Acessibilidade / Reportar erro

Preparo de nanocompósitos de maghemita e polianilina assistido por ultrassom

Preparation of maghemite and polyaniline nanocomposites assisted by ultrasound

Resumos

O estudo de sistemas envolvendo nanopartículas de óxido de ferro e polianilina vem ganhando importância nos últimos anos. Entre esses trabalhos, ainda há um pequeno número de pesquisas que abordam o efeito da sonicação sobre o preparo desses híbridos. Assim, o presente trabalho teve como objetivo avaliar o efeito da sonicação sobre as propriedades de nanopartículas de maghemita revestidas com polianilina, via planejamento fatorial. Os materiais obtidos foram estudados por espectroscopia no infravermelho, difração de raios X e por análise termogravimétrica. As amostras também tiveram a resistividade elétrica e a força magnética investigadas. Os resultados obtidos demonstram que o aumento da potência de sonicação é capaz de produzir um considerável aumento da extensão do grau de dopagem, associado com a diminuição da resistividade das amostras. Por outro lado, a mesma potência de sonicação produziu a destruição de grande parte da maghemita presente, levando a menores forças magnéticas.

Dispersão ultrassônica; polimerização in situ; planejamento experimental


The study of systems constituted by iron oxide nanoparticles and polyaniline has increased in the last years. However, few studies are related to the sonication effect on the preparation of these hybrid materials. In this work the effect of sonication on the properties of maghemite/polyaniline hybrids was studied using experimental design techniques. The materials obtained were studied by infrared spectroscopy, X-ray diffraction and thermogravimetric analysis. Samples were also characterized by measuring the electric resistivity and by magnetic force tests. Obtained results show that the increase of the sonication power produces the increase of the doping process and the decrease of the electrical resistivity. The same sonication power produced the destruction of a large amount of the maghemite, leading to lower magnetic forces.

Ultrasonic dispersion; in situ polymerization; experimental design


ARTIGO TÉCNICO CIENTÍFICO

Preparo de nanocompósitos de maghemita e polianilina assistido por ultrassom

Preparation of maghemite and polyaniline nanocomposites assisted by ultrasound

Renata Cerruti da Costa; Fernando Gomes de Souza Junior

Laboratório de Biopolímeros e Sensores, Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fernando Gomes de Souza Junior Laboratório de Biopolímeros e Sensores, Centro de Tecnologia Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano - IMA Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Cidade Universitária Av. Horácio Macedo, 2030, Bl. J CEP 21941-598, Rio de Janeiro, RJ, Brasil e-mail: fernando_gomes@ima.ufrj.br

RESUMO

O estudo de sistemas envolvendo nanopartículas de óxido de ferro e polianilina vem ganhando importância nos últimos anos. Entre esses trabalhos, ainda há um pequeno número de pesquisas que abordam o efeito da sonicação sobre o preparo desses híbridos. Assim, o presente trabalho teve como objetivo avaliar o efeito da sonicação sobre as propriedades de nanopartículas de maghemita revestidas com polianilina, via planejamento fatorial. Os materiais obtidos foram estudados por espectroscopia no infravermelho, difração de raios X e por análise termogravimétrica. As amostras também tiveram a resistividade elétrica e a força magnética investigadas. Os resultados obtidos demonstram que o aumento da potência de sonicação é capaz de produzir um considerável aumento da extensão do grau de dopagem, associado com a diminuição da resistividade das amostras. Por outro lado, a mesma potência de sonicação produziu a destruição de grande parte da maghemita presente, levando a menores forças magnéticas.

Palavras-chave: Dispersão ultrassônica, polimerização in situ, planejamento experimental.

ABSTRACT

The study of systems constituted by iron oxide nanoparticles and polyaniline has increased in the last years. However, few studies are related to the sonication effect on the preparation of these hybrid materials. In this work the effect of sonication on the properties of maghemite/polyaniline hybrids was studied using experimental design techniques. The materials obtained were studied by infrared spectroscopy, X-ray diffraction and thermogravimetric analysis. Samples were also characterized by measuring the electric resistivity and by magnetic force tests. Obtained results show that the increase of the sonication power produces the increase of the doping process and the decrease of the electrical resistivity. The same sonication power produced the destruction of a large amount of the maghemite, leading to lower magnetic forces.

