorias subjetivas, compartilhadas ou não (Donnay & Charliez, 2006Donnay, J., & Charliez, E. (2006). Apprendre par l’analyse des pratiques: initiation au compagnonnage réflexif. Namur: Presses Universitaires de Namur.). São bem-sucedidos nisso, prioritariamente, com maior facilidade talvez, os colegas que assumem funções e responsabilidades particulares: supervisor de estágio, orientador, mentor de novatos, coordenador de equipe ou professor em programas de formação continuada. Sem esquecer os felizes beneficiários, e a palavra não é excessivamente forte, que aprendem em situação de trabalho quando se envolvem – que sorte, reconhecem eles! – em nossas pesquisas colaborativas e transformadoras (Van Nieuwenhoven & Cividini, 2016Van Nieuwenhoven, C., & Cividini, M. (2016). Quand l’étudiant devient enseignant: préparer et soutenir l’insertion professionnelle. Louvain-la-Neuve: PUL.), respondem às nossas entrevistas ou participam em grupos focais (focus-groups) de pesquisa. Sobretudo quando essas pesquisas os conduzem a tomar consciência de sua sensibilidade a (Clerx, 2016Clerx, M. (2016). La “sensibilité à” des enseignants d’éducation physique: le prisme du réinvestissement des acquis d’une formation continue en situation de travail. Tese de doutorado, Université Catholique de Louvain, Louvain-la-Neuve.; Récopé, Fache & Fiard, 2011Récopé, M., Fache, H., & Fiard, J. (2011). Sensibilité, conceptualisation et totalité (activité-expérience-corps-mode). Travail et apprentissages: Revue de didactique professionnelle, 7, 11-44.), a descreverem a maneira pela qual gerem os grupos-classe (Samyn, 2016Samyn, S. (2016). Articulations entre les représentations professionnelles et les pratiques de gestion des groupes-classes des enseignants d’éducation physique. Tese de doutorado, Université Catholique de Louvain, Louvain-la-Neuve.) ou a fazer emergir sua relação com o saber (Leroy, 2018Leroy, F. (2018). Le rapport au savoir des étudiants-stagiaires en formation initiale en éducation physique au cours de situations d’enseignement-apprentissage. Tese de doutorado, Université Catholique de Louvain, Louvain-la-Neuve.). Com certeza todos esses professores reúnem elementos teóricos indispensáveis para esclarecer uma parte de seu ato de ensinar e de aprender. Tais elementos teóricos representam, para eles, saberes acionáveis ou mobilizáveis (Argyris, 1995Argyris, C. (1995). Savoir pour agir: surmonter les obstacles à l’apprentissage organisationnel. Paris: InterEditions.). Esse processo reflexivo, coconstruído, difere radicalmente daquele que consistiria em aplicar recomendações, preconizações, pistas, conselhos, implicações, perspectivas etc., presentes no final de muitos artigos científicos.

1.8. Reconhecidos pela pesquisa

As dificuldades ocupam, sem dúvida, um lugar importante no cotidiano dos professores. Seria uma falta de lucidez minimizar tal evidência. De resto, Carton (2014)Carton, L. (2014). Exposé à la table ronde “une tout autre école”. In Actes du Colloque du Cripedis “L’école, bientôt hors-jeu?”. Université Catholique de Louvain, Charleroi. considera que a tripla finalidade da escola representa uma missão impossível: instruir os cidadãos do amanhã, educar os adolescentes de hoje e formar os utilizadores futuros dos saberes, práticos e existenciais. Em compensação, isso não impede que ao longo do caminho encontremos numerosos professores, felizes e orgulhosos com sua atividade, que chegaram ao ponto de celebrar o cotidiano de sua profissão. Quando nossas pesquisas farão emergir prioritariamente o prazer de ensinar e a paixão harmoniosa suscitada nos alunos, sem incômodo ou sem vergonha? Sem indecência tampouco (Wouters, 2009Wouters, L. (2009). De la salle de profs: l’indécence du plaisir d’enseigner. Entrées libres, (37), 16.)! Mas com a firme convicção de que tais pesquisas poderiam, não apenas produzir conhecimentos novos e originais, mas também e sobretudo participar do desenvolvimento, desde o começo da formação inicial, da identidade atribuída, percebida e desejada do corpo docente. E, por conseguinte, ter implicações positivas para os alunos. A questão é que, como sugere Canal e Gleyse (2004)Canal, J.-L., & Gleyse, J. (2004). Ethnologie de l’EPS: normes institutionnelles et “arts de faire” ou comment un cours se fabrique au quotidien? In G. Carlier (Dir.), Si l’on parlait du plaisir d’enseigner l’éducation physique (pp. 183-211). Montpellier: Éditions Afraps., os pesquisadores estão menos interessados em fabricar a educação física “em tubos de ensaio” 13 13 “dans les ‘cornues’ en laboratoire”. (p. 183) ou modelá-la “em esferas bastante abstratas e às vezes em línguas relativamente obscuras de acordo com o ponto de vista dos professores de EF do campo”14 14 “dans des sphères assez abstraites et parfois dans des langages relativement abscons selon le regard des enseignants d’EPS sur le terrain”. (p. 183) do que em trabalhar para compreender a transformação do “comum no extraordinário, do banal no estranho ou mesmo no estrangeiro”15 15 “l'ordinaire en extraordinaire, du banal en étrange voire en étranger”. (p. 183), realizado por colegas com seus alunos. Em suma, é chegada a hora de os pesquisadores ajudarem a celebrar a grandeza do minúsculo na prática diária dos professores.

