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Análise por FT-IR (UATR e PAS) de microbicidas em filmes poliméricos de tintas comerciais

Analysis by FT-IR techniques (UATR and PAS) of microbicides in polymeric films of commercial paints

Resumos

Este trabalho mostra a avaliação de duas técnicas de espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FT-IR), Universal Reflexão Total Atenuada (UATR) e Detecção Fotoacústica (PAS), para a caracterização dos microbicidas, OIT, carbendazim e diuron, mais comuns em tintas acrílicas imobiliárias, levando-se em conta as características de cada técnica de análise de superfície tal como a profundidade de amostragem, sob o aspecto qualitativo. A análise PAS, utilizando-se a velocidade de 0,20 cm.s- 1, mostrou-se a única adequada ao estudo. A presença dos microbicidas na película de tinta seca foi, também, confirmada por meio de análises microbiológicas e HPLC.

Tintas; microbicidas; FT-IR; UATR; PAS


This paper shows the evaluation of two Fourier transform infrared spectroscopy techniques (FT-IR), Universal Attenuated Total Reflection (UATR) and Photoacoustic Detection (PAS), for the characterization of the microbicides OIT, carbendazim and diuron, which are used in acrylic paint formulations. We considered the characteristics of each surface analysis technique, such as sampling depth. The PAS analysis, using the speed of 0.20 cm.s- 1, proved to be the only technique suitable for the study. The presence of the referred microbicides in the dried paint film was also confirmed by microbiological and HPLC analyses.

Paint; microbicides; FT-IR; UATR; PAS


Análise por FT-IR (UATR e PAS) de microbicidas em filmes poliméricos de tintas comerciais

Analysis by FT-IR techniques (UATR and PAS) of microbicides in polymeric films of commercial paints

Ricardo PedroI; Rita de Cássia Lazzarini DutraI; Jeferson José MoraesII; Milton Faria DinizIII; Elizabeth da Costa MattosIII

IInstituto Tecnológico da Aeronáutica - ITA

IIDow Brasil S.A., São Paulo, SP

IIIDivisão de Química - AQI, Instituto de Aeronáutica e Espaço - IAE

Autor para correspondencia Autor para correspondência: Rita de Cássia Lazzarini Dutra Divisão de Química – AQI Instituto de Aeronáutica e Espaço – IAE Av. Marechal do Ar Eduardo Gomes, 50, Vila das Acácias CEP 12228-904, São José dos Campos, SP, Brasil e-mail: ritarcld@iae.cta.br

RESUMO

Este trabalho mostra a avaliação de duas técnicas de espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FT-IR), Universal Reflexão Total Atenuada (UATR) e Detecção Fotoacústica (PAS), para a caracterização dos microbicidas, OIT, carbendazim e diuron, mais comuns em tintas acrílicas imobiliárias, levando-se em conta as características de cada técnica de análise de superfície tal como a profundidade de amostragem, sob o aspecto qualitativo. A análise PAS, utilizando-se a velocidade de 0,20 cm.s - 1, mostrou-se a única adequada ao estudo. A presença dos microbicidas na película de tinta seca foi, também, confirmada por meio de análises microbiológicas e HPLC.

Palavras-chave: Tintas, microbicidas, FT-IR, UATR, PAS.

ABSTRACT

This paper shows the evaluation of two Fourier transform infrared spectroscopy techniques (FT-IR), Universal Attenuated Total Reflection (UATR) and Photoacoustic Detection (PAS), for the characterization of the microbicides OIT, carbendazim and diuron, which are used in acrylic paint formulations. We considered the characteristics of each surface analysis technique, such as sampling depth. The PAS analysis, using the speed of 0.20 cm.s - 1, proved to be the only technique suitable for the study. The presence of the referred microbicides in the dried paint film was also confirmed by microbiological and HPLC analyses.

Keywords: Paint, microbicides, FT-IR, UATR, PAS.

Introdução

Materiais de recobrimento, como as tintas, contêm água, dispersões poliméricas, pigmentos, cargas, modificadores reológicos, aditivos e outros ingredientes. São, potencialmente, suscetíveis ao ataque microbiológico no seu estado úmido e precisam ser preservados com produtos químicos, denominados microbicidas, popularmente designados biocidas, atuando neste caso, especificamente, como preservantes ou conservantes[1]. Atualmente, recobrimentos arquitetônicos interiores são os materiais com maiores demandas e restrições ambientais e toxicológicas para os preservantes, e isso explica porque tão poucas moléculas são usadas para a preservação de tintas e em tão baixas concentrações quanto possível, geralmente <1%[2].

