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Contribuições ao estudo do associativismo docente1 1 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ,2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Aline Maya (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br

Resumo

Apresentando referências que considera úteis para desenvolver o estudo do associativismo docente do ponto de vista sócio-histórico, este artigo aborda questões que se tornaram centrais no desenvolvimento de nossas pesquisas, sendo dividido em sete tópicos. O primeiro sublinha as contribuições da história social, e o segundo confere atenção à contribuição das teorias dos movimentos sociais e das tradições de pesquisa a estas associadas. O terceiro tópico focaliza as contribuições da ciência política, e o item seguinte aborda os estudos sociológicos sobre o movimento operário. O quinto tópico apresenta alguns resultados da pesquisa que embasa este artigo, enquanto o sexto comenta dois balanços que analisam a produção sobre o tema. O sétimo e último tópico atribui ênfase à questão das identidades docentes. Concluímos reafirmando a potencialidade do diálogo interdisciplinar para o estudo da temática.

Palavras-chave
associativismo docente; história da educação; pesquisa educacional

Abstract

By presenting useful references to develop the study of teachers’ associativism from the socio-historical point of view, the article addresses questions that have become central to the development of our research. It is divided into seven topics. The first topic underlines the contributions of Social History and the second brings attention to the contribution of theories of social movements and it’s traditions of research. The third topic focuses on the contributions of political science and the next topic addresses sociological studies of the labor movement. The fifth topic presents some results of the research that bases the present article, while the sixth comments two articles that analyze the production on the subject. The seventh and last topic emphasizes the issue of teacher identities. We conclude by reaffirming the potential of interdisciplinary dialogue to study the theme.

Keywords
associative teacher; history of education; educational research

Contribuições ao estudo do associativismo docente

Apresentando algumas referências teóricas consideradas úteis para desenvolver o estudo do associativismo docente do ponto de vista sócio-histórico, este artigo aborda questões que se tornaram centrais no desenvolvimento de pesquisa sobre o tema (Xavier, 2013aXavier, L. (2013a). Associativismo docente e construção democrática: Brasil-Portugal (1950-1980). Rio de Janeiro: Eduerj – Faperj.). A referida investigação buscou compreender os impactos de diferentes experiências de associativismo docente, observadas em relação à configuração da carreira; às políticas de Estado; à organização e ao funcionamento das escolas; bem como em relação às estratégias de legitimação da docência. Este artigo se inicia problematizando o termo associativismo docente, lembrando que o recorte de questões relevantes a esse respeito conta com um leque de referências teóricas de diferentes campos disciplinares. Destas, destacamos referências do campo da história, da sociologia e da ciência política, com destaque para as abordagens integradas ao campo das teorias dos movimentos sociais e da ação coletiva.

No primeiro tópico o objetivo é sublinhar as contribuições da história social para o estudo da temática, bem como avaliar as perspectivas de seu estudo, avançando para além da memória de seus feitos e do registro da história de determinadas associações. O segundo tópico confere atenção à contribuição das teorias dos movimentos sociais e das tradições de pesquisa a estas associadas. O terceiro tópico focaliza as contribuições da ciência política, enquanto o quarto destaca as potencialidades dos estudos sociológicos sobre o movimento operário, assinalando possíveis interferências das oposições entre o velho e o novo sindicalismo na produção sobre o tema. O quinto tópico apresenta alguns resultados da pesquisa que embasa este artigo, enquanto o sexto retoma contribuições de estudos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros nos últimos 30 anos, alguns dos quais se voltam para a análise da produção sobre o tema, enquanto outros destacam a questão das identidades docentes, forjadas em meio ao engajamento (ou afastamento) nas lutas sindicais. O sétimo e último tópico atribui ênfase à questão das identidades docentes. Concluímos reafirmando a potencialidade do diálogo interdisciplinar para o estudo da temática.

Contribuições da história social

Tal como o entendemos, o termo associativismo docente envolve toda forma de organização coletiva dos professores na defesa de seus interesses em diversas esferas da vida social, englobando as dimensões de âmbito profissional, político, social e cultural. Também pode englobar o estudo das organizações sindicais ou das associações docentes de caráter profissional e científico, assim como pode se referir a associações de caráter diverso, tais como aquelas de natureza filantrópica, religiosa ou política, de caráter emancipatório, assistencialista ou reprodutora do status dominante.

Com relação à origem das associações, é justo situar a sua emergência na confluência entre um desequilíbrio de controle social e o desejo de mudança. A esse respeito, uma análise ancorada nos pressupostos teóricos e metodológicos da história social oferece instrumentos férteis para uma visão mais dinâmica e contextualizada dos movimentos associativos de professores. Em sua tese de doutoramento, Daniel Lemos (2011)Lemos, D. (2011). Professores em movimento: A emergência do associativismo docente na Corte Imperial. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Recuperado de https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-8GHNHU/1/tese_daniel_c._de_a._lemos.pdf
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analisou o movimento associativo entre professores brasileiros na cidade do Rio de Janeiro, então sede da corte no século XIX. Com base no levantamento de documentos oficiais, de notícias publicadas em jornais e da imprensa pedagógica, além de documentos como petições, manifestos e congêneres, o autor encontrou registros de nove associações de professores3 3 Essas nove associações não seriam as primeiras e nem as únicas, conforme esclarece Lemos (2011), mas aquelas que a documentação levantada lhe permitiu identificar. . Isso lhe permitiu compreender como se deu a gênese dessas associações, mas não propriamente para saber qual foi a primeira ou a mais antiga, pois esse procedimento pouco teria a contribuir para a problematização do objeto de estudo. O que ele buscou, de fato, foi perceber, no conjunto, a variedade de formas associativas, as suas relações com o contexto social mais amplo e as suas ligações com indivíduos singulares, bem como o que estas expressavam a respeito das práticas profissionais (e inclusive oficiais) em curso.

Com essa abordagem, Lemos (2011)Lemos, D. (2011). Professores em movimento: A emergência do associativismo docente na Corte Imperial. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Recuperado de https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-8GHNHU/1/tese_daniel_c._de_a._lemos.pdf
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traça um panorama dinâmico das diversas associações de professores, buscando percebê-las em meio aos debates pedagógicos da época e em relação aos movimentos de trabalhadores de outras categorias profissionais. Concordamos com o autor no que se refere à importância de se observar o associativismo docente para além das relações que este estabelece com os poderes constituídos, enriquecendo a análise com a observação de suas relações com outros movimentos sociais. Contudo, sem esquecer as demais dimensões que atravessam as experiências associativas, deve-se ressaltar a pertinência de se observar com lentes bem ajustadas as relações que se estabelecem entre os movimentos coletivos e a política oficial, tendo em vista a própria natureza desse tipo de ação/organização.

Conforme observou o historiador Jean-Pierre Rioux (1996)Rioux, J.-P. (1996). A associação em política. In R. Remond, Por uma história política (pp. 99-140). Rio de Janeiro: FGV., no clássico artigo intitulado “A associação em política”, as associações assumem papéis multidimensionais e muitas vezes ambíguos pois, ao mesmo tempo, se opõem e participam, prestam serviços e defendem ideias, substituem o setor público em crise e exercem contrapoderes, constituindo-se em lugar de emergência e de conservação das sociabilidades e, ao mesmo tempo, acionando mecanismos de disputa de poderes e de busca de novas legitimações. Os estudiosos do assunto apresentam abordagens diferenciadas de acordo com as características específicas dos movimentos sociais e das ações (e associações) coletivas analisadas, classificando-os como de contestação ou de consenso (Rioux, 1996Rioux, J.-P. (1996). A associação em política. In R. Remond, Por uma história política (pp. 99-140). Rio de Janeiro: FGV.), como revolucionários ou reformistas (Hobsbawm, 1982Hobsbawm, E. J. (1982). Revolucionários. Rio de Janeiro: Paz e Terra., 1987), entre outras possíveis classificações.