2. Ultrapassar a dicotomia saberes científicos × saberes práticos

2.1. Dois mundos a serem reconciliados

Na formação inicial dos professores (de educação física), a dicotomia entre, por um lado, os saberes acadêmicos, teóricos e científicos e, por outro lado, os saberes da prática, sobre a prática e para a prática, é particularmente evidente. Além das distinções anteriormente descritas, há outras que os caracterizam acima de tudo: os primeiros são ensinados na escola de formação enquanto os outros são transmitidos, experimentados e ancorados no terreno dos estágios, no meio escolar. Os primeiros são adquiridos entre pares, no prosseguimento dos estudos, enquanto os outros progridem na presença de alunos, prelúdios das condições profissionais encontradas na futura profissão.

Os formadores diferem em razão de suas competências e de seu estatuto. Por um lado, ensinam cientistas universitários enquanto, por outro, exercem professores ditos de campo, também chamados de professores associados, SE ou formadores de campo. Tais características mantêm uma hierarquia entre as duas vertentes da formação, a tal ponto que a concepção aplicacionista da formação ainda se impõe: os saberes adquiridos na universidade supostamente devem ser aplicados (enquanto tais) no campo de estágio. Impregnada por essa concepção, a universidade recorre a orientadores para verificar nas aulas como os estagiários dominam as competências de ensino requeridas. Seu papel é então percebido pelos estagiários como o de um inspetor-verificador. Como mostraram Leroy e Carlier (2018)Leroy, F., & Carlier, G. (2018). Identifier la singularité du rapport au savoir d’un étudiant-stagiaire en éducation physique en situation d’enseignement. eJRIEPS, 43, 53-82., a visita do orientador provoca no estagiário uma série de atitudes e comportamentos de conformidade, com o fim de satisfazer às exigências certificativas da escola de formação. Essas consequências, longe de contribuírem para o desenvolvimento da autonomia do estagiário, reforçam nele as características de submissão aos conhecimentos professados, às normas prescritas pela escola de formação e às exigências singulares do supervisor. O sujeito-estagiário está, pois, dividido entre o que gostaria de fazer para descobrir seu próprio estilo e o que realmente faz para agradar o orientador. Tal sistema produz estudantes que se preocupam mais em ter sucesso que estagiários que têm como objetivo principal a sua formação.

Mas a postura aplicacionista dos orientadores não é uma fatalidade. Ela não é inevitável. Assim, na Faculdade de Ciências da Motricidade da UCLouvain, atuamos de modo a auxiliar os estagiários a se formarem criando uma equipe de orientadores resolutamente centrados no auxílio ao aprendizado dos estagiários em situação de trabalho, em vez de no caráter certificativo da avaliação de seus estágios. Procurou-se privilegiar a ênfase sobre a realidade já presente positiva dos estagiários, suas competências em desenvolvimento, em vez de sobre a avaliação formal de seu desempenho tendo em vista apontar falhas, faltas, erros e deficiências.

A continuação da exposição procura descrever esse dispositivo positivo de formação para analisar características que possam ser transpostas para outros contextos.

2.2. Maximizar os recursos em um dispositivo de formação restrito

De 2004 a 2014 nos dedicamos a compor, desenvolver e colocar em funcionamento uma equipe de orientadores de ensino em Educação Física na educação secundária16 16 A educação secundária na Bélgica refere-se à etapa de escolarização de jovens entre os 12 e 18 anos de idade e oferece diferentes percursos formativos (nota dos organizadores). (Figura 1).

Figura 1
Contexto da supervisão de estágio

Na UCLouvain, o volume de créditos dedicados à formação voltada para o ensino ocupa uma porção mínima no currículo dos dois últimos anos de estudos: 30 dos 120 créditos. Dentro dessas limitações, o lugar atribuído aos estágios em educação física comporta apenas 76 períodos de 60 minutos distribuídos nos dois últimos anos de estudos. Isso significa que a tarefa dos formadores universitários, dos SE e dos orientadores exige que se faça muito – desenvolver as competências dos estagiários – em pouco tempo. O primeiro objetivo é não os assustar colocando-os em situações (muito) difíceis, que teriam como única consequência criar insatisfação com a escola e afastá-los da profissão. Pelo contrário, nos esforçamos para fazê-los descobrir, mesmo que em doses homeopáticas, as pepitas e os embriões do prazer de ensinar e de ajudar os alunos a aprenderem. Segundo a perspectiva do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005Organisation de Coopération et de Développement Économiques. (2005). Le rôle crucial des enseignants: attirer, former et retenir des enseignants de qualité. Paris: Éditions OCDE.), trata-se efetivamente de atrair, formar e manter professores qualificados.