Os microbicidas são produtos incorporados às tintas, cuja função é protegê-las, tanto no estado úmido quanto no estado seco, visando à inibição do crescimento de microrganismos (ou sua morte), garantindo maior durabilidade às tintas e aos filmes secos[1,3,4]. São classificados conforme seu uso, sendo conhecidos como fungicidas, bactericidas e algicidas. Existem no mercado cerca de 250 diferentes microbicidas, destinados à proteção da tinta na lata e do filme aplicado[5]. Os fungicidas 2-methoxicarbonilamino-benzimidazol (carbendazim), 2-N-octil-4-isotiazolin-3-ona (OIT) e o algicida N'-(3,4-diclorofenil)-N,N-dimetilurea (diuron) são os microbicidas mais populares no mercado brasileiro para a preservação do filme seco.

Devido a sua alta toxicidade para fungos, o OIT é usado, principalmente, como um fungicida para tintas, madeiras, adesivos, couros, etc. Nos casos em que uma proteção mais completa é necessária, como em tintas exteriores ou mesmo tintas interiores em zonas litorâneas ou de alta umidade, faz sentido combinar o OIT com outro fungicida, sendo o carbendazim um dos mais usados. Ainda com a necessidade de uma preservação mais completa, o diuron é aditivado nas tintas para conferir-lhes proteção contra algas. As baixas volatilidade, solubilidade em água, ecotoxicidade e boas propriedades toxicológicas fazem destes microbicidas excelentes opções em tintas imobiliárias, como ressaltam Castro et al.[6].

Para serem efetivos, os microbicidas devem ser estáveis na formulação da tinta e no filme formado por esta, após sua aplicação no substrato, o que justifica o desenvolvimento de métodos analíticos que analisem a concentração destes ativos, tanto na lata quanto no filme seco. As técnicas instrumentais são importantes dentro da indústria de tintas, pois fornecem informações úteis para a pesquisa de novas formulações, bem como para o controle de qualidade da produção das formulações já estabelecidas.

Entre as técnicas instrumentais aplicáveis à análise de tintas e/ou seus constituintes, destaca-se a espectroscopia FT-IR. Basicamente, todos os compostos orgânicos e inorgânicos usados na indústria de tintas podem ser analisados por FT-IR, por exemplo, as resinas, pigmentos, cargas, solventes e, também, os aditivos[7]. O espectro IR das tintas é constituído, predominantemente, pelas bandas dos polímeros aglutinantes, porém cargas como o carbonato de cálcio e dióxido de titânio podem produzir bandas intensas na região de 1500-1400 cm-1 e abaixo de 800 cm-1, respectivamente. A técnica mais comum de análise de superfície de filmes é a reflexão total atenuada (ATR), sendo usada para a análise de tintas líquidas e filmes secos[8,9]. Alguns componentes presentes em tintas comerciais, no entanto, não podem ser analisados, diretamente, pelo uso de técnicas de FT-IR, devido as suas bandas características serem sobrepostas pelas absorções dos demais componentes, estes últimos, muitas vezes, presentes em altas concentrações. Esta limitação se torna ainda mais relevante quando os analitos estão presentes em concentrações, extremamente baixas, caso dos microbicidas usados em tintas. A eficácia do microbicida é função de sua concentração na formulação da tinta em seu estado úmido e seco e pode ser medida por metodologias de análises microbiológicas específicas para análises de tintas[10,11].

A literatura FT-IR enfatiza que na análise de sistemas com vários componentes há fatores a serem considerados: influência da técnica de preparação e abertura da amostra[12,13]; a técnica de obtenção do espectro, única ou acoplada[14-16]; a análise de grupos funcionais característicos ou a consulta à base de dados, onde é possível encontrar espectros de referência[17]; o uso de softwares de interpretação de espectros[18] e estudos similares para evidenciar as limitações e potencialidades da técnica[19].

Técnicas FT-IR de última geração, tal como UATR, têm encontrado destaque na análise de diferentes materiais, em comparação às técnicas de transmissão[20,21]. Nessa técnica de reflexão interna, não-destrutiva, utilizada para análises de sólidos, pós, líquidos e géis, um feixe IR passa através de um elemento ATR, com alto índice de refração, constituído de ZnSe com diamante ou KRS-5 com diamante, e atinge a superfície da amostra. Um dos pré-requisitos da técnica UATR é o bom contato entre o cristal e a superfície da amostra. A força da ponteira de análise pode ser ajustada a fim de se obter o contato mais adequado, uma vez que diferentes níveis de pressão influenciam diretamente as intensidades do espectro obtido. Desde que o feixe IR não penetre profundamente na amostra, essa técnica é indicada para análises de superfícies de amostras com poucos micra de espessura, ou seja, de profundidade de amostragem semelhante à encontrada na técnica fotoacústica (PAS)[22].