Keywords: Ultrasonic dispersion, in situ polymerization, experimental design.

Introdução

Entre os polímeros condutores, a polianilina[1] é um material investigado por diversos grupos no Brasil e no exterior que merece grande destaque devido ao baixo custo, facilidade de preparo, boa estabilidade ao ambiente, além de boa condutividade elétrica[2-7]. Além disso, a PAni pode se comportar como um polímero intrinsecamente magnético[8] e suas propriedades magnéticas são frequentemente melhoradas de modo extrínseco, via inserção de partículas magnéticas[9-11] na matriz condutora. Esses híbridos formados pela fração inorgânica confinada no polímero condutor combinam as vantagens dos materiais inorgânicos e orgânicos[9,10] e vem sendo cada vez mais estudados. Como exemplo, uma análise bibliométrica usando os termos polyaniline and maghemite (pesquisa feita em julho de 2013 no sítio http://www.sciencedirect.com) retorna, referente aos últimos dez anos, um total de 137 publicações. Destas, 43% estão concentradas nos últimos dois anos. Neste contexto, o nosso grupo já desenvolveu um processo para a modificação de nanopartículas de maghemita com polianilina dopada com DBSA[10]. Naquela ocasião, os materiais híbridos foram preparados por um processo de polimerização da anilina sob agitação mecânica, usando 8 e 25% em massa de nanopartículas de maghemita. As nanopartículas de maghemita usadas possuíam um diâmetro de cerca de 10nm e com força magnética de cerca de 14mN/g. O compósito contendo a maior quantidade (25% em massa) de nanopartículas apresentou força magnética e resistividade elétrica iguais a 8,0±0,2 mN/g e (2,4 ± 1,6)×102Ω.cm, respectivamente.

No presente trabalho estudamos, por meio de um planejamento experimental do tipo fatorial, o preparo de híbridos de maghemita e polianilina por meio de polimerização in situ assistida por ultrassom. Aqui a polianilina foi preparada usando o ácido clorídrico, que além de atuar como dopante da PAni, pode dissolver parcialmente a maghemita, funcionando como um desagregador das partículas. Além disso, foram testadas diferentes potências de sonicação para o preparo dos materiais, o que permitiu diminuir o tempo de polimerização, comparando com o trabalho anterior[10], em três vezes. Os materiais produzidos foram analisados por diversas técnicas, entre as quais merecem destaque a espectroscopia FTIR, a difração de raios X, a análise termogravimétrica e os testes de força magnética. Os resultados obtidos demonstram que o aumento da potência de sonicação é capaz de produzir um considerável aumento da extensão do grau de dopagem, associado com a diminuição da resistividade das amostras. Por outro lado, a mesma potência de sonicação produziu a destruição de grande parte da maghemita presente, levando a menores forças magnéticas. Assim, além da natureza inédita do trabalho, esse artigo contribui para o avanço do conhecimento sobre o preparo de híbridos que congreguem características magnéticas e condutoras.

Experimental

Materiais

Cloreto férrico (FeCl3), sulfito de sódio (Na2SO3), hidróxido de amônio (NH4OH), ácido clorídrico (HCl), ácido dodecilbenzenossulfônico (DBSA), persulfato de amônio (APS) e anilina (Ani) foram fornecidos pela Vetec (Rio de Janeiro, Brasil). Todos os reagentes foram utilizados como recebidos.

Síntese de maghemita

A maghemita foi preparada por coprecipitação homogênea, seguindo o procedimento descrito em trabalhos anteriores do grupo[12,13]. Em um procedimento típico, 30 mL de solução de FeCl3 (2 mol.L - 1), 20 mL de Solução de Na2SO3 (1 mol.L - 1) e NH4OH concentrado (1,4 mol.L - 1) foram dissolvidos em 900 mL de água. Após a mistura dos reagentes, surgiu um precipitado de coloração escura. O sobrenadante foi descartado e o precipitado foi lavado com água destilada. O procedimento foi repetido várias vezes até pH 7. O precipitado foi filtrado e seco à temperatura ambiente. Em seguida, a fim de converter magnetita em maghemita, o precipitado foi submetido a tratamento térmico a 200 °C durante 1 hora.

