Acessibilidade / Reportar erro

A aids como dispositivo: linhas, te(n)sões e educações entre vida, morte, saúde e doença 1 1 Editor responsável: Alexandre Filordi de Carvalho - https://orcid.org/0000-0003-4510-9440 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha – verah.bonilha@gmail.com. 3 3 Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Resumo

Este ensaio pensa nas tramas e nas educações que permeiam o corpo através das linhas entre vida, morte, saúde e doença, focando na aids como um dispositivo que entremeia e é entremeada por estas múltiplas facetas de uma existência. Utiliza-se a cartografia como caminho de pesquisa e dialoga-se com autores como Gilles Deleuze, Michel Foucault, Félix Guattari, Suely Rolnik e Néstor Perlongher. Inicialmente, reflete-se nas conexões e nos atritos entre vida, morte, saúde e doença. Secundariamente, foca-se no conceito de dispositivo e na aids como um dispositivo. Por fim, mobilizam-se as linhas, os desejos, os tesões e as tensões que permeiam vidas afetadas pela epidemia de HIV/aids, como também em fugas, resistências e educações menores.

Palavras-chave
HIV/aids; dispositivo; cartografia; corpo e sexualidade; educação menor

Abstract

This essay reflects on the webs and educations that permeate the body through between life, death, health and disease, focusing on AIDS as an apparatus that interweaves and is interwoven by these multiple facets of existence. We explore cartography as a means of research and draw on authors such as Gilles Deleuze, Michel Foucault, Félix Guattari, Suely Rolnik and Néstor Perlongher, first reflecting on the connections and frictions between life, death, health and illness to then focus on the concept of apparatus and on AIDS as one. Lastly, we address the lines, desires, lusts and tensions that permeate lives affected by the HIV/AIDS epidemic, as well as flight, resistance and minor education.

Keywords
HIV/AIDS; apparatus; cartography; body and sexuality; minor education

Eu não sabia que o perigo é o que torna preciosa a vida.

A morte é o perigo constante da vida.

Clarice Lispector como Autor (1978, p. 157)

Uma ânsia. Queria poder viver tudo de uma só vez e não ficar vivendo aos poucos.

Mas aí viria a Morte. Quando eu morrer não saberei o que fazer de mim.

Deve haver um modo de não se morrer, só que eu ainda não descobri.

Pelo menos não morrer em vida: só morrer depois da morte. [ênfase adicionada]

Clarice Lispector como Ângela Pralini (1978, p. 159).

Seria paradoxal que o medo da morte nos fizesse perder o gosto da vida.

Néstor Perlongher (1987, p. 92)Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense.

Introdução

Enveredar-se por trajetos subjetivos. Caminhar nas conexões entre corpo, desejo, sexualidade, prazer, saúde, doença, vida e morte. Este é um ensaio escrito em flertes, entre arte, antropologia, saúde, educação, filosofias da diferença e… e… e…4 4 Inspirado no conceito de rizoma de Gilles Deleuze e Félix Guattari (2011). em movimentos de pensar nas subjetividades que se compõem nesses entrelaçamentos. Em tramas entre tesões e tensões, as escritas atravessam e são atravessadas pelo HIV/aids, pensando na aids como dispositivo.

Teço este texto no presente e em primeira pessoa por tratar-se da escrita ensaística (Larrosa, 2004Larrosa, J. (2004). A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Educação & Realidade, 29(1), 27-43.). Um ensaio é “olhar a existência a partir dos possíveis, ensaiar novas possibilidades de vida”, afirma Jorge Larrosa (p. 37). Assim me coloco aberto em derivas por caminhos possíveis, na tentativa-escrita-mobilização de ensaiar também caminhos outros a partir de um pesquisar-cartográfico pelas tramas subjetivas que se enveredam entre poder e resistência.

Por ser professor e pesquisador na área de educação, acredito que as mobilizações traçadas neste ensaio possam infectar os territórios educativos e, em específico, a educação em ciências, em/da saúde e em biologia. Percebo que as tramas que se desencadeiam em torno da aids como um dispositivo, envolvendo dimensões de corpo, sexualidade, saúde, doença, vida e morte, são atravessadas por educações e ensinagens que instauram e são reforçadas por moralidades, agenciando processos de marginalização de algumas existências, na medida em que as vulnerabiliza.

Inspirado nos conceitos de educação maior e educação menor, propostos por Sílvio Gallo (2002)Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 2(27), 169-178., penso em educações e pedagogias maiores vinculadas a instituições como a medicina, a educação escolar e o Estado que participam da criação e da manutenção do estigma que envolve a infecção pelo HIV e a aids. Além disso, tais pedagogias participam dos processos de vulnerabilização que segregam e marginalizam tantas vidas, afastando-as de possibilidades de prevenção e tratamento ao vírus, o que as leva à morte física e social, isso porque “há muito tempo, sabemos também que a pedagogia acaba sempre por ser o exercício hegemônico de fundar uma determinada ordem a partir do senso comum” (Diaz, 2020Diaz, S. (2020). Contra-pedagogia do contágio. Ecos: Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 2 (10), 169-172., p. 169). O que Santiago Diaz (2020)Diaz, S. (2020). Contra-pedagogia do contágio. Ecos: Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 2 (10), 169-172. coloca como pedagogia voltada a serviço das forças hegemônicas chamo de educação maior.

Também penso em educações menores, moleculares, ou contra-pedagogias, inspirado em Diaz (2020)Diaz, S. (2020). Contra-pedagogia do contágio. Ecos: Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 2 (10), 169-172., sendo práticas subversivas às ordens hegemônicas, capazes de romper com estas tramas e barreiras, rachando-as e instaurando outras possibilidades de se relacionar com as pessoas que vivem e são afetadas pela epidemia. Tais possibilidades de educações minoritárias e desviantes estão a serem produzidas, no por vir cotidiano de nossas ações, ensinagens e agenciamentos coletivos. Ao refletir nessas dimensões, deixo em aberto territórios para criar, instaurar e agenciar educações outras – educações menores, contra-pedagogias, e… – a partir deste dispositivo poroso e mutável que se fez em torno da aids.

O objetivo deste ensaio é ziguezaguear5 5 Inspirado no conceito de ziguezague proposto por Deleuze em seu Abecedário (Deleuze & Parnet, 1995). por múltiplas facetas do que se configurou na aids como um dispositivo ao longo das últimas quatro décadas e em suas modulações espaço-temporais, estando atento para o que permanece vivo e em movimento atualmente. Não busco instaurar verdades, mas refletir em alguns afetamentos possíveis relacionados ao HIV/aids. Penso, a partir deste trajeto-texto, em como este dispositivo participa de processos de subjetivações, moldando e impactando tantas vidas afetadas pela epidemia de HIV/aids.

Defendo que este dispositivo que se insere nas tensões entre vida, morte, saúde e doença, ao abalar tantas existências, também se mostra como um processo educativo, pedagógico, atravessando diversos processos de aprenderes de si e do outro. Percebo que o dispositivo não é estático, está sempre em movimento, podendo mudar, transformar e ser transformado. Assim, deixo em aberto algumas pistas de possibilidades de atuar, criar e incidir sobre a aids como um dispositivo, na tentativa de instaurar fissuras e, quem sabe, forjar outras possibilidades de lidar com a epidemia, o vírus, o adoecimento, a saúde, o corpo, o desejo, o prazer, o sexo, a morte e a vida.

Como bússola-de-pesquisa, utilizo a cartografia. Uma bússola que não se direciona para o Norte, mas sim, indica caminhos para os movimentos dos desejos e das potências que compõem uma vida. Sobre a cartografia, Suely Rolnik (2016)Rolnik, S. (2016). Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Sulina, Editora da UFRGS. reflete que:

Para os geógrafos, a cartografia – diferente do mapa: representação de um todo estático – é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido – e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornam-se obsoletos. (p. 23)

A cartografia me guia como uma ética e movimento-pesquisa, dando forças e auxiliando em uma atenção para enveredar nas paisagens constante e intensamente construídas a partir das questões subjetivas que compõem estas tramas entre vida-morte-saúde-doença e no que vaza em relação aos afetamentos causados pela epidemia de HIV/aids. Corpo e desejo se entremeiam com os afetos epidêmicos, sendo atravessados e compondo, a todo o momento, tramas de poder.

Nestes caminhos cartográficos pelas subjetividades que atravessam corpos e seus processos de vida e morte, permeamos e somos permeados pelas relações de poder que, como afirma Foucault (2014)Foucault, M. (2014). O sujeito e o poder. In M. Foucault, Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade (pp. 118-140, Coleção Ditos e escritos. IX. Org: M. de B. Motta, Org., A. Chiquieri, Trad.). Forense Universitária., “só há poder exercido por ‘uns’ sobre os ‘outros’; o poder só existe em ato, mesmo se, é claro, ele se inscreve em um campo de possibilidades esparso, apoiando-se em estruturas permanentes” [ênfases no original] (p. 132). Em diálogo com a filosofia foucaultiana, penso nesse poder como algo que não é estático e, sim, maleável, se definindo nas práticas e nos cotidianos, sendo poroso e possível de criar rachaduras. O poder, como afirma Foucault (2014)Foucault, M. (2014). O sujeito e o poder. In M. Foucault, Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade (pp. 118-140, Coleção Ditos e escritos. IX. Org: M. de B. Motta, Org., A. Chiquieri, Trad.). Forense Universitária., está perpassado pela resistência, pois “não há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem reviravolta eventual; toda relação de poder implica, pois, pelo menos de maneira virtual, uma estratégia de luta” (p. 138). Assim, caminho nas tensões entre poder e resistência agenciadas em torno da aids como um dispositivo.

Tramas e danças entre vida, morte, saúde e doença

O que é uma vida? O que é viver? Pensar em vida é possível, com base em diversas perspectivas. Vida biológica, vida humana, vida social, vida afetiva. A vida, uma vida... Estas facetas se conectam de múltiplas formas, por entre linhas que traçam e permeiam vidas orgânicas, sociais, subjetivas. Segundo o filósofo Gilles Deleuze (2002)Deleuze, G. (2002). A imanência: uma vida.... Educação & Realidade, 27(2), 10-18. “uma vida é a imanência da imanência, a imanência absoluta: ela é potência completa, beatitude completa” (p. 12). Vida é potência, movimento, transformação que se faz em diferentes contextos históricos, sociais, políticos, culturais, econômicos, subjetivos.

Uma vida está em toda parte, em todos os momentos que este ou aquele sujeito vivo atravessa e que esses objetos vividos medem: vida imanente que transporta os acontecimentos ou singularidades que não fazem mais do que se atualizar nos sujeitos e nos objetos.

(Deleuze, 2002Deleuze, G. (2002). A imanência: uma vida.... Educação & Realidade, 27(2), 10-18., p. 14)

Por entre vazios e imensidões6 6 Teço outras mobilizações acerca dos vazios e cheios que permeiam a vida em Entre vazios e cheios: cartografias da anorexia (Sales, 2021a). , uma vida acontece nos contatos e nos encontros, engendrando as possibilidades do sujeito se produzir, desenvolver, experienciar, assim como morrer. Vida e morte estão relacionadas entre tramas e perigos que atravessam uma vida. “Eu não sabia que o perigo é o que torna preciosa a vida. A morte é o perigo constante da vida”, afirma o personagem Autor no livro Um Sopro de Vida, de Clarice Lispector7 7 Mobilizo trechos de Clarice Lispector para tangenciar as potências e as tensões presentes na vida e também na morte. Rosa Fischer (2016), ao pensar na literatura de Clarice Lispector e na filosofia da Michel Foucault, afirma que “a criação de Clarice escapa ao julgamento moral, à serenidade de águas em um pretenso lago de posições dualistas. Mais do que isso, de construções ordenadas da vida, da linguagem, das coisas. Não se trata, obviamente, de uma aplicação da literatura à dos enunciados de uma determinada formação histórica. Trata-se, antes, do gesto anunciado (e praticado por Foucault), de indagar as coisas ditas, os enunciados, bem como as visibilidades, munindo-se de um olhar problematizador, dirigido às palavras e às coisas” (p. 17). (1978, p. 157). O perigo que ronda com a morte também confere à vida sua possibilidade de vida. Inspirado nas falas de Lispector (1978)Lispector, C. (1978). Um sopro de vida: pulsações. Nova Fronteira. penso que a única forma de jamais morrer é nunca existir8 8 Clarice Lispector (1978) como Autor ao falar sobre Ângela Pralini, personagem principal do livro, afirma que “Para nunca morrer, Ângela prefere não existir” (p. 150). .