Na técnica PAS, a radiação IR não é transmitida ou refletida, os sinais acústicos gerados, pela radiação absorvida, são detectados e, então, transformados por FT-IR para produzir um espectro de feixe simples. A amostra é colocada numa pequena câmara, na qual um microfone é acoplado. A radiação modulada é focalizada sobre a amostra e certas frequências, que correspondem ao espectro de absorção do material, são absorvidas. A radiação absorvida causa flutuações de temperatura da superfície. Essas flutuações da temperatura de superfície da amostra induzem a mudanças periódicas de pressão do gás na célula fotoacústica. Uma onda sonora se desenvolve e é detectada por um microfone. Se uma frequência particular não é absorvida, então, a amostra não aquecerá e nenhuma onda sonora se desenvolverá. Dois processos estão envolvidos na geração do sinal fotoacústico: i) absorção de luz, cuja magnitude é determinada pelas propriedades de absorção da amostra; e ii) a liberação de calor para a superfície, este determinado pelas propriedades térmicas da amostra. Como os comprimentos de difusão térmica para a maioria dos materiais orgânicos, na região do infravermelho médio, estão na faixa de algumas dezenas de micra, a espectroscopia PAS é considerada uma técnica de análise de superfície próxima (near-surface analysis technique). É possível variar a velocidade de obtenção de espectros; deste modo, com o uso de velocidade mais alta é possível analisar a camada mais superficial de um material e com a mais baixa, a camada mais interna[22].

Assim, diante das facilidades laboratoriais existentes em nosso setor, incluindo acessórios de UATR e PAS, e com base nas características dessas técnicas FT-IR, iniciou-se o desenvolvimento de uma metodologia para a caracterização de aditivos de concentração minoritária nas tintas, a partir de amostras comerciais de tintas à base de resinas acrílicas. Esse enfoque foi adotado por não ter sido encontrada, no levantamento bibliográfico efetuado, citação de aplicação deste tipo de metodologia na análise de tintas, incluindo as citadas técnicas FT-IR de última geração, sobretudo para análise de aditivos de concentração minoritária nas formulações. Portanto, o objetivo desse trabalho consistiu em adaptar e adequar metodologias convencionais, desenvolvendo uma metodologia para a caracterização, por UATR e PAS, de tintas comerciais, preservadas com fungicidas e algicidas tradicionais.

Parte Experimental

O método desenvolvido neste trabalho contempla 7 etapas, apresentadas a seguir:

Etapa 1 - Preparação da formulação de tinta: uma tinta de formulação econômica, à base de resina acrílica, foi preparada, segundo a formulação apresentada na Tabela 1, adotando-se o procedimento de preparo tradicional de duas etapas, consistindo de moagem e completação. Foram preparadas duas formulações de tintas: uma sem microbicida e outra contendo 1,0% de uma formulação comercial de microbicidas, relacionada na mesma tabela, como preservante filme seco.

Etapa 2 - Análise de estabilidade dos ativos microbicidas nas formulações de tintas por HPLC: a formulação da tinta foi submetida a um envelhecimento acelerado, que consistiu na sua exposição em frasco de vidro inerte e fechado à temperatura de 52 °C por 15 dias, condições típicas adotadas para análises de tintas, nas quais os microbicidas não devem sofrer decomposição. 2 g de tinta líquida foram adicionados a 20 mL de uma mistura contendo tetraidrofurano (THF) (30 mL), acetonitrila (ACN) (30 mL) e água destilada (40 mL) para dissolução. Tal mistura foi agitada até que se obtivesse um extrato líquido sobrenadante e uma fase decantada. Após decantação, o sistema foi transferido para um tubo de 150 mL e centrifugado por 5 h. Após centrifugação, o extrato líquido foi filtrado em membrana de 0,45 µm para eliminação de partículas e analisado por HPLC, em duplicatas, segundo metodologia específica, que contempla a preparação de uma curva de calibração (calibração externa) com 3 pontos, fluxo de injeção automática de 1,0 mL/min, volume de injeção automática de 20 µL, temperatura ambiente, coluna de fase reversa C-18, 5 µm, 250 mm × 4,6 mm, eluição com sistema gradiente de água e ACN, detecção UV-vísivel em 263 nm e 40 min de corrida[23].