Síntese da PAni e dos compósitos magnéticos

A polianilina foi preparada segundo procedimento descrito em trabalhos anteriores do grupo[2,14]. Em um procedimento típico, 5,4×10 - 2 mol de anilina foram adicionados, sob agitação magnética, a uma solução aquosa de HCl 1 mol.L - 1. O meio foi resfriado com o auxílio de um banho de gelo e mantido sob agitação constante. Em seguida, 5,4×10 - 2 mol de APS, dissolvidos em 10 mL de uma solução aquosa de HCl 1 mol.L - 1, foram lentamente gotejados sobre a solução ácida contendo o sal de anilina. As condições de polimerização foram mantidas por 2 horas. Após esse tempo, a dispersão foi alcalinizada com o auxílio de 40mL de hidróxido de amônio concentrado. O precipitado foi filtrado, lavado com água deionizada e seco sob vácuo dinâmico, a temperatura ambiente por 48 horas. As amostras obtidas foram dopadas em solução com DBSA na proporção em massa de 1:1 do ácido para o compósito. Já a síntese da PAni na presença das partículas de maghemita, seguiu um planejamento fatorial, onde foram testadas diferentes quantidades de maghemita e diferentes potências de sonicação. Para isso foi utilizado um disruptor ultra-sônico, marca UNIQUE, com frequência de operação igual 19 kHz e potência máxima de 500 W. As condições usadas são mostradas na Tabela 1.

Os níveis inferiores ( - ), intermediários (0) e superiores (+) da quantidade de matéria da maghemita e da potência de sonicação foram iguais a 3,13×10 - 3 mols, 4,70×10 - 3 mols e 6,26×10 - 3 mols e 1,0g e 250W, 375W e 500W, respectivamente. O precipitado foi filtrado, lavado com água deionizada e seco sob vácuo dinâmico, a temperatura ambiente por 48 horas. As amostras obtidas também foram dopadas em solução com DBSA na proporção em massa de 1:1 do ácido para o compósito.

Caracterização dos materiais

Infravermelho com transformada de Fourier (FTIR)

Os espectros das amostras foram obtidos em um equipamento FTIR - Nicolet iN10, usando o acessório de reflexão total atenuada (ATR) equipado com cristal de seleneto de zinco. Os parâmetros utilizados foram: resolução de 4 cm - 1, com reflexão de fundo (corrida sem amostra) coletada antes de cada amostra, na faixa entre 4000 a 675 cm - 1 e as amostras analisadas na forma de pó. Todos os espectros obtidos encontram-se no formato de absorbância.

Difração de Raios X (DRX)

Os testes de difração de raios (DRX) foram feitos em um difratômetro de raios X da marca Rigaku, modelo Miniflex. O método utilizado foi FT, a um passo angular de 0,05°, na faixa de 2θ entre 10° a 80°, com tempo de aquisição em cada ponto de 1,0s.

Análise Termogravimétrica (TGA)

Os materiais obtidos foram caracterizados por TGA no equipamento TA Q500 usando velocidade de aquecimento de 20 °C/min, no intervalo de 30 °C até 700 °C sob atmosfera de nitrogênio com fluxo de 150 cm3/min.

Força magnética (FM)

A FM dos materiais vem sendo usada como parâmetro de avaliação de propriedades de materiais magnetizáveis em diversos trabalhos do nosso grupo[12,13,15,16]. O sistema utilizado para obtenção da força magnética como função do campo magnético foi desenvolvido pelo grupo e consiste em um sistema simples composto por eletroímã; uma balança analítica SHIMADZU AY22; um porta-amostra em teflon, com volume de amostragem igual a 1,76cm3; uma fonte de tensão ICEL PS4100, um amperímetro ICEL MD-6450 e um gaussímetro TEMPT-HALL-02. A corrente do circuito foi ajustada para 0,90A, o que produziu um campo magnético sobre as amostras igual a 650G. Esse campo magnético produziu uma variação de massa aparente da amostra. A partir deste ponto, considerando a aceleração da gravidade (g) igual a 9,81m/s² e conhecendo a massa de maghemita (mi) presente na amostra, é possível encontrar a força magnética (Fm) normalizada pela massa da amostra, segundo a Equação 1.