2.3. Uma ampla rede de supervisores de estágio

Tudo começou pela constituição, há mais de 30 anos, de uma rede evolutiva de SE ou de formadores de campo (n>80 para ≅35 estagiários), que são recrutados com base nas seguintes condições:

  1. Exercer essa função em acordo com a direção do estabelecimento;

  2. Oferecer horas de cursos, programas, objetivos, conteúdos e turmas propícias à aquisição progressiva de competências de ensino pelo estagiário;

  3. Integrá-lo à equipe docente;

  4. Acompanhar o(a) estagiário(a) em referência à pedagogia das motivações (Florence, Brunelle, & Carlier, 1998Florence, J., Brunelle, J., & Carlier, G. (1998). Enseigner l’éducation physique au secondaire: motiver, aider à apprendre, vivre une relation éducative. Bruxelles: De Boeck.);

  5. Enquadrar pessoalmente o(a) estagiário(a) nos momentos de orientação, observação e avaliação;

  6. Cumprir, dentro dos melhores prazos possíveis, as tarefas administrativas relativas à UCLouvain;

  7. Dialogar com o responsável pelos estágios da UCLouvain cada vez que isso se mostre necessário;

  8. Acolher a visita de um supervisor da UCLouvain;

  9. Participar da formação continuada anual oferecida pela UCLouvain.

Concretamente, os SE acolhem um(a) estagiário(a) em suas aulas durante vinte períodos. Fornecem-lhe um acompanhamento no ensino e lhe entregam uma avaliação formativa ao término da formação. Por sua vez, o(a) estagiário(a) conclui seu estágio com um relatório pessoal.

2.4. Da função de SE à de supervisor

Dentre os SE experimentados, dois foram recrutados (2004) para prestar assistência ao responsável universitário pelos estágios no momento de visitar os pares SE – estagiário(a) no campo escolar. De um modo relativamente rápido, a missão desses dois pioneiros se mostrou bem-sucedida e valorizada pelos próprios SE:

Eles são pessoas que conhecem o campo; compreendem nossas preocupações e as condições de trabalho oferecidas aos estagiários. (SE1)

Encorajados por esse sucesso, ampliamos a equipe (n=9 em 2014) para atingir de modo mais eficaz os objetivos da supervisão. Para fazer isso, solicitamos, evidentemente, um ou outro supervisor de estágio suplementar sem negligenciar os pedidos espontâneos que chegaram até nós:

Minhas aulas estão indo bem! Eu poderia comunicar minha experiência aos novatos. (SE2)

Já abordei a tema de todos os pontos de vista. Tenho vontade de fazer outras coisas. Preciso de um novo desafio. (SE3)

Dominique [um supervisor que já assumiu suas funções] me convidou a entrar na equipe de vocês… (SE4)

O trabalho de supervisão me atrai: gostaria de trabalhar na equipe de vocês. (SE5)

As missões dos OU são definidas do seguinte modo:

  1. Assistir a várias sessões ensinadas pelos estagiários (ES);

  2. Dialogar com o binômio SE-ES;

  3. Fazer uma avaliação da situação em um momento preciso;Entregar um relatório formativo muito circunstanciado ao ES;

  4. Ouvir os ES em uma entrevista de explicitação na faculdade;

  5. Oferecer auxílio para a preparação de sequências de ensino na faculdade.

2.5. Os orientadores, fiadores de uma visão humanista da formação

Essas missões são realizadas em um estado de espírito particular, de acordo com uma visão humanista do acompanhamento privilegiada em nosso estabelecimento.

  1. Colocar os ES em uma situação de confiança, tendo em vista que tenham uma boa vivência em seu estágio;

  2. Suscitar a vontade de aprender;

  3. Propor contextos em que os sucessos são possíveis;

  4. Quebrar o hábito que incitaria a falar apenas nas lacunas a serem preenchidas. Recusa de uma pedagogia deficitária;

  5. Estimular aqueles que sentimos estarem próximos de experimentar condições mais difíceis (alunos, material, tipo de ensino);

  6. Identificar as pepitas de “prazer nascente” nos ES, durante as observações, entrevistas e leitura de relatórios.

2.6. Uma direção colaborativa do dispositivo

Por sua vez, o responsável acadêmico (RA) pela formação dirige e regula o dispositivo.

  1. Organizar a manhã anual de formação para ES, SE e OU.

  2. Reunir os OU 4 vezes por ano:

    • Mesa de escuta;

    • Coconstrução de saberes e procedimentos;

    • Avaliação formativa dos estagiários.

  3. Fornecer aos ES, SE e OU ferramentas de reflexão: “conceitos de intervenção” (Carlier, 2016Carlier, G. (2016). Lexique des concepts d’intervention utilisés en formation initiale en éducation physique. Louvain-la-Neuve: Iacchos.), em vez de teorias doutrinárias e aplicacionistas;

  4. Participar das atividades sociais com os OU (team building);

  5. Intervir na avaliação certificativa com SE e OU;

  6. Assumir a responsabilidade acadêmica pela nota certificativa.

2.7. Conceitos para (se auto)avaliar

Neste momento, é importante explicitar o que entendemos por conceitos de intervenção, na medida em que eles estão na base da redação do relatório de estágio pelos estagiários. Um repertório dos principais conceitos de intervenção (n=80) é colocado à disposição dos estagiários, dos SE e dos OU. Eis alguns exemplos:

  • Embrutecimento: “Quem ensina sem emancipar, embrutece. E quem emancipa não tem de se preocupar com o que o emancipado deve aprender. Ele aprenderá o que bem entender. Talvez até mesmo nada!”17 17 Qui enseigne sans émanciper, abrutit. Et qui émancipe n’a pas à se préoccuper de ce que l’émancipé doit apprendre. Il apprendra ce qu’il voudra. Rien peut-être!”. (Rancière, 1987Rancière, J. (1987). Le maître ignorant: cinq leçons sur l’émancipation intellectuelle. Paris: PUF., p. 33).