As tramas entre vida e morte, saúde e doença se embricam de múltiplas maneiras, quase que em danças: dança-movimento carregado de perigos, sendo estes que conferem ao sujeito vivo o seu caráter de vivo. Saúde-doença se entremeiam, permeando os corpos e as vidas. Experienciar uma doença afeta uma vida de variadas formas: pelas sensações e suas variações, pelos processos de sofrimento, de dor, de mudança, de desconhecimento, de procura, de tratamento e também de morte, quando o corpo sucumbe, quando a vida se esvai. Mas, seria mesmo a morte o fim de uma vida?

Nas tramas entre saúde-doença caminhamos na vida, à escuta do que o corpo tem a nos dizer. Deleuze, em seu Abecedário, fala sobre a doença e os processos de atenção à vida a partir dos adoecimentos, inspirado nas suas experiências com a tuberculose. Para o autor, a saúde frágil pode facilitar o pensamento e os processos de escuta do mundo:

Pensar é para mim estar à escuta da vida. ( ... ) Estar à escuta da vida é muito mais do que pensar em sua própria saúde. Mas acho que uma saúde fraca favorece este tipo de escuta. ( ... ) É verdade que não se pode pensar sem estar em uma área que exceda um pouco as suas forças, que o torne mais frágil.

(Deleuze & Parnet, 1995Deleuze, G., & Parnet, C. (1995). Abecedário de Gilles Deleuze. (Filmado em 1988-1989). Éditions Montparnasse., p. 49)

Se uma vida é “potência completa” (Deleuze, 2002Deleuze, G. (2002). A imanência: uma vida.... Educação & Realidade, 27(2), 10-18., p. 12), seria a doença o fim da potência? A doença esvazia a potência do corpo? Doença é o fim da vida? Deleuze, em diálogos com Claire Parnet, continua pensando nas tramas entre vida e doença, trazendo a potência de uma vida para suas reflexões:

O que é realizar um pouco de potência, fazer o que se pode, fazer o que está na minha potência? É uma noção bem complexa, pois o que nos torna impotentes, como uma saúde fraca ou uma doença..., precisa-se saber como utilizá-las para, por meio delas, recuperar um pouco da potência. É claro que a doença deve servir para alguma coisa, como todo o resto. Não estou falando apenas em relação à vida, na qual ela deve dar uma sensação. Para mim, a doença não é uma inimiga, pois não é uma coisa que dá a sensação da morte, e sim, que aguça a sensação da vida. Não é no sentido de: “Ah, como gostaria de viver e quando estiver curado, vou começar a viver!” Não é nada disso. Não há nada de mais abjeto no mundo do que um bon vivant. Ao contrário, os grandes vivos são pessoas de saúde muito fraca. Voltando à questão da doença, ela aguça uma visão da vida, uma sensação da vida. Quando falo em visão da vida, em vida ou em ver a vida, é ser tomado por ela. A doença aguça e dá uma visão da vida. A vida em toda a sua potência, em toda a sua beleza! Estou seguro disso [ênfases adicionadas].

(Deleuze & Parnet, 1995Deleuze, G., & Parnet, C. (1995). Abecedário de Gilles Deleuze. (Filmado em 1988-1989). Éditions Montparnasse., p. 50)

A doença pode mudar as percepções, deslocar uma vida dos eixos nos quais se situava anteriormente, levar a outros territórios e percepções. As experiências subjetivas atuam diretamente nas experiências de saúde e em suas vivências: como o sujeito percebe um adoecimento, como questões orgânico-físicas em seu corpo atuam diretamente na sua experimentação do mundo, na sua saúde e no seu corpo.

A psicanalista Suely Rolnik tem utilizado algumas palavras e vocábulos do idioma guarani para pensar em modos de ver e lidar com a vida e suas pulsões. Em uma live realizada no dia 30 de agosto de 2020, em plena pandemia de covid-199 9 Escrevo este ensaio em meio à pandemia de covid-19, doença causada pelo vírus Sars-Cov-2. Este acontecimento pandêmico desencadeou milhões de mortes mundo afora, sendo centenas de milhares destas no Brasil, e um número incontável de lutos. Teço mobilizações cartográficas acerca da pandemia de covid-19, com breves reflexões acerca de suas conexões com a de HIV/aids em Cartografias de vida-e-morte em territórios pandêmicos: marcas-ferida, necro-bio-políticas e linhas de fuga (Sales & Estevinho, 2021a). , a autora definiu o vocábulo Teko porã, sendo um modo de estar “indissociavelmente belo e bom para a vida”, e que a movimenta como potência pulsional: “a vida está boa assim porque ela flui, e, por estar boa, seu modo de estar é belo”; e Teko Vai sendo um modo de estar “feio ou mal, ruim” para a vida (Rolnik, 2020Rolnik, S. (2020). À escuta de futuros em germe. Conversa com a psicanalista e professora Suely Rolnik intitulada “À escuta de futuros em germe”, dentro do canal Agenciamentos Contemporâneos. https://www.youtube.com/watch?v=4yZRBY8eFXc&list=LL&index=80&t=1s&ab_channel=agenciamentos.
https://www.youtube.com/watch?v=4yZRBY8e...
). Ao fim de sua fala, tive a oportunidade de realizar uma pergunta por meio de uma mensagem, que era: “Podemos pensar Teko porã como uma forma de entender saúde? Um estado de possibilidade de potência para a vida…”, obtendo a seguinte resposta: “Total. Por que o que é a saúde? É a vida poder estar se equilibrando no movimento. O que é doença? É quando este movimento se interrompe, quando não tem como agir na direção de recobrar esse equilíbrio no movimento”10 10 Falas de Suely Rolnik (2020) presentes em À escuta de futuros em germe (acessado em 07/01/2021), live que aconteceu no dia 30 de agosto de 2020 no canal do YouTube Agenciamentos Contemporâneos. (Rolnik, 2020Rolnik, S. (2020). À escuta de futuros em germe. Conversa com a psicanalista e professora Suely Rolnik intitulada “À escuta de futuros em germe”, dentro do canal Agenciamentos Contemporâneos. https://www.youtube.com/watch?v=4yZRBY8eFXc&list=LL&index=80&t=1s&ab_channel=agenciamentos.
https://www.youtube.com/watch?v=4yZRBY8e...
).

Equilíbrios em movimentos na corda bamba, como nas obras11 11 Optei por não colocar as imagens das obras neste texto por questões relacionadas aos seus direitos autorais de reprodução. Mas é possível acessar o catálogo Sob o peso dos meus amores (2012) (acessado em 07/05/2021). As obras citadas estão, respectivamente, nas páginas 203 e 214. do artista José Leonilson presente nas páginas 203 e 214 de seu catálogo Sob o peso dos meus amores (Fundação Iberê Camargo, 2012Fundação Iberê Camargo. (2012). Leonilson - Sob o peso dos meus amores.). Equilíbrio em danças, sensações, experiências e experimentações do mundo. Na primeira obra (2012, p. 203), caminhar na corda-bamba cotidiana, em caminhos cotidianos… Equilibrar-se nos desequilíbrios. Na segunda obra (2012, p. 214), atentar-se aos perigos que existem abaixo da corda, nos tubarões que nadam no mar de uma vida e de seus desejos. Cair da corda? Nadar ou levantar, quando possível. Estar atento aos perigos que podem advir de um tropeço na corda bamba da vida, nos riscos que circundam uma existência em meio aos movimentos-desejos que a guiam e possibilitam devir.

Aqui penso em saúde e doença, vida e morte não como oposições, mas compondo uma trama que se funde, que se mistura e se compõe, tornando-se também indissociáveis sem criar novos modelos de como estes territórios ‒ saúde, doença, vida e morte ‒ devem ser. Leonardo Oliveira e Guilherme Corrêa (2020)Oliveira, L. K., & Corrêa, G. C. (2020). Saúde e Educação: pistas de uma clínica da diferença. Criar Educação, 9(3), 33. http://dx.doi.org/10.18616/ce.v9i3.6128.
https://doi.org/10.18616/ce.v9i3.6128...
, ao refletirem acerca das educações que se entrelaçam com a saúde, propõem uma “noção de saúde que abra espaço à multiplicidade do pensamento e que encontre potências de vida na doença e não apenas uma ausência de saúde” (p. 14). Os autores afirmam que:

Aqueles cuja situação de saúde se afaste, de maneira observável, da considerada normal – e normal é um dos maiores e mais importantes abrigos do ideal – devem ser reconduzidos a estados normais de saúde. O estado doentio percebido como desvio em relação ao ideal faz com que se queira um restabelecimento da saúde. É esse modo de pensar que guia as práticas de saúde majoritárias tornadas universais, as quais acabam desqualificando, encobrindo, deslegitimando práticas menores. (p. 17)

Uma vida: andar nas cordas bambas, por entre riscos, perigos, dores e delícias. Mas “que vida é possível quando tudo o que fazemos, pensamos e desejamos está comprometido com o gesso da cura, do alívio e do consolo utilizados para nossa aproximação ao ideal e cujo o efeito é invariavelmente imobilidade?” (Oliveira & Corrêa, 2020Oliveira, L. K., & Corrêa, G. C. (2020). Saúde e Educação: pistas de uma clínica da diferença. Criar Educação, 9(3), 33. http://dx.doi.org/10.18616/ce.v9i3.6128.
https://doi.org/10.18616/ce.v9i3.6128...
, p. 18). Densas tramas pedagógicas são traçadas em torno das noções de saúde e doença, patologizando o que afasta de uma pretensa normalidade que é hegemônica, maior e dominante. Romper com estas linhas que agenciam vidas é aprender a caminhar nesses desequilíbrios cotidianos, como nas obras de Leonilson citadas anteriormente.

Leonilson foi um artista cearense que teve uma trajetória de destaque internacional, possuindo diversas produções espalhadas mundo afora, atraindo admiração e olhares críticos. Ainda jovem, o artista descobriu-se infectado pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV e, em 1993, aos 36 anos de vida, veio a óbito em decorrência da aids. Estes processos de adoecimento marcaram diretamente sua vida e suas produções artísticas, influenciando na criação de diversas obras12 12 Para saber mais sobre a vida de Leonilson e as influências do HIV e da aids em sua vida, indico assistir aos documentários A Paixão de JL <https://www.youtube.com/watch?v=0wXU30LD1Io&t=44s> e Leonilson, sob o Peso dos Meus Amores <https://www.youtube.com/watch?v=8TKHN2LcChA&t=311s>. Disponíveis na plataforma YouTube. .

