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Aspectos históricos de ciência e tecnologia de polímeros no Brasil

HISTÓRIA DOS POLÍMEROS

Aspectos históricos de ciência e tecnologia de polímeros no Brasil

Preâmbulo

O atual estágio de desenvolvimento da Ciência & da Tecnologia de Polímeros no Brasil pode ser considerado muito bom em comparação com aquele de países emergentes. A formação de recursos humanos, tanto em nível técnico como superior, na área de polímeros tem contribuído decisivamente para atingir tal nível. Assim, grupos de profissionais provenientes de vários setores tais como Institutos e Departamentos Universitários, Faculdades, Escolas Técnicas, Centros de Pesquisa, autônomos e privados e Indústrias sediadas no Brasil têm participado ativamente da evolução científica e tecnológica de polímeros no Brasil desde seus primórdios, na década de 60. A competência científica e tecnológica destes setores tem sido ao longo dos tempos a principal responsável pelo avanço da área de polímeros no Brasil.

Ao se aproximar do final da última década deste século a revista Polímeros Ciência e Tecnologia achou oportuno fazer um retrospecto histórico de como foram implantadas as áreas de ciência, tecnologia e de formação de RH em polímeros e como seu desenvolvimento tem se consolidado no Brasil desde então. Para registrar os aspectos históricos de polímeros no Brasil o comitê editorial não poderia deixar de convidar outra pessoa senão a Profa. Dra. Eloisa Biasotto Mano, uma das pessoas responsáveis pela introdução da ciência e da tecnologia de polímeros em nosso país, bem como uma das primeiras docentes a formar recursos humanos nesta área.

A Profa. Eloisa procurou reunir em um documento uma série de dados cronológicos que permitisse à comunidade dos dias de hoje um conhecimento mais pormenorizado da História de Polímeros no Brasil. O documento não esgota este assunto nem tem esta pretensão, seriam necessários outros depoimentos para tal. Desta forma encorajamos outros profissionais a participarem desta iniciativa, compartilhando seu conhecimento histórico a respeito junto com a comunidade brasileira de polímeros. Para isto basta enviar seus comentários para a ABPol.

Os Primórdios na Área de Polímeros no Brasil

Somente em fins da década de 20 os polímeros tiveram sua natureza química reconhecida como moléculas, porém grandes, de dimensões muito maiores do que nas moléculas até então conhecidas e assim, ao tempo da II Guerra Mundial (1940-1945), eram poucos os países onde já havia pesquisa regular nessa área, como Alemanha, a Inglaterra, a França, os Estados Unidos e a Rússia. A concentração de esforços para resolver problemas de segurança nacional foi de grande importância para o desenvolvimento desses novos materiais poliméricos.

O Brasil estava ainda em situação bastante precária, muito atrasado tanto em relação a atividades industriais quanto universitárias. Este era o país que os jovens encontravam ao sair de seus cursos universitários, ansiosos como eu por um emprego e sem sequer imaginar o que significava a palavra pesquisa.

As áreas do conhecimento mais próximas a Polímeros eram a Química e a Engenharia. Já havia produção de artefatos de borracha natural e ebonite, e também de alguns plásticos, como nitrato e acetato de celulose, resinas fenólica, ureica e caseínica, com os quais eram moldados numerosas peças de uso generalizado. Também fibras de celulose regenerada e de acetato de celulose eram produzidas e comercializadas: na era pré-Nylon, a vasta quantidade de peças de lingerie do vestuário feminino consumia jérseis, feitos de acetato de celulose. Como parte da equipe técnica do INT, eu tive a oportunidade de visitar detidamente todas essas fábricas, que se localizavam em sua quase totalidade no Estado de S.Paulo.

Somente muito mais tarde surgiram os polímeros sintéticos termoplásticos, primeiro importados e transformados em uma enorme variedade de peças consumidas no quotidiano doméstico, e depois, progressivamente fabricados no Brasil. A criação dos pólos petroquímicos na Bahia e no Rio Grande do Sul propiciou a abertura de um imenso leque de produtos poliméricos, que veio ampliar a produção já consolidada de São Paulo, tornando o país, em diversificação e quantidade de polímeros fabricados, comparável aos países considerados mais desenvolvidos.