  • Atividade docente (Análise da…): o que fazem os professores; o que dizem a respeito do que fazem; o que fazem com o que dizem.

  • “DNA” (Lavie & Gagnaire, 2014Lavie, F., & Gagnaire, P. (2014). (Eds.). Plaisir et processus éducatif en EPS: une pédagogie de la mobilisation. Saint-Mandé: AE-EPS.): substância da atividade desportiva ou expressiva que deveria subsistir, qualquer que seja a transposição didática proposta pelo professor.

Seguem-se outros conceitos, dentre os quais: evidente por si só, aprendizado furtivo, arranjo avaliativo, conhecimentos ornamentais, emancipação, paixão, prazer, reticência didática, astúcia, saber de ação, tarefa vitoriosa, trapaça etc.

2.8. O prazer de ensinar: o fio vermelho da avaliação

Devidamente equipados com o léxico dos principais conceitos de intervenção, os estagiários redigem um relatório reflexivo de estágio que é lido pelos OU e pelo RA. Esse relatório consiste em escolher cinco conceitos e comentá-los à luz das experiências vividas no estágio com os alunos e o SE. Preocupados em identificar os elementos característicos desses relatórios, em relação à concepção, às atitudes e aos comportamentos da supervisão em uma perspectiva humanista, os OU (Bauwin et al., 2014Bauwin, D., Chaumont, D., Courtoy, M., Paquay, B., Porta, E., Vanorlé, G., & Verhelst, P. (2014). Les plaisirs (naissants) des stagiaires en éducation physique. In Actes du Colloque AE-EPS et EDPM. Recuperado de https://www.aeeps.org/ajouter-un-fichier/doc_download/2081-.html
https://www.aeeps.org/ajouter-un-fichier...
) detectaram neles as fontes do prazer de ensinar tal como foram evocadas pelos estagiários que escolhem comentar esse conceito dentre os outros da lista. Elas se dividem em seis categorias: vivência do estagiário, matéria ensinada, arte do fazer, alunos, supervisor de estágio e orientador. Essas categorias são o resultado de uma análise emergente. Permitem construir uma tipologia dos prazeres nascentes nos professores iniciantes, a ser validada em pesquisas posteriores. Apresentamos a seguir, para cada categoria, uma citação significativa.

  1. Prazer e vivência do estagiário

    Procuro meu próprio prazer. Preciso estar bem na atividade, sentir-me à vontade com a disciplina proposta. Então penso que os alunos se sentirão à vontade e terão vontade de aprender. (B. B.)

  2. Prazer e matéria ensinada

    Essas tarefas são sistematicamente vitoriosas pois são simples, estimulantes. São perfeitas para motivar os alunos no começo da aula. A vantagem é que elas podem ser aplicadas a qualquer esporte (tchoukball, kinball, basquete, hockey… (E. E.)

  3. Prazer e artes de fazer

    Chego ao apogeu de meu prazer de ensinar pois as ferramentas e rotinas estão bem adaptadas, o que permite que me concentre mais na aprendizagem dos alunos e na qualidade do trabalho…. Por fim, na terceira aula, sinto-me muito melhor no papel de professor porque estou relaxado, tomo o tempo de perder tempo em proveito da qualidade e da didática. Aceito perder o tempo necessário para que os alunos ouçam e façam perguntas. Permito-me numerosos feedbacks gerais e retomadas…. Tudo muda…. Posso dar minhas instruções e meu SE me parabeniza. Chego de manhã na escola com prazer. (F. F.)

  4. Prazer e interação com os alunos

    Esse “bom momento de ensino” me proporcionou bastante prazer, tanto a mim quanto aos alunos, e permitiu sobretudo que criássemos um vínculo… (F. F.)

  5. Prazer e interação com o SE

    Eu gostava muito de ouvir os conselhos desse jovem SE que eram de algum modo atualizados. Como a juventude de hoje em dia muda rapidamente, essas observações rivalizavam de perspicácia. Foi muito enriquecedor compartilhar o ponto de vista e as análises de um jovem professor repleto de estratégias e de artes do fazer, aplicadas aos jovens atuais. (G. G.)

  6. Prazer e interação com o supervisor

    Permito-me enviar-lhe este e-mail simplesmente para colocá-lo a par de meu sentimento positivo após nosso encontro de janeiro último. Extraio muitas coisas interessantes de nossa discussão e elas me incentivam e revigoram em minha ideia de ensinar. Foi um momento muito agradável que gostaria de reviver. Como estudantes, somos constantemente avaliados. Permito-me por um curto momento inverter os papéis e agradecer-lhe por esse encontro de rara riqueza. Eu esperava ter de justificar e percorrer de modo formal minha documentação acadêmica, mas acabei tendo grande prazer ao falar sobre meus estágios e compartilhar seus principais momentos. (G. G.)