A infecção pelo HIV, quando não tratada com medicamentos antirretrovirais, tende a desencadear a aids, sendo potencialmente fatal. No começo da década de 198013 13 Guacira Louro (2001) traça uma breve genealogia da aids e de seus impactos nas políticas identitárias, fraturando-as em muitos momentos e produzindo outras possibilidades de experimentação dos encontros entre-pessoas, em redes solidárias, em afetos pela preservação da vida em seus momentos de maior vulnerabilidade, fragilidade e crise perante o adoecimento, estigma e invisibilidade social. Segundo a autora, a partir dos anos 1980, a aids: “Apresentada, inicialmente, como o ‘câncer gay’, a doença teve o efeito imediato de renovar a homofobia latente da sociedade, intensificando a discriminação já demonstrada por certos setores sociais. A intolerância, o desprezo e a exclusão – aparentemente abrandados pela ação da militância homossexual – mostravam-se mais uma vez intensos e exacerbados. Simultaneamente, a doença também teve um impacto que alguns denominaram de ‘positivo’, na medida em que provocou o surgimento de redes de solidariedade. O resultado são alianças não necessariamente baseadas na identidade, mas sim num sentimento de afinidade que une tanto os sujeitos atingidos (muitos, certamente, não-homossexuais) quanto seus familiares, amigos, trabalhadores e trabalhadoras da área da saúde, etc. As redes escapam, portanto, dos contornos da comunidade homossexual tal como era definida até então. O combate à doença também acarreta um deslocamento nos discursos a respeito da sexualidade – agora os discursos se dirigem menos às identidades e se concentram mais nas práticas sexuais (ao enfatizar, por exemplo, a prática do sexo seguro)” [ênfases no original] (Louro, 2001, p. 545). foram identificados casos da doença em diversos países do mundo, mas, posteriormente, descobriu-se que o vírus já circulava em diferentes lugares há décadas. Demoram-se anos para saber qual era o agente causador da doença, desenvolver testes e criar medicamentos que freassem a replicação viral. Nos anos seguintes, milhões de pessoas vieram a óbito em decorrência da aids. Somente no fim da década de 1980 surgiram os primeiros medicamentos antirretrovirais,14 14 A zidovudina, também conhecido como AZT, foi um dos primeiros antirretrovirais aprovados e comercializados. capazes de impedir a proliferação do vírus, porém, inicialmente, com pouca eficácia. Em meados da década de 1990, a terapia tripla, com associação de três tipos de medicamentos antirretrovirais, logrou mais êxito no tratamento da infecção pelo HIV e no impedimento do desenvolvimento da aids15 15 O intuito deste ensaio não é aprofundar nos aspectos biomédicos e históricos da epidemia de HIV/aids. Para mais informações sobre este trajeto cronológico da aids no Brasil e mundo, indico o capítulo “Marcos históricos da aids no Brasil e no mundo”, presente no livro Sentença de Vida, de Márcia Rachid (2020, pp. 118-127). .

Segundo a UNAIDS (2020)Unaids. (2020). Estatísticas Mundiais sobre o Hiv: resumo informativo. https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2020/11/2020_11_19_UNAIDS_FactSheet_PORT_Revisada.pdf
https://unaids.org.br/wp-content/uploads...
, até 2019 cerca de 32 milhões de pessoas morreram no mundo em decorrência da aids, sendo 690 mil naquele ano. Também em 2019, aproximadamente 38 milhões de pessoas viviam com HIV/aids no mundo (UNAIDS, 2020Unaids. (2020). Estatísticas Mundiais sobre o Hiv: resumo informativo. https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2020/11/2020_11_19_UNAIDS_FactSheet_PORT_Revisada.pdf
https://unaids.org.br/wp-content/uploads...
). No Brasil, em 2019 “foram diagnosticados 41.909 novos casos de HIV e 37.308 casos de aids (...) totalizando, no período de 1980 a junho de 2020, 1.011.617 casos de aids detectados no país” (Boletim Epidemiológico, 2020Ministério da Saúde. (2020). Boletim Epidemiológico: HIV/Aids I. 2019, Brasília., p. 8). Até o fim do ano de 2019, morreram mais de 349 mil pessoas em decorrência do HIV/aids (Boletim Epidemiológico, 2020Ministério da Saúde. (2020). Boletim Epidemiológico: HIV/Aids I. 2019, Brasília.).

O HIV, mais do que um agente infeccioso biológico, permeia experiências subjetivas que atravessam diretamente o corpo humano e suas vivências com a sexualidade, sobretudo nas últimas quatro décadas. Deleuze (2013)Deleuze, G. (2013). Conversações (P. P. Pelbart, Trad., 3. ed.). Ed. 34., em uma entrevista no ano de 1985, fala sobre “Aids e estratégia mundial”, refletindo nas relações entre medicina, aids e novos estilos de doenças. Ao pensar, em meados da década de 1980, na epidemia de HIV/aids, Deleuze (2013)Deleuze, G. (2013). Conversações (P. P. Pelbart, Trad., 3. ed.). Ed. 34. coloca que, talvez, essa poderia configurar-se como um novo agrupamento de sintomas e novas experiências de adoecer. A aids, ao atuar diretamente no sistema imunológico do sujeito por ela afetado, instaura outras possibilidades de pensar na defesa de um corpo e nos impactos que esta pode sofrer, quando se é infectado por um vírus até então novo. O autor reflete sobre os novos lugares de perigo que um homossexual desempenha a partir da doença, em conexão com o refugiado e outras minorias, e em possíveis fugas-teimosias pela recusa da “dupla imagem da doença e da sociedade” (p. 171).

Em 1987, dois anos após a entrevista de Deleuze citada e cinco anos antes da morte de Leonilson, o antropólogo Néstor Perlongher publicou o livro O que é AIDS (Perlongher, 1987Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense.). Hoje, mais de três décadas depois, este material continua sendo importante para os estudos acerca da epidemia de HIV/aids, assim como do corpo e da sexualidade. Sobre a aids, Néstor Perlongher (1987)Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense. afirma:

O que é a AIDS? Embora o conhecimento científico tenha avançado bastante, o mal é rodeado ainda de um véu de mistério. Sabe-se que é transmitido por contato sexual ou através do sangue. Não se trata – como pretendem alguns moralistas – de uma “doença homossexual”, mas é causada por um vírus que pode, eventualmente, ser transmitido a qualquer pessoa. Desde que se manifeste, a doença é praticamente fatal. Não há até o momento cura conhecida para a aids. ( ... ) Mas o horror dos corpos que adoecem e morrem parece se tornar mais pavoroso quando se adivinha, na origem das contorções da agonia, os espasmos do gozo. Da mesma maneira que a AIDS transcendeu, no início, a dor particular de suas vítimas para se estender aos corredores dos “guetos” como um poderoso mecanismo de moralização e controle, derivado das ondas de pânico, o fantasma parece abandonar os difusos limites dos circuitos minoritários para apavorar também os heterossexuais. Assim, a AIDS, que começou sendo vista como uma “doença homossexual”, é agora anunciada como uma ameaça às famílias [ênfases adicionadas]. (pp. 8-9)

Escrito em um período de grande terror em relação à epidemia de HIV/aids, fim da década de 1980, momento no qual não havia tratamento eficaz, e a infecção era praticamente fatal, o livro retrata cenas que compõem a construção de experiências sociais e intersubjetivas em torno da aids. Associada ao sexo e, inicialmente, às populações homossexuais, negras, usuários de drogas injetáveis e prostitutas, ela foi sendo estigmatizada: “Fantasias de declínio, degeneração e morte encontraram seu alvo nos pacientes, predominantemente vistos como homossexuais, usuários de drogas endovenosas e imigrantes negros” (Pelúcio & Miskolci, 2009Pelúcio, L., & Miskolci, R. (2009). A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a repatologização das sexualidades dissidentes. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 1, 125-157., p. 129). A aids foi permeada de pavor e repulsa, ao se enveredar com “os espasmos do gozo”, como afirma Perlongher (1987, p. 8)Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense., por estar associada à promiscuidade, ao prazer, ao tesão e ao sexo não voltado à reprodução, apresentando-se como perigo às famílias e às normas cristãs-patriarcais.

O estigma da aids é também o estigma do sexo, da carne, do prazer, do corpo, tangenciando as populações marginalizadas, criado por uma moral capitalista-colonialista-cristã que julga, condena e pune o sexo não voltado para o casamento e a reprodução, traçando tramas de controle. Um dispositivo?

A aids como dispositivo

O filósofo francês Michel Foucault debruçou-se intensamente nas questões que constituem e produzem o sujeito, atravessadas por redes de poder e saber que se formam em meio a relações sociais. Um conceito de grande importância nos trabalhos foucaultianos é o de dispositivo. Sobre o dispositivo, Foucault (2019)Foucault, M. (2019). Microfísica do poder (R. Machado, Trad. e Org., 10 ed.). Paz & Terra. afirma que:

Por esse termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos. ( ... ) Entendo dispositivo como um tipo de formação que, em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante [ênfases adicionadas]. (pp. 364-365)

“O dito e o não dito” constituem o dispositivo, em tramas que envolvem a formação de subjetividade, o saber e as redes de poder. Tendo caráter histórico, um dispositivo não é dado e nem está pronto, finalizado. Jamais é concreto-estático: é formado, deformado, modificado, se ajustando em contextos diferentes, de acordo com as modulações dos territórios nos quais se insere. Um dispositivo é formado por linhas, como afirma Deleuze (1989)Deleuze, G. (1989). ¿Qué es un dispositivo? In E. Balibar, H., Dreyfus, G., & Deleuze et al., Michel Foucault, Filósofo (pp. 155-163). Gedisa.:

O que é um dispositivo? Em primeiro lugar, é uma espécie de bola ou novelo, um conjunto multilinear. Está composto de linhas de diferente natureza e essas linhas do dispositivo não abarcam nem rodeiam sistemas cada um dos quais seriam homogêneos por sua conta (o objeto, o sujeito, a linguagem), senão que seguem direções diferentes, formam processos sempre em desequilíbrio e essas linhas tanto se acercam umas às outras como se distanciam umas das outras. Cada linha está quebrada e submetida a variações de direção (bifurcada), submetida a derivações. Os objetos visíveis, as enunciações formuláveis, as forças em exercício, os sujeitos em posição são como vetores ou tensores. ( ... ) Desemaranhar as linhas de um dispositivo é em cada caso levantar um mapa, cartografar, recorrer a terras desconhecidas. ( ... ) Há que instalar-se nas linhas mesmas, que não se contentam só com compor um dispositivo, senão que o atravessam e o arrastam, de norte a sul, de leste a oeste ou em diagonal.

(p. 155, tradução minha)

Pensar nestes dispositivos é acompanhar as diferentes linhas que os constituem e as modulações destas em torno da vida. Os dispositivos são compostos por “linhas de visibilidade, de enunciação, linhas de força, linhas de subjetivação, linhas de ruptura, de fissura, de fratura que se entrecruzam e se mesclam enquanto umas suscitam outras através de variações ou até de mutações de disposição” (Deleuze, 1989Deleuze, G. (1989). ¿Qué es un dispositivo? In E. Balibar, H., Dreyfus, G., & Deleuze et al., Michel Foucault, Filósofo (pp. 155-163). Gedisa., p. 158, tradução minha), negando os universais, formado por linhas de variação, e sendo, em si, multiplicidade.

Saúde, doença, vida e morte são territórios férteis para serem enveredados pelos dispositivos através de variadas linhas que permeiam esses processos que constituem existências: instituições médicas e educativas, redes de saber e poder, tramas de controle do desejo e movimentos de (des)subjetivação. Assim, me coloco em movimentos de traçar cartografias nestes territórios que compõem a aids como um dispositivo socialmente produzido – e também produtivo! –, ensaiando, mapeando, caminhando por entre as linhas que o modulam, em tentativas de, quiçá, desemaranhá-las, de encontrar rotas para criar outras nuances.