Resistividade Elétrica

Para a determinação da resistividade foi usado o método dos dois eletrodos, conforme procedimento comumente utilizado pelo grupo[2,10,17]. Para isso, as amostras foram colocadas entre os dois eletrodos. Uma tensão elétrica de 0,2V foi gerada entre esses eletrodos, o que permitiu determinar a corrente que atravessou a amostra e calcular a resistividade dos materiais. Os testes de resistividade foram feitos com o auxílio de um eletrômetro Keithley 6517B. A espessura das amostras foi determinada com o auxílio de paquímetro Digimess. Os dados de resistência elétrica, tomados ao longo de dois minutos de experimento, foram armazenados e usados para o cálculo da resistividade.

Espectroscopia na região do UV-visível (UV-Vis)

Os espectros de UV-Vis para os compósitos, maghemita e polianilina pura foram obtidos por meio de dispersão das amostras em tolueno. As análises foram feitas com o auxílio de um espectrofotômetro VARIAN modelo CARY100, na faixa de 330 a 900nm, com resolução de 1nm.

Resultados e Discussão

Um resultado de natureza qualitativa foi obtido por meio da simples observação das amostras. Enquanto a maghemita apresentou coloração castanha, foi possível notar a coloração verde característica da PAni[2,10,17] no compósito, o que serve como um indicativo da obtenção de polianilina sobre as partículas de maghemita.

Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR)

O principais resultados de FTIR são mostrados na Figura 1.


O espectro da maghemita (Figura 1a) apresenta três bandas características. A primeira, em 3400 cm - 1 correspondente ao estiramento O-H do FeOH. A segunda e a terceira, em 630 e 550cm - 1 são atribuídas ao estiramento Fe-O das fases γ-Fe2O3e α-Fe2O3, respectivamente, enquanto que a banda que aparece em 1632cm - 1 está relacionada à presença de água estrutural[18].

A Figura 1 também mostra o espectro FTIR do compósito obtido segundo a condição 1 (Figura 1b) e da PAni (Figura 1c), mostrada na Tabela 1. As bandas características da polianilina apresentam absorções associadas ao DBSA em 2850 cm - 1, em 1500 e 1600 cm - 1 referentes as unidades benzenóides e quinódes do polímero[2,17]. A banda larga e intensa em 1300cm - 1 é associada ao grupo SO3 e em 1150 cm - 1 correspondente a vibração do grupo N=C do anel quinóide[19]. Conforme exemplificado pela Figura 1, todos os espectros dos compósitos apresentaram grande semelhança com a PAni e o aparecimento de bandas características da PAni em 1500 e 1600cm - 1, indica que o processo de polimerização na superfície das partículas foi bem sucedido.

Difração de Raios X (DRX)

Os principais resultados de DRX são mostrados na Figura 2.


O difratograma de raios X da maghemita é mostrado na Figura 2a. Foram observados os picos de difração característicos da maghemita em 30,2°, 35,6°, 43,3°, 53,3°, 57,3° e 62,9° correspondentes aos planos cristalinos (220), (311), (400), (422), (511) e (440) de uma estrutura do tipo espinélio em célula ortorrômbica[10,12]. Em relação às dimensões das partículas de maghemita, a equação de Scherrer (Equação 2) permite calcular o diâmetro da partícula de maghemita[12,20].

Na Equação 2, K é uma constante (igual a 1), Lc é o tamanho do cristalito, λ é o comprimento de onda, β é a largura a meia altura e θ o ângulo. Para a maghemita, o pico associado com o diâmetro das partículas é o correspondente ao plano (311)[12,18,20]. O resultado obtido permitiu calcular, com um R2 igual a 0.9653, que o tamanho médio das partículas de maghemita é igual a (7±1) nm.