2.9. Balanço de uma experiência de supervisão

Incontestavelmente, o balanço da intervenção dessa equipe de orientadores em sua relação com os professores do ensino secundário, os SE e seu estagiário, é positivo. As conclusões que se seguem foram extraídas da análise das entrevistas de avaliação do funcionamento entre os OU e os RA. Os OU declaram (Bauwin et al., 2014Bauwin, D., Chaumont, D., Courtoy, M., Paquay, B., Porta, E., Vanorlé, G., & Verhelst, P. (2014). Les plaisirs (naissants) des stagiaires en éducation physique. In Actes du Colloque AE-EPS et EDPM. Recuperado de https://www.aeeps.org/ajouter-un-fichier/doc_download/2081-.html
https://www.aeeps.org/ajouter-un-fichier...
) ter adquirido um real sentimento de pertencimento à Escola de Educação Física de Louvain, caracterizada por uma visão resolutamente explícita de uma educação física humanista. Isso se tornou possível graças à confiança coconstruída e conquistada no âmbito da equipe. Juntos, eles forjaram a vontade de se formar em sua nova missão e de aprender pela análise das práticas. Esse processo foi reforçado pelo reconhecimento mútuo entre OU e entre OU e RA. Eles adquiriram a convicção de tocar o âmago da profissão: agir e analisar a atividade em diferentes níveis. Eles conseguiram atribuir mais sentido à sua própria experiência de professores e consolidaram sua convicção de que só se pode formar (bem) estagiários demonstrando por eles benevolência, até mesmo e sobretudo em meio às dificuldades, considerando-os como futuros colegas. Eles tomaram consciência de auxiliar – modestamente, mas de modo compromissado – os ES a “serem da profissão”. Eles exprimiram o prazer experimentado de viver a relação OU-SE-ES e de terem tido, desse modo, a oportunidade de transmitir sua paixão a partir do que representa para eles o DNA da profissão: o prazer de ensinar e de ajudar os alunos a aprender.

2.10. Perspectivas de orientação

Cada visita do OU representa um momento significativo para os SE, que fazem questão de situar o contexto de seu trabalho ordinário no cotidiano: instalações esportivas, material disponível, alunos, colegas, projetos realizados, dificuldades encontradas. Essa contextualização é capital para o (re)conhecimento, pelo OU, das condições em que os estagiários são colocados junto aos SE. Desse modo, é frequente que a atenção do OU esteja tão monopolizada pelo SE apresentando seu trabalho que o tempo e a atenção dedicados ao estagiário acabem sendo diminuídos. Entretanto, o reconhecimento procurado pelo SE (validação pelo OU do trabalho efetuado em conformidade com as expectativas da universidade) representa uma condição essencial para uma maior confiança entre os dois mundos.

Ante essa constatação, seria judicioso reconsiderar futuramente as funções respectivas do SE e do OU. Para que o SE seja capaz de acompanhar do melhor modo possível o ES no cotidiano, é importante levar mais em consideração suas diferentes necessidades de reconhecimento e de formação. Há alguns anos, no mundo, foram implementadas formações continuadas destinadas aos SE, especialmente sob a forma de pesquisas colaborativas. Uma fórmula ainda não experimentada até agora, em nossa opinião, consistiria em consagrar prioritariamente a visita do OU essencialmente ao acompanhamento do SE, ouvindo-o falar de seu trabalho e do ES. A missão de supervisão consistiria principalmente em “fazer emergir os saberes ocultos no agir profissional” (Schön, 1993Schön, D. (1993). Le praticien réflexif: à la recherche du savoir caché dans l’agir professionnel. Montréal: Logiques.). Desse modo, ao longo do tempo, as competências do SE aumentariam, notadamente aquelas ligadas à avaliação formativa, principal garantidora dos progressos do ES. Desse modo seria evitada uma excessiva subordinação do ES às exigências da escola de formação via a visita de orientação e uma descoberta mais precoce e mais sólida de seu próprio estilo pessoal.

3. A pesquisa sobre a formação continuada em educação física

3.1. A formação continuada: produção de saberes e serviço à sociedade

O segundo caso de relação positiva entre a universidade e o ensino obrigatório evidencia o impacto de uma pesquisa sobre a formação continuada e os benefícios que os próprios participantes declaram extrair dela. Quando uma tese de doutorado estuda a maneira pela qual os professores de educação física reinvestem em suas aulas o conhecimento adquirido em uma formação continuada, sua autora associa duas missões essenciais da universidade: a produção de novos saberes pela pesquisa e o serviço à sociedade. Esse é o caso da tese de Clerx (2016)Clerx, M. (2016). La “sensibilité à” des enseignants d’éducation physique: le prisme du réinvestissement des acquis d’une formation continue en situation de travail. Tese de doutorado, Université Catholique de Louvain, Louvain-la-Neuve., “A sensibilidade a dos professores de educação física: o prisma do reinvestimento dos conhecimentos adquiridos em uma formação continuada em situação de trabalho”. Para além dos índices de satisfação que informam sobre a menor ou maior apreciação das formações continuadas pelos estagiários-professores que as seguiram, os efeitos das aprendizagens adquiridas durante os estágios sobre a transformação das práticas de ensino e sobre seus benefícios em proveito dos alunos são pouco conhecidos.

Em uma época em que a aprendizagem ocorre ao longo de toda a vida, é importante saber como os adultos transformam suas práticas. Esse é o contexto do questionamento dessa pesquisa. Quatro colegas (uma mulher e três homens) participam de um estágio de formação continuada em duas disciplinas diferentes (jogos tradicionais e ginástica acrobática). Eles se comprometem a ensinar uma dessas duas disciplinas em suas aulas. São filmados durante as duas primeiras horas de seu ciclo. A pesquisadora estuda esses vídeos e localiza sequências significativas de seu ensino para confrontá-las com os filmes de toda a formação continuada seguida previamente. Essa confrontação permite que ela estabeleça quatro graus de reinvestimento das situações ensinadas em relação às que foram experimentadas no estágio de formação: conforme, adaptado, criativo e imprevisto. Esse é o aspecto descritivo das práticas.