Nas multiplicidades que cada dispositivo consiste, sempre mutáveis, jamais universais, penso na aids como um dispositivo que tem atuado no controle do corpo, do desejo e do prazer, capturando, marginalizando, matando fisicamente, socialmente, subjetivamente, aniquilando e modulando subjetividades por meio de agenciamentos que permeiam um ser biológico-infeccioso, uma doença, um processo de adoecimento. Um dispositivo atravessado por moralidades, como pensa Perlongher (1987)Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense.: “Há, na crise da AIDS, todo um cheirinho de restauração. Chegou-se longe demais, paga-se agora a culpa pelos excessos libidinosos! Um retorno ao casal, uma volta à família, a morte definitiva do sexo anônimo e impessoal” (p. 52).

Ao refletir sobre o ACT UP, movimento ativista de luta contra a aids, Paul B. Preciado (2018)Preciado, P. B. (2018). Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. n-1 edições. afirma que:

A luta contra a aids tornou-se a luta contra os dispositivos geopolíticos e culturais de produção da aids – o que inclui modelos biomédicos, campanhas publicitárias, organizações governamentais e não governamentais de saúde, programas de sequência de genoma, indústrias farmacológicas, propriedade intelectual, biopatentes, marcas, definições de grupo de risco, ensaios e protocolos clínicos… (pp. 355-356)

Associada às práticas sexuais, sociais e culturais, a aids apresentou-se como cenário perfeito para que tramas conservadoras e reacionárias fossem traçadas e, junto delas, linhas duras de controle dos corpos, do desejo, do prazer, da reprodução e da vida, buscando reforçar a família heteronormativa, patriarcal, cristã. Alguns exemplos da capilarização dessas linhas em nossas vidas ocorrem através dos métodos contraceptivos, métodos de prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), do casamento civil e religioso, chegando até nos discursos religiosos, educativos, biomédicos e midiáticos que estigmatizam os corpos impactados pela epidemia, por exemplo. Sobre a prevenção e a aids como um dispositivo, Larissa Pelúcio e Richard Miskolci (2009)Pelúcio, L., & Miskolci, R. (2009). A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a repatologização das sexualidades dissidentes. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 1, 125-157. explicam que:

O dispositivo da aids opera e faz sentido, tendo a prevenção como estratégia de normalização materializada em uma espécie de imposição, em uma teleologia heterossexista que aponta para uma compreensão futura da vida como monogâmica, reprodutiva, familiar, em suma, privada e sob controle. (p. 142)

As experimentações sexuais não heterossexuais e/ou voltadas ao prazer e não à reprodução são condenadas, são territórios da exposição e infecção, da impureza, do pecado e da morte. Discursos que se contradizem à medida que a epidemia se alastra também em famílias tidas como heterossexuais, em relacionamentos monogâmicos, cristãos, entre casados nos cartórios e igrejas. O vírus pode infectar qualquer pessoa, não tendo preferências por subjetividades, podendo adentrar em corpos humanos independente de suas características ‒ não excluindo a necessidade de levar em conta que algumas existências são mais vulnerabilizadas à infecção pelo HIV e ao adoecimento pela aids do que outras, devido questões que envolvem raça, gênero, sexualidade e contextos sociais, econômicos e políticos. Mesmo assim, a aids como dispositivo continuou a ser consolidada, em um controle cada vez maior das práticas, em uma vigília constante do corpo, da vida, do desejo, das experimentações carnais, do prazer, da dor, do adoecimento e da morte.

Estas facetas de controle em torno da aids como um dispositivo não apenas vigiam e cerceiam, mas também produzem modos de ser, na medida em que capturam existências através de instituições como a medicina, como Perlongher (1987)Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense. afirma:

Um dispositivo como a AIDS – não a doença em si, mas a moralização desencadeada em torno dela. Para obter o disciplinamento do corpo deve-se confessar certas intimidades escabrosas, como penetrações, ejaculações dentro ou fora do ânus, etc. Se a moral pública não permitisse falar coisas assim, a AIDS seria – como foi a sífilis – uma “doença secreta” – e fruiria talvez da auréola heróica da aventura clandestina. Entretanto, uma campanha como a da AIDS exige como pré-requisito que tudo o que diz respeito à corporalidade possa ser dito, mostrado, exibido, assumido; a partir disso é que se pode diagnosticar e regulamentar. Antes os anormais estavam fora: fora da família e fora do consultório. Agora já podem entrar e receber conselhos [ênfases no original]. (p. 74)

Mobilizar a aids como um dispositivo é pensar na moralidade em torno da doença, do adoecimento, da enfermidade, e nas redes de controle traçadas a partir dela. “O pânico da aids revelava um novo ‘desejo coletivo de expurgo’ e de ‘eliminação’. O contaminado tornara-se uma ‘raça’, uma ‘espécie’, no sentido empregado por Foucault ao discutir a construção da homossexualidade enquanto fenômeno clínico” [ênfases no original] (Pelúcio & Miskolci, 2009Pelúcio, L., & Miskolci, R. (2009). A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a repatologização das sexualidades dissidentes. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 1, 125-157., p. 136).

PerlongherPerlongher, N. (1985). AIDS: Disciplinar os poros e as paixões. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, 2(3). http://dx.doi.org/10.1590/s0102-64451985000400007.
https://doi.org/10.1590/s0102-6445198500...
, em AIDS: Disciplinar os poros e as paixões, afirmou, em 1985, que “a ameaça da AIDS já transcendeu o sofrimento privado das suas vítimas ( ... ) para se converter num dispositivo de moralização que busca reordenar os corpos e suas paixões” (p. 35). Assim, naquele momento,

As estratégias desencadeadas a partir de um problema real – a emergência da AIDS – passam por policiar e organizar as sexualidades perversas, no sentido de diminuir a freqüência, a diversidade e a intensidade dos encontros. Aqueles que estavam “fora” da sociedade são hoje instruídos pelo aparelho médico e paramédico no sentido de disciplinar os poros e as paixões. O tão declamado direito a dispor do próprio corpo vai-se transformando, no final das contas, no dever de regrá-lo [ênfase no original]. (p. 37)

Experiências sexuais dissidentes da norma hetero-cristã-familiar foram e permanecem sendo alvo deste dispositivo – sem excluir que as vidas dentro dessas normas também sejam capturadas e impactadas pelo dispositivo e suas linhas –, como com a homossexualidade: “uma vez que a medicina deixa de considerar a homossexualidade uma doença, parece dedicar-se a curá-la, ou melhor, a regrá-la” (Perlongher, 1987Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense., p. 74). Estes processos estão atrelados ao fortalecimento da medicina, “grande protagonista da crise da AIDS”, que levou a “uma expansão sem precedentes da influência e do poder médico” (p. 79).

Com a AIDS, o abraço médico vai repousar nos esfíncteres, seu ponto de apoio. A “analidade” entra em jogo. Os olhos da ciência voltados ao ânus! A máquina médica explora as mucosas, os pontos de roçamento e de fruição, as feridinhas microscópicas que testemunham uma potência descontrolada. (...) O que antes era gozo, na populosa intimidade da orgia, é logo projetado nos slides como bandeira de perigo [ênfases no original].

(Perlongher, 1987Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense., p. 75)

Com a aids, partes do corpo até então marginalizadas, como o ânus, passaram a ser alvo dos olhares médicos, como reflete Perlongher (1987)Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense.. Deleuze e Guattari, ao dissertarem sobre o devir-lobo e realizarem críticas à psicanálise freudiana, pensam no ânus como território do corpo onde residem forças, intensidades e multiplicidades.

Mas o Homem dos Lobos pensa: e meu cu, não é um lobo? ( ... ) O lobo como apreensão instantânea de uma multiplicidade em tal região não é um representante, um substituto, é um eu sinto. ( ... ) O lobo, os lobos são intensidades, velocidades, temperaturas, distâncias variáveis indecomponíveis. É um formigamento, uma inflamação. E quem pode acreditar que a máquina anal nada tenha a ver com a máquina dos lobos, ou que os dois estejam somente ligados pelo aparelho edipiano, pela figura demasiado humana do Pai? Porque, enfim, o ânus também exprime uma intensidade, aqui a aproximação de zero da distância que não se decompõem sem que os elementos mudem de natureza. Campo de ânus assim como matilha de lobos [ênfases no original].

(Deleuze & Guattari, 2011Deleuze, G., & Guattari, F. (2011). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia (Vol. I.). Ed. 34., pp. 58-59)

O ânus, território de potências e multiplicidades, com a aids torna-se também território de disputa médica. Agenciam-se atritos entre poderes que buscam instaurar um retorno à família, ao Pai e ao sexo heterossexual voltado exclusivamente à reprodução e às resistências à procura de outras possibilidades de existências em multiplicidades. Como encontrar fugas nessas pedagogias e/ou ensinagens moralizantes que vigiam e capturam desejos, corpos e experiências?

Durante o século passado, o poder se deslocou do controle da terra para o controle da manufatura e, então, para o controle da informação e da vida. Hoje, o poder se estende ao sexo, ao gênero e à raça como codificações precisas da informação e da subjetividade. (...) O problema é que, até agora, o desejo, o prazer, o sexo e o gênero foram pensados em termos de essência não transferível ou como propriedade privada. Inicialmente, foram pensados como substâncias fixas na natureza; depois, como propriedade de Deus; em seguida, como propriedade do Estado; mais tarde, como propriedade privada; e hoje, por fim, como propriedade das grandes multinacionais farmacopornográficas. As novas corporações globais não produzem nada. Seu único objetivo é a acumulação e a gestão de patentes a fim de controlar a (re)produção de corpos e prazeres. Esta política do copyright que supervisiona a sexualização da produção e a conversão da vida em informação é que denominei de farmacopornopolítica; seu propósito é transformar o seu cu e o meu, ou melhor, seu desejo e o meu em benefício abstrato.

(Preciado, 2018Preciado, P. B. (2018). Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. n-1 edições., pp. 293-294)

As construções do que se entende como natureza, Deus, Estado e multinacionais instauraram verdades e atuaram na “(re)produção de corpos e prazeres”, como afirma Preciado (2018, p. 294)Preciado, P. B. (2018). Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. n-1 edições.. Caberia também colocar a medicina neste campo de instituições instauradoras de verdades, em movimentos de produção e reprodução dos corpos, prazeres e subjetividades. O ânus e todo o corpo, territórios de vida, potência e multiplicidade, são capturados, vigiados, escrutinados, dissecados, controlados e produzidos pelos olhares médicos nas tramas que se instauraram com a aids como um dispositivo.