Como se sabe, a pressão exercida pelas ações coletivas – orquestradas por associações já estruturadas ou por grupos que não visam à sua institucionalização – exerce impacto não só na experiência individual dos professores, mas interfere também na conformação da carreira profissional, o que resulta em uma mudança sobre o coletivo. Atua, ainda, sobre a condução de políticas que emanam das instâncias de poder ligadas à burocracia estatal. Nesse sentido, torna-se relevante analisar o campo empírico definido pelo tipo de associativismo e pelas ações coletivas do grupo profissional, compreendendo suas lógicas de organização interna (entre os docentes) e de interlocução externa, tanto com as instâncias de poder atuantes no contexto em questão como com a própria opinião pública4 4 O termo opinião pública nos remete à relação dos jornais (e outras mídias, como a TV) com a formação de consensos sociais e sublinha a existência de uma sociedade civil, distinta do Estado. Nessa perspectiva, o foco se volta para o debate de opiniões que a imprensa jornalística expressa, ora exercendo uma função de controle, ora uma função legitimadora das instituições estatais, interferindo no debate público. .

Ao longo de todo o período do Estado Novo (1937-1945), o governo exerceu um forte controle sobre quaisquer iniciativas de organização coletiva, cerceando a livre associação, sobretudo de funcionários públicos. O breve intervalo democrático de fins dos anos 1940 até início dos anos 1960 expôs um movimento de protesto dos professores de ensino médio na cidade do Rio de Janeiro que teve grande repercussão na imprensa. Esta cedeu bastante espaço para a manifestação dos donos de escolas privadas, que culparam o governo pela insatisfação dos professores, a qual teria sido motivada, de acordo com esses proprietários, pelos parcos recursos oficiais destinados a essas escolas5 5 Sobre o assunto, ver: Vicentini e Lugli (2009). .

O regime militar instaurado em 1964 inibiu tanto as ações coletivas dos professores quanto o direito à livre associação, situação que perdurou até a chamada transição democrática, que marcou o final da década de 1970 e toda a década de 1980. Esse novo contexto favoreceu a criação de organizações sindicais de professores da rede pública, que aderiram às lutas contra o regime militar e pela democratização da sociedade. Grande parte dos sindicatos dos professores da rede pública – nos diversos estados e cidades do país – se estruturou segundo um modelo de organização cujo alvo principal foi o de confrontar o poder do Estado, com vistas a reduzir os mecanismos de controle do governo e aumentar as margens de autonomia profissional e política dos professores.

Ao adotarmos o ponto de vista da história para estudar as diversas formas de associativismo docente, nós tendemos a considerar as mobilizações coletivas como indicadoras de processos de mudança social, como expressão do desejo de interferir racionalmente nas políticas dirigidas ao ensino, ao desenvolvimento científico e, sobretudo, à valorização da carreira profissional. Portanto, o que se busca é compreender como interagem os poderes constituídos e os poderes intermediários; as instituições herdadas e as novas aspirações; os ideais coletivos e as tensões singulares nos contextos empíricos focalizados. Nessa perspectiva, observar as associações no conjunto e em interação, assim como articulá-las a trajetórias de lideranças de destaque pode sugerir percursos de pesquisa e observação que não seriam visíveis se tomássemos o estudo de um indivíduo, um grupo ou uma organização em absoluto.

A variação de escalas de observação, tal como propõe Revel (1998)Revel, J. (Org.). (1998). Jogos de escalas: A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV., constitui um procedimento de pesquisa que viabiliza uma análise das relações e dos pontos de contato entre o individual e o coletivo; as ações espontâneas e as formas organizadas de associação; o comportamento do Estado e suas interações com os movimentos coletivos, nos habilitando a perceber tais processos de modo dinâmico e menos afeito a uma visão unilateral e fatalista. A articulação entre o contexto político mais geral e o avanço das formas de associação demandou atenção para os estudos desenvolvidos no âmbito da ciência política. Acreditamos que, por meio destes, seria possível ampliar os procedimentos teóricos e metodológicos úteis à compreensão das relações entre os movimentos e formas associativas docentes e os poderes constituídos. Tendo em vista a condição de funcionários públicos como um dos marcadores identitários do grupo em questão, as relações com o Estado e as representações burocráticas afins ao ensino ocuparam um lugar relevante na pesquisa, assim como o repertório de ações mobilizadas pelos docentes em suas lutas políticas e profissionais.

Buscaremos, no próximo tópico, refletir em que medida a compreensão sobre os movimentos coletivos docentes pode ganhar em extensão e profundidade, ao dialogar com os estudos classificados na chave das teorias dos movimentos sociais.

Contribuições das teorias dos movimentos sociais

Nesse assunto, a contribuição dos estudos de Maria da Glória Gohn (2008)Gohn, M. G. (2008). Teorias dos movimentos sociais: Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola. constitui referência incontornável. No livro intitulado Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos, a autora apresenta uma alentada síntese sobre as tradições de pesquisa que têm orientado o estudo dos movimentos coletivos. Dessa síntese, destacamos indicações que podem nos ajudar a confirmar ou refutar algumas orientações adotadas no desenvolvimento do estudo dessa temática. A primeira delas nos auxilia a identificar as principais preocupações, bem como os instrumentos de análise contemplados por essas tradições de pesquisa. A autora identifica os grandes eixos de abordagem do tema, tais como: o paradigma norte-americano e as teorias da mobilização de recursos; os estudos europeus com o paradigma marxista e o paradigma dos novos movimentos sociais (NMS); os estudos latino-americanos e as abordagens das estruturas das oportunidades políticas. Vejamos a caracterização desses paradigmas.

Entre os estudos europeus, a autora destaca a abordagem marxista e a dos NMS, cada uma englobando uma série de correntes teóricas explicativas. A abordagem marxista centra-se no estudo dos processos históricos globais, nas contradições existentes e nas lutas de classes sociais, elegendo como categorias analíticas básicas as noções de experiência coletiva, campo de forças, interesses de classe, organização popular, projeto político, cultura política, contradições urbanas, movimentos sociais urbanos, entre outras.

Por seu turno, o paradigma dos NMS parte de explicações mais conjunturais, localizadas no âmbito sociopolítico ou dos microprocessos da vida cotidiana, fazendo recortes para observar a política dos novos atores sociais. Suas categorias e noções básicas são cultura, identidade, autonomia, subjetividade, representações, interação política, identidade coletiva, representações coletivas, solidariedade, redes sociais, entre outras.