3.2. O prisma da sensibilidade a

A interpretação da estratégia de reinvestimento se faz em referência ao conceito de sensibilidade a, definido por Récopé (Récopé, Fache, & Fiard, 2011Récopé, M., Fache, H., & Fiard, J. (2011). Sensibilité, conceptualisation et totalité (activité-expérience-corps-mode). Travail et apprentissages: Revue de didactique professionnelle, 7, 11-44.). Esse conceito é convocado para

determinar os afetos, a emoção, a abertura de uma pessoa em relação a valores, conceitos e métodos. A sensibilidade a esclarece aquilo em que o professor presta atenção quando prepara ou ensina, quando reinveste. Ela indica o que ele prioriza, o que não pode deixar de inserir – na maior parte do tempo de modo inconsciente – em seu ensino (atitudes, valores), a maneira pela qual percebe as coisas, os acontecimentos. A sensibilidade a é pois o que é importante para o professor, mas também o que o conduz em suas orientações preferenciais18 18 “déterminer les affects, l’émotion, l’ouverture d’une personne par rapport à des valeurs, des concepts et des méthodes. La sensibilité à éclaire ce à quoi l’enseignant fait attention lorsqu’il prépare ou enseigne, lorsqu’il réinvestit. Elle pointe ce qui lui tient à cœur, ce qu’il ne peut s’empêcher d’insérer – la plupart du temps inconsciemment – dans son enseignement (attitudes, valeurs), la façon dont il perçoit les choses, les événements. La sensibilité à est donc ce qui importe pour l’enseignant mais aussi ce qui l’emporte dans ses orientations préférentielles”. .

(Nicolas, 2014Nicolas, F. (2014). Les sensibilités des enseignants d’éducation physique: un concept singulier à caractère commun. Dissertação de mestrado, Université Catholique de Louvain, Louvain-la-Neuve., p. 23)

Apreendidas desse modo, as sensibilidades dos professores podem ser consideradas fundadoras das práticas. Vinculadas ao paradigma da enação, as sensibilidades a devem ser estudadas in situ et in actu, pois se impõem espontaneamente ao sujeito e criam a regularidade de sua ação. Elas orientariam a construção das significações em torno dos conhecimentos adquiridos na formação continuada (Récopé & Barbier, 2015Récopé, M., & Barbier, M. (2015). Œuvrer au développement professionnel des enseignants afin que les élèves apprennent mieux: les méandres de la sensibilité. In G. Carlier (Dir.), L’apprentissage en situation de travail: itinéraires du développement professionnel des enseignants d’éducation physique (pp. 17-46). Louvain-la-Neuve: PUL.) e poderiam condicionar as práticas do professor no momento do reinvestimento. De acordo com essa hipótese, a maneira de ensinar seria moldada pelas sensibilidades que habitam e singularizam o profissional. Esse molde sob medida se explicaria pelo fato de que “a sensibilidade se manifesta sempre enquanto sensibilidade a, relação que atualiza concreta e praticamente um conjunto complexo de normas, exprimindo orientações privilegiadas que conduzem o indivíduo rumo a certas qualidades de objetos, de acontecimentos”19 19 “la sensibilité se manifeste toujours en tant que sensibilité à, relation actualisant concrètement et pratiquement un ensemble complexe de normes, exprimant des orientations privilégiées portant l’individu vers certaines qualités d’objets, d’événements”. (Schwartz & Durrive, 2009Schwartz, Y., & Durrive, L. (Dir.) (2009). L’activité en dialogues: entretiens sur l’activité humaine (II) suivi de: manifeste pour un ergo-engagement. Toulouse: Octares., p. 228). Esse conceito é mobilizado por Clerx (2016)Clerx, M. (2016). La “sensibilité à” des enseignants d’éducation physique: le prisme du réinvestissement des acquis d’une formation continue en situation de travail. Tese de doutorado, Université Catholique de Louvain, Louvain-la-Neuve. para elaborar, sob a forma de um esquema personalizado, o mapa de identidade profissional dos professores20 20 Processo previamente validado junto a treze professore(a)s, antes da seleção de quatro parceiros da parte colaborativa da pesquisa. . Esses mapas de identidades são elaborados com base em entrevistas aprofundadas cujas transcrições são analisadas com o auxílio do software Nvivo 11Plus (Figura 2).

Figura 2
Nuvem de pontos das sensibilidades do professor em relação aos seus alunos21 21 A Figura 2, gerada pelo software Nvivo 11Plus, teve de ser mantida no idioma francês, uma vez que resulta dos dados originais da pesquisa.

Surge uma sensibilidade a central: a sensibilidade ao aluno, à sua pessoa, à coletividade, ao aprendizado e ao movimento.

3.3. Mapas de identidade profissional

Mais que qualquer uma dessas classificações, são as reações dos interessados no momento de recebimento de seus mapas de identidade que precisamos comentar. Por ocasião da corroboração, Grégoire diz: “Receber esse esquema produziu orgulho em mim. Esse esquema é bonito. Se os alunos realmente percebem isso no meu ensino, serei um professor de educação física feliz”. Eliot: “Em primeiro lugar, achei esse perfil muito lisonjeiro. Evidentemente, isso me agradou e me proporcionou uma alegria profunda ter sido percebido dessa maneira”. Babeth: “Recebi esse esquema como um presente. Ele está sobre minha escrivaninha e fico feliz em olhá-lo de tempos em tempos. Pessoalmente, tenho um certo orgulho desse esquema. Profissionalmente, parece-me que ele diz tudo” (Figura 3).