Um dispositivo está sempre em mudanças, com suas linhas se atualizando, se reajustando, variando, capilarizando: pensar na aids como dispositivo na década de 1980 é muito diferente de pensá-la nos anos 2020, uma vez que mudanças terapêuticas tornaram a infecção pelo HIV possivelmente manejada através de medicamentos, assim como a epidemia se alastrou por populações diferentes das inicialmente mais afetadas. Complexidades outras se apresentam: bio-fármaco-pornográfico-tecnológicas (Preciado, 2018Preciado, P. B. (2018). Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. n-1 edições.), permeadas por novos aparatos médicos em constante produção, criando chances outras de vida com o vírus, em tentativas de cronificar16 16 Pode-se dizer que a aids tem sido, nos últimos anos, produzida e atualizada como um dispositivo crônico, em decorrência das mudanças biomédicas, assim como dos discursos e das práticas imbricados a partir delas. Sobre a aids como um dispositivo crônico, ver os trabalhos de Atílio Butturi Junior e Camila Lara (2018) e Butturi Junior (2019). os processos de vida e morte com o HIV e a aids. Sobre estas novas modulações da aids como um dispositivo, Pelúcio e Miskolci (2009)Pelúcio, L., & Miskolci, R. (2009). A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a repatologização das sexualidades dissidentes. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 1, 125-157. apontam que:

O pânico sexual que forjou o dispositivo da aids com o protagonismo do discurso preventivo começou a arrefecer com a invenção do tratamento por meio do coquetel. Desde então, passamos a vivenciar o que alguns denominam de momento pós-aids, quando a eficácia do tratamento somada a campanhas que procuraram minimizar o preconceito, disseminaram a percepção de que a aids não é uma doença que aflige exclusivamente as pessoas de condutas “suspeitas”, mas está também no seio das relações heterossexuais, familiares e monogâmicas. As políticas de prevenção – mesmo que sem intencionalidade – vivem o paradoxo de se tornarem expressão de reinvestimento no pânico sexual originário, já que a luta contra o estigma ainda carece de uma crítica aos axiomas biopatologizantes e, sobretudo, de uma problematização da ordem social como um todo, ao invés do foco em “grupos”, “minorias” ou “culturas sexuais dissidentes”. Em nossos dias, a aids perdeu seu caráter de sentença de morte e adquiriu contornos definidos por alguns como de “doença crônica”. Assim, adentramos em outro imaginário sobre a doença, menos pautado pelo pânico sexual e mais pela “marcação” de uma parte da sociedade com o carimbo da soropositividade – esta condição paradoxal em que não se é doente ou tampouco sadio. O soropositivo é um problema para si próprio e uma nova encarnação do estigma da homossexualidade para os outros [ênfases no original]. (pp. 151-152)

O dispositivo, não sendo molde pronto, sólido e imutável, vai se ajustando e sendo atualizado nos diferentes contextos, tempos e espaços. Por ser histórico e mutável, a aids como um dispositivo terá um fim, como preveem Pelúcio e Miskolci (2009)Pelúcio, L., & Miskolci, R. (2009). A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a repatologização das sexualidades dissidentes. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 1, 125-157.:

O dispositivo da aids é histórico, e como tal terá um fim. Sua substituição se dá com a transformação e a expansão do discurso preventivo de sua origem epidemiológica na década de 1980 para formas contemporâneas de controle e normalização do desejo. Permanece na ordem sexual contemporânea a fixação social na sexualidade e no desejo, uma mistura de repugnância e atração pelo Outro que constitui a heteronormatividade. É a instável hegemonia heterossexista, construída em contraste com o polo homo (mas também dependente de sua manutenção) que ainda faz desta ambivalência o motor das políticas e dos saberes. (p. 153)

Enquanto acompanho as modulações e as transformações da aids como um dispositivo, coloco-me a indagar: quais linhas de fuga são possíveis neste e deste dispositivo?

HIV/aids, te(n)sões e outras linhas

Linhas entre a vida, a morte, a saúde e a doença. Dispositivos, linhas-virais, epidemias, educações, subjetividades. Entre tesões e tensões, a vida urge, emerge com força e grita.

Envolvidos numa rede de encontros sociais, os corpos produzem intensidades. Por sinal, os afetos e repulsões entre os corpos, suas sensações, são eles próprios intensivos, isto é, modulam-se segundo limiares de intensidade, cuja produção transtorna e atravessa os próprios corpos, extremando ou subvertendo até a organização fisiológica do organismo. Daí que procuras muito fortes de intensidade, de êxtase nas sensações, possam tensionar o corpo até o limite de sua resistência, até as portas da morte e da desagregação. O desejo tenderia ao excesso, à desmesura, à fuga. Os caminhos são variáveis. A busca extremada de intensidade pode percorrer as vias da orgia, da perversão radical e sistemática, até a extenuação e a repetição apática dos gestos. Linha de fuga sempre fronteiriça, ela pode beirar o abismo da destruição ou da autodestruição, desencadeando uma paixão de abolição. Tanto o perverso que perambula pelas bocas do perigo, quanto o consumidor de drogas que se obstina na exacerbação até o impossível de uma vertigem frenética estariam mergulhando (ou naufragando?) nas areias movediças onde a intensificação do desejo roça a morte. No entanto, essa procura desenfreada não é estritamente suicida, embora o suicídio possa aparecer, à maneira de um acidente ou de uma tentação, na complexidade de seus meandros. Essa demanda de intensidade é essencialmente afirmativa – afirma a vida tensionando-a e tensionando o corpo, viajando na experimentação dos seus limites [ênfases adicionadas].

(Perlongher, 1987Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense., pp. 87-88)

Um corpo e seus desejos, mesmo que à procura de intensidades, de experiências mais fortes, gritantes, densas, extremas, não buscam sua morte – ainda que estes caminhos possam descarrilhar-se nela. É a vida que o corpo procura, corre atrás, se direciona a todo o momento: uma vida repleta de desejo e de tesão. A tensão que permeia essa vida vai, também, preenchendo-a de perigos. Dispositivos e suas linhas envolvem os trajetos de uma vida, como no caso da epidemia de HIV/aids e das existências infectadas pelo vírus, marcadas pelo estigma e pela segregação naturalizadas17 17 Esta dimensão do naturalizado está intimamente relacionada com as pedagogias instauradas em torno da epidemia de HIV/aids ‒ imagens da soropositividade, do terror, do medo, do estigma, da morte – e as representações associadas. Neste ensaio, além de criticar estas imagens-representações entretecidas com o dispositivo, também busco infectá-las com possibilidades de fugas às instâncias naturalizantes ligadas às educações maiores. .

O Corpo passa da dimensão do prazer à dimensão do dever e dela, à restrição própria ao que se considera no senso comum como abjeto, sendo, pois, corpos que importam como vida tratável, mas jamais como lugar de gozo. Restringe-se, assim, o corpo à sua condição de porta-vírus, de entidade plena no discurso, mas distanciado da Vida e dos seus Prazeres.

(Ignácio, 2016, p. 489)

O sexo, território do prazer e da vida18 18 Mobilizando estas instâncias do desejo, da experimentação corporal-sexual e da vida, me recordo do último parágrafo do – belíssimo! – texto O corpo utópico, de Foucault (2013): “Seria talvez necessário dizer também que fazer amor é sentir o corpo refluir sobre si, é existir, enfim, fora de toda utopia, com toda densidade entre as mãos do outro. Sob os dedos do outro que nos percorrem, todas as partes invisíveis de nosso corpo põem-se a existir, contra os lábios do outro os nossos se tornam sensíveis, diante de seus olhos semicerrados, nosso rosto adquire uma certeza, existe um olhar, enfim, para ver nossas pálpebras fechadas. O amor, também ele, como o espelho e como a morte, sereniza a utopia de nosso corpo, silencia-a, acalma-a, fecha-a como se numa caixa, tranca-a e a sela. É por isso que ele é parente tão próximo da ilusão do espelho e da ameaça da morte; e se, apesar dessas duas figuras perigosas que o cerca, amamos tanto fazer amor, é porque no amor o corpo está aqui” [ênfase no original] (p. 16). , passa a ser visto como lugar da infecção, da perversidade, da doença e da morte, intensificando-se através da aids como dispositivo. Emerson Ignácio (2016)Inácio, E. (2016). Carga zerada: HIV/aids, discurso, desgaste, cultura. Via Atlântica, 1(29), 479-505. é assertivo, ao falar sobre o lugar que um corpo que vive com o HIV e a aids é colocado na sociedade: lugar de abjeto, de porta-vírus, destituído da possibilidade de vida plena e dos prazeres. Um corpo infectado é marcado de inúmeras formas nessas tramas. “O foco se lança não mais para a AIDS como um mal ou como um foco que gere narrativas culturais, mas, sim, como um aspecto a mais da vida ( ... ) A contemporaneidade fez da doença um segredo, um horror que instaura o silêncio como forma” (p. 498).

Inspirado na personagem Ângela Pralini (Lispector, 1978Lispector, C. (1978). Um sopro de vida: pulsações. Nova Fronteira., p. 159), questiono: haveria como um corpo vivendo com HIV/aids “não morrer em vida”, “só morrer depois da morte”? De quais formas os silenciamentos das pessoas que vivem com HIV/aids, entremeados com a cronificação desta vivência com o vírus, atuam na manutenção de uma morte em vida, ou do que Herbert Daniel (Daniel & Parker, 2018Daniel, H., & Parker, R. (2018). Aids: a terceira epidemia: ensaios e tentativas (2. ed.). ABIA, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS.) chamou de morte civil?

Ao realizarem uma etnografia em uma rede social voltada para pessoas que vivem e convivem com HIV e aids, pesquisando os encontros que lá se fazem, Lucas Melo et al. (2020, p. 6)Melo, L. P., Cortez, L. C. A., & Santos, R. P. (2020). Is the chronicity of HIV/AIDS fragile? Biomedicine, politics and sociability in an online social network. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 28, 1-8. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.4006.3298.
https://doi.org/10.1590/1518-8345.4006.3...
percebem e trazem para o campo acadêmico algumas facetas das experiências permeadas pelo HIV/aids e a “cronificação” da infecção:

Para os nossos interlocutores viver cronicamente com o HIV/aids assinalava: o gerenciamento da incerteza do seu curso; a ênfase no autocuidado combinado com manejo biomédico; as estratégias para produzir uma vida normal; o trabalho sobre a identidade necessário para se tornar uma pessoa doente, mas com uma vida normal; e as implicações psicossociais do engajamento contínuo no cuidado biomédico. (p. 6)

As linhas da aids como um dispositivo vão se reconfigurando na contemporaneidade, atravessadas pelo discurso da cronicidade e da biomedicalização, assim “tais políticas e narrativas fazem isso ao engendrar processos de subjetivação de pessoas soropositivas que envolvem, em algum grau, uma virada subjetiva, via tecnologias do self (autocuidado, automonitoramento, autodisciplinamento, etc.)” (Melo, 2020Melo, L. P. (2020). Aids, tempo e suas renitências: socialidades, emoções e políticas em uma rede social on-line. Cadernos de Campo, 29(2), 1-23. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i2pe179821.
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
, p. 20). Nessas tramas de poder que disciplinam, controlam, vigiam e levam à confissão, a resistência se faz a todo o momento.

Ao enfrentar com respostas locais tópicos moralizantes das diretrizes preventivas transnacionais, governo e sociedade civil organizada apontam para a possibilidade de se abrirem fissuras no discurso disciplinador que estrutura o dispositivo da aids, o que não significa romper de todo com ele, mas sim perceber que ele é histórico e localmente marcado; até mesmo porque para ser eficiente precisa-se desta relativa plasticidade.

(Pelúcio & Miskolci, 2009Pelúcio, L., & Miskolci, R. (2009). A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a repatologização das sexualidades dissidentes. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 1, 125-157., p. 129)

As vidas afetadas pela epidemia de HIV/aids não se mantêm submissas. Nessas tramas de controle, respondem, enfrentam, lutam, abrindo fissuras neste dispositivo, como refletem Pelúcio e Miskolci (2009, p. 129). Em meio às tantas políticas de controle da vida, tensões entre cronificação e adoecimentos de longa duração, acesso ao tratamento antirretroviral, adoecimento, fragilidades, dependências do Estado, incertezas, estigma e morte, configuram-se viveres na corda bamba. Butturi Junior (2019)Butturi Junior, A. (2019). O HIV, o ciborgue, o tecnobiodiscursivo. Trabalhos em Linguística Aplicada, 58(2), 637-657. afirma que é justamente nas existências marcadas e entretecidas pelo vírus que se encontram formas outras de colocar tais dispositivos em questão, de se produzir, de lutar por melhores possibilidades de cuidado da saúde, de criar novos modos de vida19 19 “No momento das subjetividades proliferantes e do ocaso da política, é nos soropositivos que ele vislumbra uma abertura. É em suas lutas cotidianas e corporais por medicamentos menos tóxicos, em detrimento das lutas em nome de um sujeito universal e de um humano metafísico, que esses sujeitos informam sobre outra forma, digamos, pós-humana, de ser sujeito. No instante em que sua militância exige o limite da morte como experiência fundamental. No instante em que, em seu discurso e em seu corpo tecnomodificado, eles sugerem um “não” e solicitam, para si, a abertura para produzir formas de vida – e de pós-humanidade – paradigmáticas e ainda não inventadas” [ênfase no original] (Butturi Junior, 2019, p. 652). . Neste cenário de instabilidades, linhas outras vão emergindo, insurgindo, convergindo.