Etapa 3 - Aplicação e secagem das tintas em substratos lisos: em uma placa de vidro (de massa conhecida), foi espalhada de maneira uniforme a quantidade de aproximadamente 2 g de tinta, preparada conforme a Etapa 1. O conjunto, vidro e tinta úmida, foi pesado e seco ao ambiente, por 48 h, pesando-se em seguida o conjunto vidro e tinta seca. As tintas foram aplicadas em substratos de vidro lisos para facilitar sua remoção para análise posterior por FT-IR. Também foram aplicadas em cupons de prova para submetê-las às análises microbiológicas, antes e depois de lixiviação. As tintas testadas foram aplicadas com trincha sobre cupons de prova em duas demãos de tinta. Foi observado um intervalo mínimo de 24 h entre as demãos e mais sete dias de cura e secagem. Uma tinta sem microbicida (branco) foi aplicada nos referidos substratos.

Etapa 4 - Análise de estabilidade dos ativos microbicidas nos filmes secos de tintas por HPLC: 2 g de tinta seca foram extraídos com a referida mistura THF/ACN/Água de uma placa de vidro, usando-se ultrassom, em um banho termostatizado, até que se obtivesse um extrato líquido sobrenadante que foi separado e analisado como na Etapa 2.

Etapa 5 - Validação da atividade microbiológica - após a aplicação das tintas nos corpos de prova, a atividade microbiológica das mesmas foi comprovada por metodologia padrão[10,11], constatando a atividade do microbicida e, consequentemente, sua presença no filme seco. Foi testada a concentração de 1,0% (g/g) de formulação de microbicida, contendo OIT, carbendazim e diuron. Tal concentração foi adotada por se tratar de uma concentração típica de tinta de alta qualidade. Existem diferentes análises microbiológicas que atestam a eficácia de um dado microbicida para uma aplicação específica. Neste trabalho, a metodologia adotada seguiu a norma NBR 14941[10] e o Projeto 02:115.29-022[11], mais comumente utilizados.

Etapa 6 - Análise da superfície das tintas por UATR - a película seca aplicada em substrato liso de vidro foi removida por raspagem com espátula e foi analisada em sua porção superficial. A análise UATR foi realizada utilizando-se o espectrômetro Spectrum One, PERKINELMER, detector MIR DTGS e faixa espectral de 4000 a 550 cm - 1, resolução 4 cm - 1, ganho 1, 20 varreduras. Os espectros foram obtidos utilizando-se o acessório UATR, com um torque de 80 N.

Etapa 7 - Análise da superfície das tintas por PAS - a película seca aplicada em substrato liso de vidro foi removida por raspagem e analisada em sua porção superficial. A análise por PAS foi realizada utilizando-se o espectrômetro Spectrum 2000, PERKINELMER, faixa espectral de 4000 a 400 cm - 1, velocidade 0,20 cm/s, resolução de 8 e 128 varreduras.

Resultados e Discussão

A seguir, são apresentados os resultados obtidos para as análises cromatográficas (HPLC), microbiológicas e por FT-IR, adotadas neste trabalho.

Análise de estabilidade dos ativos microbicidas nas formulações de tintas por HPLC - a comparação dos teores individuais de microbicidas, inicialmente presentes na tinta e após seu envelhecimento mostrou uma recuperação analítica média superior a 98%, indicando não ter havido decomposição significativa dos microbicidas. A extração do filme seco da tinta das placas de vidro se mostrou dificultada à temperatura ambiente e, por isso, foi necessária a adoção de temperatura de 40 °C. O efeito conjugado de temperatura, ultrassom e água não causou nenhuma decomposição dos microbicidas, fato evidenciado pelo fator de recuperação médio superior a 99% (Tabela 2).

Na Figura 1, em cada foto há um par de placas, onde a da esquerda se refere à tinta seca, não submetida à lixiviação (que simula chuva artificial), enquanto a da direita corresponde à tinta seca, submetida à chuva artificial (lixiviação). É comum observar um maior crescimento microbiológico na placa da direita, uma vez que esta, sofrendo lixiviação, pode perder quantidade considerável de microbicida de sua película seca. A formulação de microbicidas se mostrou muito funcional na concentração de 1,0% (g/g) por se tratar de uma concentração muito próxima do que usualmente se adota nas tintas comerciais de mercado, evidenciado por não ter havido crescimento microbiológico, nem de algas nem de fungos.