O paradigma norte-americano possui, em suas diferentes versões, explicações centradas mais na estrutura das organizações dos chamados sistemas sociopolíticos e econômicos, elegendo como categorias básicas de sua análise as noções de sistema, organização coletiva, comportamentos organizacionais e integração social. A partir dessas categorias, se desenvolveram vários conceitos, tais como a noção de privação cultural, escolhas racionais, mobilização de recursos, institucionalização de conflitos, ciclos de protestos, frames e oportunidades políticas. Sua base explicativa principal é a de que os movimentos sociais devem ser abordados como grupos de interesses e, portanto, analisados sob a lógica organizacional. A variável mais importante em suas análises é a dos recursos: humanos, financeiros e de infraestrutura, aos quais se atribui influência decisiva para a emergência dos movimentos sociais.

Nessa linha se chega à conclusão de que os movimentos surgem quando se estruturam oportunidades políticas para ações coletivas, assim como quando facilidades e líderes estão disponíveis. Os movimentos também estruturam o seu cotidiano segundo o estoque de recursos que possuem, sendo os principais os econômicos, humanos e de comunicação (Gohn, 2008Gohn, M. G. (2008). Teorias dos movimentos sociais: Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola.). No que tange à caracterização do paradigma norte-americano, destacamos, a partir da síntese de Gohn (2008)Gohn, M. G. (2008). Teorias dos movimentos sociais: Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola., as contribuições de dois autores e suas obras seminais: Anthony Oberschall (1973), com Social conflict e Social movement, e Charles Tilly (1977)Tilly, C. (1977). From mobilization to revolution. Ann Arbor: University of Michigan. https://deepblue.lib.umich.edu/bitstream/handle/2027.42/50931/156.pdf
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, com From mobilization to revolution. Anthony Oberschall assinala que o comportamento coletivo e os movimentos sociais têm moldado as instituições contemporâneas e provavelmente continuarão a fazer isso no tempo futuro. Registra, contudo, a diferença entre essas duas modalidades de ação: o comportamento coletivo, como expressão das manifestações da multidão (piquetes, manifestações públicas, petições públicas e até revoltas), é episódico e incomum; já os movimentos sociais são, em larga escala, esforços coletivos em busca de mudanças ou para resistir a elas.

Ambos alteram a vida das pessoas. Na visão de Oberschall (citado por Gohn, 2008Gohn, M. G. (2008). Teorias dos movimentos sociais: Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola.), os movimentos não surgem como resultado de acontecimentos abruptos ou dramáticos, mas devido ao aumento de experiências tidas como injustas e desiguais, e podem ser estimulados por indivíduos que aumentam a sua capacidade de agir coletivamente 6 6 Nessa linha, a insatisfação e a solidariedade atuam como fatores primordiais na análise das condições sociais que provocam a erupção dos movimentos coletivos. Para que estes ocorram, de fato, é necessário muito trabalho de organização, tendendo a normatizações internas em termos de regulamentos e a uma centralização do poder visando firmar uma linha de autoridade (Gohn, 2008). . Assim, enfatizar a importância de certas lideranças nos processos de fortalecimento da profissão e do associativismo docente não significa, necessariamente, que o pesquisador esteja restringindo a análise dos movimentos coletivos à contribuição de uma única pessoa. Ao contrário, muitas vezes, esse tipo de abordagem pode potencializar a percepção das interações entre grupos e organizações sindicais, patronais ou estatais, à medida que o indivíduo estudado transita entre diferentes grupos, instituições e instâncias de poder. Acompanhar seus deslocamentos por entre esses espaços pode informar mais sobre a luta coletiva em suas interações e interpelações do que se nos limitarmos a focalizar o processo de criação e desenvolvimento de uma única organização coletiva.

Sabemos que há desdobramentos menos racionais, mas que resultam de acordos tácitos e configuram um modo particular de os indivíduos e grupos lidarem com os desequilíbrios e as tensões políticas e sociais que os afetam. Na obra From mobilization to revolution, Charles Tilly (1977)Tilly, C. (1977). From mobilization to revolution. Ann Arbor: University of Michigan. https://deepblue.lib.umich.edu/bitstream/handle/2027.42/50931/156.pdf
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apresenta uma retrospectiva das teorias da ação coletiva e procura compreender como as grandes mudanças estruturais afetam os modelos prevalecentes desse tipo de ação, enfatizando o papel das crenças e das ideologias no estímulo à mobilização coletiva. Nesse trabalho de orientação marxista, o autor se baseia nos estudos de Eric Hobsbawm, mas também nos historiadores da Escola dos Annales, tomando a categoria da longa duração para demonstrar como a solidariedade comunal interfere nas associações voluntárias. Ele aplica a teoria da Mobilização de Recursos para classificar os tipos de mobilização em ofensivas e defensivas, e analisa a relação dos grupos organizados em ações coletivas com as elites e os resultados desse processo em termos políticos, atribuindo ênfase ao papel do Estado e às mudanças ocorridas no sistema político institucionalizado.

Tilly (1977)Tilly, C. (1977). From mobilization to revolution. Ann Arbor: University of Michigan. https://deepblue.lib.umich.edu/bitstream/handle/2027.42/50931/156.pdf
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procura estabelecer comparações entre diferentes períodos históricos, destacando o repertório das ações coletivas de cada um e analisando o porquê do declínio de um repertório de ações coletivas e a emergência de outros. Aplicada ao estudo do associativismo docente, a perspectiva da longa duração permite perceber padrões de organização sindical, bem como de ações coletivas de modo contextualizado, isto é, em interação com a ambiência política e intelectual dos períodos estudados, proporcionando uma análise mais abrangente e comparativa, no tempo e no espaço. Assim, torna mais visíveis tanto as permanências como as mudanças operadas nos padrões de organização e luta.

Do debate entre os teóricos europeus e os norte-americanos, Gohn (2008)Gohn, M. G. (2008). Teorias dos movimentos sociais: Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola. identifica uma nova forma de abordagem que predominou na América Latina e na qual a grande ênfase se concentra no processo político das mobilizações e nas bases culturais que lhes dão sustentação. A corrente dos NMS destaca o processo de construção da identidade política dos movimentos e seu potencial de resistência (sobretudo cultural). Em acordo com as concepções do paradigma marxista, a questão do poder político tem centralidade. Na América do Norte, as teorias que resultaram das discussões dos anos 1980 também enfatizaram o processo político, em especial o jogo de poder entre a sociedade civil e as estruturas governamentais, resultando deste jogo as estruturas das oportunidades políticas (EOP), abordagem que será aprofundada nos estudos de ciência política.