Figura 3
Mapa de identidade profissional de Babeth: a “envolvida sincera”

E Paul, por fim: “Isso me valorizou naquilo que eu pensava ser/fazer. Gostei desse olhar sobre minha profissão de professor de educação física” (Clerx, 2016Clerx, M. (2016). La “sensibilité à” des enseignants d’éducation physique: le prisme du réinvestissement des acquis d’une formation continue en situation de travail. Tese de doutorado, Université Catholique de Louvain, Louvain-la-Neuve., p. 160). É inútil insistir no benefício que a corporação dos professores de educação física poderia extrair de pesquisas conduzidas em maior escala para traçar, com sua cumplicidade, o mapa de identidade profissional de uma grande quantidade de professores.

3.4. Benefícios para os profissionais

Depois disso, os quatro professores que tiveram o privilégio de participar da fase mais intensa e engajada da pesquisa colaborativa analisam as características e os benefícios que obtiveram dela:

  1. Eles consideram, em primeiro lugar, como uma oportunidade terem sido filmados e analisados com objetivos precisos;

  2. O mapa de identidade profissional é percebido como a colocação de um pensamento às vezes confuso em palavras, uma descoberta sobre os elementos nos quais se baseia o seu ensino. Ele esclarece o que aparece como intuitivo, seu saber oculto no agir profissional e os faz tomar consciência de que há uma coerência entre o que dizem e o que fazem. Além disso, teriam interesse em ver o mapa de identidade de seus colegas;

  3. As entrevistas de corroboração permitam a compreensão do método da pesquisadora. Sua interpretação fez com que ganhassem consciência dos valores que os mobilizam e dos métodos que empregam para transmiti-los

  4. ;Para dois professores, a descoberta dos graus de reinvestimento propostos pela pesquisadora constituem uma abertura que permitiu a reflexão sobre seu ensino de um outro ponto de vista;

  5. A pesquisa vivida em sua globalidade é percebida como um momento de questionamento. Ela conduz à transposição de etapas, à autossuperação. Para um dos quatro professores, essa colaboração permitiu fazer um balanço da evolução de suas sensibilidades desde o começo de sua carreira, em relação à imagem que ele tinha do bom professor de educação física;

  6. O envolvimento no estudo os fez ganhar consciência de que sempre é possível enriquecer-se ao longo da carreira e de que a formação continuada conta muito nisso, sobretudo quando ela é completada e refinada por uma pesquisa colaborativa.

4. Conclusões e perspectivas

Vários elementos contribuem para criar e manter relações positivas em termos de eficiência e harmonia entre os professores pesquisadores universitários e os professores do secundário. Na maior parte dos casos, a iniciativa e a alimentação de tais contatos é responsabilidade da universidade. Com efeito, a primeira condição – e, de longe, a mais importante – é que os professores pesquisadores reconheçam os colegas do secundário como verdadeiros profissionais autônomos, competentes e responsáveis, e não como antigos estudantes que permanecem sob a tutela de seus antigos professores. Essa postura exige o abandono da pretensão de superioridade, tradicionalmente associada à cátedra universitária para construir uma relação autêntica e recíproca. Se houver uma mudança de postura, ela será facilmente percebida e integrada pelos colegas do secundário, impropriamente chamados de professores de campo, de modo às vezes arrogante e às vezes até mesmo desdenhoso. Um indicativo de parceria sincera é o tratamento informal recíproco.

Quando os professores pesquisadores recorrem a parceiros do secundário é porque precisam deles, para formar os estagiários em situação de trabalho, participar de pesquisas, inscreverem em colóquios, participar de formações continuadas. As respostas dos colegas do secundário podem ir da simples polidez a um interesse autêntico de participação, passando pela complacência. Evidentemente, ao longo do tempo e dos reforços positivos, produzem-se transformações. Desse modo, colegas que responderam inicialmente a uma solicitação, somente para agradar, progressivamente se veem totalmente envolvidos.

Iniciar parcerias como colegas do secundário exige que se disponha de uma ampla rede de contatos ancorados em um grande espectro de estabelecimentos escolares. Essa rede é necessariamente cambiante, de acordo com a evolução das carreiras dos profissionais envolvidos. Ela é atualizada e mantida por comunicações de todos os tipos. Comunicar-se com os colegas do secundário exige que se demonstre conhecimento a respeito por seu trabalho, suas artes do fazer, inclusive suas formas de linguagem veiculares, no plano verbal e não verbal. Desse modo, um conferencista universitário ao se dirigir ao SE apresentou-se calçado com sandálias esportivas para demonstrar ao seu público que era do campo.

As pesquisas que requerem a participação de colegas do secundário funcionam melhor quando os parceiros são ouvidos e percebem que não são apenas cobaias ou objetos à disposição dos pesquisadores. Esse é o caso de pesquisas colaborativas nas quais os professores aderem às questões – porque são suas, e até mesmo porque eles próprios as apresentaram – e podem entrar em um dispositivo metodológico coerente com seu programa e que respeite o cotidiano ordinário de seu trabalho. A comunicação dos resultados de tais pesquisas deve – sempre – retornar para os professores.