A Figura 2b mostra o difratograma do compósito preparado segundo a condição 1 da Tabela 1. Todos os compósitos apresentaram padrões de difração semelhantes ao do material mostrado na Figura 2b. Neste difratograma ainda é possível perceber a presença dos picos característicos da maghemita, entre os quais, o de melhor resolução é o pico característico do plano (311). O tamanho médio do cristalito foi calculado, com um R2 igual a 0.9439. O resultado médio é igual a (9±1) nm. Esse resultado é estatisticamente igual ao da maghemita, indicando que a maghemita residual mantém características similares as das nanopartículas originais. Por sua vez, o difratograma da PAni é mostrado na Figura 2c. Este difratograma é típico da estrutura cristalina pseudo-ortorrômbica da polianilina sintetizada quimicamente[21]. Os picos observados em 2θ = 18,2° e 25,2° correspondem aos planos (001) e (110), respectivamente.

Análise Termogravimétrica (TGA)

As análises termogravimétricas das amostras mais representativas são mostradas na Figura 3.


Entre as amostras testadas, a maghemita apresentou a maior estabilidade térmica, seguida pelos compósitos e pela PAni, respectivamente. Os nanocompósitos, representados na Figura 3b pelo material preparado segundo a condição 1 da Tabela 1, apresentam perfis de degradação que mesclam as características dos componentes puros. Todas as curvas termogravimétricas dos compósitos mostraram três processos de perda de massa, cujas taxas máximas ocorrem ao redor de 84±10 °C, 287±5 °C e 442±3 °C, respectivamente. O primeiro processo está relacionado a perda de voláteis provenientes da polimerização e de água. Por sua vez, o segundo processo de perda de massa está relacionado à eliminação de dopante enquanto o terceiro é referente à degradação da cadeia da PAni[22]. As análises termogravimétricas também foram usadas para estimar, por interpolação, a quantidade final de maghemita presente nos compósitos. Os resultados são mostrados na Tabela 2.

Todos os materiais híbridos apresentaram uma elevada perda de maghemita durante o preparo. Essa perda de massa é relacionada à solubilidade relativa das partículas em ácido clorídrico[23], potencializada pelo efeito dispersivo altamente energético do ultrassom. Esses valores de perda foram usados para o cálculo dos efeitos da quantidade de maghemita e da potência de sonicação sobre a perda de maghemita. O modelo testado levou em consideração a curvatura, a quantidade de maghemita, a potência de sonicação e o efeito combinado entre os fatores estudados. Os efeitos calculados são mostrados na Tabela 3.

Entre os efeitos individuais e os combinados mostrados na Tabela 3, apenas a quantidade de maghemita apresenta resultado estatisticamente significativo (p<0,05). Portanto, entre os fatores estudados, apenas a quantidade de maghemita presente inicialmente sobre o sistema apresentará impacto sobre a quantidade final. Assim, de acordo com a análise estatística, quanto maior a quantidade de maghemita inicialmente presente no sistema, maior será a perda de massa ao longo do processo de sonicação. Isso é devido a maior facilidade de formação dos complexos de ferro III e de ferro II, decorrente da maior concentração do óxido de ferro, acelerada pelas elevadas potências de sonicação utilizadas. Desta forma, o uso simultâneo da solução de HCl e do ultrassom, inicialmente planejado como uma forma de garantir e de aumentar a presença de monodomínios magnéticos, causou um efeito desagregador das partículas muito mais intenso do que o inicialmente planejado.

Força Magnética (FM)

Os resultados de FM obtidos sob campo magnético igual a 650 Gauss foram selecionados para a análise. Os valores de força magnética foram normalizados pela massa de maghemita presente em cada amostra, previamente obtidos por ATG. Os valores normalizados também são mostrados na Tabela 2. Entre as amostras analisadas, os menores e maiores valores de força magnética, iguais a 0,22±0,01 mN/g e 34,68±0,33 mN/g (@ 650 Gauss), foram apresentados pela PAni e pela maghemita, respectivamente. Por sua vez, os compósitos apresentaram forças magnéticas muito próximas, cujo valor médio é igual a 9,1±0,7 mN/g (@ 650 Gauss). Como grande parte da maghemita inicialmente presente no sistema foi destruída e as quantidades finais de maghemita são muito próximas (valor médio igual a 27±2 % de maghemita nos compósitos), a análise do efeito dos fatores estudados sobre a força magnética, além da média, não apresentou nenhum resultado estatisticamente significativo. Esse valor médio é muito similar ao resultado encontrado para o híbrido maghemita-PAni.DBSA contendo 25% de maghemita, preparado por meio de agitação convencional e reportado em um trabalho anterior do grupo[10], o que está em pleno acordo com a hipótese da destruição de parte da maghemita produzida pelo ultrassom. Os valores calculados para os efeitos também são mostrados na Tabela 3. Este resultado está em pleno acordo com o resultado termogravimétrico, corroborando a hipótese de que as elevadas potências de sonicação utilizadas destroem considerável parte da maghemita presente no sistema.