Nas universidades e laboratórios de ensaios de rotina, as condições nos anos 50 eram também muito precárias, não só quanto a instalações físicas, como também na qualidade curricular de grande parte de seu pessoal, que muitas vezes procurava suprir com dedicação suas falhas de conhecimento.

Nessa época, aconteceu um fato de extrema relevância para o país. É que, fugindo da guerras e das perseguições políticas e raciais, chegaram ao Brasil numerosos contingentes de diversificada cultura e, em geral, alta capacitação técnica, ansiosos por encontrar ambiente amistoso e terreno fértil para neles investir o seu trabalho e dedicação.

Com essa emigração de pessoal geralmente qualificado, iniciou-se um surto de desenvolvimento em especial nos Estados do Sul do país, cujo clima se assemelhava mais às condições existentes nos países de origem. Desta maneira teve início o parque industrial de São Paulo e as regiões fabris e agrícolas de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Nas universidades, o efeito foi mais concentrado em alguns pontos; a grandeza da Universidade de São Paulo é o melhor exemplo da diferença entre ter ou não ter recebido o extraordinário benefício da competência de alguns ilustres mestres, trazendo para os trópicos os padrões europeus de capacitação acadêmica.

Os institutos de pesquisa tecnológica tiveram uma atuação marcante na área de Polímeros. Os industriais ali encontravam apoio para obter análises laboratoriais para controle de qualidade e avaliação tributária. Destacavam-se naquela época o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, em São Paulo, e o Instituto Nacional de Tecnologia, INT, no Rio de Janeiro, onde havia o Laboratório de Borracha e Plásticos, em que trabalhei no período de l951 a l965. Institutos semelhantes, de criação posterior, eram o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em Porto Alegre, RS, e ainda alguns outros, que realizavam eventuais atividades em Polímeros.

É preciso destacar ainda os centros de pesquisa de grupos empresariais, como o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento, CEPED, em Camaçari, BA, e o Centro de Pesquisa Leopoldo Miguez de Mello, CENPES, da PETROBRAS, no Rio de Janeiro, RJ, entre alguns outros, de formação mais recente.

Alguns fatos curiosos daquela época me vêm à memória. Uma tarde, lá pelo início dos anos 50, fui chamada pelo meu Chefe para saber se eu já havia visto algo parecido com aquela folha fina de plástico branco, leitoso, translúcido, flexível, que chegava ao INT para análise através de um industrial, o qual informava tratar-se de algo novo, com um nome parecido com "poliestireno". Foi assim que travei conhecimento com o polietileno de baixa densidade, LDPE, que depois seria fabricado em São Paulo pela Union Carbide.

Outro momento histórico para mim foi quando chegou ao INT para identificação uma gaxeta amarelada, cor de mel, semi-transparente, flexível, de aspecto um tanto borrachoso, sem ser borracha, utilizada pela empresa na junção de peças que trabalhavam no transporte de água do mar, com partículas de areia em suspensão; esta gaxeta precisava ser substituída e para isto o industrial precisava orientar o fabricante sobre a natureza do produto. Era a primeira peça de poliuretano, PU, que me chegava às mãos para identificação.

Ainda outra experiência inesquecível que tive foi quando recebi da DuPont uma série de amostras que eu havia solicitado, em resposta ao anúncio do novo plástico lançado no mercado por aquela grande empresa americana: o poliéster Mylar, poli(tereftalato de etileno), PET. Este novo produto era valorizado ao máximo pela sua excepcional resistência mecânica. O anúncio mostrava um carro de passeio como se fosse um bebê, trazido por uma cegonha, suspenso por uma gigantesca fralda, incolor e transparente, feita com aquele novo plástico. A capa do boletim técnico trazia também uma folha de PET, com os dizeres; "Tente rasgar". Somente após anos a fio de tentativas, feitas por inúmeros industriais e estudantes que me visitavam, é que, finalmente, um dia ... a folha de PET rasgou.