A linguagem utilizada pelos pesquisadores é bem recebida quando é significativa para os professores a ponto de estes últimos conseguirem apreender suas conclusões como conhecimentos mobilizáveis ou acionáveis (“que uso posso fazer disso em meu ensino?”). Nas perspectivas das pesquisas colaborativas não há qualquer necessidade de que os pesquisadores enunciem preconizações, recomendações, pareceres ou conselhos. Com efeito, os professores tiram suas conclusões por conta própria, graças a um processo reflexivo particularmente apropriado. Para isso, é preciso que tenham a convicção de não terem sido privados do DNA de seu trabalho em favor de um objetivo que não os alcança, a saber, a construção de saberes científicos cujo impacto para seus alunos ou para eles próprios eles não conseguem mensurar.

Por conseguinte, estabelecer relações construtivas entre a universidade e a escola exige que haja interesse na relação entre os saberes dos profissionais dos dois mundos e que sejam estabelecidos vínculos tão estreitos quanto possível entre os saberes científicos e os saberes da ação. Desse modo, é possível, por meio de tais aproximações significativas, criar “espaços de ressonância”22 22 “espaces de résonance”. , segundo a acepção de Rosa (2018, p. 272)Rosa, H. (2018). Résonance: une sociologie de la relation au monde. Paris: La Découverte., para superar a alienação individual ou coletiva.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual em português: Lucas Giron (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Texto original submetido em francês. Tradução: Nicolás Campanário – ncampanario@gmail.com. Revisão: Eliana Ayoub
  • 4
    Université Catholique de Louvain (UCLouvain), Ottignies-Louvain-la-Neuve, Bélgica.
  • 5
    Le recoupement direct de paquets de données remplace les modèles théoriques hypothétiques. Ce n’est plus la causalité mais la corrélation qui est mise en avant. Selon lui, la question du pourquoi devient inutile devant l’évidence du c’est ainsi : c’en est fini de toutes les théories du comportement humain, de la linguistique à la sociologie… La théorie est une construction, un adjuvant qui permet de compenser un manque de données. Donc, lorsque celles-ci existent en quantité suffisante, la théorie n’a plus de raison d’être. La possibilité de lire les schémas comportementaux des masses dans les amas de Big Data annonce, selon lui, le début d’une psychopolitique numérique”.
  • 6
    On peut enseigner ce que l’on ignore si l’on émancipe l’élève, c’est-à-dire si on le contraint à user de sa propre intelligence”.
  • 7
    Qui enseigne sans émanciper, abrutit. Et qui émancipe n’a pas à se préoccuper de ce que l’émancipé doit apprendre. Il apprendra ce qu’il voudra. Rien peut-être!”.
  • 8
    J’ai appris beaucoup de choses sans explications”.
  • 9
    “… votre première qualité devrait être l’aptitude à concevoir l’état de celui qui ignore ce que vous savez!”.
  • 10
    Oh, c’est déjà fini? Est-ce que l’on refera la même activité la prochaine fois, M’sieur?”.
  • 11
    le plaisir en EPS n'est pas un problème, seule son absence en est un”.
  • 12
    Que nul n’entre ici s’il ne cherche le plaisir. Que nul n’entre ici s’il ne cherche que le plaisir!”.
  • 13
    dans les ‘cornues’ en laboratoire”.
  • 14
    dans des sphères assez abstraites et parfois dans des langages relativement abscons selon le regard des enseignants d’EPS sur le terrain”.
  • 15
    l'ordinaire en extraordinaire, du banal en étrange voire en étranger”.
  • 16
    A educação secundária na Bélgica refere-se à etapa de escolarização de jovens entre os 12 e 18 anos de idade e oferece diferentes percursos formativos (nota dos organizadores).
  • 17
    Qui enseigne sans émanciper, abrutit. Et qui émancipe n’a pas à se préoccuper de ce que l’émancipé doit apprendre. Il apprendra ce qu’il voudra. Rien peut-être!”.
  • 18
    déterminer les affects, l’émotion, l’ouverture d’une personne par rapport à des valeurs, des concepts et des méthodes. La sensibilité à éclaire ce à quoi l’enseignant fait attention lorsqu’il prépare ou enseigne, lorsqu’il réinvestit. Elle pointe ce qui lui tient à cœur, ce qu’il ne peut s’empêcher d’insérer – la plupart du temps inconsciemment – dans son enseignement (attitudes, valeurs), la façon dont il perçoit les choses, les événements. La sensibilité à est donc ce qui importe pour l’enseignant mais aussi ce qui l’emporte dans ses orientations préférentielles”.
  • 19
    la sensibilité se manifeste toujours en tant que sensibilité à, relation actualisant concrètement et pratiquement un ensemble complexe de normes, exprimant des orientations privilégiées portant l’individu vers certaines qualités d’objets, d’événements”.
  • 20
    Processo previamente validado junto a treze professore(a)s, antes da seleção de quatro parceiros da parte colaborativa da pesquisa.
  • 21
    A Figura 2, gerada pelo software Nvivo 11Plus, teve de ser mantida no idioma francês, uma vez que resulta dos dados originais da pesquisa.
  • 22
    “espaces de résonance”.

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Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2018
  • Revisado
    25 Fev 2019
  • Aceito
    27 Maio 2019
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