Contribuições da ciência política

Conforme observaram McAdam, Tarrow e Tilly (2009)McAdam, D., Tarrow, S., & Till, C. (2009). Para mapear o confronto político. Lua Nova, 76, 11-48. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/ln/n76/n76a02.pdf
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em artigo que oferece contribuições para se mapear o confronto político, os movimentos sociais se desenvolvem dentro de limites colocados por estruturas prevalecentes de oportunidade política. Isso quer dizer que a repressão e a facilitação das reivindicações pelas autoridades públicas, a presença de aliados potenciais, rivais ou inimigos afetam, de forma significativa, qualquer padrão de confronto do sistema político. Contudo, é importante destacar com os autores que, num prazo mais longo, as ações dos movimentos sociais também alteram as estruturas de oportunidade, principalmente ao contribuir para mudanças nos modos conhecidos de reivindicar, nas formas de repressão e facilitação por parte das autoridades e nas identidades políticas estabelecidas. Na pesquisa que empreendemos (Xavier, 2013aXavier, L. (2013a). Associativismo docente e construção democrática: Brasil-Portugal (1950-1980). Rio de Janeiro: Eduerj – Faperj.), tais indicações se mostraram férteis para compreendermos as dinâmicas que permearam as manifestações públicas dos sindicatos docentes no período de declínio do regime militar (1964-1985) e de construção democrática7 7 Dentre os vários aspectos que marcaram a categoria dos professores públicos brasileiros no período militar, Ferreira e Bittar (2006) assinalam o seu crescimento numérico em paralelo com o achatamento salarial. Premida pela rápida queda no seu padrão de vida e de trabalho, a categoria docente desenvolveu, segundo os autores, uma consciência política que a integrou na tradição da luta operária – nos marcos da expressão sindical, buscando converter as suas necessidades em propostas econômicas por meio de lutas políticas concretas. Esses fatores teriam contribuído para conferir aos professores públicos brasileiros, à época, uma identidade de oposição ao próprio regime. . No caso do Rio de Janeiro, uma passeata que bradava palavras de ordem mais agressivas e se deparou com um policiamento ostensivo voltou à cena pública, numa outra ocasião que se seguiu a esta, com professoras depositando flores nos pés dos policiais. O contraste da imagem estampada nos jornais – de professoras com flores diante de policiais com escudos, capacetes e cassetetes – forçou o governo a diminuir o tom da demonstração de força nas manifestações seguintes, evitando perder apoio da opinião pública. Isso demonstra o quanto as ações simbólicas – nesse caso, de confronto e de convencimento da opinião pública para a causa – são dinâmicas, móveis e interativas.

Desse modo, consideramos que o conceito de EOP pode ser fértil para auxiliar a análise das relações entre os movimentos associativos docentes e as transformações ocorridas nas esferas do Estado. Mesmo tomando como base o conceito gramsciano de Estado, que o concebe de modo integrado à sociedade civil, entendemos que as fraturas no equilíbrio de poder ocupam lugar de relevo para a compreensão dos fatores que contribuíram para a emergência da mobilização/organização coletiva dos professores.

Conforme demonstramos em publicação anterior (Xavier, 2013bXavier, L. (2013b). Os movimentos docentes brasileiro e português na virada dos anos 1970-80. Tempo e Argumento, 5(10), 234-257.), a abertura política, assim como a tendência à repressão por parte do Estado influenciam o aparecimento de ações coletivas no âmbito da sociedade civil. A transição democrática dos anos 1980-1990 ocorrida no Brasil é, ela própria, exemplo de como os professores e demais categorias profissionais intensificaram a pressão sobre os governos militares com vistas a gerar avanços, tanto em relação aos interesses da categoria profissional quanto em relação ao declínio do autoritarismo e ao avanço da democracia.

As reconfigurações no sistema político apresentam-se, assim, como oportunidades para ensaiar mudanças, experimentar alianças, conquistar direitos. Deve-se levar em conta, contudo, os mecanismos identitários que desencadeiam esse processo, já que estes dependem da capacidade de os atores e suas lideranças identificarem os acontecimentos que indicam uma possível oportunidade. Tal identificação pode derivar de uma declaração da autoridade de governo ou da manifestação de outros grupos que apontam para a existência das oportunidades políticas, promovendo-se um jogo de leituras e desencadeando uma bola de neve de movimentos e manifestações coletivas.

Analisando o caso português, Cerezales (2003)Cerezales, D. P. (2003). O poder caiu na rua: Crise de Estado e ações coletivas na Revolução Portuguesa (1974-1975). Lisboa: ICS. alerta para o fato de que a utilização da noção de EOP deve ser cuidadosa e não se deve confiar na aparente transparência de seus mecanismos explicativos, cuja validade estaria circunscrita a formas estatais de desenvolvimento dos espaços públicos. Além do mais, deve-se notar que não existe uma relação unidimensional entre o grau de abertura do sistema político e os movimentos sociais, já que o sistema pode ser seletivo e combinar aberturas relativas a algum tipo de ator, criando, ao mesmo tempo, obstáculos a outros.

Conforme resumiu o autor (Cerezales, 2003Cerezales, D. P. (2003). O poder caiu na rua: Crise de Estado e ações coletivas na Revolução Portuguesa (1974-1975). Lisboa: ICS.), quatro dimensões fazem parte da EOP, a saber: (i) o grau de abertura (ou fechamento) relativo ao sistema político; (ii) a estabilidade ou instabilidade do alinhamento das elites; (iii) a presença e caracterização das elites alinhadas; (iv) a capacidade e propensão do Estado para a repressão. Se nos atermos a essas dimensões, torna-se possível perceber que os movimentos se difundem aproveitando as oportunidades, mas através de suas ações forçam o realinhamento dos diferentes atores da comunidade política. Forjam e fazem com que se quebrem alianças e, nesse mesmo processo, podem promover a aparição de novas oportunidades, para si mesmos ou para outros movimentos sociais. Cerezales (2003)Cerezales, D. P. (2003). O poder caiu na rua: Crise de Estado e ações coletivas na Revolução Portuguesa (1974-1975). Lisboa: ICS. acrescenta, por fim, que as formas e os conteúdos das lutas sociais e políticas podem atuar como motor da reestruturação do Estado e dos seus vários aparelhos, do mesmo modo que podem condicionar a forma e o conteúdo das reestruturações produtivas.

Dito de outra forma, assim como os movimentos sociais interferem na estrutura e no funcionamento do Estado, o diálogo que se estabelece por meio do confronto e das negociações possíveis também interfere na condução dos movimentos sociais, estabelecendo-se um jogo capaz de pautar tanto os repertórios dos movimentos sociais quanto as repostas dos governos. Com base nessas observações, levantamos a hipótese de que os momentos de ruptura política – particularmente os processos de reestabelecimento da vida democrática em diversos países da Europa e da América do Sul – propiciaram avanços na construção de uma identidade mais autônoma dos professores, permitindo-lhes construir novas relações de poder, dentro e fora das instituições escolares, ora confrontando, ora negociando com as instâncias governamentais8 8 A esse respeito, torna-se oportuno problematizar os termos transição democrática e redemocratização. Analisando as teorias da transição democrática que vigoraram ao longo dos anos 1990, Avritzer e Costa (2004) destacam a relevância de se estudar o modelo de relacionamento entre o Estado, as instituições políticas e a sociedade, estendendo o foco do processo de democratização – nesse caso, do momento de transição – para o processo permanente e nunca inteiramente acabado de concretização da soberania popular, elemento primordial para a concretização dos regimes democráticos. .

Temos por certo ser necessário compreender os movimentos associativos dos professores em relação com as condições socioeconômicas em que eles realizam o seu trabalho e em sintonia com as práticas culturais predominantes no meio profissional. Para tanto, cabe observar seus valores e comportamentos, bem como atentar para as motivações e concepções que partilham em relação ao papel social e político da categoria. Conceber a história da profissão docente do ponto de vista dos movimentos sociais implica, assim, priorizar o protagonismo dos professores na condução de sua própria história e em atenção para com a interação do grupo com as culturas políticas predominantes em contextos específicos. Nessa linha, a nomenclatura utilizada para denominar cada contexto contém, em si mesma, um ponto de vista sobre a política e sobre a docência que é necessário esclarecer. Para tanto, devemos prestar atenção ao próprio vocabulário utilizado nos contextos das lutas em análise, confrontando os termos, por assim dizer nativos, com o vocabulário que utilizamos no presente e nos contextos que nos são familiares.