O fato de a tinta se mostrar funcional contra fungos evidenciou que os microbicidas OIT e carbendazim não sofreram decomposição e que, portanto, estavam presentes nos filmes de tinta em concentrações efetivas, o mesmo se aplicando ao fato de as tintas não terem sido atacadas por algas, evidenciando a presença do microbicida diuron no filme seco. O branco (tinta que não continha microbicidas) resultou em contaminação total das amostras teste, evidenciando que a tinta não é auto-preservante e que, portanto, os resultados de resistência a fungos e algas não foram falsos negativos, o que ocorre quando os microrganismos apresentam alguma debilidade e não conseguem crescer nas condições adversas (condição xerofítica, ou seja, sem água, essencial à vida) de um filme de tinta seco. Juntamente com os resultados das análises microbiológicas, os dados cromatográficos já haviam comprovado a presença dos microbicidas nos filmes de tinta. Assim, procedeu-se a análise UATR, no modo reflexão, buscando a caracterização desses compostos na superfície da tinta.

Análise da superfície das tintas por UATR - a Figura 2 mostra os espectros UATR da tinta sem e com preservação, dos microbicidas, carga e resina seca utilizadas na formulação, com as bandas associadas aos grupos funcionais dos produtos químicos[17]. Para o OIT (2a) são observadas bandas (cm - 1) em: 2924, 2855 e 722 (CH2 alifático), 1618 (C=O de amida), 1263 e 781 (anel heterocíclico de 5 membros). O carbendazim (2b) mostra bandas (cm - 1) em: 3320 (N-H de amida e amina secundária), 1710 (C=O de éster), 1627 (C=O amida e C=N em pentanel heterocíclico), 1591 (C-C aromático e C=N em benzimidazóis), 1266 e 1093 (C-O) e 726 (anel heterocíclico de 5 membros e C-H-substituição aromática). O diuron (2c) apresenta (cm - 1) bandas em: 3280 (N-H de amida), 1651 (C=O amida e C=N 1584 (C-C aromático), 1473, 1298 e 1186 (C-N), 1132 (C-Cl aromático) e 864 e 813 (C-H-tri-substituição aromática).


Observa-se, basicamente, que os microbicidas OIT, carbendazim e diuron possuem bandas intensas e que, potencialmente, possam ser usadas como bandas analíticas. Entretanto, a análise direta, por UATR, desses compostos na tinta não foi possível visto que os espectros da tinta sem (2d) e com (2e) microbicida, são, praticamente, idênticos. Devido à resina e a carga estarem presentes em altas concentrações, tais ingredientes poderiam ser os maiores dificultadores para essa análise direta. De fato, as principais bandas (cm - 1) observadas são, somente, devidas à resina (2f), em 1728 (C=O), 1159 (C-O) e 698 (C-H substituição aromática).

Mesmo não sendo possível caracterizar a presença dos microbicidas na superfície da tinta por UATR, é conhecido que devem entrar em contato[1] com os microrganismos para controlarem a sua proliferação. Deste modo, é possível afirmar que uma quantidade de microbicidas deve estar presente na superfície do filme, em sua porção mais exposta ao meio ambiente, pois de outra forma esta teria se contaminado como a tinta sem microbicidas. Materiais tratados com aditivos, quando expostos ao contato com água do ambiente, potencialmente, liberam tais aditivos e os microbicidas não são exceção.

A liberação dos microbicidas é um processo que depende de suas características, sendo os principais parâmetros que regem este fenômeno (i) seu transporte através da matriz (difusão), (ii) a qualidade da água, (iii) a eluição de outras substâncias que atuariam como carreadores dos microbicidas e (iv) a degradação dos microbicidas em moléculas menores[24]. Tanto substâncias líquidas como sólidas podem migrar através de um filme de tinta[25-29].

Como a atividade dos microbicidas sugeriu a sua presença numa camada bem superficial da tinta, foi realizada a análise PAS, que, por suas características, já descritas, examina uma camada bem fina da superfície dos materiais, especialmente em maiores velocidades. Em função da velocidade 0,20 cm/s já ter apresentado bons resultados, em publicação recente do grupo[30], foi adotada para esse estudo.

Análise PAS - a análise PAS, a 0,20 cm.s - 1, das tintas (Figura 3) sem (3a) e com (3b) microbicidas revelou espectros bastante diferentes. Na Figura 3b, pode ser observada uma banda bastante intensa em 772 cm - 1 que, provavelmente, possa ser atribuída à presença de OIT (Tabela 3). Na mesma tabela, além dessa absorção é, também, observado um conjunto de bandas que pode ser relacionado à presença desse e dos outros preservantes.