A Situação dos Polímeros nas Universidades nos anos 90

O ensino de Polímeros no país teve início em 1962, na Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil, quando comecei a ministrar as aulas da Cadeira de Química Orgânica II, a qual eu acabava de assumir, vencendo o concurso para Professor Catedrático. Nesta ocasião, propus e foi aprovada pela Congregação da Escola a modificação do programa daquela Cátedra, incluindo algumas aulas sobre o tópico Polímeros nos cursos de Química Industrial e Engenharia Química. Esta proposta foi sugestão do eminente Professor Carl S. Marvel, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, com quem eu havia realizado um estágio de 1 ano em Polimerizações, e que se encontrava no Rio de Janeiro como convidado a participar de um seminário de Química.

Deste modo, a linguagem peculiar aos polímeros começou a tornar-se familiar para os estudantes de Química do Rio de Janeiro. Progressivamente, as disciplinas e cursos relacionados a Polímeros foram se desenvolvendo na UFRJ, sempre vinculadas a Química e Engenharia. Em 1968, começaram as primeiras pesquisas sobre Polímeros, com as Teses de Mestrado de 7 alunos do IQ-UFRJ, sob minha orientação. A primeira Tese de Mestrado em Polímeros realizada e defendida no Brasil foi do meu estudante Luiz Antonio Alves, no IQ-UFRJ, em 1971, sob o título: "Polimerização oxidativa de hidrocarbonetos aromáticos". Este Grupo de Pesquisa foi o pioneiro em Polímeros; foi a base que justificou a criação do Núcleo Macromolecular-UFRJ, em 1972 e depois, em 1976, sua transformação em um Instituto Especializado da UFRJ, denominado Instituto de Macromoléculas, com status adequado a oferecer seus próprios cursos de Pós-Graduação sensu stricto.

Assim, em 1977, o IMA-UFRJ começou a matricular seus estudantes em cursos de Mestrado e Doutorado em Ciência e Tecnologia de Polímeros, devidamente credenciados pela CAPES. A primeira Tese de Doutorado em Polímeros feita no país foi realizada pela estudante do IQ-UFRJ, Elisabeth Ermel da Costa Monteiro, em 1981, sob minha orientação, com o título "Interações entre poli(cloreto de vinila) e cetonas".

Em 1996, após a minha aposentadoria, foi aprovada pelo Conselho Universitário a proposta do Corpo Social do IMA-UFRJ , isto é, seus docentes, discentes e funcionários, para a transformação do nome do Instituto em Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano, cuja sigla permanece sendo IMA-UFRJ.

O levantamento das instituições universitárias do país que realizavam pesquisa na área de Polímeros há dez anos, feito para atendimento a solicitação da FINEP, revelou que havia 1 Instituto Especializado, 4 Grupos consolidados, instalados em Departamentos de Química ou de Engenharia, e 8 Grupos emergentes, buscando ainda seu espaço. Estas instituições, em 1989, eram:

I Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

• Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano - IMA

• Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia - COPPE

• Instituto de Química - IQ

II Universidade Federal de São Carlos - UFSCar

• Departamento de Engenharia de Materiais - DEMa

III Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

• Instituto de Química - IQ

IV Universidade de São Paulo - USP

• Instituto de Química - IQ

V Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

• Instituto de Química - IQ

VI Universidade Federal da Paraíba - UFPB

• Departamento de Engenharia Química - DEQ (Campina Grande)

VII Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

• Departamento de Química Fundamental - DQF

VIII Universidade Federal do Ceará - UFCE

• Departamento de Química Geral e Inorgânica - DQGI

IX Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

• Departamento de Engenharia e Tecnologia Elétrica - DETE

X Universidade de Caxias do Sul UCS

• Laboratório de Termoplásticos - LTP

XI Universidade Estadual de Maringá - UEM

• Departamento de Química - DQ

Em relação às condições de 1989, existem atualmente ainda os seguintes grupos emergentes:

I Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

• Faculdade de Engenharia Química - FEQ

II Universidade de São Paulo - USP

• Instituto de Física e Química - IFQSC (São Carlos, SP)

Observa-se que, além do que se poderia esperar quanto à ampliação e amadurecimento das condições de instrumental e quadros de pessoal docente/técnico, não houve mudança substancial no desenvolvimento das atividades de pesquisa em Polímeros no país nesta última década. Os numerosos profissionais qualificados, com conhecimento aprofundado em Polímeros, somente em parte foram absorvidos pelas universidades do país.

As causas podem ser atribuídas às imensas dificuldades financeiras que nos afligiram naquele período e continuam impondo restrições até o presente, freando o desenvolvimento dos grupos de pesquisa já existentes e impedindo o surgimento de novos centros dedicados a Polímeros.