Resistividade Elétrica

A Tabela 2 também apresenta os valores de resistividade elétrica dos materiais preparados. Entre as amostras testadas, a maghemita apresentou o maior valor de resistividade, igual a (1,69±0,08)x106Ω.cm. Por outro lado, a Pani apresentou, conforme o esperado, o menor valor de resistividade, igual a (1,9±0,3)x102Ω.cm, sendo portanto, o material de maior condutividade elétrica entre os testados. Já os compósitos apresentaram valores de resistividade superiores aos da PAni. Isso é provavelmente devido à interação menos eficiente entre os cátions Fe(II) e Fe(III) e a PAni[24,25], produzindo a observada diminuição da condutividade. A análise do efeito dos fatores estudados sobre a condutividade dos compósitos é mostrada na Tabela 3.

Os resultados apresentados na Tabela 3 permitem inferir que, além da média, apenas o efeito combinado entre os fatores concentração de maghemita e potência de sonicação (1 por 2) apresenta resultado estatisticamente significativo (p<0,05). O efeito combinado apresentou valor negativo, indicando que a atuação conjunta desses fatores provoca uma diminuição da resistividade observada. Também é importante destacar que, embora não sendo estatisticamente relevante, o efeito da potência de sonicação apresentou um valor de p relativamente baixo (p=0,077). Isso que permite uma análise, ao menos qualitativa, de sua influência sobre a resistividade. Essa análise qualitativa indica que o aumento da potência de sonicação produz uma diminuição da resistividade dos materiais estudados, o que, do ponto de vista tecnológico, pode ser um importante fator para produzir aumentos de condutividade de maneira fácil e ecologicamente amigável nesse tipo de sistema.

Espectroscopia na região do UV-visível (UV-Vis)

O UV-Vis é um dos principais métodos para a caracterização da polianilina[26]. Em seus espectros são comuns o aparecimento de três bandas. A primeira delas aparece ao redor de 350 nm (normalmente atribuído à transição das ligações π→π* dos anéis benzenóides). Já as outras bandas surgem nas faixas de 400-420 e 750-800 nm (atribuídas ao polaron-π* e ao polaron-π, respectivamente)[2,19]. Os espectros das soluções da PAni e dos compósitos possuem perfis semelhantes, apresentando três bandas de absorção: A primeira, ao redor de 350 nm é atribuída à transição π-π* dos anéis benzenóides; a segunda, em 500 nm; e a terceira em 790 nm, são atribuídas à presença de polarons formados pela protonação[26]. Entre essas bandas, a razão entre a intensidade das localizadas ao redor de 825 nm e 320 nm, é um indicativo do grau de dopagem (ver Equação 3) da PAni.H2SO4[2].

Na Equação 3, B2 é o valor máximo de absorção próximo ao comprimento de onda ao redor de 800 nm, B1 é o valor máximo de absorção próximo ao comprimento de onda em 350 nm e EDP é a estimativa de extensão da dopagem. Os valores da estimativa de extensão da dopagem (EDP) calculados para os materiais preparados também são mostrados na Tabela 2. Entre os resultados mostrados na Tabela 2, os mais próximos a 1 indicam a presença de maior quantidade de polarons provenientes da protonação da polianilina[2]. Os valores das razões obtidas nas EDPs estão muito próximos para todas as amostras dos compósitos, com exceção do primeiro caso, onde a potência de sonicação e a quantidade de maghemita são máximas. Este resultado está em completa concordância com os resultados de resistividade anteriormente discutidos, sugerindo que essa condição gerou o material com a maior concentração de polarons e, consequentemente, de maior condutividade.