Torna-se relevante, também, contextualizar as próprias referências teóricas que estamos tomando como suporte analítico, tendo em vista que estas se encontram marcadas pelo debate político (e não só teórico) em que foram produzidas, como fica claro na produção acadêmica sobre o movimento operário dos anos 1970-1980, fortemente marcada pelas contradições verificadas entre o sindicalismo emergente das lutas pela democratização das sociedades que estavam sob o jugo de governos autoritários e as velhas formas de organização sindical, marcadas por relações clientelistas e patrimoniais.

Contribuições dos estudos sobre o movimento operário

O movimento operário constitui um objeto nobre da história e das ciências sociais, tendo em vista a carga política que o estudo da temática envolve, inclusive por permitir, ao menos em tese, articular as possibilidades analíticas produzidas no campo acadêmico às expectativas de participação nos jogos de poder correntes na vida social. A produção sobre o tema é muito vasta, aborda questões de múltiplas naturezas e envolve aportes teórico-metodológicos também muito variados. Por isso, vamos efetuar um recorte muito específico e nos apoiaremos em análises já realizadas por especialistas no assunto, dialogando, em particular, com as análises desenvolvidas por Perruso (2009)Perruso, M. A. (2009). Em busca do “novo”: Intelectuais brasileiros e movimentos populares nos anos 1970-1980. São Paulo: Annablume. no livro Em busca do “novo”: intelectuais brasileiros e movimentos populares nos anos 1970-1980.

Nessa obra, o autor abordou os estudos desenvolvidos nas décadas de 1970 e 1980 sobre movimentos sociais urbanos e, em especial, sobre o movimento sindical no âmbito da produção brasileira (Perruso, 2009Perruso, M. A. (2009). Em busca do “novo”: Intelectuais brasileiros e movimentos populares nos anos 1970-1980. São Paulo: Annablume.). Entre os destaques, ele cita o trabalho pioneiro de Leôncio Martins Rodrigues, publicado em 1974. Assinala que a obra já apontava a diferenciação entre o novo e o velho sindicalismo, lançando mão da noção de autonomia para ressaltar que, no Brasil e na América Latina – ao contrário das sociedades europeias e norte-americanas –, os trabalhadores estavam enquadrados pelo Estado, ficando com reduzida capacidade e liberdade de ação e mobilização. O mesmo autor argumenta que, nos países desenvolvidos, o sindicalismo teria enfrentado um período de conflituosidade, após o qual viu enfraquecer a sua orientação classista radical, passando a predominar uma linha sindical mais preocupada com a participação operária nas questões estritamente fabris.

Segundo Perruso (2009)Perruso, M. A. (2009). Em busca do “novo”: Intelectuais brasileiros e movimentos populares nos anos 1970-1980. São Paulo: Annablume., essa percepção foi aprofundada por autores como José Álvaro Moisés, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Eder Sader e Wilma Mangabeira. Com base nos estudos desses autores, ele resume as grandes linhas que diferenciam e contrapõem os dois termos. O velho sindicalismo seria caracterizado como herdeiro de uma prática política de tipo populista e de uma estrutura sindical de feitio corporativista, operando estratégias de obtenção de benefícios materiais e de projeção social com base em uma estreita aproximação com o Estado e as elites, ou seja, à custa de sua fraqueza como organização e movimento social, tornando-se cada vez mais burocratizado, oligárquico e pouco representativo. Conjuntamente a essa definição do velho, os autores citados também descreveram o que seria o novo sindicalismo, identificado por características tais como a capacidade de integrar questões econômicas, sociais e políticas em suas lutas, assumindo importância para o conjunto das classes populares; como autônomo e independente, erigido fora do âmbito estatal; contestador da legislação corporativa e da estrutura sindical, inclusive da justiça do trabalho e dos sindicatos burocráticos e assistencialistas, defendendo o direito irrestrito de greve e a liberdade sindical.

Tal clivagem é tributária de um repertório que permite classificar, hierarquizar e diferenciar os modelos de mobilização coletiva dentro de uma mesma modalidade associativa: a sindical. Da mesma forma, nos permite identificar até que ponto as análises sobre os movimentos coletivos se articulam com o contexto no qual são desenvolvidas, expressando a intensa circulação de modelos – práticos e teóricos – em um movimento que extrapola as fronteiras nacionais e disciplinares, assim como as estruturas institucionais. Uma das consequências dessa hierarquização no âmbito da produção teórica foi a prevalência de estudos que priorizam o foco de análise nas associações enquadradas no chamado novo sindicalismo, relegando o estudo das associações sindicais de natureza corporativa, patrimonialista ou assistencialista a um segundo plano.

Atentando para essas contribuições e ressalvas, nós buscamos trazer para o centro de nossos interesses de pesquisa a observação de diferentes formas de organização associativa em interação no período em tela. As fontes consultadas, posteriormente confirmadas em teses defendidas recentemente, demonstraram que algumas associações foram incorporadas ao novo sindicalismo (Braga, 2017Braga, R. M. S. (2017). Nós as saudamos, professoras fluminenses: Produção, circulação e representações de professoras primárias no jornal Síntese da UPPE. Tese de Doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.), enquanto outras constituíram desdobramentos dos sindicatos emergentes no período (Andrade, 2017Andrade, M. S. (2017). O sindicato como espaço de formação: Trajetórias de professores militantes do Sepe/Caxias. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Interessa destacar, para o debate aqui iniciado, que essas mesmas velhas associações, muitas vezes, ofereceram suporte ao novo sindicalismo, seja por meio da participação de algumas de suas lideranças em ações conjuntas, seja pelo apoio e intercâmbio estabelecido de organização para organização.

Tendo em vista essas contribuições, nossas pesquisas revelaram alguns padrões de relacionamento entre as ações coletivas de professores e os impactos dessas experiências em suas trajetórias profissionais, chamando atenção para a importância da questão das identidades docentes, como detalharemos a seguir.

Resultados de uma pesquisa sobre o associativismo docente

Considerando os professores como protagonistas de sua própria história, a pesquisa que embasou a redação deste artigo acompanhou e procurou compreender as estratégias e os modelos de associativismo docente constituídos em contextos marcados pela combinação entre o recrudescimento da mobilização política e social e a desorganização (ou limitação) do controle estatal, procurando perceber os seus desdobramentos do ponto de vista individual e coletivo9 9 Estamos nos referindo a um período recente: as décadas de 1970 e 1980, quando vários países da América Latina (como Brasil, Argentina, Chile e Uruguai) e da Europa (como Portugal e Espanha) assistiram à queda de regimes autoritários em vigor até fins da década de 1970, seguida de processos de (re)construção democrática nesses países, que tiveram seu processo de ruptura política em meados e no fim da década de 1970 e desenvolveram os mecanismos de construção e estabilização democrática ao longo de toda a década de 1980. .