Talvez sejam pelas mesmas porosidades e fissuras que nos deixam mais vulneráveis às contaminações que encontremos fugas para pensar em caminhos possíveis por onde o desejo encontre passagem, sendo terreno fértil para a proliferação de embriões de possibilidades de viver e de ter tesão em meio às tantas tensões.

(Sales, 2020Sales, T. A. (2020). Entre tesões, tensões e prevenções: HIV/Aids e contaminações com as obras de Adriana Bertini. ClimaCom, 7(19), 1-31., p. 26)

Talvez, seja pelas fragilidades de uma vida que se encontram as possibilidades de fuga e as potências de um futuro por vir, de ensaiar outras existências, de criar rachaduras em tramas sufocantes. Como encontrar brechas para sustentar tanta tensão? Ou, quiçá, forjar rachaduras para fugir destas tramas?

Seria preciso, talvez, conceber uma política sexual diferente, que não desconhecesse a multiplicidade dos desejos eróticos nem tentasse disciplinar pedagogicamente os perversos e seus prazeres. Trata-se de oferecer a melhor informação possível, mas afirmando simultaneamente o direito de dispor do próprio corpo e da própria vida (...). A vida não se mede apenas como quer a instituição médica, em termos de prolongação da sobrevida (ou da agonia), mas também em intensidade de gozo. A dimensão do desejo não deveria ser negligenciada, se é que se trata de salvar a vida.

(Perlongher, 1987Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense., pp. 91-92)

Os tesões, os gozos e os prazeres também mensuram a força de uma existência, se agenciando, muitas vezes, em resistências e em linhas de fuga. O desejo, força que movimenta a vida, não pode ser negligenciado, ao se falar de saúde. Já que a aids como dispositivo se configura diariamente, nas tramas e nos trajetos que se fazem nos encontros, talvez, como Perlongher (1987)Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense. propõe, um caminho seriam políticas que não invisibilizem as diferenças e as multiplicidades.

Nestas tramas repletas de perigos e chances de descarrilhar-se em mortes, torna-se urgente mobilizar outras formas de narrar e experienciar tal pandemia: falar em possibilidades outras ou diferentes não é pensar em algo “único” e “inovador”, mas sim, abrir-se para a escuta dos corpos, das subjetividades, das demandas, estando atento às tensões e às pedagogias que capturam e tentam controlar, disciplinar e se nutrir a partir da vida. O dispositivo, sendo mutável, pode ser desemaranhado, destrinchado, cartografado ‒ inspirado em Deleuze (1989)Deleuze, G. (1989). ¿Qué es un dispositivo? In E. Balibar, H., Dreyfus, G., & Deleuze et al., Michel Foucault, Filósofo (pp. 155-163). Gedisa. ‒, traçando cartografias pelos territórios do HIV/aids, em conexões e atritos com outros dispositivos médicos, econômicos, capitalistas, farmacopornográficos (Preciado, 2018Preciado, P. B. (2018). Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. n-1 edições.), na procura de modulações possíveis para vidas em potência e fugas às tramas que cerceiam, controlam, capturam, disciplinam e cafetinam (Rolnik, 2018Rolnik, S. (2018). Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada (2. ed.). n-1 Edições.) uma vida.

Assim, caminho para o fim deste ensaio com uma reflexão-ensinamento que também o iniciou, do antropólogo Néstor Perlongher, feita há mais de três décadas, mas que permanece atual no que se refere às respostas à epidemia de HIV/aids. Perlongher viveu e faleceu em meio a períodos tão nebulosos, densos e incertos da epidemia, forjando possíveis saídas em suas produções à dor e aniquilação de existências vivas, pelos caminhos do desejo, do tesão, do gozo e da vida.

Há, para as populações ameaçadas, um risco real – que não deve ser, porém, superestimado. Trata-se, talvez, de um instável compromisso entre o risco e o gozo, sujeito ao vaivém do desejo. Essa afirmação do desejo não deveria ser vivida (como quer a histeria higienista) com culpa e peso de consciência, mas com alegria. Seria paradoxal que o medo da morte nos fizesse perder o gosto da vida.

(Perlongher, 1987Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense., pp. 91-92)

Para friccionar estas pedagogias do medo e do estigma, penso em contra-pedagogias e educações menores de vida e multiplicidade. Deleuze (2013)Deleuze, G. (2013). Conversações (P. P. Pelbart, Trad., 3. ed.). Ed. 34., ao refletir na obra e vida de Foucault, afirma: “Um pouco de possível, senão eu sufoco” (p. 135). Quais são os possíveis para não sufocarmos em meio a essa epidemia que há mais de quatro décadas se agencia e transforma? Como criar outros possíveis quando o esgotamento se instaura?

A criação se faz em gargalos de estrangulamento. (...) Se um criador não é agarrado pelo pescoço por um conjunto de impossibilidades, não é um criador. Um criador é alguém que cria suas próprias impossibilidades, e ao mesmo tempo cria um possível.

(Deleuze, 2013Deleuze, G. (2013). Conversações (P. P. Pelbart, Trad., 3. ed.). Ed. 34., p. 171)

A aids como um dispositivo, juntamente com suas tramas, afeta a todos, porém de diferentes formas. Quais impactos estas linhas que entremeiam a epidemia causam em nossas vidas? Caso você não viva com HIV/aids, já pensou em como seria coexistir com o vírus em seu corpo, ao longo desses diferentes tempos de epidemia? E, caso você viva com HIV/aids, como estas experiências compõem os seus trajetos, entremeando-se na produção de sua subjetividade e nas suas relações de vida-morte-saúde-doença? Quais esgotamentos a epidemia de HIV/aids nos provoca? Como andar nessa corda bamba com as forças que afetam tantas vidas, soropositivas ou não ao HIV? Que “gargalos de estrangulamento” (Deleuze, 2013Deleuze, G. (2013). Conversações (P. P. Pelbart, Trad., 3. ed.). Ed. 34., p. 171) se apresentam e instauram uma necessidade de criar mundos outros? Como mobilizar educações outras, menores, que, a partir das linhas agenciadas neste dispositivo instaurado juntamente com a aids, viabilizem rachar as múltiplas pedagogias que se formam em torno do corpo, do desejo e do prazer, fortificando o estigma e o preconceito, e atuando na manutenção das instâncias que segregam, vulnerabilizam e fazem morrer20 20 Utilizo “fazer morrer” inspirado em Foucault (2005) e nas noções de “fazer morrer e deixar viver”. ?

A tristeza, os afetos tristes são todos aqueles que diminuem nossa potência de agir. Os poderes estabelecidos têm necessidade de nossas tristezas para fazer de nós escravos. ( ... ) Os doentes, tanto da alma quanto do corpo, não nos largarão, vampiros, enquanto não nos tiverem comunicado sua neurose e sua angústia, sua castração bem-amada, o ressentimento contra a vida, o imundo contágio. Tudo é caso de sangue. Não é fácil ser um homem livre: fugir da peste, organizar encontros, aumentar a potência de agir, afetar-se de alegria, multiplicar os afetos que exprimem ou envolvem um máximo de afirmação.

(Deleuze & Parnet, 1998Deleuze, G., & Parnet, C. (1998). Diálogos. Escuta., pp. 50-51)

Fugir da tristeza, da ausência de potência, da vampirização como forma ativa de movimento de vida. Fugir da peste e do imundo contágio, inspirado na potente afirmação de Deleuze, não é necessariamente fugir dos vírus-biológicos, muito menos atuar na manutenção e atualização do estigma às vidas humanas que com eles convivem, mas sim, escapar das tramas e das educações maiores que cafetinam a vida (Rolnik, 2018Rolnik, S. (2018). Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada (2. ed.). n-1 Edições.) em linhas de medo, terror, pânico e aversão ao outro. Já existem múltiplas formas de lidar com esta epidemia, de evitar adoecimentos e mortes pela prevenção e pelo tratamento, de encarar o passado e ver o quanto se errou ao estigmatizar a infecção, a vivência, a doença e o fim da vida em torno do HIV e da aids. Então nos resta mobilizá-las nos cotidianos, nos acessos – ao tratamento, à prevenção, à informação –, nos discursos e nas práticas.

Demanda-nos, assim, a capacidade de forjar outras formas de cartografar os territórios do HIV e da aids, instaurando possibilidades por vir de narrar tais caminhos que se fazem no encontro entre humano e vírus. Atuar ativamente na aids como um dispositivo ao “fazer do corpo uma potência que não se reduz ao organismo, fazer do pensamento uma potência que não se reduz à consciência” (Deleuze & Parnet, 1998Deleuze, G., & Parnet, C. (1998). Diálogos. Escuta., p. 51), pela alegria dos encontros de uma vida, por uma política de contágios-afetivos.

Santiago Diaz (2020)Diaz, S. (2020). Contra-pedagogia do contágio. Ecos: Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 2 (10), 169-172., ao refletir sobre as tramas instauradas em torno da pandemia de covid-19, propõe uma “contra-pedagogia do contágio”. Segundo o autor,

o vírus não é a pandemia, nem a sua causa ou motivo, o vírus é o nome de uma contra-pedagogia da vida no seu sentido mais grosseiro: o vivente. ( ... ) Talvez seja hora de deixar passar o vírus e sua pedagogia erótico-política. (p. 170)

Quais forças habitam na (co)existência viral? Como utilizar a dimensão do contágio-subjetivo e suas pedagogias erótico-políticas para proliferar por espaços negados, por práticas vigiadas, por corpos escrutinados?

A potência contra-pedagógica do vírus é trazer-nos este antigo saber: que a vida prolifera heterogeneamente entre os corpos, entre as espécies, entre os “reinos”, que compõem a infinita e inalcançável presença contemporânea do vivente. ( ... ) O que essa contra-pedagogia ensina é a experiência que nenhuma instituição de ensino se atreve a ensinar: a vitalidade crua e inesperada do incerto. ( ... ) O vírus é uma potência do vivente e, como potência, não tem valor declarado de antemão. É apenas uma força crescente que se expande e muda de acordo com suas relações e variações, como o pensamento. Porque o pensamento se dá sempre por contágio, a educação também, nossa micropolítica fecunda é contagiosa, a revolta e as dissidências são contagiosas… [ênfase no original].

(Diaz, 2020Diaz, S. (2020). Contra-pedagogia do contágio. Ecos: Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 2 (10), 169-172., p. 171)

Em pedagogias e educações subversivas agenciadas por micropolíticas contagiosas, cabe-nos criar possíveis, a partir do que foi negado, controlado e vigiado até então: o direito ao prazer, ao gozo, ao desejo e à potência de vida. “E o que é resistir? Criar é resistir…” afirma Deleuze em seu Abecedário (Deleuze & Parnet, 1995Deleuze, G., & Parnet, C. (1995). Abecedário de Gilles Deleuze. (Filmado em 1988-1989). Éditions Montparnasse., p. 68). Criar “estratégias de sobrevivência desejante” (Rolnik, 2016Rolnik, S. (2016). Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Sulina, Editora da UFRGS., p. 16). Forjar outras possibilidades como resistências: formas de permanecer, de estar vivo21 21 Para mobilizar as conexões entre vida e educação, sugiro a leitura do potente texto Estar Vivo: Aprender de Fernanda Rigue e Alice Dalmaso (2020). , de perseverar em forças, em proliferação, em vida.