A análise dos efeitos dos fatores estudados sobre a estimativa do grau de extensão de dopagem da PAni e dos compósitos também é mostrada na Tabela 3. Os resultados da análise estatística mostram que a quantidade de maghemita, a potência de sonicação e o efeito combinado apresentam influências estatisticamente significativas e positivas sobre a EDP. Isso significa que o aumento do nível usado desses fatores produz um aumento dos transportadores de carga disponíveis, aumentando a condutividade das amostras.

O fato dos modelos usados para o estudo da resistividade e da EDP apresentarem correlações muito elevadas, iguais a 0,95165 e 0,99076, respectivamente, torna possível a construção de superfícies de resposta que são úteis para a interpretação dos resultados. A Figura 4 mostra as superfícies de resposta da resistividade e da EDP das amostras estudadas.


É possível observar que as superfícies de resposta apresentam resultados opostos, de modo que as condições que geram os maiores resultados de EDP apresentam as menores resistividades. Assim, como todos os compósitos apresentaram forças magnéticas semelhantes, entre as condições testadas, a mais adequada ao uso em dispositivos sensores é a que apresenta os menores resultados de resistividade, decorrentes do maior grau de dopagem. Essa condição foi obtida com o uso da maior potência de sonicação e da maior quantidade de maghemita.

Conclusões

Materiais híbridos que combinam as características condutoras e magnéticas de seus constituintes foram produzidos com o auxílio de ultrassom. Os resultados obtidos demonstraram que a elevada potência de sonicação produziu a destruição de parte considerável das nanopartículas magnetizáveis, o que levou a redução da força magnética para níveis equivalentes aos esperados para o resíduo magnetizável presente. Por outro lado, a análise estatística demonstrou que o aumento da potência de sonicação foi capaz de produzir um considerável aumento da extensão do grau de dopagem, associado com a diminuição da resistividade das amostras híbridas, o que demonstra que a sonicação é uma ferramenta poderosa - e ainda pouco explorada, conforme comprovado pela análise bibliométrica - para o preparo dos híbridos aqui estudados.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq, à CAPES e CAPES-NANOBIOTEC, à FINEP PRESAL Ref.1889/10 e à FAPERJ, pelo apoio financeiro e bolsas de estudos.