As referências teóricas de diferentes áreas disciplinares aqui sugeridas foram eficazes, a nosso ver, para responder a questões relevantes, indicando-nos os rebatimentos individuais da experiência sindical na definição de identidades e trajetórias profissionais. Por essa via, foi se revelando uma carreira mais multifacetada e dinâmica do que percebemos “a olho nu”, compreendendo, no desenrolar de cada trajetória individual estudada, certas reorientações de atuação na carreira docente, demonstradas pelos deslocamentos entre instituições, entre níveis de ensino e entre postos de gestão nas escolas, em órgãos da burocracia e outros. Demonstrou-se, também, o quanto as experiências associativas contribuem para empoderar indivíduos, grupos e instituições de ensino, sobretudo pela capacidade de visão geral sobre a própria profissão, bem como das políticas que lhes afetam e de suas próprias potencialidades profissionais e como liderança coletiva, em alguns casos (Lélis & Xavier, 2010Lélis, I., & Xavier, L. (2010). The teaching profession in the voice of its union leaders. Sísifo: Educational Sciences Journal, 11, 24-35.).

Merece registro, ainda, a percepção a respeito dos conflitos que se estabeleceram entre os sindicatos e seus representantes nas escolas, seja pela disputa visando o controle do “chão” da escola e a influência sobre seus profissionais, seja pelas diferentes visões expressas por certos grupos e lideranças a respeito do papel das bases de apoio – os professores não sindicalizados, os profissionais da escolas – como perspectiva de expansão e fortalecimento da influência dos sindicatos sobre a categoria docente (Xavier, 2014Xavier, L. (2014). Trajetórias profissionais de professores em contextos de transição democrática. In J. Pintassilgo (Org.). O 25 de abril e a educação: Discursos, práticas e memórias docentes (Vol. 1, p. 149-166). Lisboa: Colibri.).

Em algumas escolas, as experiências de participação no processo de construção democrática levadas a efeito por professores que também exerceram alguma liderança nas mudanças pedagógicas e naquelas propriamente políticas, promovendo a participação do seu corpo docente no debate público do momento, acabaram por adotar novos padrões de organização e funcionamento, mais democráticos e participativos, levando à construção de grupos de referência entre esses profissionais, bem como criando modos de resistência à falta de apoio governamental para a estabilização e continuidade do padrão democrático de funcionamento da escola então experimentado (Xavier, 2013aXavier, L. (2013a). Associativismo docente e construção democrática: Brasil-Portugal (1950-1980). Rio de Janeiro: Eduerj – Faperj.).

Por fim, cabe destacar os interessantes jogos de interação entre as ações organizadas dos professores e as respostas dos poderes oficiais, demonstrando como Estado e trabalhadores, no caso os professores, estabelecem suas pautas de luta e manifestações públicas visando desequilibrar e responder um ao outro, tendo a imprensa diária como ator relevante na repercussão – positiva ou negativa – das lutas e dos atores em disputa (Xavier, 2011Xavier, L. (2011). Ação coletiva, oportunidade política e identidade docente nos jogos de poder: Um ensaio a partir dos movimentos docentes brasileiro e português. In S. Dal Rosso (Org.), Associativismo e sindicalismo em educação (pp. 191-209). Brasília, DF: Paralelo.). Abliás, pode-se dizer que o papel da imprensa, pesquisada em diferentes momentos da história das manifestações políticas dos professores do Rio de Janeiro, variou muito pouco na forma de noticiar as greves dos professores dos anos 1950 ou das décadas de 1970 e 1980. Expressando o pânico social a que se referiu Adorno (1995)Adorno, T. (1995). Tabus acerca do magistério. In Educação e emancipação (W. L. Maar, trad., pp. 97-118). Rio de Janeiro: Paz e Terra. diante das demonstrações de rebeldia dos professores, os jornais condenaram os docentes grevistas pelo rompimento do pacto de se portarem como exemplo de ordem, candura e responsabilidade, conforme se esperava. Desqualificando as greves por seu caráter político-partidário, os jornais chamaram os professores de gazeteiros, acusando-os de estarem mais preocupados com os seus interesses econômicos (e partidários) do que com a sua missão de formação dos alunos, tendo em vista um projeto de salvação nacional10 10 Os jornais pesquisados e que expressaram essa visão foram: O Correio da Manhã (1955-1957); Diário de Notícias (1955-1957) e Tribuna da Imprensa (1955-1957); além de O Globo (1978-1979 e 1988-1989) e Jornal do Brasil (1978-1979 e 1988-1989). .

Conforme observou Lawn (2001)Lawn, M. (2001). Os professores e a fabricação de identidades. Currículo sem Fronteiras, 1(2), 117-130., as identidades docentes sofrem inúmeras intervenções em seu processo de elaboração – do Estado, por meio de leis e regulamentos; da imprensa, pelo tratamento que dá à imagem pública dos professores; dos gestores escolares, pela maneira como eles se relacionam com o trabalho desses profissionais etc. Os jogos de intervenção e negociação identitária se mostram, assim, extremamente relevantes para entendermos o estatuto profissional dos docentes e, desse modo, se tornaram uma preocupação relevante nas pesquisas sobre o tema, como indicaremos a seguir.

A questão das identidades docentes

Ao apresentar sua contribuição para o I Seminário para Discussão de Pesquisas e Constituição de Rede Internacional de Pesquisadores sobre Associativismo e Sindicalismo dos Trabalhadores em Educação (Rede ASTE)11 11 O primeiro encontro foi realizado no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), em abril de 2009. Outros encontros regulares se seguiram, sendo o VI realizado em Curitiba, em 2017, indicando o fortalecimento da rede. , Sadi Dal Rosso (2009)Dal Rosso, S. (2009). Sociologia e sindicalismo docente no Brasil. In Anais do I Seminário para Discussão de Pesquisas e Constituição de Rede Internacional de Pesquisadores: Associativismo e sindicalismo docente no Brasil (pp. 1-14). Rio de Janeiro: Iuperj. chama atenção para a importância de se articular a pesquisa sobre o sindicalismo docente aos estudos sobre o sindicalismo em geral, vendo a ação coletiva dos professores como parte do conjunto da atividade sindical, mas também considerando a sua autonomia relativa, tendo em vista as especificidades de seu trabalho. Outra particularidade apresentada pelo autor é o fato de os docentes formarem, do ponto de vista numérico, uma das grandes categorias profissionais da atualidade. O autor observa ainda que, em comparação com o conjunto dos trabalhadores, o sindicalismo docente teria se institucionalizado tardiamente em razão de fatores objetivos, tais como a fragmentação dessa categoria profissional e o estreito controle a que estão submetidos como agentes públicos. Acrescenta, por fim, a natureza subjetiva de seu trabalho, voltado para a socialização das novas gerações e para a transmissão do patrimônio cultural acumulado, sendo, portanto, envolvida com atividades de caráter intelectual e afetivo.

Essas observações nos conduzem à reflexão a respeito de diferentes aportes teóricos a partir dos quais se torna possível analisar aspectos particulares do sindicalismo docente, quais sejam: a questão da posição de classe de uma categoria extremamente diversificada; a articulação entre a capacidade intelectual dos professores e questões relacionadas à autonomia profissional e ao engajamento político; o caráter ambivalente do trabalho docente, a meio caminho entre a reprodução e a transformação social; a natureza imaterial do trabalho docente e sua intervenção na formação da força de trabalho; a questão da burocratização das estruturas sindicais e das formas de dominação presentes nos movimentos e nas associações coletivas da categoria, entre outros. Finalizando, o autor chama atenção para a carência de estudos empíricos sobre o sindicalismo docente fundamentados em pressupostos teóricos consistentes, que permitam analisar a realidade observada a partir de sua inserção na totalidade do sistema global.