A Figura 3, que inclui, também, os espectros PAS, obtidos, a 0,20 cm.s - 1, para os microbicidas (3c, 3d, 3e), carbonato de cálcio (3f) e resina (3g), mostra que em relação à técnica UATR (ver Figura 2), a técnica fotoacústica para a amostra de tinta com microbicidas (3b) não mostra a interferência das bandas dos dois referidos componentes majoritários da tinta usada neste trabalho, permitindo a melhor observação das bandas dos microbicidas usados.

Basicamente, observando-se a provável atribuição da Tabela 3, ainda é possível sugerir que há um número maior de bandas do carbendazim, entretanto a única absorção desse composto que não sofre sobreposição, é a encontrada em 1709 cm - 1. Da mesma forma, 1474 cm - 1 para o diuron e 772 cm - 1 para o OIT. A maior presença de bandas de carbendazim e a melhor visualização de uma banda intensa, provavelmente atribuída ao OIT, podem, ainda, sugerir, pela característica da técnica PAS, a 0,20 cm.s - 1, que esses microbicidas estejam numa camada mais superficial da tinta (poucos micra).

Um fato que pode ser associado à provável atribuição da banda 772 cm - 1 ao OIT, é que este composto, líquido à temperatura ambiente e que possui grande difusão através do filme de tinta[24], possa estar em grande proporção na superfície da tinta.

Na tentativa de melhor investigar essa atribuição, a uma nova amostra de tinta sem microbicida, adicionou-se 0,1% de OIT (1000 ppm). Não foi observado o aparecimento da banda em 772 cm - 1, o mesmo ocorrendo na análise da tinta com maior excesso de OIT (0,5%, 5000 ppm). Levando-se em consideração que a tinta com 1,0% de microbicidas continha, aproximadamente, 5 ppm de OIT, considerou-se a possibilidade de que o OIT não tivesse migrado à superfície da tinta, pois a mesma fora preparada, seca a vácuo e analisada no mesmo dia. Em contraste, a tinta, previamente, analisada (contendo 1,0% da dispersão de microbicidas) havia sido seca ao ambiente e preparada há mais de seis meses, sendo analisadas, anteriormente, por UATR.

Deste modo, as mesmas amostras foram analisadas após um mês de preparação. A Figura 4, que inclui os espectros PAS das amostras de tintas contendo 0,1 e 0,5% de OIT, nessas condições, passaram a apresentar a banda em, aproximadamente, 770 cm - 1. O resultado explica porque uma tinta, recém preparada, não se mostra tão eficiente no controle microbiológico, pois se o biocida não estiver na superfície da tinta, esta não será funcional.


Conclusões

A técnica UATR, para o sistema analisado, não permitiu a análise direta dos microbicidas no filme seco da tinta.

Os microbicidas possuem bandas intensas, analisados, tanto por UATR ou por PAS (absorções em 1709 cm - 1 para o carbendazim, 1474 cm - 1 para o diuron e 772 cm - 1 para o OIT), que poderiam permitir a sua caracterização na superfície das tintas, entretanto somente a técnica PAS, com velocidade 0,20 cm.s - 1, foi adequada a tal propósito, provavelmente, em função desta última permitir variar o grau de profundidade de amostragem, analisando camadas distintas do filme da tinta.

A maior presença de bandas de carbendazim, observada na análise PAS, na velocidade usada, pode ainda sugerir, pela característica da técnica, que esse microbicida e o OIT, também observado com um menor número de bandas, estejam numa camada mais superficial da tinta (poucos micra).

É necessário aguardar o processo natural (ao ambiente) de cura e secagem da tinta antes da análise, de modo a permitir a migração do microbicida (OIT) para a superfície da mesma. Assim, o microbicida pode ser detectado em camada mais superficial da tinta, por PAS, usando maior velocidade.

Enviado: 14/09/12

Reenviado: 13/05/13

Aceito: 12/09/13

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  • Autor para correspondência:
    Rita de Cássia Lazzarini Dutra
    Divisão de Química – AQI
    Instituto de Aeronáutica e Espaço – IAE
    Av. Marechal do Ar Eduardo Gomes, 50, Vila das Acácias
    CEP 12228-904, São José dos Campos, SP, Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Aceito
      12 Set 2013
    • Recebido
      14 Set 2012
    • Revisado
      13 Maio 2013
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