Pensar em aids é se lembrar22 22 Teço outras mobilizações sobre memória e HIV/aids em The AIDS Memorial: histórias de amor, perdas e lembranças em pedagogias de afetos (Sales & Carvalho, 2021). dos tantos que se foram pelas políticas necrófilas que agenciam a epidemia, mas também é se relacionar com a vida que pulsa pelo desejo de persistir23 23 Mobilizo escritas acerca da potência da vida em relação ao HIV e à aids e em educações menores a partir de filmes nos textos: Carta para além dos muros biológicos: pistas de uma biologia menor e afetos possíveis com um documentário sobre HIV/aids (Sales & Estevinho, 2021b); 120 Batimentos por minuto: educações, currículos e o que pode um filme nos afetar em relação ao HIV/aids? (Sales, 2021b); e Os ventos do Norte também podem mover moinhos? “Como sobreviver a uma praga” e respostas à epidemia de HIV/aids (Sales, 2021c). . Nas tramas deste dispositivo, talvez um caminho possa ser buscar as linhas de fuga que permitam forças para caminhar em direção a outras relações com o vírus, a infecção, a epidemia, o desejo, a saúde, a doença, a morte e a vida. Linhas de fugas em rizomas, forças do contágio e da mistura, devir-vírus, potências dos entres (Deleuze & Guattari, 2011Deleuze, G., & Guattari, F. (2011). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia (Vol. I.). Ed. 34.). Resistências em movimentos ativos de transformação do dispositivo e de produção de outros mundos. Possibilidades de andar na corda bamba e, quem sabe, nela dançar desejosamente com toda força e potência que uma vida carrega.

Agradecimentos

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio; ao professor doutor Lucas Pereira de Melo pelas aulas inspiradoras e pela leitura atenciosa do texto, juntamente com suas múltiplas considerações; ao UIVO: Matilhas de Estudos em Criação, Arte e Vida pelos encontros em afetos; à querida doutora Fernanda Monteiro Rigue pela apreciação cuidadosa e pela generosidade que tanto auxiliou neste trabalho. Por fim, agradeço e dedico este trabalho ao meu pai, Wisley Falco Sales (in memoriam), pela vida, pelo incentivo ao magistério e ao prosseguimento nos estudos na pós-graduação.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha – verah.bonilha@gmail.com.
  • 3
    Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
  • 4
    Inspirado no conceito de rizoma de Gilles Deleuze e Félix Guattari (2011)Deleuze, G., & Guattari, F. (2011). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia (Vol. I.). Ed. 34..
  • 5
    Inspirado no conceito de ziguezague proposto por Deleuze em seu Abecedário (Deleuze & Parnet, 1995Deleuze, G., & Parnet, C. (1995). Abecedário de Gilles Deleuze. (Filmado em 1988-1989). Éditions Montparnasse.).
  • 6
    Teço outras mobilizações acerca dos vazios e cheios que permeiam a vida em Entre vazios e cheios: cartografias da anorexia (Sales, 2021Sales, T. A., & Carvalho, D. F. (2021). “The AIDS Memorial”: histórias de amor, perdas e lembranças em pedagogias de afetos. Textura, 23(56), 168-196. https://doi.org/10.29327/227811.23.56-9.
    https://doi.org/10.29327/227811.23.56-9...
    a).
  • 7
    Mobilizo trechos de Clarice Lispector para tangenciar as potências e as tensões presentes na vida e também na morte. Rosa Fischer (2016)Fischer, R. M. B. (2016). Clarice, Foucault: as palavras, as coisas, a experiência. Cadernos de Educação, 54(1), 4-22., ao pensar na literatura de Clarice Lispector e na filosofia da Michel Foucault, afirma que “a criação de Clarice escapa ao julgamento moral, à serenidade de águas em um pretenso lago de posições dualistas. Mais do que isso, de construções ordenadas da vida, da linguagem, das coisas. Não se trata, obviamente, de uma aplicação da literatura à dos enunciados de uma determinada formação histórica. Trata-se, antes, do gesto anunciado (e praticado por Foucault), de indagar as coisas ditas, os enunciados, bem como as visibilidades, munindo-se de um olhar problematizador, dirigido às palavras e às coisas” (p. 17).
  • 8
    Clarice Lispector (1978)Lispector, C. (1978). Um sopro de vida: pulsações. Nova Fronteira. como Autor ao falar sobre Ângela Pralini, personagem principal do livro, afirma que “Para nunca morrer, Ângela prefere não existir” (p. 150).
  • 9
    Escrevo este ensaio em meio à pandemia de covid-19, doença causada pelo vírus Sars-Cov-2. Este acontecimento pandêmico desencadeou milhões de mortes mundo afora, sendo centenas de milhares destas no Brasil, e um número incontável de lutos. Teço mobilizações cartográficas acerca da pandemia de covid-19, com breves reflexões acerca de suas conexões com a de HIV/aids em Cartografias de vida-e-morte em territórios pandêmicos: marcas-ferida, necro-bio-políticas e linhas de fuga (Sales & Estevinho, 2021aSales, T. A., & Estevinho, L. F. D. (2021a). Cartografias de vida-e-morte em territórios pandêmicos: marcas-ferida, necro-bio-políticas e linhas de fuga. Revista M. Estudos sobre a morte, os mortos e o morrer, 6(11), 275-293. https://doi.org/10.9789/2525-3050.2021.v6i11.275-293.
    https://doi.org/10.9789/2525-3050.2021.v...
    ).
  • 10
    Falas de Suely Rolnik (2020)Rolnik, S. (2020). À escuta de futuros em germe. Conversa com a psicanalista e professora Suely Rolnik intitulada “À escuta de futuros em germe”, dentro do canal Agenciamentos Contemporâneos. https://www.youtube.com/watch?v=4yZRBY8eFXc&list=LL&index=80&t=1s&ab_channel=agenciamentos.
    https://www.youtube.com/watch?v=4yZRBY8e...
    presentes em À escuta de futuros em germe (acessado em 07/01/2021), live que aconteceu no dia 30 de agosto de 2020 no canal do YouTube Agenciamentos Contemporâneos.
  • 11
    Optei por não colocar as imagens das obras neste texto por questões relacionadas aos seus direitos autorais de reprodução. Mas é possível acessar o catálogo Sob o peso dos meus amores (2012) (acessado em 07/05/2021). As obras citadas estão, respectivamente, nas páginas 203 e 214.
  • 12
    Para saber mais sobre a vida de Leonilson e as influências do HIV e da aids em sua vida, indico assistir aos documentários A Paixão de JL <https://www.youtube.com/watch?v=0wXU30LD1Io&t=44s> e Leonilson, sob o Peso dos Meus Amores <https://www.youtube.com/watch?v=8TKHN2LcChA&t=311s>. Disponíveis na plataforma YouTube.
  • 13
    Guacira Louro (2001)Louro, G. L. (2001). Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação. Revista Estudos Feministas, 9(2), p. 541-553. traça uma breve genealogia da aids e de seus impactos nas políticas identitárias, fraturando-as em muitos momentos e produzindo outras possibilidades de experimentação dos encontros entre-pessoas, em redes solidárias, em afetos pela preservação da vida em seus momentos de maior vulnerabilidade, fragilidade e crise perante o adoecimento, estigma e invisibilidade social. Segundo a autora, a partir dos anos 1980, a aids: “Apresentada, inicialmente, como o ‘câncer gay’, a doença teve o efeito imediato de renovar a homofobia latente da sociedade, intensificando a discriminação já demonstrada por certos setores sociais. A intolerância, o desprezo e a exclusão – aparentemente abrandados pela ação da militância homossexual – mostravam-se mais uma vez intensos e exacerbados. Simultaneamente, a doença também teve um impacto que alguns denominaram de ‘positivo’, na medida em que provocou o surgimento de redes de solidariedade. O resultado são alianças não necessariamente baseadas na identidade, mas sim num sentimento de afinidade que une tanto os sujeitos atingidos (muitos, certamente, não-homossexuais) quanto seus familiares, amigos, trabalhadores e trabalhadoras da área da saúde, etc. As redes escapam, portanto, dos contornos da comunidade homossexual tal como era definida até então. O combate à doença também acarreta um deslocamento nos discursos a respeito da sexualidade – agora os discursos se dirigem menos às identidades e se concentram mais nas práticas sexuais (ao enfatizar, por exemplo, a prática do sexo seguro)” [ênfases no original] (Louro, 2001Louro, G. L. (2001). Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação. Revista Estudos Feministas, 9(2), p. 541-553., p. 545).
  • 14
    A zidovudina, também conhecido como AZT, foi um dos primeiros antirretrovirais aprovados e comercializados.
  • 15
    O intuito deste ensaio não é aprofundar nos aspectos biomédicos e históricos da epidemia de HIV/aids. Para mais informações sobre este trajeto cronológico da aids no Brasil e mundo, indico o capítulo “Marcos históricos da aids no Brasil e no mundo”, presente no livro Sentença de Vida, de Márcia Rachid (2020, pp. 118-127)Rachid, M. (2020). Sentença de vida: histórias e lembranças: a jornada de uma médica contra o vírus que mudou o mundo. Máquina de Livros..
  • 16
    Pode-se dizer que a aids tem sido, nos últimos anos, produzida e atualizada como um dispositivo crônico, em decorrência das mudanças biomédicas, assim como dos discursos e das práticas imbricados a partir delas. Sobre a aids como um dispositivo crônico, ver os trabalhos de Atílio Butturi Junior e Camila Lara (2018)Butturi Junior, A., & Lara, C. A. (2018). As narrativas de si e a produção da memória do hiv na campanha O cartaz HIV positivo. Linguagem em (Dis)curso – LemD, 18(2), 393-411. e Butturi Junior (2019)Butturi Junior, A. (2019). O HIV, o ciborgue, o tecnobiodiscursivo. Trabalhos em Linguística Aplicada, 58(2), 637-657..
  • 17
    Esta dimensão do naturalizado está intimamente relacionada com as pedagogias instauradas em torno da epidemia de HIV/aids ‒ imagens da soropositividade, do terror, do medo, do estigma, da morte – e as representações associadas. Neste ensaio, além de criticar estas imagens-representações entretecidas com o dispositivo, também busco infectá-las com possibilidades de fugas às instâncias naturalizantes ligadas às educações maiores.
  • 18
    Mobilizando estas instâncias do desejo, da experimentação corporal-sexual e da vida, me recordo do último parágrafo do – belíssimo! – texto O corpo utópico, de Foucault (2013)Foucault, M. (2013). O corpo utópico, as heterotopias (D. Defert, Posfácio, 2 ed.). n-1 Edições.: “Seria talvez necessário dizer também que fazer amor é sentir o corpo refluir sobre si, é existir, enfim, fora de toda utopia, com toda densidade entre as mãos do outro. Sob os dedos do outro que nos percorrem, todas as partes invisíveis de nosso corpo põem-se a existir, contra os lábios do outro os nossos se tornam sensíveis, diante de seus olhos semicerrados, nosso rosto adquire uma certeza, existe um olhar, enfim, para ver nossas pálpebras fechadas. O amor, também ele, como o espelho e como a morte, sereniza a utopia de nosso corpo, silencia-a, acalma-a, fecha-a como se numa caixa, tranca-a e a sela. É por isso que ele é parente tão próximo da ilusão do espelho e da ameaça da morte; e se, apesar dessas duas figuras perigosas que o cerca, amamos tanto fazer amor, é porque no amor o corpo está aqui” [ênfase no original] (p. 16).
  • 19
    “No momento das subjetividades proliferantes e do ocaso da política, é nos soropositivos que ele vislumbra uma abertura. É em suas lutas cotidianas e corporais por medicamentos menos tóxicos, em detrimento das lutas em nome de um sujeito universal e de um humano metafísico, que esses sujeitos informam sobre outra forma, digamos, pós-humana, de ser sujeito. No instante em que sua militância exige o limite da morte como experiência fundamental. No instante em que, em seu discurso e em seu corpo tecnomodificado, eles sugerem um “não” e solicitam, para si, a abertura para produzir formas de vida – e de pós-humanidade – paradigmáticas e ainda não inventadas” [ênfase no original] (Butturi Junior, 2019Butturi Junior, A. (2019). O HIV, o ciborgue, o tecnobiodiscursivo. Trabalhos em Linguística Aplicada, 58(2), 637-657., p. 652).
  • 20
    Utilizo “fazer morrer” inspirado em Foucault (2005)Foucault, M. (2005). Em defesa da sociedade. (M. E. de A. P. Galvão, Trad.). Martins Fontes. e nas noções de “fazer morrer e deixar viver”.
  • 21
    Para mobilizar as conexões entre vida e educação, sugiro a leitura do potente texto Estar Vivo: Aprender de Fernanda Rigue e Alice Dalmaso (2020)Rigue, F. M., & Dalmaso, A. C. (2020). Estar vivo: aprender. Criar Educação, 9(3), 130-147. http://dx.doi.org/10.18616/ce.v9i3.6354.
    https://doi.org/10.18616/ce.v9i3.6354...
    .
  • 22
    Teço outras mobilizações sobre memória e HIV/aids em The AIDS Memorial: histórias de amor, perdas e lembranças em pedagogias de afetos (Sales & Carvalho, 2021Sales, T. A., & Carvalho, D. F. (2021). “The AIDS Memorial”: histórias de amor, perdas e lembranças em pedagogias de afetos. Textura, 23(56), 168-196. https://doi.org/10.29327/227811.23.56-9.
    https://doi.org/10.29327/227811.23.56-9...
    ).
  • 23
    Mobilizo escritas acerca da potência da vida em relação ao HIV e à aids e em educações menores a partir de filmes nos textos: Carta para além dos muros biológicos: pistas de uma biologia menor e afetos possíveis com um documentário sobre HIV/aids (Sales & Estevinho, 2021bSales, T. A., & Estevinho, L. F. D. (2021b). Carta para além dos muros biológicos: pistas de uma biologia menor e afetos possíveis com um documentário sobre HIV/AIDS. Revista de Ensino de Biologia da SBEnBio, 14(1), 290-311. https://doi.org/10.46667/renbio.v14i1.484
    https://doi.org/10.46667/renbio.v14i1.48...
    ); 120 Batimentos por minuto: educações, currículos e o que pode um filme nos afetar em relação ao HIV/aids? (Sales, 2021bSales, T. A. (2021b). 120 Batimentos por Minuto: educações, currículos e o que pode um filme nos afetar em relação ao HIV/aids?. Diversidade & Educação, 9(1), 272–304. https://doi.org/10.14295/de.v9i1.12959.
    https://doi.org/10.14295/de.v9i1.12959...
    ); e Os ventos do Norte também podem mover moinhos? “Como sobreviver a uma praga” e respostas à epidemia de HIV/aids (Sales, 2021cSales, T. A. (2021c). Os ventos do Norte também podem mover moinhos? “Como sobreviver a uma praga” e respostas à epidemia de HIV/aids. Bagoas - Estudos Gays: Gêneros E Sexualidades, 14(22).).