A Situação de Polímeros na Indústria nos anos 90

Em termos de produção mundial, a situação do Brasil quanto à produção industrial de polímeros tem sido bastante destacada. Dados colhidos em 1984 mostram que, em relação a borrachas, o Brasil já fabricava 3 diferentes polímeros sintéticos (polibutadieno, BR, copolímero de butadieno e estireno, SBR, copolímero de butadieno e acrilonitrila, NBR), além da borracha natural, extraída da seringueira, Hevea brasiliensis. Estes elastômeros sintéticos eram produzidos em instalações industriais com 263.000 toneladas de capacidade instalada, nos Estados de Pernambuco e Rio de Janeiro1.

Quanto aos termoplásticos, eram produzidos no país 11 diferentes polímeros: polietileno de alta densidade, HDPE, polietileno de baixa densidade, LDPE, polipropileno, PP, poliestireno, PS, poli(cloreto de vinila), PVC, poli(acetato de vinila), PVAc, poliacrilatos, poli(metacrilato de metila), PMMA, terpolímero de acrilonitrila, butadieno e estireno, ABS, policarbonato, PC, e acetato de celulose, CAc. O total de capacidade instalada era de 1.765.000 toneladas, distribuídas em empresas localizadas em diversos Estados do país: São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraíba.

Em relação aos polímeros termorrígidos, também em 1985, havia no país a fabricação de 7 tipos diferentes: resina fenólica, PR, resina ureica, UR, resina melamínica, MR, poliuretano, UR, poliéster insaturado, PPPM, resina alquídica, resina epoxídica, ER. A capacidade instalada era de 498.000 toneladas, e as fábricas se encontravam nos seguintes Estados: São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco.

No setor de fibras sintéticas, o país produzia em 1986 6 tipos de polímero: poliacrilonitrila, PAN, policaprolactama. PA 6, poli(adipato de hexametileno), PA 66, poli(tereftalato de etileno), PET, acetato de celulose, CAc, e celulose regenerada, RC. As instalações fabris possuíam 331.000 toneladas de capacidade instalada, espalhada em vários Estados da Federação: São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Paraíba.

Este era o quadro promissor que o país exibia em 1986, motivo pelo qual era grande o respeito ao nosso parque industrial de polímeros, do qual muito se orgulhavam os brasileiros.

Para o presente trabalho, lamentavelmente não foi possível conseguir a totalidade dos dados correspondentes, devidamente atualizados. A ABPol certamente receberá com muita satisfação essas informações, para posterior publicação nesta mesma Revista.

A principal modificação foi no campo das borrachas, em que 2 novos tipos foram produzidos: o copolímero em bloco de butadieno e estireno, do tipo SBS, e o terpolímero de etileno, propileno e dieno não-conjugado, EPDM. Nos plásticos, novas tecnologias foram implantadas, especialmente dentre os termoplásticos do tipo commodities. Dentre as fibras, o polímero PA-66 deixou de ser fabricado no país.

Das informações obtidas, tem-se a impressão geral que, na verdade, houve queda marcante no ritmo do desenvolvimento industrial no campo de Polímeros. Ao contrário do acentuado progresso observado na evolução acadêmica, o modelo de desenvolvimento tecnológico não correspondeu ao desejado. Por que motivo?

É provável que a extraordinária influência da Informática nos processos tecnológicos seja responsável por esta mudança de rumos, e que o retardamento na readaptação dos projetos e projeções por parte dos empresários tenha tido este efeito de rebaixamento da curva de crescimento. Além disso, a inflação alarmante que o país teve de enfrentar e que felizmente parece debelada, era motivo de desestímulo para investimentos em novos empreendimentos industriais. Por outro lado, a política de globalização que se instalou no Brasil nos últimos anos, obriga à competitividade dos produtos, em qualidade e custo, em busca dos mercados mais atraentes. Espera-se que o atual período de transição seja brevemente substituído por uma fase que propicie ao país uma tendência exponencial em sua curva de crescimento.

  • 1. Mano, E. B. - "Introdução a Polímeros", 1ed., Edgard Blücher Ltda, São Paulo, SP, (1985)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 1998
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