Enviado: 13/04/13

Reenviado: 24/07/13

Aceito: 12/09/13

  • 1. Letheby, H. - J. Chem. Soc., 15, p.161 (1862). http://dx.doi.org/10.1039/js8621500161
  • 2. Souza Junior, F. G.; Paiva, L. O.; Michel, R. C. & Oliveira, G. E. - Polímeros, 21, p.39 (2011).
  • 3. Galiani, P. D.; Malmonge, J. A.; Dos Santos, D. P. & Malmonge, L. F. - Polímeros, 17, p.93 (2007).
  • 4. Müller, F.; Ferreira, C. A.; Amado, F. D. R. & Rodrigues, M. A. S. - Polímeros, 21, p.259 (2011). http://dx.doi.org/10.1590/S0104-14282011005000053
  • 5. Travain S. A., Bianchi, R. F.; Colella, E. M. L.; De Andrade, A. M. & Giacometti, J. A. - Polímeros, 17, p.334 (2007). http://dx.doi.org/10.1590/S0104-14282007000400014
  • 6. Araujo, J. R.; Adamo, C. B. & De Paoli, M.-A. - Chem. Eng. J., 174, p.425 (2011). http://dx.doi.org/10.1016/j.cej.2011.08.050
  • 7. Siddaramaiah, Souza Junior, F. G.; Soares, B. G.; Parameswara, P. & Somashekar, R. - J. Appl. Polym. Sci., 116, p.673 (2010).
  • 8. Elamin, A. M.; Liu, Z, L. & Yao, K. L. - Acta Phys. Sin. Overseas Ed., 7, p.458 (1998). http://dx.doi.org/10.1088/1004-423X/7/6/008
  • 9. Li, Y.; Huang, Y.; Qi, S.; Niu, L.; Zhang, Y. & Wu, Y. - Appl. Surf. Sci., 258, p.3659 (2012). http://dx.doi.org/10.1016/j.apsusc.2011.12.001
  • 10. Souza, F.; Marins, J.; Pinto, J.; de Oliveira, G.; Rodrigues, C. & Lima, L. - J. Mater. Sci., 45, p.5012 (2010). http://dx.doi.org/10.1007/s10853-010-4321-y
  • 11. Barakat, N. A. M. - J. Mater. Sci., 47, p.6237 (2012). http://dx.doi.org/10.1007/s10853-012-6543-7
  • 12. Pereira, E. D.; Souza Junior, F. G.; Soares, D. Q. P.; Santana, C. I.; Lemos, A. & Menezes, L. - Polym. Eng. Sci. (2013). In press.
  • 13. Souza Junior, F. G.; Oliveira, G. E. & Lopes, M. C. - "Nat. Polym. Biopolym. Biomater. Their Compos. Blends IPNs - CRC Press Book", 1st ed., p. 370, Apple Academic Press, Inc. (2012).
  • 14. Souza Junior, F. G. & Varela, A. - Programar - Rev. Port. Progr., 34, p.32 (2012).
  • 15. Varela, G. E.; Lopes, A.; Delazare, M. C.; Oliveira, T. & Souza Junior, F. G. - "Oil Prod. Consum. Environ. Impact Nova Science Publishers", p.7, Shuangning Xiu, New York (2012). PMid:22714839.
  • 16. Lopes, M. C.; Souza Junior, F. G. & Oliveira, G. E. - Polímeros, 20, p.359 (2010). http://dx.doi.org/10.1590/S0104-14282010005000054
  • 17. Souza Junior, F. G.; Picciani, P. H. S.; Rocha, E. V. & Oliveira, G. E. - Polímeros, 20, p.377 (2010).
  • 18. Pereira, E. D. - "Síntese, Preparo e Caracterização de Nanocompósito PLGA/Maghemita Pra a Liberação Controlada de Cotrimoxazol", Universidade Federal do Rio de Janeiro (2012).
  • 19. Souza Junior, F. G.; Oliveira, G. E.; Anzai, T.; Richa, P.; Cosme, T.; Nele, M.; Rodrigues, C. H. M.; Soares, B. G. & Pinto, J. C. - Macromol. Mater. Eng., 294, p.739 (2009).
  • 20. Grance, E. G. O.; Souza Junior, F. G.; Varela, A.; Pereira, E. D.; Oliveira, G. E. & Rodrigues, C. H. M. - J. Appl. Polym. Sci. (2012).
  • 21. Souza Junior, F. G.; Orlando, M. T. D.; Michel, R. C.; Pinto, J. C.; Cosme, T. & Oliveira, G. E. - J. Appl. Polym. Sci., 119, p.2666 (2011).
  • 22. Maia, D. J.; De Paoli, M.-A.; Alves, O. L.; Zarbin, A. J. G. & Das Neves, S. - Quím. Nova, 23, p.204 (2000). http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422000000200011
  • 23. Sidhu, P. S.; Gilkes, R. J.; Cornell, R. M.; Posner, A. M. & Quirk, J. P. - Clays Clay Miner., 29, p.269 (1981). http://dx.doi.org/10.1346/CCMN.1981.0290404
  • 24. Izumi, C. M. S.; Rodrigues, D. C. & Temperini, M. L. A. - Synth. Met., 160, p.2552 (2010). http://dx.doi.org/10.1016/j.synthmet.2010.10.004
  • 25. Vinodh Kumar, S.; Mukherjee, S.; Krishna, J. B. M.; Das, D. & Saha, A. - J. Appl. Polym. Sci., 114, p.2792 (2009). http://dx.doi.org/10.1002/app.30715
  • 26. Souza Junior, F. G. & Soares, B. G. - Polym. Test., 25, p.512 (2006).
  • Endereço para correspondência:
    Fernando Gomes de Souza Junior
    Laboratório de Biopolímeros e Sensores, Centro de Tecnologia
    Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano - IMA
    Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
    Cidade Universitária
    Av. Horácio Macedo, 2030, Bl. J
    CEP 21941-598, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 2013
    • Aceito
      12 Set 2013
    • Revisado
      24 Jul 2013
    Associação Brasileira de Polímeros Rua São Paulo, 994, Caixa postal 490, São Carlos-SP, Tel./Fax: +55 16 3374-3949 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: revista@abpol.org.br