Referências

  • Butturi Junior, A. (2019). O HIV, o ciborgue, o tecnobiodiscursivo. Trabalhos em Linguística Aplicada, 58(2), 637-657.
  • Butturi Junior, A., & Lara, C. A. (2018). As narrativas de si e a produção da memória do hiv na campanha O cartaz HIV positivo. Linguagem em (Dis)curso – LemD, 18(2), 393-411.
  • Daniel, H., & Parker, R. (2018). Aids: a terceira epidemia: ensaios e tentativas (2. ed.). ABIA, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS.
  • Deleuze, G. (1989). ¿Qué es un dispositivo? In E. Balibar, H., Dreyfus, G., & Deleuze et al., Michel Foucault, Filósofo (pp. 155-163). Gedisa.
  • Deleuze, G. (2002). A imanência: uma vida.... Educação & Realidade, 27(2), 10-18.
  • Deleuze, G. (2013). Conversações (P. P. Pelbart, Trad., 3. ed.). Ed. 34.
  • Deleuze, G., & Guattari, F. (2011). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia (Vol. I.). Ed. 34.
  • Deleuze, G., & Parnet, C. (1995). Abecedário de Gilles Deleuze (Filmado em 1988-1989). Éditions Montparnasse.
  • Deleuze, G., & Parnet, C. (1998). Diálogos Escuta.
  • Diaz, S. (2020). Contra-pedagogia do contágio. Ecos: Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 2 (10), 169-172.
  • Fischer, R. M. B. (2016). Clarice, Foucault: as palavras, as coisas, a experiência. Cadernos de Educação, 54(1), 4-22.
  • Foucault, M. (2005). Em defesa da sociedade (M. E. de A. P. Galvão, Trad.). Martins Fontes.
  • Foucault, M. (2013). O corpo utópico, as heterotopias (D. Defert, Posfácio, 2 ed.). n-1 Edições.
  • Foucault, M. (2014). O sujeito e o poder. In M. Foucault, Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade (pp. 118-140, Coleção Ditos e escritos. IX. Org: M. de B. Motta, Org., A. Chiquieri, Trad.). Forense Universitária.
  • Foucault, M. (2019). Microfísica do poder (R. Machado, Trad. e Org., 10 ed.). Paz & Terra.
  • Fundação Iberê Camargo. (2012). Leonilson - Sob o peso dos meus amores
  • Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 2(27), 169-178.
  • Inácio, E. (2016). Carga zerada: HIV/aids, discurso, desgaste, cultura. Via Atlântica, 1(29), 479-505.
  • Larrosa, J. (2004). A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Educação & Realidade, 29(1), 27-43.
  • Lispector, C. (1978). Um sopro de vida: pulsações Nova Fronteira.
  • Louro, G. L. (2001). Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação. Revista Estudos Feministas, 9(2), p. 541-553.
  • Melo, L. P. (2020). Aids, tempo e suas renitências: socialidades, emoções e políticas em uma rede social on-line. Cadernos de Campo, 29(2), 1-23. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i2pe179821.
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i2pe179821
  • Melo, L. P., Cortez, L. C. A., & Santos, R. P. (2020). Is the chronicity of HIV/AIDS fragile? Biomedicine, politics and sociability in an online social network. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 28, 1-8. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.4006.3298.
    » https://doi.org/10.1590/1518-8345.4006.3298
  • Ministério da Saúde. (2020). Boletim Epidemiológico: HIV/Aids I 2019, Brasília.
  • Oliveira, L. K., & Corrêa, G. C. (2020). Saúde e Educação: pistas de uma clínica da diferença. Criar Educação, 9(3), 33. http://dx.doi.org/10.18616/ce.v9i3.6128.
    » https://doi.org/10.18616/ce.v9i3.6128
  • Pelúcio, L., & Miskolci, R. (2009). A prevenção do desvio: o dispositivo da aids e a repatologização das sexualidades dissidentes. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, 1, 125-157.
  • Perlongher, N. (1985). AIDS: Disciplinar os poros e as paixões. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, 2(3). http://dx.doi.org/10.1590/s0102-64451985000400007.
    » https://doi.org/10.1590/s0102-64451985000400007
  • Perlongher, N. (1987). O que é AIDS (2. ed.). Brasiliense.
  • Preciado, P. B. (2018). Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica n-1 edições.
  • Rachid, M. (2020). Sentença de vida: histórias e lembranças: a jornada de uma médica contra o vírus que mudou o mundo Máquina de Livros.
  • Rigue, F. M., & Dalmaso, A. C. (2020). Estar vivo: aprender. Criar Educação, 9(3), 130-147. http://dx.doi.org/10.18616/ce.v9i3.6354.
    » https://doi.org/10.18616/ce.v9i3.6354
  • Rolnik, S. (2016). Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo Sulina, Editora da UFRGS.
  • Rolnik, S. (2018). Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada (2. ed.). n-1 Edições.
  • Rolnik, S. (2020). À escuta de futuros em germe Conversa com a psicanalista e professora Suely Rolnik intitulada “À escuta de futuros em germe”, dentro do canal Agenciamentos Contemporâneos. https://www.youtube.com/watch?v=4yZRBY8eFXc&list=LL&index=80&t=1s&ab_channel=agenciamentos.
    » https://www.youtube.com/watch?v=4yZRBY8eFXc&list=LL&index=80&t=1s&ab_channel=agenciamentos
  • Sales, T. A. (2020). Entre tesões, tensões e prevenções: HIV/Aids e contaminações com as obras de Adriana Bertini. ClimaCom, 7(19), 1-31.
  • Sales, T. A. (2021a). Entre vazios e cheios: cartografias da anorexia. ECOS: estudos contemporâneos da subjetividade, 11(2), 233-250.
  • Sales, T. A. (2021b). 120 Batimentos por Minuto: educações, currículos e o que pode um filme nos afetar em relação ao HIV/aids?. Diversidade & Educação, 9(1), 272–304. https://doi.org/10.14295/de.v9i1.12959.
    » https://doi.org/10.14295/de.v9i1.12959
  • Sales, T. A. (2021c). Os ventos do Norte também podem mover moinhos? “Como sobreviver a uma praga” e respostas à epidemia de HIV/aids. Bagoas - Estudos Gays: Gêneros E Sexualidades, 14(22).
  • Sales, T. A., & Carvalho, D. F. (2021). “The AIDS Memorial”: histórias de amor, perdas e lembranças em pedagogias de afetos. Textura, 23(56), 168-196. https://doi.org/10.29327/227811.23.56-9.
    » https://doi.org/10.29327/227811.23.56-9
  • Sales, T. A., & Estevinho, L. F. D. (2021a). Cartografias de vida-e-morte em territórios pandêmicos: marcas-ferida, necro-bio-políticas e linhas de fuga. Revista M. Estudos sobre a morte, os mortos e o morrer, 6(11), 275-293. https://doi.org/10.9789/2525-3050.2021.v6i11.275-293.
    » https://doi.org/10.9789/2525-3050.2021.v6i11.275-293
  • Sales, T. A., & Estevinho, L. F. D. (2021b). Carta para além dos muros biológicos: pistas de uma biologia menor e afetos possíveis com um documentário sobre HIV/AIDS. Revista de Ensino de Biologia da SBEnBio, 14(1), 290-311. https://doi.org/10.46667/renbio.v14i1.484
    » https://doi.org/10.46667/renbio.v14i1.484
  • Unaids. (2020). Estatísticas Mundiais sobre o Hiv: resumo informativo. https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2020/11/2020_11_19_UNAIDS_FactSheet_PORT_Revisada.pdf
    » https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2020/11/2020_11_19_UNAIDS_FactSheet_PORT_Revisada.pdf

Editado por

1
Editor responsável: Alexandre Filordi de Carvalho - https://orcid.org/0000-0003-4510-9440

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2021
  • Aceito
    11 Ago 2021
UNICAMP - Faculdade de Educação Av Bertrand Russel, 801, 13083-865 - Campinas SP/ Brasil, Tel.: (55 19) 3521-6707 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: proposic@unicamp.br