Em balanço apresentado no mesmo evento, Julián Gindin (2009)Gindin, J. (2009). Os estudos sobre sindicalismo docente na América Latina e no Brasil. In Anais do I Seminário para Discussão e Constituição da Rede Internacional de Pesquisadores. Rio de Janeiro: Iuperj. indica algumas tendências verificadas no levantamento de 89 teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação brasileiros, até 2009, entre as quais se destacam os seguintes temas e metodologias de análise: (i) o estudo do processo de organização dos sindicatos, ou seja, a atenção para o processo de institucionalização dos movimentos docentes, mas também se verifica o foco nos movimentos em si, seja pelo estudo da gênese das entidades sindicais, seja por meio da análise de aspectos particulares das lutas da categoria, como o recurso às greves; (ii) os impactos da luta sindical na educação política dos seus associados, concebendo o sindicato como espaço de autoformação e como instrumento de regulação da construção da identidade (política, profissional e coletiva) docente; (iii) as repercussões das lutas políticas na democratização da gestão escolar e na organização do trabalho docente nas escolas públicas; (iv) as concepções e representações partilhadas pelas lideranças sindicais e pelos militantes no que tange ao trabalho docente, bem como em relação à escola pública e à sua própria identidade profissional; (v) a marca de gênero constitutiva dos modos de participação e de representação do trabalho docente e do engajamento político; (vi) estudos comparados sobre o tema.

Conforme observou o autor (Gindin, 2009Gindin, J. (2009). Os estudos sobre sindicalismo docente na América Latina e no Brasil. In Anais do I Seminário para Discussão e Constituição da Rede Internacional de Pesquisadores. Rio de Janeiro: Iuperj.), a maior parte dessa produção permanece inédita, não tendo sido publicada. Outra característica apontada é o fato de a maioria ter resultado de estudos de pesquisadores que se voltam para temas ligados à sua experiência político-sindical, o que explica, ao menos parcialmente, o caráter militante de boa parte dessa produção. Com relação ao estudo do sindicalismo docente, o autor verificou, ainda, o predomínio de dissertações e teses que, em muitos casos, se configuram como memória de experiências sindicais fundadoras do ponto de vista regional, ao lado daquelas que abordam questões ligadas ao debate político originário das hostes sindicais, tais como a questão da origem de classe dos professores. No que tange ao recorte temporal, Gindin (2009)Gindin, J. (2009). Os estudos sobre sindicalismo docente na América Latina e no Brasil. In Anais do I Seminário para Discussão e Constituição da Rede Internacional de Pesquisadores. Rio de Janeiro: Iuperj. esclarece que há um número significativo de teses e dissertações publicadas nos anos 1980 que se volta para o processo de institucionalização de sindicatos docentes em diferentes estados brasileiros.

Ainda que as contribuições que destacamos a partir de Dal Rosso e Gindin tenham sido formuladas em 2009, ou seja, há nove anos atrás, consideramos que ainda guardam atualidade, tendo em vista o fato de a temática estar muito estreitamente ligada ao compartilhamento de utopias relacionadas à carreira e à sociedade, bem como à crença no papel construtivo da luta sindical. Como já assinalado, é muito comum que os estudos desenvolvidos no âmbito dessa temática sejam desenvolvidos por pesquisadores que viveram experiências ligadas às lutas sindicais, o que agrega às suas pesquisas um lugar de fala que se entrelaça com a memória afetiva e com o desejo de intervir no debate em curso.

Ao mesmo tempo que esse envolvimento traz ganhos para a análise proposta, na medida em que o pesquisador conhece pessoalmente o objeto em estudo, esse mesmo envolvimento também pode obscurecer uma observação mais racional e compreensiva, na medida em que mistura as identidades de pesquisador e objeto pesquisado, chamando, uma vez mais, a atenção para a questão das negociações identitárias que permeiam a profissão docente.

Questões para concluir: sindicalismo e identidades docentes

No percurso de nossa pesquisa (Xavier, 2012Xavier, L. (2012). A profissão docente em contextos de transição democrática: Brasil e Portugal 1970-80. In S. C. Lopes, & M. W. Chaves (Orgs.), A história da educação em debate: estudos comparados, profissão docente, família e igreja (1ª ed., Vol. 1, p. 229-255). Rio de Janeiro: Mauad.), foi possível comprovar hipóteses e sugerir interpretações a respeito do papel do associativismo no processo de profissionalização docente, analisando sua influência na configuração de novas identidades profissionais e no impulso à mobilidade no âmbito da carreira, assim como na configuração de um campo de saberes reconhecidos interna (entre pares) e externamente (pelo governo e a sociedade, em geral).

A afirmação de Nóvoa (1987)Nóvoa, A. (1987). Le temps des professeurs: Analyse socio-historique de la profession enseignante au Portugal (XVIII–XX siècle) (Vols. 1-2). Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica. de que o associativismo docente expressaria um requisito crucial no processo de profissionalização da categoria, justamente por revelar a existência de uma autoconsciência desse grupo profissional, pôde ser matizada. Pois bem, se essa assertiva é verdadeira, a história do associativismo docente no Brasil, em particular nos anos 1970-1980, demonstrou mais do que a formação de uma identidade e uma pauta de lutas comuns, condições que, a nosso ver, selariam uma autoconsciência profissional. Para além disso, as repercussões das lutas empreendidas pelos sindicatos à época trouxeram a lume os intensos conflitos que emergiram, justamente, na busca por uma identidade comum entre os docentes. Oscilando entre profissionais do ensino, especialistas/propagadores do conhecimento escolar, formadores de opinião e de disposições políticas transformadoras, entre muitas outras imagens que poderiam representar esses profissionais, não foi possível, à época, assim como hoje, obter consensos expressivos e duráveis. Aliás, autores como Vianna (1999)Vianna, C. (1999). Os nós do nós: Crise e perspectiva de ação coletiva docente em São Paulo. São Paulo: Xamã. e Ferreira (2006)Ferreira, A.; & Bittar, M. (2006). Proletarização e sindicalismo de professores na ditadura militar (1964-1985). São Paulo: Pulsar. já abordaram esse tema em seus estudos, trazendo contribuições relevantes para o debate.

Cláudia Vianna (1999)Vianna, C. (1999). Os nós do nós: Crise e perspectiva de ação coletiva docente em São Paulo. São Paulo: Xamã. analisa a questão da participação coletiva de professores das escolas públicas de São Paulo nos marcos dos estudos sobre ação coletiva e das relações de gênero. Após entrevistar vários professores, a autora apresentou uma mescla de posturas e concepções acerca do agir coletivo entre os professores, auxiliando-nos a perceber as identidades construídas e reconfiguradas no influxo da crise e das perspectivas da ação coletiva docente dos anos 1990. Assim, ela chega a quatro “tipos” de relação com o agir coletivo, a saber: (i) aquele identificado com a militância sindical; (ii) aquele com adesão pontual a grandes reivindicações e/ou manifestações públicas da categoria; (iii) o agir coletivo entendido como dedicação ao trabalho realizado na escola, não desconsiderando o papel do sindicato, mas optando por centrar o foco de suas energias no trabalho escolar, e não na militância sindical; (iv) e, por fim, a autora identifica um grupo de professores desprovidos de projeto pessoal e social em relação à profissão e descrentes dos benefícios alcançados com base na mobilização coletiva.

A nosso ver, essa abordagem nos instiga a enfrentar uma questão subsequente que poderia assim ser formulada: como os professores estão lidando – individual e coletivamente, de modo espontâneo ou organizado – com a fragmentação e a diversidade que distinguem suas identidades profissionais? Por certo, as ações, os movimentos e as organizações associativas também operam mudanças nas identidades profissionais dos professores. No caso dos sindicatos docentes, estes procuram influir de modo a promover o engajamento nas lutas políticas do momento, indo além daquelas atinentes à gestão de sua carreira profissional. Há uma querela entre os marcadores identitários que se aproximam do modelo de profissional liberal, entendido como aquele que exerce um trabalho de caráter intelectual, e os marcadores que se identificam com a identidade de trabalhadores da educação, ou seja, daqueles que se definem como força de trabalho, expostos à exploração, mas imbuídos de uma consciência que os alinha à luta dos trabalhadores por sua emancipação e autonomia profissional. Esse conflito entre dois padrões de identidade docente marcou os anos 1970-1980 e permanece atual, como demonstra Ferreira (2006)Ferreira, M. O. V. (2006). Somos todos trabalhadores em educação? Reflexões sobre identidades docentes desde a perspectiva de sindicalistas. Educação e Pesquisa, 32(2), 225-240. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/ep/v32n2/a02v32n2
http://www.scielo.br/pdf/ep/v32n2/a02v32...
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Refletindo sobre a opção por uma identidade proletária, podemos inferir que a imagem de proletário pode conviver com outras identidades, bem como com o desejo de profissionalização, o que demonstra que essas identidades não são necessariamente excludentes, embora envolvam certa ambiguidade. O que está em jogo, conforme observou Claude Dubar (2005)Dubar, C. (2005). A socialização. São Paulo: Martins Fontes., são as dinâmicas de negociação identitárias. Tais dinâmicas envolvem as interações com as instituições e associações, com os pares, os alunos e os gestores escolares, bem como com as identidades almejadas. O jogo é complexo e fluido, mas extremamente importante para se compreender o papel das associações sindicais e profissionais, por exemplo, na formulação de identidades engajadas e autônomas.

Concluímos, provisoriamente, destacando que o estudo do associativismo docente pode se beneficiar do conhecimento gerado pela produção proveniente de uma grande variedade de estudos. Ao lado das pesquisas que nós, que nos situamos no campo da educação, desenvolvemos, e para além delas, estão as possibilidades abertas pelo diálogo interdisciplinar. Como se pode perceber com base nos estudos citados neste artigo – sejam os estudos teóricos ou aqueles de caráter marcadamente empírico –, a cada questão ou conjunto de questões, novas referências são mobilizadas, proporcionando novas abordagens e produzindo novas intepretações desse objeto de estudo clássico da educação, que se reporta ao protagonismo dos professores na luta por sua afirmação profissional e em prol da democratização do conhecimento. O que se destacou neste artigo inclui os resultados de nossas próprias pesquisas, que seriam um dos caminhos possíveis, construídos no diálogo com outros estudos aqui destacados e que nós gostaríamos de compartilhar com outros interessados no assunto.

  • 1
    Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
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    Normalização, preparação e revisão textual: Aline Maya (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Essas nove associações não seriam as primeiras e nem as únicas, conforme esclarece Lemos (2011)Lemos, D. (2011). Professores em movimento: A emergência do associativismo docente na Corte Imperial. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Recuperado de https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-8GHNHU/1/tese_daniel_c._de_a._lemos.pdf
    https://repositorio.ufmg.br/bitstream/18...
    , mas aquelas que a documentação levantada lhe permitiu identificar.
  • 4
    O termo opinião pública nos remete à relação dos jornais (e outras mídias, como a TV) com a formação de consensos sociais e sublinha a existência de uma sociedade civil, distinta do Estado. Nessa perspectiva, o foco se volta para o debate de opiniões que a imprensa jornalística expressa, ora exercendo uma função de controle, ora uma função legitimadora das instituições estatais, interferindo no debate público.
  • 5
    Sobre o assunto, ver: Vicentini e Lugli (2009)Vicentini, P. P., & Lugli, R. G. (2009). História da profissão docente no Brasil: Representações em disputa. São Paulo: Cortez..
  • 6
    Nessa linha, a insatisfação e a solidariedade atuam como fatores primordiais na análise das condições sociais que provocam a erupção dos movimentos coletivos. Para que estes ocorram, de fato, é necessário muito trabalho de organização, tendendo a normatizações internas em termos de regulamentos e a uma centralização do poder visando firmar uma linha de autoridade (Gohn, 2008Gohn, M. G. (2008). Teorias dos movimentos sociais: Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola.).
  • 7
    Dentre os vários aspectos que marcaram a categoria dos professores públicos brasileiros no período militar, Ferreira e Bittar (2006)Ferreira, A.; & Bittar, M. (2006). Proletarização e sindicalismo de professores na ditadura militar (1964-1985). São Paulo: Pulsar. assinalam o seu crescimento numérico em paralelo com o achatamento salarial. Premida pela rápida queda no seu padrão de vida e de trabalho, a categoria docente desenvolveu, segundo os autores, uma consciência política que a integrou na tradição da luta operária – nos marcos da expressão sindical, buscando converter as suas necessidades em propostas econômicas por meio de lutas políticas concretas. Esses fatores teriam contribuído para conferir aos professores públicos brasileiros, à época, uma identidade de oposição ao próprio regime.
  • 8
    A esse respeito, torna-se oportuno problematizar os termos transição democrática e redemocratização. Analisando as teorias da transição democrática que vigoraram ao longo dos anos 1990, Avritzer e Costa (2004)Avritzer, L., & Costa, S. (2004). Teoria crítica, democracia e esfera pública: Concepções e usos na América Latina. Dados, 47(4), 703-728. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52582004000400003&script=sci_abstract&tlng=pt
    http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S001...
    destacam a relevância de se estudar o modelo de relacionamento entre o Estado, as instituições políticas e a sociedade, estendendo o foco do processo de democratização – nesse caso, do momento de transição – para o processo permanente e nunca inteiramente acabado de concretização da soberania popular, elemento primordial para a concretização dos regimes democráticos.
  • 9
    Estamos nos referindo a um período recente: as décadas de 1970 e 1980, quando vários países da América Latina (como Brasil, Argentina, Chile e Uruguai) e da Europa (como Portugal e Espanha) assistiram à queda de regimes autoritários em vigor até fins da década de 1970, seguida de processos de (re)construção democrática nesses países, que tiveram seu processo de ruptura política em meados e no fim da década de 1970 e desenvolveram os mecanismos de construção e estabilização democrática ao longo de toda a década de 1980.
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    Os jornais pesquisados e que expressaram essa visão foram: O Correio da Manhã (1955-1957); Diário de Notícias (1955-1957) e Tribuna da Imprensa (1955-1957); além de O Globo (1978-1979 e 1988-1989) e Jornal do Brasil (1978-1979 e 1988-1989).
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    O primeiro encontro foi realizado no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), em abril de 2009. Outros encontros regulares se seguiram, sendo o VI realizado em Curitiba, em 2017, indicando o fortalecimento da rede.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2018
  • Revisado
    07 Jun 2018
  • Aceito
    13 Jun 2018
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